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2018 - 05 - 08 
A ética dos precedentes - Ed. 2016
PRIMEIRAS PÁGINAS
© desta edição [2016]
2018 - 05 - 08
© desta edição [2016]
 
A ética dos precedentes - Ed. 2016
SOBRE O AUTOR
LUIZ GUILHERME MARINONI
Professor Titular de Direito Processual Civil da UFPR. Pós-Doutorado na Universidade
Estatal de Milão. Visiting Scholar na Columbia University. Autor de vários livros
publicados no Brasil e quinze no exterior (América e Europa). Diretor da Revista
Iberoamericanade Derecho Procesal e da Revista de Processo Comparado. Professor
Visitante na Universidade de Florença, na Universidade de Gênova, na Universidade de
Pavia, na Universidade do Litoral (Argentina), na PUC de Valparaíso (Chile), na PUC do
Peru, entre outras. Recebeu o prêmio Jabuti em 2009 e já foi indicado ao mesmo prêmio
por outros dois livros. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual
Constitucional. Membro da Diretoria Executiva do Instituto Iberoamericano de Derecho
Procesal. Membrodo “Council” da International Association of Procedural Law. Consultor
Internacional do Projeto “Principles of Transnational Civil Procedure” (American Law
Institute e UNIDROIT). Ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de
Curitiba. Ex-Procurador da República. Advogado e parecerista, com intensa atuação nos
Tribunais e Cortes Supremas.
2018 - 05 - 08
© desta edição [2016]
 
A ética dos precedentes - Ed. 2016
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS
Após as reformas implementadas no currículo de minha Universidade, tive a
oportunidade de conferir a uma disciplina do Curso de Graduação um conteúdo voltado
ao estudo das relações entre "direito processual e cultura". Muito recentemente e com
grande proveito, essa disciplina teve como objeto o estudo da influência da religião sobre
o direito processual. A partir daí o livro brotou.
Esse livro, além de contar com aportes de sociologia do direito, exigiu compreensão de
ordem teológica. Sou grato à inteligência e à generosidade do Dr. Rogério Kampa pelos
diálogos esclarecedores que inspiraram o desenvolvimento do texto.
A Ricardo Alexandre da Silva agradeço pela discussão da obra de Max Weber e pelas
suas preciosas sugestões para o aperfeiçoamento da argumentação. Também agradeço a
Paula Pessoa pela sua colaboração nas aulas da disciplina de "Processo e cultura" e na
discussão do tema.
Agradeço, ainda, a Daniel Mitidiero pela análise do texto, e a Juliana Fonseca pelos
artigos enviados da Yale Law School.
2018 - 05 - 08 
A ética dos precedentes - Ed. 2016
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Há algum tempo me incomodava a variação das decisões, muitas vezes de um mesmo
colegiado, acerca de uma mesma questão de direito. Como sempre me preocupei com o
senso comum a respeito do funcionamento da "justiça", ficava sobremaneira inquieto ao
ouvir alunos e outras pessoas indignados com o fato de a tutela de um direito ser
conferida a um e não a outro sujeito em situações idênticas.
Como esse panorama, embora anacrônico, mantinha-se no cotidiano da prática forense
há muito tempo, era difícil reagir em termos teóricos, já que a doutrina e os tribunais
enxergavam o fenômeno como algo absolutamente normal, como uma decorrência
inevitável do nosso sistema. Animei-me, então, ao estudo comparatístico e rumei na
qualidade de Visiting Scholar aos Estados Unidos, onde permaneci por algum tempo na
Columbia University.
Foi fácil perceber que os costumeiros e mitificados argumentos contrários aos
"precedentes obrigatórios", especialmente os de que esses, além de obstaculizarem a
evolução do direito, seriam cabíveis apenas nos sistemas de menor conteúdo legislado ou
naqueles em que o direito é criado pelos juízes, eram claramente improcedentes, estando
a sua razão de ser na necessidade de se conferir estabilidade às decisões judiciais. Evita-se,
dessa forma, a negação da previsibilidade e da igualdade, sendo sempre possível,
exatamente para o desenvolvimento do direito, operar mediante as técnicas do
distinguishing e do overruling. Nessa perspectiva, enfatizando que os precedentes
obrigatórios podem satisfazer necessidades não só do common law, mas também do civil
law, e analisando as técnicas de operação com precedentes à luz do direito brasileiro,
escrevi o livro Precedentes obrigatórios.1
Mais recentemente, preocupado em evidenciar que os precedentes obrigatórios, no
direito brasileiro, devem ser fixados pelas Cortes Supremas, escrevi O STJ enquanto Corte
de Precedentes,2 em que demonstrei que a função das Cortes Supremas, diante do impacto
do constitucionalismo e da evolução da teoria da interpretação, é atribuir sentido ao
direito e contribuir para a sua evolução mediante decisões que não podem deixar de ter
força obrigatória, na medida em que são autônomas em relação aos textos legal e
constitucional, agregando algo de novo à ordem jurídica.
Restei absolutamente convencido, diante de tudo isso, que estava demonstrada a razão
para o nosso sistema não poder prescindir dos precedentes obrigatórios, assim como
esclarecidas as questões que viabilizariam a operação com precedentes em prol do
desenvolvimento do direito. Não obstante, intrigou-me a circunstância de alguns fingirem
não enxergar a minha proposta.
Foi quando percebi que o problema não estava mais em demonstrar, em termos
teóricos, que o stare decisis não se confunde com o common law ou não pode ser privilégio
de um direito não legislado, bem como que o civil law, em virtude da transformação do
conceito de direito e da evolução da teoria da interpretação, não pode continuar
atribuindo às suas Cortes Supremas a função de tutela do legislador. Surgira o momento
de discutir os motivos pelos quais, apesar da evolução do nosso direito, muitos convivem
com naturalidade com um direito incoerente e com um sistema despido de racionalidade,
incapazes de propiciar a previsibilidade, a igualdade e a liberdade.
Essa nova perspectiva deixa de lado questões já superadas pelos dois primeiros livros -
vinculadas a como o sistema deve ser -, pois está atenta especialmente à cultura, tentando
relacionar, em termos sociológicos, aspectos culturais com a vocação para a
irracionalidade, a falta de previsibilidade e a indiferença diante da desigualdade perante o
direito.
O presente livro, invocando a ideia weberiana de direito racional e considerando a
célebre obra A ética protestante e o "espírito" do capitalismo - de Weber3 -, busca
demonstrar que a racionalidade jurídica formal, própria ao direito continental europeu do
final do século XIX e início do século XX, tem um nítido componente da "ética protestante",
mais claramente dos valores calvinistas - que, como é sabido, também estiveram presentes
na Revolução Inglesa de 1688 (a Revolução Gloriosa) e, logo depois, à base da criação da
Constituição dos Estados Unidos.4 Os valores religiosos que determinaram o modo de vida
do protestante, que propiciou o desenvolvimento do capitalismo, exigiram um direito
racional e previsível, expresso na abrangência e na clareza organizacional peculiares ao
positivismo científico ou ao conceitualismo alemão do início do século XX.5
O common law inglês, visto por Weber como um direito destituído de racionalidade
formal fundamentalmente por não permitir a generalização e a abrangência, converteu-se
num direito previsível mediante o stare decisis, o que serve para evidenciar não apenas
que esse não se confunde com o common law, mas especialmente para esclarecer que os
"precedentes obrigatórios" se tornam necessários na medida em que o direito se afasta da
calculabilidade.
A transformação do civil law em virtude do impacto do constitucionalismo, do emprego
cada vez mais difundido das cláusulas gerais e da evolução da teoria da interpretação
eliminaram as pretensões do positivismo logicista e, por consequência, a previsibilidade
que mediante ele seria alcançável. Porém, se o direito cogitado por Weber deixou de
existire o novo direito passou a depender em boa medida da subjetividade do julgador,
isso não quer dizer que a sociedade poderia restar desamparada ou destituída das
garantias da previsibilidade e da igualdade, como se o novo perfil do direito de civil law
não pudesse se compatibilizar com uma ordem jurídica coerente e com a distribuição
racional da justiça.
Considera-se, ainda, o impacto dos valores do catolicismo tridentino sobre a
colonização do Brasil e, especialmente, o conceito weberiano de patrimonialismo sob a
ótica de Sérgio Buarque de Holanda, demonstrando-se o seu significado na relação do
brasileiro com a Administração Pública. O patriarcalismo e o patrimonialismo, traços
particulares da formação da nossa cultura, deram origem ao conceito buarqueano de
"homem cordial",6 o sujeito que, acostumado ao ambiente íntimo e de troca de favores da
família, transforma o espaço público em privado e, exatamente por não poder suportar a
impessoalidade e a racionalidade, também vê a lei como algo que deve ser contornado
mediante o auxílio do "funcionário patrimonial",7 isto é, do funcionário que está na
Administração Pública ou da justiça apenas para dela se beneficiar.
Note-se, desde logo, que não é difícil estabelecer uma ligação bastante clara entre uma
cultura que sustenta, sem qualquer constrangimento, a possibilidade de o homem resistir
à lei que o prejudica mediante o uso das suas relações e um sistema que ecoa a falta de
unidade na solução de casos iguais, vendo o tratamento diferenciado das pessoas como
algo natural. De modo que a ausência de reação a um sistema judicial que nega a
igualdade e a previsibilidade pode revelar um interesse de várias posições sociais,
inclusive de grupos de juízes e de parcela dos advogados.
O personalismo, outra característica da nossa formação cultural, constituiu-se num
obstáculo para a coesão social a ponto de poder ser apontado como uma causa da
conhecida tibieza das nossas instituições. A falta de visão institucional de alguns juízes
tem atrás de si a exaltação da autonomia e do individualismo, ainda que mascaradas de
"liberdade para julgar" e de "submissão exclusiva à lei". Também não é impossível
perceber, desde aqui, que um juiz que não tem qualquer comprometimento com objetivos
gerais não pode compreender que a jurisdição depende de várias funções, uma das quais
a de atribuir sentido ao direito mediante precedentes obrigatórios.
Ao final, busca-se demonstrar a fundamentalidade dos precedentes para a unidade e o
desenvolvimento do direito, a clareza e a generalidade, a promoção da igualdade, o
fortalecimento institucional, a limitação do poder do Estado, a previsibilidade, a
racionalidade econômica, o respeito ao direito e o incremento da responsabilidade
pessoal.
A justificativa, ou melhor, a eticização dos precedentes, além de estar relacionada a
todos estes fatores, implica ver que o respeito aos precedentes é uma maneira de
preservar valores indispensáveis ao Estado de Direito, assim como de viabilizar um modo
de viver em que o direito assume a sua devida dignidade, na medida em que, além de ser
aplicado de modo igualitário, pode determinar condutas e gerar um modo de vida
marcado pela responsabilidade pessoal.
Para se ter uma vida pautada no direito - uma ética pessoal de respeito ao direito
independentemente das consequências da sua inobservância -, assim como para que o
direito tenha força para regulá-la, é indispensável a unidade do direito e, portanto, que as
Cortes Supremas funcionem como Cortes de Precedentes, com o que também será possível
estimular um ética baseada na responsabilidade pessoal.
FOOTNOTES
1
.  Luiz Guilherme Marinoni, Precedentes obrigatórios, 3. ed., São Paulo: Ed. RT,
2013 [2010].
2
.  Luiz Guilherme Marinoni, O STJ enquanto Corte de precedentes, 2. ed., São
Paulo: Ed. RT, 2014 [2013].
3
.  Max Weber, A ética protestante e o "espírito" do capitalismo (edição de
Antônio Flávio Pierucci), São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
© desta edição [2016]
4
.  Sanford Levinson, Constitutional Faith, Princeton: Princeton University
Press, 1988; Gordon S. Wood, The Creation of the American Republic: 1776 -1787,
North Carolina: The University of North Carolina Press, 1998; Fernando Rey
Martínez, La éticaprotestante y el espíritu del constitucionalismo, Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2003.
5
.  Max Weber, Economia e sociedade, Brasília: UnB, 2004, vol. 2, p. 1-153; Max
Weber, Essais de sociologie des religions, Paris: Gallimard, 1996.
6
.  Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, São Paulo: Companhia das
Letras, 1995 [1936]; Sérgio Buarque de Holanda, O homem cordial, São Paulo:
Companhia das Letras e Penguin Group, 2012.
7
.  A categoria "funcionário patrimonial", devida a Max Weber, é utilizada por
Sérgio Buarque de Holanda: "para o funcionário 'patrimonial', a própria gestão
política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os
empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do
funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado
burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se
assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes
do Brasil cit., p. 146).
2018 - 05 - 08 
A ética dos precedentes - Ed. 2016
I. PROTESTANTISMO, CAPITALISMO, RACIONALIDADE DO DIREITO E
PREVISIBILIDADE EM WEBER. ENTRE O COMMON LAW E O CIVIL LAW DO FIM
DO SÉCULO XIX
I. PROTESTANTISMO, CAPITALISMO, RACIONALIDADE DO
DIREITO E PREVISIBILIDADE EM WEBER. ENTRE O
COMMON LAW E O CIVIL LAW DO FIM DO SÉCULO XIX
1. Protestantismo, ascese intramundana, racionalidade e capitalismo
Weber, entre 1904 e 1905, publica as duas partes da primeira versão do clássico A ética
protestante e o "espírito" do capitalismo. Essa primeira versão é, por assim dizer,
"complementada" em 1920 - pouco antes da sua morte -, quando são incorporadas à obra
importantes acréscimos e robustas notas, destinados especialmente a esclarecê-la e a
responder críticas.1
O propósito de Weber é demonstrar que o modo de vida das pessoas de religião
protestante, entre as quais situa os calvinistas, os luteranos, os metodistas, os menonistas e
os quakers, contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo. Inicialmente o livro faz
uma relação entre progresso econômico e populações de religião protestante,
demonstrando existir um nítido vínculo entre as orientações religiosas protestante e
católica, a escolha da profissão e o subsequente destino profissional.2 Relata-se que os
católicos tinham maior interesse pelos Gymnasien humanísticos, enquanto os protestantes
preferiam os estabelecimentos especialmente destinados a preparar para as profissões
comerciais e industriais, ou seja, para a vida de negócios, fenômeno que não poderia ser
explicado pela diferença de fortunas, mas que explicaria o reduzido interesse dos católicos
pela aquisição capitalista. No segundo Capítulo da Parte I Weber faz referência ao que
chama de "espírito" do capitalismo. Alude a um texto de Benjamin Franklin de que se
extrai a ideia de "profissão como dever" e de "ganho de dinheiro" como resultado e
expressão da habilidade na profissão. As máximas de Franklin, ao recomendarem o
trabalho árduo e sistemático, aliadas à austeridade, sintetizariam o "espírito do
capitalismo". Trata-se, segundo Weber, de uma "ética" cuja violação representa o
descumprimento de um dever.3 É nesse contexto cultural que surge a ideia, atualmente
trivial, de "profissão como dever", elemento constitutivo do capitalismo.4 O terceiro
Capítulo refere-se ao conceito de vocação em Lutero. Trata-se de um conceito relacionado
à ideia de trabalho como missão dada por Deus, presente nas expressões Beruf e calling.
Pretende-se evidenciar que os protestantes, ao contrário dos católicos, rejeitaram a ascese
monástica (vista como ascese extramundana)como meio de salvação, vendo no estrito
cumprimento dos deveres intramundanos o único meio de viver que agrada a Deus.5 A
glorificação a Deus, segundo o protestantismo, deveria ocorrer nas práticas cotidianas,
não na reclusão de uma vida monástica. O dever de bem exercer a profissão, assim, seria
um dos efeitos da Reforma. Daí a ideia de "vocação profissional" em Lutero e, mais
precisamente, a relação entre um modo de viver influenciado pelo protestantismo - em
especial pelo calvinismo - e o "espírito" do capitalismo.6
Na Parte II, Weber trata, no primeiro Capítulo, dos "fundamentos religiosos da ascese
intramundana". Ou seja, dos valores da religião protestante que teriam conduzido à ideia
de que a devoção a Deus deve ser demonstrada mediante práticas e condutas que fazem
parte do cotidiano, como a busca de perfeição no exercício da profissão. A ascese
intramundana parte da premissa de que o trabalho é um dever religioso que deve ser
exercido com rigorosa disciplina, caracterizando-se como o meio ideal para o cristão
cumprir, no "interior do mundo", o desejo de Deus. É nesse sentido que Weber fala de
"protestantismo ascético" e, com cautela, considera os conteúdos dos valores primordiais
do calvinismo, do pietismo, do metodismo e dos movimentos anabatistas para evidenciar e
caracterizar os fundamentos religiosos da ascese intramundana. Assim, Weber adverte, ao
se referir ao calvinismo, que a doutrina da predestinação - nenhum ato praticado pelo
homem pode influir sobre a salvação, estando todos os homens já condenados ou eleitos
mediante decreto divino - é um fundamento dogmático da moralidade puritana no sentido
de uma conduta de vida ética metodicamente racionalizada. Weber demonstra que o
calvinismo rejeitou os meios sacramentais de salvação característicos ao catolicismo,
especialmente a salvação por meio de obras ou mesmo pela confissão, centrando-se na
preocupação com a conduta intramundana, especificamente com o trabalho profissional,
meio de ação que daria ao calvinista a comprovação da sua eleição.7 A preocupação com a
correção da conduta e com o adequado exercício das tarefas do cotidiano, necessária para
o calvinista comprovar a sua salvação, estimulou o controle metódico na condução da vida.
De acordo com Weber, essa racionalização da conduta de vida no mundo, mas de olho no
"outro mundo" é o resultado da concepção de profissão do protestantismo ascético.8
No último Capítulo, Weber relaciona a ascese proveniente do protestantismo com o
"espírito" do capitalismo. Demonstra que a compreensão do trabalho como dever
religioso, como meio de comprovação da fé e da própria eleição, teria sido uma poderosa
alavanca para uma vida marcada pelo "espírito" capitalista. Esse trabalho sistemático e
continuado, de que naturalmente surgem ganhos, colaborou com o desenvolvimento do
capitalismo precisamente por significar uma maneira adequada de se glorificar a Deus
dentro do mundo. O lucro seria o resultado de uma conduta de vida sistemática, inclusive
no trabalho, constituindo uma forma adequada de louvor a Deus. Mas a ascese protestante
não só rompeu as amarras que inibiam o lucro, como ainda condenou o gozo descontraído
das posses, estrangulando o consumo frívolo, especialmente o consumo de luxo, daí
resultando, no dizer de Weber, acumulação decapital mediante coerção ascética à
poupança.9
A relação entre a ascese, derivada especialmente do calvinismo, com o "espírito" do
capitalismo, passa pela racionalização da conduta humana. A ascese intramundana ou o
exercício do trabalho como dever religioso não só é claramente ligado à racionalização do
controle da condução da vida, como constitui uma forma racional de ver a salvação, na
medida em que essa, para os adeptos da doutrina da predestinação, jamais poderia
depender de meios mágicos ou sacramentais - como as obras -, mas apenas demandar
comprovação mediante o controle racional do desempenho profissional ou dos atos da
vida intramundana.
O repúdio aos sacramentos, vistos como magia, e a concepção de que apenas a
perseverança em uma conduta orientada à glorificação de Deus ou à busca de sinais da
eleição teria significado, levou Weber, na segunda versão do A ética protestante e o
"espírito" do capitalismo, a aludir a "desencantamento do mundo". Refere-se Weber a um
processo histórico de desmagificação da salvação e, assim, de racionalização da vida no
ocidente.10 Como explica a abordagem de Pierucci, "desencantamento-desmagificação" e
"eticização-moralização" são dois lados de uma mesma moeda ou duas faces de um
mesmo processo histórico-religioso que definitivamente caracteriza a direção seguida pela
racionalização social e cultural do Ocidente, que conforma seu caráter específico de
racionalização vivida como trabalho racional.11
O desencantamento do mundo ou a desmagificação da salvação relacionam-se com a
ascese intramundana e com o exercício do trabalho impregnados pelos valores do
protestantismo, que conduziram a uma forma de vida racional e orientada a fins. Trata-se
de uma forma peculiar de racionalização, advinda de valores religiosos. Portanto, é certo
que não se pode pensar em desencantamento como (sinônimo de) racionalização, como se
essa última não pudesse ter outras origens ou intensidades ou, enfim, como se a
racionalização operada pelo desencantamento do mundo não fosse uma particular
racionalização do modo de vida ocorrida em virtude de um específico motivo. Isso porque
o processo da racionalização, conforme assinala Weber, ocorre de forma distinta em
diferentes esferas da vida social.
Como é sabido, o conteúdo do calvinismo é fortemente marcado pela doutrina da
predestinação, tal como posta na Confissão de Westminster, de 1647, em que está
consignado que, "por decreto de Deus, para a manifestação de Sua glória, alguns homens
são predestinados (predestinated) à vida eterna e outros preordenados (foreordained) à
morte eterna" (Capítulo III, n. 3). E ainda: "Aqueles do gênero humano que estão
predestinados à vida, Deus, antes de lançar o fundamento do mundo, de acordo com o Seu
desígnio eterno e imutável, Sua secreta deliberação e o bel-prazer de Sua vontade,
escolheu-os em Cristo para Sua eterna glória, por livre graça e por amor, sem qualquer
previsão de fé ou de boas obras, ou de perseverança numa e noutras, ou qualquer outra
coisa na criatura, como condições ou causas que O movessem a tanto, e tudo em louvor da
Sua gloriosa graça" (Capítulo III, n. 5).
O calvinista, por aceitar a doutrina de que determinados homens foram eleitos ou
salvos antes de a humanidade vir ao mundo, não podia buscar a salvação em sua vida,
seja por meio de obras ou sacramentos, mas apenas tentar encontrar a comprovação de
que havia sido eleito por Deus.12 Weber questiona como foi possível suportar essa
doutrina em uma época em que o "outro mundo" era mais importante e, em diversos
aspectos, também mais seguro do que os interesses da vida nesse mundo.13 Uma vez que a
incerteza da eleição gerava extrema angústia, Weber adverte que o trabalho profissional
sem descanso foi distinguido como o meio mais saliente para se conseguir a autoconfiança
na eleição, visto como a única forma de dissipar a dúvida religiosa e dar a certeza do
estado de graça.
Como o trabalho sistemático auxilia na comprovação da eleição, é natural que daí surja
um forte acento sobre a responsabilidade pessoal. O calvinista, exatamente porque sente o
peso do "dever da profissão", não pode deixar de cumprir as obrigações inerentes a ela.
Não há apenas dever de bem cumprir a "missão profissional", mas também dever de
cumprimento das obrigações derivadas do exercício da profissão. Descurar do rigoroso e
contínuo exercício da profissão, mas também deixar de pagar uma dívida, tudo isso é
indício de ausência de eleição. O exercício da profissão e o cumprimento das obrigações
como dever religioso geram ao calvinista um extremo rigor consigo mesmo, isto é, uma
rigorosa e contínuainspeção da sua conduta profissional e pessoal. A comprovação da
eleição, como nada tem a ver com a realização de obras meritórias isoladas, ou seja, com
obras para a salvação,14 exigia uma autoinspeção contínua e sistemática, capaz de
propiciar ao calvinista a "certeza" de que fora eleito.15
Note-se, portanto, que a ideia de dever profissional, a que se associou um forte acento
sobre a responsabilidade - resultante da necessidade de comprovação da eleição -, consiste
em um modo de viver dotado de racionalidade. A busca da comprovação da eleição nos
atos da vida intramundana, especificamente no exercício da profissão, não podia ocorrer
sem um método capaz de permitir o controle racional sobre a ação humana. Para que essa
pudesse gerar os melhores resultados era imprescindível a previsibilidade, sem a qual o
sujeito jamais poderia saber se os seus atos produziriam efeitos positivos.
O controle racional da própria conduta requer a consciência de como a ação humana
será avaliada, ou seja, implica previsibilidade dos resultados das ações e dos eventos. A
ausência de previsibilidade retira qualquer possibilidade de conduta metódica no
exercício da profissão.
Quando se pensa no exercício ótimo da profissão como forma de santificação ou de
exteriorização da eleição, não basta perguntar sobre a adequação da ação às regras
religiosas, mas é necessário verificar se a ação pode alcançar um resultado que vai
agradar a Deus. Para tanto, é necessário que as regras que disciplinam a vida do indivíduo
sejam previsíveis. Vale dizer que a previsibilidade do direito é imprescindível para que se
possa exercer a profissão de modo adequado, obtendo-se, dessa maneira, um resultado
que constitua sinal de eleição. Sem previsibilidade o indivíduo não tem como saber se sua
ação metódica lhe permitirá alcançar os resultados almejados. A religião entra aí como um
estímulo para o devido exercício da profissão e para a obtenção de um resultado ótimo;
não, evidentemente, como um indício ou sinal de que esse resultado será obtido. Isso quer
dizer que os valores do protestantismo, do mesmo modo que têm íntima relação com o
"espírito" do capitalismo, igualmente podem ser associados à racionalidade do direito.
2. Racionalidade do direito, capitalismo e religião
Para o desenvolvimento do capitalismo era imprescindível um direito racional e
previsível. Weber, em A gênese do capitalismo moderno, após lembrar a completa
irracionalidade do direito chinês primitivo, afirma que, com um direito dessa índole, "o
capitalismo não pode operar; o que ele precisa é de um direito calculável, do modo similar
a uma máquina; aspectos religioso-rituais e mágicos não podem ter importância
alguma".16 Aludindo a essa passagem de Weber, anota Jessé Souza que "o direito racional
formal é percebido por Weber como fundamental para a existência do capitalismo
moderno, por sua natureza calculável e por sua previsibilidade. Não será possível
planejamento nem cálculo a longo prazo, atividades imprescindíveis para a existência de
mercado competitivo baseado em princípios impessoais, se a justiça depender de
pressupostos mágicos, como no caso dessa passagem específica, que cita o exemplo da
sociedade chinesa, ou da discricionariedade de juízes que decidem de acordo com seu
próprio arbítrio".17 Swedberg igualmente lembra que a elaboração weberiana da
sociologia econômica confere especial atenção ao direito, enfatizando que "um dos
pressupostos do capitalismo racional ocidental, segundo Weber, 'é uma lei racional, ou
seja, previsível'".18
Não há dúvida de que, para Weber, há uma íntima relação entre racionalidade do
direito e capitalismo, assim como também há uma clara conexão entre protestantismo
ascético e capitalismo. Porém, é necessário investigar a possibilidade de associação entre
protestantismo e racionalidade do direito.
Como é óbvio, jamais se pretendeu dizer que, se não fossem os valores do calvinismo, o
capitalismo não teria se desenvolvido, mas que esses valores contribuíram para um
comportamento social - a ascese intramundana - que constituiu o "espírito" capitalista e,
por conseguinte, contribuiu para o seu desenvolvimento. Por outro lado, o capitalismo,
para se desenvolver, dependia da racionalidade e da previsibilidade do direito.
Porém, não há porque apenas associar protestantismo com capitalismo, entendendo
que a racionalidade do direito constituiu uma premissa para o desenvolvimento do
capitalismo que não teve qualquer influência do protestantismo. Como antes dito, o
protestantismo também colaborou para uma vida metódica e dotada de racionalidade. A
ação do indivíduo, exatamente por não poder se desligar de um fim ou resultado ótimo
como comprovação da eleição, constituía uma ação racional, que não podia descurar da
previsibilidade. De modo que a vida pautada pela ascese intramundana, característica ao
calvinismo, também exigia um direito racional e marcado pela previsibilidade. Frise-se
que o interesse dos protestantes - que compunham os quadros da burguesia - na
calculabilidade do direito é destacado por Weber.19
Não se pretende fazer crer, evidentemente, que a racionalidade do direito tenha como
causa, nem como principal causa, o protestantismo ascético. Lembre-se que Weber não só
acreditava que o direito europeu era mais racional do que os direitos de outras
civilizações; ele também demonstrou que esse direito foi moldado a partir de diversas
características peculiares à história do direito ocidental - como a tradição do direito
romano e aspectos do direito medieval -, como também recebeu o influxo de diversas e
amplas tendências religiosas, econômicas e políticas da vida ocidental.20 Portanto, o que
realmente se deseja colocar às claras é que, assim como os valores do protestantismo
deram origem a um modo de viver que se identificou no "espírito" do capitalismo,
contribuindo para o seu desenvolvimento, é possível sustentar que esses mesmos valores
contribuíram para um modo de vida racional e para a racionalização do direito. Em
termos estritamente weberianos, pode-se afirmar que o direito previsível está em relação
de causalidade adequada com o modo de vida sistemático e metódico resultante da ascese
intramundana.
Perceba-se que, se o aprimoramento dos negócios é uma busca racionalmente
orientada a partir de valores religiosos e se, para tanto, é imprescindível a racionalidade e
a previsibilidade do direito, é pouco mais do que flagrante a relação entre os valores do
calvinismo e a racionalidade do direito. Ajuda aqui a ideia weberiana de ação social
racionalmente determinada em relação a fins e a valores. De acordo com Weber, "a ação
social, como toda ação, pode ser determinada: (i) de modo racional referente a fins: por
expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas,
utilizando essas expectativas como 'condições' ou 'meios' para alcançar fins próprios,
ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso; (ii) de modo racional referente a
valores: pela crença consciente no valor - ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua
interpretação - absoluto e inerente a determinado comportamento como tal,
independentemente do resultado; (iii) de modo afetivo, especialmente emocional: por
afetos ou estados emocionais atuais; (iv) de modo tradicional: por costume arraigado".21
É certo que o calvinista, ao conduzir a sua vida, pautava-se em valores religiosos, ainda
que estivesse em busca de sinais exteriores da sua eleição, ou seja, de resultados que
evidenciassem a sua salvação. De modo que se pode dizer que o calvinista exercia uma
ação social racional referente a um fim - a obtenção de êxito na profissão ou nos negócios
-, mas ao mesmo tempo exercia uma ação social racional orientada ou também
determinada por um valor religioso - a doutrina da predestinação. Seria mesmo possível
dizer que a ação racional consistente no trabalho metódico e sistemático estaria
determinada,em um só tempo, por um fim e por um valor. Pierucci, em sua tese sobre o
conceito weberiano de "desencantamento do mundo", afirma que Weber procura mostrar
que, com essa coincidência entre a atividade profissional e a certeza interior da salvação
da alma adquirida no ato de trabalhar racionalmente, o protestantismo ascético produziu
uma unidade inquebrantável e singular entre a ação racional referente a fins
[Zweckrationalität] e a ação racional referente a valores [Wertrationalität] e que aí teria
ocorrido, em outros termos, um encaixe historicamente inaudito entre a racionalidade
prático-técnica e a racionalidade prático-ética.22
Contudo, se é possível aí ver uma modalidade de ação determinada por um fim e por
um valor, que perfaz as condições da racionalidade prática em sua inteireza, não há como
deixar de perceber que essa ação, seja para alcançar o fim seja para não descurar do
valor, não pode prescindir de um direito racional e previsível. Sem dúvida, além de a
conduta "protestante" constituir uma ação inegavelmente racional, orientada por um
valor religioso e preocupada com a obtenção de um fim, essa ação exigia, para não ser
frustrada, um direito capaz de garantir o fim ou o resultado. O direito, é certo, obviamente
não objetiva garantir o valor, mas sim o fim cuja realização importa para a concretização
do valor. O direito opera aí como instrumento de racionalização da vida orientada pela
religião e dirigida à obtenção de fins.
José Eduardo Faria, em prefácio à conhecida obra de Anthony Kronman a respeito da
sociologia jurídica weberiana, lembra que Weber mostra, ao estudar o islamismo, o
judaísmo e a China antiga, como a história moderna é caracterizada pela progressiva
racionalização de todos os setores da vida, convertendo a eficiência e o cálculo em
critérios supremos. A ação racional daí decorrente, sempre relacionando meios e fins,
poderia ser vista como (i) ação racional prática - que envolve a escolha de meios
disponíveis e eficientes para o alcance de um fim -, (ii) ação racional material - fundada em
valores escolhidos segundo a convicção pessoal -, e (iii) ação racional formal - que exige
regras impessoais, abstratas e gerais encadeadas de maneira lógica para orientar as
condutas sociais.23 Após advertir que, por fixar marcos referenciais e gerar expectativas
de que sejam observados, a ação racional formal é a que mais oferece previsibilidade e
probabilidade de sua ocorrência, Faria enfatiza que "um exemplo emblemático de
racionalidade formal apontado por Weber é o direito positivo, por ele visto como um
mecanismo para aumentar a probabilidade de que certas ações ocorram de modo
determinado, ou seja, da maneira como foram prescritos por códigos e leis. Por garantir o
respeito à propriedade, assegurar a validade e o cumprimento dos contratos, oferecer aos
agentes econômicos a segurança de que precisam para investir e tornar previsíveis até
mesmo as mudanças de suas próprias regras e procedimentos, o direito positivo funciona
como um 'mitigador' da indeterminação das ações sociais, como mecanismo facilitador
das interações humanas e como marco referencial para as chamadas 'regras do jogo'. É
com base nessa linha de raciocínio que Weber explica como o pensamento político, a
legislação, a administração da justiça e as práticas econômicas vão, na passagem do
mundo medieval para o mundo moderno, libertando-se de todos os grilhões expressos por
mitos, tabus e mistérios, de tal modo que a separação entre o Deus transcendente e um
mundo sem magias é concluída pelo protestantismo de natureza calvinista e pelo
subsequente advento da modernidade e do capitalismo".24
A lembrança ao prefácio de José Eduardo Faria tem o objetivo de demonstrar a relação
umbilical entre ação racional dirigida a fins e incentivada por valores, própria à vida
marcada pelo protestantismo ascético, e a racionalidade do direito. O exercício da
profissão pelo calvinista, uma ação dirigida ao sucesso para a comprovação da eleição e,
portanto, igualmente pautada em valor, não podia prescindir de uma ação racional
formal, isto é, do direito positivo, única forma capaz de garantir as expectativas
depositadas na energia despendida com o trabalho. Vale dizer: única maneira de justificar
o próprio exercício da profissão como mecanismo de comprovação da predeterminação
da eleição.
  Em suma: a ascese intramundana, ou mais especificamente o exercício do trabalho
como meio de comprovação da salvação, nada mais é do que uma clara expressão do
"desencantamento com o mundo", decorrente do rompimento com a magia dos
sacramentos salvíficos, uma ascese que consistia numa ação racional impulsionada por
valores e dirigida a fins. Exatamente por isso, essa ascese não podia prescindir de um
mecanismo - o direito - que, com clareza e lógica, fosse apto a garantir o resultado da
energia e do valor depositado nos atos da vida.
3. Racionalidade do direito e previsibilidade
Outro ponto que aqui importa diz respeito ao significado, em Weber, de racionalidade
do direito, e ainda o de se, no seu entender, há distinção entre racionalidade formal do
direito e previsibilidade. Weber alude a quatro tipos ideais de direito: (i) direito
formalmente irracional; (ii) direito substancialmente irracional; (iii) direito
substancialmente racional; e (iv) direito formalmente racional.
Ainda que o realmente importante, no presente contexto, seja verificar o que Weber
entendia por direito formalmente racional, convém lembrar que os escritos a respeito da
teoria de Weber advertem que os referidos tipos ideais de direito correspondem, ainda
que de maneira não exata, aos quatro estágios da evolução histórica do direito versados
na obra weberiana.25 O direito formalmenteirracional, não controlado pelo intelecto,
avesso a padrões gerais e, insensível aos argumentos das partes, é o direito da época em
que as decisões derivam de revelações feitas mediante o oráculo.26 No direito
substancialmenteirracional, as decisões operam mediante critérios fundados em
considerações práticas e éticas sobre cada caso.27 A "justiça do Cádi" é o exemplo de direito
materialmente irracional. Weber compreendia "justiça do Cádi" como um conceito mais
amplo que o de justiça administrada pelo juiz muçulmano local. Na sua visão, tal conceito
representava a ideia de julgamento feito de acordo com o próprio senso de equidade do
juiz e sem qualquer consideração das regras.28 No direito substancialmente racional, as
decisões operam mediante leis ou critérios, mas o sistema de direito, por estar ancorado
num pensamento externo, fica na dependência da possibilidade da compreensão dos
princípios que orientam o pensamento que lhe dá sustentação.29 Weber alude, no ponto, à
lei islâmica e à lei chinesa. O poder teocrático e o poder patrimonial impuseram uma
forma sistematizada de direito influenciada por elementos que pertencem, por exemplo, à
religião e à ideologia política. Embora esses sistemas tenham relações com princípios
fixos, eles se recusam a reconhecer qualquer limite ao direito e tem por fim a
concretização de ideais éticos, políticos ou religiosos, o que significa uma racionalização
material do direito. Ou melhor, a aderência a princípios fixos caracteriza o sistema como
racional - ao contrário dos dois primeiros -, mas a ideia de concretização de valores
religiosos, éticos e políticos faz supor uma racionalização material, e não formal, do
direito.30 A quarta modalidade de direito, que se coloca em outro patamar em relação a
todas as anteriores, é a do direito formalmente racional. Trata-se do direito moderno
legislado.31 Os códigos civis derivados do direito romano e fundados nos ensinamentos
dos Pandectistas constituem o exemplo de direito formalmente racional.32
Mas é a categoria do direito formalmente racional que aqui interessa. Para se tentar
entender o que é direito formalmente racional para Weber é preciso ter em conta que,
para ele, apenas os sistemas quese desenvolveram a partir do direito romano e que foram
moldados por meio da ciência do direito dos Pandectistas são capazes de refletir, em grau
significativo, condutas e métodos de natureza formal e racional.33 Como pondera Anthony
Kronman, o elevado grau de racionalidade formal desses códigos tem explicação no fato
de eles se basearem na "interpretação lógica do sentido" e possuírem uma natureza
altamente sistemática, de modo a respeitar os cinco postulados elaborados por Weber: "(i)
que cada decisão jurídica concreta seja a 'aplicação' de uma proposição jurídica abstrata a
uma 'situação factual' concreta; (ii) que deva ser possível, em todo caso concreto, derivar a
decisão de proposições jurídicas abstratas por meio de lógica jurídica; (iii) que o direito
deva constituir verdadeira ou virtualmente um sistema de proposições jurídicas 'sem
lacunas', ou deva, pelo menos, ser tratado como se fosse um sistema sem lacunas; (iv) que
tudo o que não puder ser 'interpretado' racionalmente em termos jurídicos também é
juridicamente irrelevante; e (v) que toda ação social de seres humanos deva ser sempre
vista como uma 'aplicação' ou 'execução' de proposições jurídicas ou uma 'infração' delas,
haja vista que a 'inexistência de lacunas' do sistema jurídico precisa resultar em uma
'ordenação jurídica' sem lacunas de toda conduta social".34
É interessante notar que Weber observou que o abandono da justiça do oráculo - em
que a vontade humana não tinha relevância - e a prevalência de um direito formalmente
racional trouxe consigo a necessidade de justificação da decisão, de que deriva, no
contexto, a previsibilidade. Como escreve Kronman, se uma pessoa que soluciona conflitos
pode alegar que fala em nome de Deus ou de um poder transcendente, pode existir pouca
pressão para que ela apresente os motivos para decidir, uma vez que ela mesma é um
oráculo. Porém, quando os casos são solucionados por um homem e não por poderes
oraculares, existe grande necessidade prática de justificação. Isso significa que a admissão
da responsabilidade do ser humano pela decisão não só introduziu a necessidade de
justificação, mas, antes, tornou-a possível.35
O "desencantamento do direito" - que não pode ser confundido com a categoria do
"desencantamento do mundo",36 na medida em que significa somente a passagem do
poder de julgar do divino ou transcendental para o humano - assume especial importância
quando o direito passa a ser formalmente racional. É aí que surge a necessidade de uma
demonstração racional da decisão e, acompanhada dela, uma espécie de previsibilidade
dotada de sentido.37
Porém, a ideia de previsibilidade, em Weber, é muito mais ampla e apenas pode ser
compreendida a partir da percepção do que ele entende por sistema jurídico, ou mais
precisamente dos conceitos que, segundo ele, o sustentam, quais sejam: os conceitos de
abrangência e clareza organizacional. Como esclarece Kronman, uma ordem jurídica é
abrangente somente se não houver, em princípio, ações sociais que fujam ao seu alcance e
se ela não contiver lacunas ou omissões, e possui clareza organizacional se os princípios
que a sustentam forem "nitidamente claros e aplicados de modo autoconsciente".38 Isso
quer dizer que, para Weber, quanto mais abrangente e organizacionalmente claro for
determinado ordenamento jurídico mais previsíveis serão as consequências das ações
sociais praticadas sob a sua guarda.
Isso indica, portanto, que a ideia de previsibilidade, em Weber, não se desliga da ideia
de sistema jurídico e, bem vistas as coisas, é uma noção dotada de relatividade, na medida
em que pode variar conforme o sistema jurídico seja mais ou menos abrangente ou claro.
Ciente disso, adverte Kronman que, "conforme demonstra o common law inglês, uma certa
previsibilidade - talvez até um grau significativo dela - pode ser alcançada sem a
construção de um sistema jurídico verdadeiro. Todavia, a previsibilidade máxima só pode
ser alcançada quando as regras da ordem jurídica tiverem sido organizadas de um modo
abrangente e claro em termos conceituais; por maior que seja a sua previsibilidade, é
sempre possível tornar um sistema jurídico mais previsível por meio de sua
sistematização".39
Não existe identidade entre racionalidade formal do direito e previsibilidade, uma vez
que a previsibilidade é uma consequência de um sistema jurídico a despeito da sua maior
ou menor racionalidade. A previsibilidade é objetivo de um sistema dotado de
abrangência e clareza organizacional, mas pode decorrer de um sistema menos racional
ou até de um direito formalmente irracional, como é o primitivo common law inglês para
Weber. Lembre-se que, segundo a concepção de Weber, no common law o grau de
racionalidade jurídica é significativamente menor e de uma modalidade distinta da dos
sistemas da Europa continental.40
Chega-se, assim, ao ponto: considerando-se que a Inglaterra é o berço do capitalismo e
um local em que o calvinismo se projetou de modo muito incisivo, como explicar a
conclusão de Weber no sentido de que o common law inglês é um direito formalmente
irracional ou não dotado do mesmo grau de racionalidade do direito continental europeu?
Teria Weber feito uma leitura inadequada da relação entre religião e capitalismo?
Haveria, no raciocínio de Weber, uma má compreensão do common law inglês ou da
história da Inglaterra? Ou, simplesmente, o sistema de precedentes obrigatórios nada teria
a ver com a racionalidade formal do direito?
4. O chamado "problema da Inglaterra"
O argumento de que a obra de Weber teria uma contradição ou um equívoco surgiu,
fundamentalmente, a partir de um ensaio de David Trubeck, intitulado "Max Weber on
Law and the Rise of Capitalism", publicado em 1972 na Wisconsin Law Review. Trubeck,
nesse ensaio, refere-se a artigo de aluno seu, Jerold Guben, intitulado de "'The England
Problem' and the Theory of Economic Development", um working paper presente no
Program in Law and Modernization daYale Law School.
Trubeck alega que Weber equipara racionalidade jurídica a previsibilidade (ou
calculabilidade) e entende que a última não está presente no common law, de modo que a
Inglaterra seria uma exceção à teoria de que há uma relação entre calculabidade e
capitalismo ou uma exceção à ideia de que a racionalidade formal e a calculabilidade
necessariamente andam juntas.41 Trubeck advertiu que alguns observadores42 teriam dito
que a Inglaterra desenvolveu um sistema de direito racional antes mesmo da ascensão do
capitalismo e que o grande defeito da análise de Weber estaria na equivocada distinção
por ele feita entre o common law inglês e o direito continental europeu.43
O "problema da Inglaterra" também foi objeto da análise de Swedberg.44 O sociólogo
sueco sustenta que Trubeck se equivoca ao afirmar que, na obra de Weber, existe uma
identidade necessária entre previsibilidade e um grau elevado de formalismo lógico ou de
racionalidade formal. Adverte que Weber deixa claro que os grupos burgueses exigiam do
sistema jurídico previsibilidade e que essa é inteiramente compatível com um grau
reduzido de racionalidade formal. Recorda que Weber afirma que o common law inglês,
ainda que não dotado de racionalidade formal, é previsível. Argumenta, ainda, que está
implícita na formulação de Trubeck acerca do problema da Inglaterra uma visão
demasiadamente estreita da relação entre capitalismo e direito, uma vez que, para que o
capitalismo racional exista, não é suficiente previsibilidade e um alto grau de
racionalidade formal, mas é também necessário que existam regras jurídicas sofisticadas
acerca de grande número de instituições econômicas avançadas, especialmente contratos
e empresas econômicas, o que é reconhecido por Weber.
O principal argumento de Swedberg está em que Trubeck teria cometido um erro ao
ver em Weber uma identidade necessária entre previsibilidade e um alto grau de
racionalidade jurídica formal. Esse equívoco, aliás, foi antecipadopela fundamentação
exposta no tópico anterior, quando se esclareceu que a previsibilidade é objetivo de um
sistema dotado de abrangência e clareza organizacional, mas pode decorrer de um
sistema menos racional ou até de um direito formalmente irracional. Como afirma
Anthony Kronman, a instauração de um modo de produção capitalista eficiente não
pressupõe o nível máximo de previsibilidade alcançável pela racionalização formal do
direito, de modo que não há contradição entre a afirmação de Weber sobre a menor
racionalização do direito inglês e o desenvolvimento capitalista da Inglaterra.45
Sem dúvida, não só é possível extrair da argumentação de Weber o entendimento de
que o common law inglês, embora não dotado do mesmo grau de racionalidade do direito
europeu continental, era previsível,46 como se encontra na obra de Weber passagens que
claramente assim afirmam - como a lembrada por Swedberg.
Para que se compreenda o motivo pelo qual Weber não viu racionalidade jurídica
formal no direito inglês primitivo, é preciso observar que o common law, por não se
preocupar com a abstração, não impulsionava a elaboração de princípios gerais.47 Não
havia como produzir "conceitos gerais", já que, a partir dos casos, surgiam regras
concretas, que se diferenciavam a partir de critérios externos. Regras dessa modalidade,
ainda que numerosas, não podem ter pretensão de "abrangência", que, como visto, ao lado
da clareza organizacional, caracterizava o ideal de sistema jurídico weberiano.48
Mas isso não significou que o commonlaw inglês, para Weber, não fosse dotado de
qualquer grau de previsibilidade. Weber admite que a previsibilidade pode ser alcançada
não só apenas mediante um sistema dotado de princípios gerais e, por isso, capaz de
alcançar a abrangência das situações imagináveis. Kronman afirma claramente, ao aludir
à discussão de Weber, que, mesmo que a ordem jurídica careça de abrangência e clareza
organizacional, um grau suficientemente elevado de previsibilidade pode ser alcançado
"se os responsáveis pela administração das regras compreenderem e respeitarem os
acordos contratuais e entendimentos baseados no direito costumeiro que definem a maior
parte das transações comerciais".49
Weber também considera o staredecisis (o sistema de precedentes obrigatórios) um
elemento de importância para o alcance da previsibilidade.50 Isso, aliás, é reconhecido
expressamente por Kronman ao aludir ao contraste que Weber faz entre o direito baseado
no oráculo e a decisão judicial do commonlaw, que, por exigir justificação, segundo Weber
tende a tornar a ordem jurídica mais previsível: "na verdade, a menos que suponhamos
que a elaboração de precedentes [refere-se à fundamentação do precedente] e a regra do
staredecisis aumentem a previsibilidade dos resultados jurídicos de modo significativo, é
difícil explicar a contribuição positiva feita pelo sistema jurídico inglês ao
desenvolvimento, na Inglaterra, de uma economia capitalista racional baseada na troca de
mercado, uma forma de organização econômica que, segundo Weber, exige a aplicação
previsível de um conjunto estável de regras jurídicas".51
Tendo em vista que a fundamentação é um requisito para a racionalidade do sistema
de precedentes, é evidente que a contribuição para a previsibilidade e, por decorrência,
para o desenvolvimento do capitalismo, foi identificada no stare decisis, ou seja, na crença
justificada e racional de que a administração da justiça não deixaria o empreendedor
desamparado. Note-se que Kronman não apenas diz que o staredecisis contribuiu para a
previsibilidade de "modo significativo", como ainda pondera que, sem o staredecisis, seria
"difícil explicar" a contribuição positiva feita pelo commonlaw ao desenvolvimento do
capitalismo.
Assim, é correto afirmar que o stare decisis foi um importante elemento de
balanceamento da falta de sistematicidade do common law, tendo contribuído
notavelmente para a previsibilidade e, assim, para a atenuação da falta de racionalidade
jurídica formal do direito inglês nos termos weberianos.
5. Síntese das ideias
Os valores calvinistas deram origem a um comportamento racional que contribuiu
para o desenvolvimento do capitalismo e exigiu um direito racional e previsível. Isso quer
dizer que os valores e a cultura de um povo podem e devem ser relacionados à
racionalidade do direito e da administração da justiça. Essa primeira ideia é muito
importante, na medida em que se pretende, mais adiante, relacionar a cultura do
brasileiro com a irracionalidade da distribuição da justiça e com a ausência de um sistema
de precedentes.
Por outro lado, Weber não identificou racionalidade jurídica formal com
previsibilidade, mas, ao contrário, viu no stare decisis um mecanismo capaz de propiciar a
previsibilidade num direito formalmente irracional, o que não compromete a ideia de
que, embora o common law não detenha a mesma racionalidade do direito continental
europeu, ele teria sido capaz de garantir, em virtude do sistema dos precedentes
obrigatórios, um grau de previsibilidade que permitiu o florescimento do capitalismo.
A alegação de Trubeck,52 no sentido de que a tese de Weber teria gerado uma
incoerência ao admitir que a Inglaterra, berço do capitalismo, tinha um direito
formalmente irracional, não resiste ao argumento de que Weber jamais identificou
racionalidade jurídica formal e previsibilidade e, ainda, enxergou no stare decisis um
meio capaz de garanti-la, o que teria permitido o desenvolvimento do capitalismo mesmo
num direito destituído de racionalidade formal.
Fica claro que Weber, ao comparar o common law com o direito continental europeu,
admitia a racionalidade formal deste em virtude do seu modo de ser naquele momento
histórico, lembrando-se que Weber estava particularmente diante do positivismo
científico, do conceitualismo alemão, do cognitivismo interpretativo e do logicismo na
aplicação do direito. Isso quer dizer que, como será visto adiante, a evolução da teoria da
interpretação, o impacto do constitucionalismo e a transformação do próprio conceito de
direito fizeram surgir uma nova racionalidade jurídica no civil law, que, portanto, pode
exigir e conviver com um sistema de precedentes obrigatórios.
Além disso, o common law, por não possuir a mesma racionalidade formal do direito
legislado, teria adotado o stare decisis como meio para contrabalançar a sua pouca
racionalidade e previsibilidade. Reafirmar que o common law não se identifica com o stare
decisis é algo que obviamente não precisa ser evidenciado mediante a obra de Weber.53
Mas a oportunidade que Weber oferece para a demonstração de que o stare decisis é um
instrumento para o alcance da previsibilidade num direito percebido como de menor
racionalidade do que o do direito da época do positivismo científico tem grande relevância
para se apontar para a imprescindibilidade de um sistema de precedentes obrigatórios
num direito como o brasileiro contemporâneo, em que se tornou absolutamente comum
decidir casos iguais de modo diferente, sem se dar qualquer importância para a
previsibilidade, valor moral indispensável para o homem se desenvolver e requisito
necessário para a racionalidade econômica.
FOOTNOTES
1
.  "Weber nos deixou não somente duas edições d'A ética protestante, mas duas versões. A
primeira, publicada em duas levas, em 1904 e 1905, e a outra, revista e ampliada, editada em
1920. Todas as traduções que até hoje conhecemos, a começar da primeira, de 1930, assinada por
Talcott Parsons, usaram a versão ampliada de 1920, inserida por Weber no volume I dos Ensaios
reunidos de Sociologia da Religião. Há diferenças importantes entre as duas versões, já que a
segunda recebeu do autor não só pequenas alterações e ajustes terminológicos ou gramaticais,
mas também e principalmente acréscimos preciosíssimos" (Antônio Flávio Pierucci, O
desencantamento do mundo - Todos os passos do conceito em Max Weber, São Paulo: Editora34,
2005, p. 187).
2
.  "Os artesãos católicos mostram uma tendência mais acentuada a permanecer no artesanato,
tornando-se portanto os mestres artesãos com frequência relativamente maior, ao passo que os
protestantes afluem em medida relativamente maior para as fábricas para aí ocupar os escalões
superiores do operariado qualificado e dos postos administrativos" (Max Weber, A ética
protestante e o "espírito" do capitalismo (edição de Antônio Flávio Pierucci) cit., p. 32-33).
3
.  "Com efeito: aqui não se prega simplesmente uma técnica de vida, mas uma 'ética' peculiar cuja
violação não é tratada apenas como desatino, mas como uma espécie de falta com o dever: isso,
antes de tudo, é a essência da coisa. O que se ensina aqui não é apenas 'perspicácia nos negócios' -
algo que de resto se encontra com bastante frequência -, mas é um ethos que se expressa, e é
precisamente nesta qualidade que ele nos interessa" (Max Weber, A ética protestante e o "espírito"
do capitalismo cit., p. 45).
4
.  Cf. Max Weber, A ética protestante e o "espírito" do capitalismo cit., p. 47.
5
.  "No conceito de Beruf, portanto, ganha expressão aquele dogma central de todas as
denominações protestantes que condena a distinção católica dos imperativos morais em
'pracepta' e 'consilia' e reconhece que o único meio de viver que agrada a Deus não está em
suplantar a moralidade intramundana pela ascese monástica, mas sim, exclusivamente, em
cumprir com os deveres intramundanos, tal como decorrem da posição do indivíduo na vida, a
qual por isso mesmo se torna a sua 'vocação profissional'" (Max Weber, A ética protestante e o
"espírito" do capitalismo cit., p. 72).
6
.  "Foi o ensino reformado, com efeito, que proclamou pela primeira vez que a atividade
profissional e a função social tinham um valor não somente moral, como também essencialmente
religioso. O que a Deus agrada não é o ascetismo dos monges, mas, bem pelo contrário, o
consciencioso exercício de todas as atividades profissionais e seculares que o homem executa na
vida diária. É à minuciosa execução dessas tarefas profanas que o homem é chamado por Deus,
são elas que constituem o objeto de sua vocação" (André Biéler, O pensamento econômico e social
de Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 586).
7
.  "e, de outro lado, distingue-se o trabalho profissional sem descanso como o meio mais saliente
para se conseguir essa autoconfiança. Ele, e somente ele, dissiparia a dúvida religiosa e daria a
certeza do estado de graça" (Max Weber, A ética protestante e o "espírito" do capitalismo cit., p.
102).
8
.  "E essa ascese não era mais um opus supererogationis, mas um feito exigido de todo aquele que
quisesse certificar-se de sua bem-aventurança. Essa singular vida dos santos, cobrada pela
religião e distinta da vida 'natural', passava-se - o decisivo é isto - não mais fora do mundo em
comunidades monásticas, senão dentro do mundo e suas ordens. Essa racionalização da conduta
de vida no mundo mas de olho no Outro Mundo é o efeito da concepção de profissão do
protestantismo ascético (Max Weber, A ética protestante e o "espírito" do capitalismo cit., p. 139).
9
.  "A ascese protestante intramundana - para resumir o que foi dito até aqui - agiu dessa forma,
com toda a veemência, contra o gozo descontraído das posses; estrangulou o consumo,
especialmente o consumo de luxo. Em compensação, teve o efeito psicológico de liberar o
enriquecimento dos entraves da ética tradicionalista, rompeu as cadeias que cercavam a ambição
de lucro, não só ao legaliza-lo, mas também ao encará-lo (no sentido descrito) como diretamente
querido por Deus (...). E confrontando agora aquele estrangulamento do consumo com essa
desobstrução da ambição de lucro, o resultado é evidente: acumulação de capital mediante
coerção ascética à poupança" (Max Weber, A ética protestante e o "espírito" do capitalismo cit., p.
155 e 157).
10
.  Como esclarece Pierucci, um dos mais importantes Weberólogos das últimas décadas, "o termo
desencantamento entendido como desmagificação assume a dimensão de um 'grande' processo
histórico que é especificamente ético-religioso e especificamente ocidental, e assim pretende
designar, quase à guisa de um nome próprio e não comum, o longuíssimo período de
peculiarracionalizaçãoreligiosa por que passou, mercê de motivos puramente históricos
[reinhistorisch], a religiosidade ocidental sob a hegemonia cultural alcançada por esta forma
'caracteristicamente moralizada' de fé monoteísta repressora da magia universal chamada judeu-
cristianismo. Seus criadores e primeiros portadores [Träger] foram os profetas de Israel, florão
do judaísmo antigo; e foram as seitas protestantes seus radicais e autoconfiantes portadores
[Träger] na época heroica do parto cultural da moderna civilização do trabalho, seu ponto de
chegada religioso" (Antônio Flávio Pierucci, O desencantamento do mundo - Todos os passos do
conceito em Max Weber cit., p. 199).
11
.  Antônio Flávio Pierucci, O desencantamento do mundo - Todos os passos do conceito em Max
Weber cit., p. 206.
12
.  "Ora, o que - nos países onde o Capitalismo e a cultura eram mais desenvolvidas, a Holanda, a
Inglaterra e a França dos séculos 16 e 17 -, caracterizou, de maneira a mais típica, as igrejas e as
seitas calvinistas, na época em que eram mais ardentemente combatidas, é seu dogma da
predestinação. É em torno deste dogma que se travaram as mais violentas lutas eclesiásticas
durante os séculos 17 e 18; é, pois, ele que deve ser havido por o mais específico dogma da fé
calvinista. É ele que, para um reformado (diz Weber), lhe dá sentido a todos os atos da vida, até
mesmo aos que mínimos se afiguram. O homem não vive para si, mas só para a honra de Deus,
soberano único, os decretos de quem determinam toda a história da humanidade e decidem a
salvação de cada indivíduo" (André Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino cit., p.
588).
13
.  "Ora, o problema para nós decisivo é antes de tudo: como foi suportada essa doutrina numa
época em que o Outro Mundo era não só mais importante, mas em muitos aspectos também mais
seguro do que os interesses da vida neste mundo" (Max Weber, A ética protestante e o "espírito"
do capitalismo cit., p. 100).
14
.  "O que, portanto, da moral católica distingue essencialmente o moralismo puritano é que o zelo
ativo do calvinista é estimulado pela única e inabalável certeza de que está salvo pelo único e
soberano decreto de Deus, enquanto o católico crê dever agir moralmente para influenciar o
decreto final de Deus. E o que desse ascetismo distingue o ascetismo medieval é que o crente de
então buscava a fidelidade em uma rígida moral que se não deveria deixar conspurcar pelas
atividades do século; Lutero tinha suprimido inteiramente as barreiras do convento; seu
ascetismo, porém, persevera a tradicional relutância para com as atividades de um determinado
mundo político e profissional. O Calvinismo, ao contrário, introduziu um ideal ascético no interior
do século (innerhalb des weltlichen Berufslebens),e até em atividades profissionais as mais
profanas. Vai até mais longe: é na prova das atividades temporais que a fé se verifica. Se é ele um
réprobo, aparecerá o homem visivelmente como tal em sua maneira de comporta-se nas tarefas
profanas; se ele é eleito, ao contrário, todas as suas atividades exteriorização a marca das bênçãos
divinas" (André Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino cit., p. 590).
15
.  "A eliminação da magia como meio de salvação, não foi realizado na piedade católica com as
mesmas consequências que na religiosidade puritana (e, antes dela, somente na judaica). O
católico tinha à sua disposição a graça sacramental de sua Igreja como meio de compensar a
própria insuficiência: o padre era um mago que operava o milagre da transubstanciação e em
cujas mãos estava depositado o poder das chaves. Podia-se recorrera ele em arrependimento e
penitência, que ele ministrava expiação, esperança da graça, certeza do perdão e dessa forma
ensejava a descarga daquela tensão enorme, na qual era destino inescapável e implacável do
calvinista viver. Para este não havia consolações amigáveis e humanas, nem lhe era dado esperar
reparar momentos de fraqueza e leviandade com redobrada boa vontade em outras horas, como
o católico e também o luterano]. O Deus do calvinismo exigia dos seus, não 'boas obras' Isoladas,
mas uma santificação pelas obras erigida em sistema. [Nem pensar no vaivém católico e
autenticamente humano entre pecado, arrependimento, penitência, alívio e, de novo, pecado,
nem pensar naquela espécie de saldo da vida inteira a ser quitado seja por penas temporais seja
por intermédio da graça eclesial.] A práxis ética do comum dos mortais foi assim despida de sua
falta de plano de conjunto e sistematicidade e convertida num método coerente de condução da
vida como um todo. Não foi por acaso que o rótulo 'metodistas' colou naqueles que foram os
portadores do último grande redespertar de ideias puritanas do século XVIII, da mesma forma
que aos seus antepassados espirituais do século XVII fora aplicada, com plena equivalência de
sentido, a designação de 'precisistas'" (Max Weber, A ética protestante e o "espírito" do capitalismo
cit., p. 106-107).
16
.  Max Weber, A gênese do capitalismo moderno (organizado e comentado por Jesse Souza), São
Paulo: Ática, 2006, p. 95.
17
.  Jessé Souza, Comentários à obra "A gênese do capitalismo moderno", de Max Weber. São Paulo:
Ática, 2006, p. 95.
18
.  Richard Swedberg, Max Weber e a ideia de sociologia econômica, Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2005,
p. 155.
19
.  "Naturalmente, cabe sobretudo aos interessados burgueses exigir um direito inequívoco, claro,
livre de arbítrio administrativo irracional e de perturbações irracionais por parte de privilégios
concretos: direito que, antes de mais nada, garanta de forma segura o caráter juridicamente
obrigatório de contratos e que, em virtude de todas essas qualidades, funcione de modo
calculável" (Max Weber, Economiaesociedade, vol. 2 cit., p. 123).
20
.  David M. Trubeck, Max Weber on Law and the Rise of Capitalism, Wisconsin Law Review,
1972,p. 737.
21
.  Max Weber, Economia e sociedade, Brasília: UnB, 2009, vol. 1, p. 15.
22
.  Antônio Flávio Pierucci, O desencantamento do mundo - Todos os passos do conceito em Max
Weber cit., p. 205.
23
.  José Eduardo Faria, Prefácio em "Max Weber", de Anthony Kronman, Rio de Janeiro: Elsevier,
2009.
24
.  José Eduardo Faria, Prefácio cit.
25
.  Richard Swedberg, Max Weber e a ideia de sociologia econômica cit., p. 166. "A criação e a
aplicação do direito podem ser racionais ou irracionais. São formalmente irracionais quando,
para a regulamentação da criação do direito e dos problemas de aplicação do direito, são
empregados meios que não podem ser racionalmente controlados - por exemplo, a consulta a
oráculos e a sucedâneos destes" (Max Weber, Economia e sociedade, vol. 2 cit., p. 12).
26
.  Richard Swedberg, Max Weber e a ideia de sociologia econômica cit., p. 166.
27
.  David M. Trubeck, Max Weber on Law and the Rise of Capitalism, WisconsinLawReview, 1972, p.
748. Nas palavras de Weber, o direito será materialmente irracional "(...) na medida em que a
decisão é determinada por avaliações totalmente concretas de cada caso, sejam estas de natureza
ética emocional ou política, em vez de normas gerais" (Max Weber, Economia e sociedade, vol. 2
cit., p. 13).
28
.  Richard Swedberg, Max Weber e a ideia de sociologia econômica cit., p. 170.
29
.  David M. Trubeck, Max Weber on Law and the Rise of Capitalism, Wisconsin Law Review, 1972,
p. 748.
30
.  Anthony Kronman, Max Weber, Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 120.
31
.  Richard Swedberg, Max Weber e a ideia de sociologia econômica cit., p. 166-167.
32
.  Sobre o tema, Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit unterbesonderer
Berücksichtigung der deutschen Entwicklung (1967), 2. ed., Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht,
1996, p. 348 e ss. (tradução para o português, História do direito privado moderno, tradução de
Antônio Manuel Hespanha, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 397 e ss).
33
.  Anthony Kronman, Max Weber cit., p. 127-128.
34
.  Idem, p. 120-121.
35
.  Anthony Kronman, Max Weber cit., p. 120.
36
.  Sobre isso, v. Antônio Flávio Pierucci, O desencantamento do mundo - Todos os passos do
conceito em Max Weber cit.
37
.  Anthony Kronman, Max Weber cit., p. 129.
38
.  Idem, p. 137-138.
39
.  Anthony Kronman, Max Weber cit., p. 138.
40
.  Max Weber, Economia e sociedade, vol. 2 cit., p. 150.
41
.  "If these contrasting positions indicate that Weber had no clear image of English history in
mind, they also reflect his concern with the issue of legal calculability and his tendency to equate
it with one mode of legal thought-a mode of thought which clearly was not well developed in
England. His constant temptation was to maintain the key importance of calculability, and deal
with England either as an exception to the theory that legal calculability and capitalism are
related, or as an exception to the idea that logically formal rationality and calculability
necessarily go together" (David M. Trubeck, Max Weber on Law and the Rise of Capitalism,
Wisconsin Law Review, 1972, p. 748).
42
.  Não obstante, em nota de rodapé, cite apenas o trabalho do seu aluno Jerold Guben, "The
England Problem" and the Theory of Economic Development.
43
.  "some observers have argued that England did develop a truly 'rational' legal system before the
rise of capitalism, and that the major flaw in Weber's analysis was the false distinction he drew
between English and continental law" (David M. Trubeck, Max Weber on Law and the Rise of
Capitalism, Wisconsin Law Review, 1972, p. 748).
44
.  Sally Ewing, no ensaio Formal justice and the spirit of capitalism: Max Weber's sociology of law,
publicado na Law and Society Review, rejeita a ideia de que Weber teria sustentado que um alto
grau de racionalidade jurídica seria essencial para o desenvolvimento do capitalismo,
demonstrando que, na verdade, Weber teria admitido que, para o desenvolvimento do
capitalismo, bastaria um "direito" capaz de facilitar as transações comerciais e garantir a
previsibilidade. "For Weber, the 'legal order' that was relevant to the rise of capitalism was not a
particular type of legal thought but a social order in which law facilitated capitalist transactions
by contributing to the predictability of social action. (...) Thus, according to Weber, the legal order
that was essential to the growth of capitalism was a contractual one that limited patriarchal
discretion and protected its subjects' rights to establish contractual relations and to mobilize the
coercive apparatus to enforce those contracts. By thus protecting and enforcing a set of social
relations, law became explicitly relevant to economics. It was, in other words, 'a complex of actual
determinants of human conduct'. It made no particular difference whether those relations were
defined by a logically formal system or a more informal common law system. To the extent that
each system defended the freedom of contract and protected guaranteed rights, the capitalist
economic order could thrive. This brings us back to the question about the relationship between
types of legal thought and the rise of capitalism. If one concentrates, as Rheinstein did, on legal
thought itself, then according to Weber's ideal types common law would be considered
'substantively irrational', while civil law would be classified as 'logically formally rational'
(Weber, 1954: xlii). But if one is concerned not with legal thought but with empirical validity, then
Weber quiteclearly set out the historical conditions that in England gave birth to a legal system
that was particularly well suited to the demands of the bourgeoisie for guaranteed rights and
formal justice, the characteristics that distinguish a bourgeois, or liberal, legal system from all
those that preceded it. In this sense the common law system, with its 'formal rational
administration of justice' (Weber, 1978: vol. 2, p. 813) and in spite of all its juridical irrationality,
was certainly a formal, rational legal system in the sociological sense of the term" (Sally Ewing,
Formal justice and the spirit of capitalism: Max Weber's sociology of law, Law and Society Review,
n. 21, p. 498-499; grifou-se).
45
.  "À luz dessa interpretação, a aparente tensão entre a alegação de Weber de que o 'direito e a
administração formalmente racionais' sejam um pré-requisito para que se atinja o maior grau
possível de previsibilidade na ação econômica e a sua afirmação de que o empreendimento
capitalista se desenvolveu na Inglaterra a despeito da irracionalidade do common law
simplesmente desaparece: só existe uma contradição se compararmos o grau máximo de
previsibilidade jurídica que pode ser alcançado por meio de racionalização formal ao grau
mínimo exigido para o estabelecimento inicial de um sistema de produção capitalista eficiente"
(Anthony Kronman, Max Weber cit., p. 189).
46
.  Hubert Treiber, ao tratar do "problema da Inglaterra" em Weber, observa: "The peculiar nature
of modern capitalism, especially its technical and economic substructure, requires that success
be calculable, and law figures as one means to assure this. However - and this is decisive to the
argument - in England and Germany the chances that law and adjudication would be rendered
calculable depended on differente premises. (...) Despite the rationalization differential between
England and Germany with respect to the formal qualities of law, legal proceedings were
predictable in both places due to the predictability of the judges, though this may have been
assured in differente ways" (Hubert Treiber, "Elective affinities" between Weber's sociology of
religion and sociology of law, Theory and Society, n. 14, p. 841-842).
47
.  Lembre-se que parte da doutrina inglesa do final do século XVIII e início do século XIX,
descontente com a falta de racionalidade e de previsibilidade do common law, fez coro ao direito
escrito. Assim, Jeremy Bentham, Truth versus Ashhurst; or law as it is, contrasted with what it is
© desta edição [2016]
said to be. The works of Jeremy Bentham, vol. 5, Edinburgh: William Tait, 1843; John Austin,
Lectures on jurisprudence, or thephilosophy of positive law, 5. ed., vol. 2, London: John Murray,
1911.
48
.  Anthony Kronman, MaxWeber cit., p. 139.
49
.  Anthony Kronman, MaxWeber cit., p. 187-188.
50
.  Max Weber, Economiaesociedade, vol. 2 cit., p. 150: "E também para o formalismo jurídico há
válvulas de escape. Na área do direito privado, commonlaweequity são, sem dúvida, em grande
parte, 'formalistas' na aplicação prática, já em virtude da vinculação a precedentes". É digno de
nota que neste contexto o termo "formalismo" é sinônimo de previsibilidade.
51
.  Anthony Kronman, MaxWeber cit., p. 135.
52
.  David M. Trubeck, Max Weber on Law and the Rise of Capitalism, Wisconsin Law Review, 1972,
p. 748.
53
.  "To a historian at least any identification between the common law system and the doctrine of
precedent, any attempt to explain the nature of the common law in terms of stare decisis, is
bound to seem unsatisfactory, for the elaboration of rules and principles governing the use of
precedents and their status as authorities is relatively modern, and the idea that there could be
binding precedents more recent still. The common law had been in existence for centuries before
anybody was very excited about these matters, and yet it functioned as a system of law without
such props as the concept of the ratio decidendi, and functioned well enough" (A. W. B. Simpson,
The common law and legal theory. In: Horder, Jeremy (ed.). Oxford essays in jurisprudence.
Oxford: Clarendon Press, 1973, p. 77).
2018 - 05 - 08 
A ética dos precedentes - Ed. 2016
II. A TRANSFORMAÇÃO DO CIVIL LAW
II. A TRANSFORMAÇÃO DO CIVIL LAW
1. Sistematicidade, abrangência e previsibilidade na tradição do civil law
No positivismo científico - base da pandectística alemã - o direito é deduzido dos
conceitos e dos princípios gerais elaborados pela ciência jurídica. As normas são
deduzidas logicamente do sistema - dos princípios e dos conceitos gerais -, sem que
importem elementos de ordem não jurídica. Questões de ordem moral, religiosa, política
ou econômica, ou melhor, não extraíveis do próprio sistema de direito, não podem ser
consideradas.1
Esse sistema jurídico é autônomo em relação à realidade social, devendo sua coerência
apenas às instituições e normas que lhe dão conteúdo. Os casos podem ser resolvidos
mediante mera operação lógica de subsunção da situação real e concreta a uma valoração
hipotética contida num princípio geral doutrinário e implícito nos conceitos científicos.
Nesses estão presentes princípios permanentemente válidos sobre a correção do direito,
de forma que a aplicação lógica do conceito e do princípio é suficiente para fazer chegar
numa decisão correta ou justa.2
O sistema não apenas é fechado - autônomo e coerente -, mas também goza de
plenitude. A partir dos conceitos e de conexões lógicas sempre será possível suprir
eventuais lacunas da lei mediante o que ficou conhecido como "construção criadora". Os
conceitos jurídico-científicos são trabalhados e moldados exatamente para viabilizar a
subsunção lógica de toda e qualquer situação concreta, eliminando-se as lacunas do
direito positivo.
Importa perceber que a busca de plenitude mediante a conceitualização tinha o nítido
objetivo de garantir a previsibilidade e a certeza na aplicação do direito. Se a solução dos
casos depende unicamente de raciocínios lógicos pautados em conceitos e princípios
jurídicos-científicos, sem nada dever a critérios morais, religiosos etc., torna-se factível o
ideal de previsibilidade e de certeza do direito sem ser preciso recorrer a quaisquer
critérios externos aos conceitos jurídicos e a outros meios de garantia da previsibilidade,
como o sistema de precedentes obrigatórios. Isso - frise-se desde já - é claramente
incompatível com um sistema de decisões que não pode viver à distância de questões
morais, econômicas etc. e em que as particularidades da situação conflitiva são
imprescindíveis à justiça do caso concreto.3
De qualquer forma, o positivismo científico não se confunde com o positivismo
legalista. O primeiro se funda em conceitos e princípios gerais de natureza científica,
enquanto que o segundo tem como premissa a ideia de que o direito está na lei.4 A
diferença fica mais clara ao se recordar que a ciência jurídica alemã, especialmente na
primeira metade do século XIX, esteve preocupada em elaborar uma dogmática capaz de
responder à falta de um código de direito privado comum a toda a Alemanha. A partir da
segunda metade do século XIX, contudo, vários estados alemães elaboram códigos e o
próprio movimento liberal da unificação impôs, ainda que depois da sua derrota política,
a continuação dos trabalhos de codificação do direito comum a toda a Alemanha.5 Daí que,
no lugar do positivismo científico, tenha surgido espaço ao positivismo legalista. Segundo
Franz Wieacker, isso constituiu uma vitória, ainda que não plenamente e detectada pela
consciência social, da nação política sobre a nação cultural.6
Deixando-se de lado a história do direito alemão, cabe lembrar que, ao contrário do
que ocorreu na Inglaterra, a assembleia parlamentar do direito francês, ainda que
derrotando o monarca, monopolizou o poder mediante o princípio da legalidade.7 Disso
também deriva a impossibilidade

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