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E-book - Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista (Org Alexcina Cirne e Karl Heinz Efken)

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Todos os direitos desta edição reservados a Pontes Editores Ltda.
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sem a autorização escrita da Editora.
Os infratores estão sujeitos às penas da lei.
A Editora não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta publicação.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo — SP)
Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846
C578q Cirne, Alexcina Oliveira; Efken, Karl Heinz (org.) 
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista / 
Organizadores: Alexcina Oliveira Cirne e Karl Heinz Efken. 
1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2024, 229 p. 
E-book: 7 Mb; PDF. 
Inclui bibliografia. 
ISBN 978-85-217-0526-0.
1. Análise do Discurso. 2. Formação de Professores. 3. Linguística.
4. Prática Pedagógica. 
I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.
Índices para catálogo sistemático:
1. Educação. 370
2. Formação de professores – Estágios. 370.71
3. Métodos de ensino instrução e estudo– Pedagogia. 371.3
4. Análise do discurso. 401.41
5. Linguística. 410
Questões 
étnico-raciais e os 
caminhos para uma 
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA
Alexcina Oliveira Cirne
Karl Heinz Efken
(Organizadores)
PONTES EDITORES
Rua Dr. Miguel Penteado, 1038 — Jd. Chapadão
Campinas — SP — 13070-118
Fone 19 3252.6011
ponteseditores@ponteseditores.com.br
www.ponteseditores.com.br
Copyright © 2024 — Dos organizadores representantes dos autores
Coordenação Editorial: Pontes Editores
Revisão: Alexcina Oliveira Cirne
Editoração: Acessa Design
Capa: Lilian Maria de Oliveira
PARECER E REVISÃO POR PARES
Os capítulos que compõem esta obra foram submetidos
para avaliação e revisados por pares.
CONSELHO EDITORIAL:
Angela B. Kleiman
(Unicamp — Campinas)
Clarissa Menezes Jordão
(UFPR — Curitiba)
Edleise Mendes
(UFBA — Salvador)
Eliana Merlin Deganutti de Barros
(UENP — Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Eni Puccinelli Orlandi
(Unicamp — Campinas)
Glaís Sales Cordeiro
(Université de Genève — Suisse)
José Carlos Paes de Almeida Filho
(UNB — Brasília)
Rogério Tilio
(UFRJ — Rio de Janeiro)
Suzete Silva
(UEL — Londrina)
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
(UFMG — Belo Horizonte) 
SUMÁRIO
Apresentação
Capítulo 1
Uma defesa da educação quilombista
Ricardo Matheus Benedicto
Capítulo 2
A experiência de constituir uma cultura fiscalizatória 
relativa a uma política educacional anticasta
Jorge Luís Terra da Silva
Capítulo 3
Educação indígena e multiculturalidade: direito 
fundamental e instrumento de enfrentamento 
ao racismo
Edson Kayapó e Flávio de Leão Bastos Pereira
Capítulo 4
Uma análise discursivo-pragmática das viagens 
textuais do conceito racismo estrutural no caso 
Miguel Santana e seus desdobramentos para a luta 
antirracista no Brasil
Marco Antonio Lima do Bonfim
7
14
34
55
73
Capítulo 5
Feminismos negros, feminismos africanos 
e mulherismos: distintas formas de ser mulher negra, 
reexistir e resistir
Halina Macedo Leal
Capítulo 6
Da escola à universidade: cabelo, cabelo meu, 
quem sou eu?
Vera Regina Rodrigues da Silva e 
Laisa Bibiano Nascimento
Capítulo 7
Una lectura a Tambores en la Noche de Jorge 
Artel: intelectualidad negra en el caribe colombiano 
y filiaciones poético-políticas
Eliana Díaz Muñoz
Capítulo 8 
Racionais MC’s - “o rap vai diretamente até os 
que mais sofrem”: uma análise discursiva crítica 
numa perspectiva intertextual
Alexcina Oliveira Cirne e Karl Heinz Efken
Capítulo 9 
Uso das narrativas da religiosidade afro-
brasileira na educação básica: os desafios 
da recepção
Kilza Maria de Melo Pascoal
Capítulo 10
Educação para as relações étnico-raciais: 
relato de experiência docente no curso de História 
da Unicap
Leandro Nascimento de Souza e
Maria do Rosário da Silva 
93
108
131
153
181
201
7
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
APRESENTAÇÃO
Esse e-book é resultado de uma longa jornada de reflexões, encontros, 
parcerias, leituras e vivências. As realidades sociais e históricas que marcam 
o território brasileiro, sobretudo, nos colocam (quase que permanentemente) 
num ciclone de eventos que desafiam nosso pensar e que nos mobilizam 
a reservar um tempo para processar as densas, permanentes e incontáveis 
práticas sociais que envolvem as questões étnico-raciais. De forma que é 
impossível pensar o Brasil e sua democracia sem colocar o racismo no centro 
dessa reflexão. As problemáticas e as discussões permanecem atuais. 
Esse e-book, Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação 
antirracista, tem por característica fornecer um panorama interessante e fru-
tífero por meio de uma rede interdisciplinar, pois o tema central aqui proposto 
envolve diversas sobreposições, não apenas étnicas, históricas, culturais 
e econômicas, como legais e teóricas. Colocar à disposição do público leitor 
esse e-book, estruturado em 10 capítulos, com participação de 14 pesquisado-
res e 10 instituições, é oferecer um rico trabalho de pesquisadores que contri-
buem de maneira relevante para que essas reflexões e conhecimentos sejam 
disseminados e atinjam um público cada vez mais amplo. 
Os temas que norteiam os capítulos buscam contemplar os diversos 
desafios do enfrentamento ao racismo e múltiplas formas de resistência, 
e buscam incorporar esse contingente de reflexões na direção de uma edu-
cação antirracista. Podemos afirmar também que o e-book é permeado 
por reflexões que são pautadas nas experiências educacionais das autoras 
e dos autores. De forma que os trabalhos conseguem descrever, não apenas 
as práticas racistas que ainda nos rodam, mas apresentar como as práticas 
pedagógicas efetivas podem ser antirracistas. 
8
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A educação antirracista é um desafio dado o próprio fenômeno 
que enfrenta (maléfico e camaleônico), resgatando as palavras1 do profes-
sor Kabengele Munanga, professor na USP, “sem dúvida, todos os racismos 
são abomináveis e cada um faz as suas vítimas do seu modo. O brasileiro 
não é o pior, nem o melhor, mas tem ele as suas peculiaridades, entre as quais 
o silêncio, o não dito, que confunde todos os brasileiros e brasileiras, víti-
mas e não vítimas. Como disse Ali Wiesel, judeu Nobel da Paz, o carrasco 
sempre mata duas vezes, a segunda é pelo silêncio, prática característica 
do racismo brasileiro que sempre mata duas vezes: mata fisicamente, como 
mostra as estatísticas sobre a genocídio da juventude negra em nossas peri-
ferias; mata na inibição da manifestação da consciência de todos, brancos 
e negros, sobre a existência do racismo em nossa sociedade. É por isso que eu 
costumo dizer que o racismo brasileiro é um crime perfeito”.
Um dos papéis desempenhados pela educação deve ser justamente 
o combate ao racismo nas suas múltiplas manifestações e valorização da con-
tribuição histórica dos diversos povos brasileiros. Cada capítulo desse livro 
se apresenta como uma potente abordagem das diferentes formas de refe-
renciação aos desafios e possibilidades de trabalho que intencionam dar a 
devida visibilidade aos povos ancestrais. Intencionamos, desde o primeiro 
momento, que o e-book caminhasse contrariamente ao que Lélia Gonzalez 
cunhou de ‘racismo por omissão’. Aquela faceta do racismo, que finge que o 
negro não existe, no dizer dela, o negro é: “esquecido”, “tirado de cena” “invi-
sibilizado”, recalcado” 2. No dizer do líder indígena Ailton Krenak, também 
precisamos ficar bem atentos aos modelos educacionais, “acho gravís-
simo as escolas continuarem ensinando a reproduzir esse sistema desigual 
e injusto. O que chamam de educação é, na verdade, uma ofensa à liberdade 
1 Trecho do discurso proferido pelo professor em ocasião em que foi homenageado pela luta 
contra todas as formas de discriminação racial, pela Área de Direitos Humanos da Faculdade 
de Direito, da Universidade de São Paulo (USP). Disponível em https://www.ufrb.edu.br/cahl/
noticias/2128-professor-visitante-da-ufrb-e-homenageado-pela-faculdade-de-direito-da-uspnegativas 
e, em razão disso, são desvalorizados.
Este é um círculo vicioso que, conforme Staub (2003), pode ser rom-
pido por meio do trabalho com valores humanitários e de oportunização 
de experiências em que grupos diferentes trabalharem juntos. As conclusões 
de Staub (2003) foram alcançadas por meio de experimentos desenvolvidos 
em Ruanda, pouco após o genocídio lá perpetrado em decorrência dos con-
flitos entre tutsis e hutus .
Allport (1966), em sua obra seminal sobre a natureza do preconceito, 
já falara sobre o que denominava de teoria do contato, ou seja, de um contato 
entre grupos sem competição, sem hierarquia, preferencialmente trabalhando 
em conjunto sob as diretrizes de pessoa respeitada por todos os grupos 
como uma autoridade.
Essa linha do contato intercultural qualificado pode ser aplicada 
no ambiente escolar para tratar da questão racial, em especial, em escolas 
com poucas pessoas negras na posição de estudante ou de professor. Aliás, 
escolas que tenham poucas pessoas negras nas posições referidas podem 
promover ou participar de encontros com outras escolas de diferentes perfis, 
propiciando uma troca rica para seu público interno.
Com base na teoria do contato, a Comissão de Direitos Humanos 
da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul promoveu uma feira 
de Direitos Humanos, mobilizando 300 estudantes de escolas privadas 
e públicas. O evento reuniu estudantes com e sem deficiência, de escolas 
regulares e de escolas abertas, de ensino fundamental, médio e de educação 
43
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
para jovens e adultos. Todos os grupos apresentaram trabalhos de pesquisa 
em direitos humanos e realizaram atividades culturais, bem como participaram 
de uma roda de conversa sobre direitos humanos. Ao realizar as mesmas 
tarefas e não apenas dividir um espaço físico, proporcionou-se uma expe-
riência de igualdade e de valorização. O resultado positivo das avaliações 
respondidas pelos alunos e pelos professores confere segurança para dizer 
que esse é um método que pode levar ao alcance de resultados favoráveis.
Tratar das histórias e das culturas indígenas e negras no âmbito escolar 
é uma ação valorativa capaz de enfrentar estereótipos e de elevar a autoes-
tima dos grupos desvalorizados, bem como de mudar as suas relações com a 
educação formal e com a escola, ressaltando o direito à diferença e afastando 
critérios artificiais de diferenciação. Dessa forma, essa ação, ao impactar 
o desempenho escolar, assume também um caráter redistributivo, em outros 
termos, pode ampliar as condições para que esses estudantes tenham mais 
e melhores oportunidades de avanço acadêmico.
Importa registrar que os ganhos também podem ser auferidos pelos 
estudantes integrantes do grupo potencialmente violador. Isso ocorre porque, 
ao estabelecer uma relação diferenciada e próxima com aqueles que são 
potencialmente discriminados, eles passam a pensar, sentir e agir com esteio 
no conhecimento e não em estereótipos ou em crenças.
De igual importância se reveste a educação para as relações étnico-ra-
ciais, porque essa objetiva que pessoas de diferentes grupos se conheçam, 
respeitem-se, reconheçam suas diferenças e semelhanças, podendo estudar, 
trabalhar e ter outros relacionamentos sempre de um modo colaborativo.
Embora a lição de Fraser (2006, p. 232) aponte para a importância 
de harmonizar o direito ao reconhecimento e o direito à redistribuição 
econômica, realizando composição entre a política cultural da identidade 
e a política social da igualdade, é oportuno colacionar o seu conceito de ação 
valorativa ou de reconhecimento:
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
O remédio para a injustiça cultural, em contraste, é alguma 
espécie de mudança cultural ou simbólica. Pode envolver 
a revalorização das identidades desrespeitadas e dos produ-
tos culturais dos grupos difamados. Pode envolver, também, 
o reconhecimento e a valorização positiva da diversidade 
cultural. Mais radicalmente ainda, pode envolver uma trans-
formação abrangente dos padrões sociais de representa-
ção, interpretação e comunicação, de modo a transformar 
o sentido do eu de todas as pessoas. Embora esses remédios 
difiram significativamente entre si, doravante vou me referir 
a todo esse grupo pelo termo genérico “reconhecimento”.
Ao abordar a possibilidade de que uma parte dos estudantes seja tratada 
diferentemente por conta de raça, oportuniza-se momento de referir que de 
tal situação não apenas influencia a relação desses estudantes com a edu-
cação formal, mas também interfere em seu desempenho e na permanência 
escolar. Com esteio em pesquisas do Center on Developing Child of Harvard 
Universitye e do National Scientific Council on the Developing Child, em 2020, 
foi informado que crianças negras e indígenas estadunidenses, ao enfrentarem 
constantemente racismo e outras formas de discriminação, têm seus sistemas 
de resposta ao stress ativados em níveis elevados por longo tempo e acabam 
por gerar desgaste excessivo em seus cérebros em desenvolvimento e em 
outros sistemas biológicos. Como consequência, haveria efeito na aprendi-
zagem, no comportamento, na saúde física e na saúde mental. Como se isso 
não fosse suficiente, esses grupos raciais teriam menor expectativa de vida 
do que os brancos, independentemente do nível de renda, e mais casos 
de problemas crônicos de saúde .
2. A EXPERIÊNCIA DE CONSTITUIR UMA CULTURA FISCALIZATÓRIA 
RELATIVA A UMA POLÍTICA EDUCACIONAL ANTICASTA
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Em 2003, foi editada a lei 10.639, que instituiu o artigo 26-A da Lei 
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e esse dispositivo legal foi modi-
ficado com o advento da lei 11.645/2008.
O fim da norma que se extrai do dispositivo já mencionado é que, 
na íntegra do currículo das escolas de ensino fundamental e médio, privadas 
ou públicas, haja a inserção de temas e de questões que conduzam a um 
afastamento de um sistema eurocêntrico. Visa-se ao equilíbrio necessário 
que demonstre não haver superioridade ou inferioridade de algum ou de 
alguns dos grupos raciais formadores do povo brasileiro.
Urge consignar que não se busca a alteração das posições na falsa 
hierarquia de raças e de culturas hoje existente. Objetiva-se que não haja 
posições de dominantes e de dominados, ou melhor, que não haja hierarquia 
cultural ou racial. Então está correto dizer que, por meio do conhecimento, 
pretende-se valorizar histórias e culturas atualmente desvalorizadas, promo-
vendo valores humanitários consagrados. Daí a razão de se entender que se 
está diante de uma política anticasta.
Outra decorrência do afastamento do eurocentrismo, informada pela 
mesma ideia, é a modificação das interações entre pessoas de grupos raciais 
diferentes com o intuito de gerar coesão e harmonia. Por isso, não é o bastante 
ministrar aulas sobre as histórias e as culturas indígenas e afro-brasileiras; 
é indispensável que haja tralho pertinente às relações étnico-raciais para 
que o desafio seja plenamente enfrentado.
A alteração legislativa (configurada com as edições das leis 10639/2003 
e 11645/2008), por si só, não é hábil a promover a passagem de um sistema 
para outro. Mister que haja planejamento, investimento em recursos humanos, 
criação de técnicas pedagógicas, monitoramento e avaliação ex ante e ex post.
O silogismo concernente ao disposto no artigo 26-A da LDBEN e aos 
fatos da vida diária pertinentes ao que se está a falar permitem concluir 
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
que há uma atenção especial às novas gerações, mirando na formação 
de novos processos de produção de subjetividade. Isso implica uma sociali-
zação baseada no reconhecimento da validade das diferentes formas de ser 
e de viver, bem como no entendimento de que as oportunidades não podem 
ser limitadas por causa do pertencimento racial ou davinculação a especí-
ficas culturas.
Diferentemente de outras políticas, essa está estreitamente ligada 
à intergeracionalidade. Tal fato, seguramente, permite inferir que ela poderá 
otimizar outras políticas ligadas ao desenvolvimento social e econômico. 
Frisa-se, então, que se está diante de algo que representa um fim e também 
um meio: ao mesmo passo que há intervenção em uma infraestrutura social, 
a educação, geram-se efeitos em outros domínios.
Nunca é assaz anotar que a influência dos fenômenos raciais causa 
retornos desproporcionais aos investimentos em educação, violência, 
ampliação dos gastos com saúde, injustiças no mundo trabalho, no sistema 
de segurança e no sistema de justiça, não oferta de oportunidades, desper-
dício de talentos, obrigação de pagamento de indenizações, perda de com-
petitividade de empresas e polarização. Em suma, há uma série de custos 
socioeconômicos, bem como de objetivos republicanos e de desenvolvimento 
sustentável que dependem do enfrentamento do racismo e dos demais fenô-
menos raciais para que tenham o tratamento adequado.
De toda forma, o primeiro passo é cumprir a norma, preparando os pro-
fissionais e atualizando a documentação escolar (projeto político-pedagógico, 
plano de ensino e plano de aula). Diante da percepção de que, em numerosas 
vezes, o movimento social e os profissionais da educação mencionavam 
o artigo 26-A da LDBEN - alguns com expectativas que a normativa não podia 
satisfazer – e já tendo passado período correspondente a dez anos a con-
tar da instituição do artigo referido, o signatário entrou em contato com o 
Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul.
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A estratégia utilizada, diante da informação não oficial de que as escolas 
públicas e privadas não estariam cumprindo o que determinava e determina 
a LDBEN, era a de dirigir esforço para convencer entidade que pudesse 
exercer fiscalização de, pelo menos, uma parte desse grande número de esta-
belecimentos de ensino, os públicos situados nos limites territoriais do Rio 
Grande do Sul.
O fato é que a população negra no Rio Grande do Sul e em outros esta-
dos não conseguia, e não consegue, incidir nas agendas políticas dos gover-
nos e esses, em grande parte das vezes, não tomam os problemas que afli-
gem a população negra como questões socialmente relevantes1. Com maior 
impossibilidade de mobilizar ações governamentais, a população indígena 
enfrenta situação ainda pior do que a da população negra no que se refere 
às pautas que definem as demandas prioritárias.
A concepção de uma política pública apresenta duas fases: a identifica-
ção de um problema e a definição da agenda política. No que tange às popu-
lações indígena e negra, não é incomum ter questões específicas que não 
são tidas como um problema que mereça uma solução. Além de haver a influ-
ência dos fenômenos raciais nos julgamentos e nas tomadas de decisão, 
é de se levar em conta a baixa representação dessas populações nas casas 
legislativas, nos ministérios e nas secretarias. Nesse contexto, naturaliza-se 
o não enfrentamento do que prejudica, fragiliza ou desatende parte da popu-
lação brasileira.
Retomando o trilho anteriormente mencionado, o Ministério Público 
de Contas foi procurado para explanação sobre o que determinava a LDBEN 
e sobre os dados atinentes ao racismo em três domínios além da educação. 
O objetivo era sublinhar como poderia ser diferente a situação se o pervasivo 
racismo fosse enfrentado no âmbito escolar.
1 Exemplo dessa situação é a inação estatal diante do grande número de jovens negros mortos 
por arma de fogo anualmente no país.
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Tendo havido acolhida, foi criado um questionário sobre a temática que o 
Ministério Público de Contas se encarregou de enviar para uma significativa 
parcela dos municípios jurisdicionados que, divididos por região e por porte, 
correspondiam a aproximadamente 63% da população estadual.
Recebidas as respostas, em acordo com o Ministério Público de Contas, 
passou-se a convidar pessoas da área da Educação e do Direito para que a 
amostragem fosse examinada sob os dois prismas. Dessa iniciativa nasceu 
o grupo que foi denominado de GT-26A.
Nesse momento, tendo uma amostragem e o correspondente relatório 
em mãos, foi possível instar o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande 
do Sul a iniciar, pioneiramente no Brasil, a fiscalização da implementação 
do que determina o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 
Nacional.
Nessa época, não era raro ouvir que o descumprimento legal se devia 
à resistência dos professores. Tal alegação estava em flagrante descompasso 
com o texto da lei. Ora, se estava estipulado que deveria ocorrer a altera-
ção do currículo para serem inseridas as histórias e as culturas indígenas 
e afro-brasileiras, evidentemente, não cabia aos professores iniciarem esse 
processo, mas sim aos gestores educacionais. Isso valia para a instituição 
de disciplina específica na qual se ministraria educação para as relações étni-
co-raciais ou se o tema fosse tratado de forma transversal em mais de uma 
disciplina.
Oportuno asseverar que o Ministério da Educação, no início da vigência 
do artigo 26-A, deveria ter levado a cabo a mudança dos currículos das gra-
duações. Diferentemente, cumpriu um roteiro antieconômico permitindo 
que estudantes saíssem das Universidades sem condições técnicas de dar 
concretude na rede básica ao que estava estampado no suficientemente indi-
cado artigo da LDBEN. Quando esses, na qualidade de profissionais da edu-
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
cação, ingressavam nas redes públicas e privadas de ensino, deparavam-se 
com dificuldades que não tinham condição de superar.
Se isso não fosse suficiente, o Ministério da Educação custeava cursos 
de capacitação ou de formação continuada apenas para as escolas públi-
cas. Esse conhecimento, no entanto, deveria ter sido ofertado na gradua-
ção. Diferentemente, era oferecido quando o então profissional podia estar 
trabalhando em dois turnos na escola2. A União deveria ofertar a disciplina 
de educação para as relações étnico-raciais e inserir as histórias e as culturas 
afro-brasileiras e indígenas em toda extensão do currículo nas escolas federais 
de nível fundamental e médio. Da mesma forma, os estados e municípios 
deveriam fazer o mesmo em seus sistemas de ensino. Aliás, o Estado tem em 
seu sistema escolas que oferecem o curso de magistério.
Inegavelmente, as instituições que podem exercer a fiscalização falharam 
ao não se estruturarem adequadamente para essa função e ao não dimen-
sionar o efeito para a sociedade de as escolas privadas e públicas darem 
concretude à estipulação legal. Nesse cenário, ganha mais relevo a decisão 
do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul de se dedicar ao tema, 
acolhendo sugestão e apoio de agente externo, isto é, do GT26-A.
Como de costume, o TCE iniciou trabalhando de forma educativa mesmo 
já tendo ocorrido o transcurso de onze anos de 2003 a 20143. Para tanto, 
em parceria com o GT26-A, promoveu seminários versando sobre o tema 
e conclamou gestores da educação e pessoas ligadas ao controle interno 
dos municípios e do Estado a comparecer. Sem sucesso, tentou-se que os 
conselhos de educação municipais e o estadual participassem dos eventos 
mencionados.
2 O conhecimento, como formação continuada, deveria ser oferecido somente para aqueles que 
não estavam na graduação quando da necessária mudança curricular nos estabelecimentos de 
nível superior.
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A relação entre o TCE/RS e o GT26-A se estruturou e se operacionali-
zou sob o influxo colaborativo. Em outros termos,o GT26-A procurou saber 
mais sobre as competências e sobre os limites do TCE/RS, visando fazer 
propostas realistas e eficazes. O TCE/RS, por seu turno, por meio daqueles 
que trabalharam diretamente com o GT26-A, empenhou-se em se apropriar 
rapidamente dos temas tratados.
Com base na experiência e no conhecimento de professores e de audi-
tores externos, o questionário foi aprimorado, permitindo um levantamento 
mais adequado de dados, bem como a indução das escolas a se prepararem 
para a desejada implementação. Em verdade, o questionário tem sido cons-
tantemente avaliado e aperfeiçoado desde 2015 .
A declaração do TCE/RS de que realizaria a fiscalização teve impacto 
imediato no meio dos municípios jurisdicionados, pois esses passaram a ten-
tar obter informações sobre o escopo dessa atividade. Lamentável é que esse 
interesse dos jurisdicionados não se traduziu em rápida adequação documen-
tal e, por óbvio, em concretização do que viesse a constar nos atualizados 
documentos escolares (projeto político-pedagógico, plano de ensino e plano 
de aula). Por outro lado, constatou-se ampliação do número de processos 
formativos e de atividades sobre a temática no âmbito dos sistemas de ensino 
capitaneados pelo Estado e pelos municípios.
Indispensável dizer que o objetivo do GT26-A é dar suporte ao Tribunal 
de Constas do Estado do Rio Grande do Sul para que este sempre efetu-
asse auditoria de forma correta, justa e célere. Para tanto, desde o primeiro 
momento, foi promovida a capacitação dos Auditores externos inclusive 
quando a auditoria foi realizada de forma virtual nos 497 municípios gaúchos.
A Escola de gestão do Tribunal de Contas do Estado, com o apoio 
do GT26-A, produziu um curso com o intuito de repassar informações, 
em especial, para que os Auditores externos saibam as consequências edu-
cacionais e sociais do trabalho que precisam realizar.
51
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
O GT26-A, com o fito de orientar e facilitar a concretização de audi-
torias in loco, criou documentos escolares para que os Auditores externos 
soubessem as formas possíveis de constar a temática auditada no projeto 
político-pedagógico, no plano de ensino e no plano de aula. Frisa-se que o 
Tribunal de Contas tem condição de fazer análise documental, sendo invi-
ável que Auditor externo acompanhe aula ou aulas nas escolas do Estado 
ou de algum município com o fim de comprovar a plena adequação à lei. 
Por essa razão, sempre se procurou dizer que o controle oficial não substi-
tuiria o controle social. Essas duas formas de controles são complementares 
e necessárias.
Cumpre registrar que, a despeito dos esforços dispendidos, não se 
obteve a participação efetiva e sintonizada dos conselhos de educação esta-
dual e municipais. Por outro lado, o GT26-A não dirigiu esforços para transmitir 
conhecimento e forma de os pais e responsáveis acompanharem o que fosse 
transmitido aos estudantes. Na continuidade do trabalho, utilizando-se de site 
específico, poderá o GT26-A transmitir conhecimento e estimular o controle 
por meio da sociedade.
Conferindo maior visibilidade ao trabalho desempenhado pelo GT26-A 
junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul desde 2013, 
foi lançada uma obra sobre educação antirracista no formato de e-book e ela 
está disponível no site do TCE/RS.
Acompanhando a evolução da discussão nas redes de ensino audita-
das, bem como na sociedade, em 2025, será produzido um novo curso a ser 
disponibilizado para redes de ensino e, principalmente, para outros Tribunais 
de Contas .
 No ano de 2023, foi realizado seminário alusivo aos dez anos 
do GT26-A, momento no qual ficou estabelecido que esse grupo será for-
malizado mediante a celebração de instrumento jurídico entre o Tribunal e a 
52
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, permitindo-se o convite de pes-
soas vinculadas a outras instituições.
O GT26-A sempre teve o objetivo de que o trabalho desenvolvido com o 
Tribunal fosse replicado e esse servisse de referencial para outros órgãos 
de controle. Assim sendo, considerou-se como uma importante vitória a con-
solidação das Cortes de Contas como instituições fiscalizadoras do cumpri-
mento do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 
Essa consolidação se perfectibilizou quando a Associação dos Membros 
de Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON), em 2023, inseriu a fiscalização 
mencionada no Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas 
(MMD-TC). O Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas 
é ferramenta de análise de desempenho das Cortes de Contas. Assim sendo, 
os Tribunais de Contas terão de exercer a fiscalização da implementação 
do que determina o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educacional 
Nacional porque esse é o critério de avaliação do indicador “Fiscalização 
e Auditoria da Gestão da Educação”. Nessa quadra, é de se parabenizar 
a ATRICON pelo caráter indutor da sua iniciativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pendente implementação do que dispõe o artigo 26-A da Lei 
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional segue a passos extremamente 
lentos no Brasil. Aquele estudante que, no ano de 2003, estava na então 
primeira série, hoje primeiro ano do nível fundamental, pode já ter concluído 
o doutoramento nesses vinte e um anos.
Não há dúvida de que outros órgãos de controle como o Ministério 
Público e a Defensoria, que inclusive podem ter um escopo de atuação maior 
por poderem também fiscalizar as escolas privadas, precisam se engajar 
53
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
nesse processo. Aliás, tendo por base a experiência aqui referida, esses órgãos 
podem buscar o apoio de professores e de pesquisadores, o que lhes permi-
tiria realizar composições extrajudiciais com segurança.
As escolas, por seu turno, não precisam aguardar a fiscalização ou a 
ocorrência de desgastantes casos de racismo para agir. Elas podem se pre-
parar para constituir um robusto plano que conduza à adequação dos docu-
mentos escolares e a uma realidade escolar fiel a essa documentação.
Não é novidade que, quanto mais cedo são alcançados conhecimentos 
e valores humanitários relativos à igualdade, à justiça e à liberdade e ao 
desenvolvimento, maiores são as probabilidades de se formar adultos anti-
discriminadores. Então que seja no primeiro espaço público frequentado 
que as crianças comecem a constituir um país mais justo .
REFERÊNCIAS
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Company, 1966.
EDDO-LODGE, R. Why I’m no longer talking to white people about race. 
London: Bloomsbury publishing, 2018.
MIRANDA, F. C. P. de. Democracia, Liberdade, Igualdade: os três caminhos. Rio 
de Janeiro: Olympio, 1945.
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Health Are Deeply Intertwined: Working Paper No. 15. Retrieved from www.
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ao professor Carlos Alberto Molinaro. Porto Alegre: Editora Fundação Fênix, 2021, 
p. 928. 
54
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
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do imperio do Brasil sobre a escravatura. Paris: Typographia de Firmin Didot, 
1825.
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reconciliation in Rwanda. In: IRRC, vol. 85, n.852, p. 791 – 806, December, 2003.
THALER, R. H.; SUNSTEIN, C. R. Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, 
and Happiness. New Haven: Yale University Press, 2008.
55
EDUCAÇÃO INDÍGENA E MULTICULTURALIDADE: 
DIREITO FUNDAMENTAL E INSTRUMENTO 
DE ENFRENTAMENTOAO RACISMO
“O Império deu lugar a uma República de Fazendeiros”
(Muniz Sodré)
Edson Kayapó
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA
Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP
Museu de Arte de São Paulo (MASP)
Flávio de Leão Bastos Pereira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Advogado atuante perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em defesa dos povos indígenas
Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP
Technische Hochschule Nürnberg Georg Simon Ohm
Membro Associado da Associação de Advogadas/os, Juízas/es e Promotoras/es em 
Direitos Humanos da América Latina e Caribe
56
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO
É cediço que o direito à educação representa uma das mais importantes 
prerrogativas componentes do rol de direitos sociais reconhecidos pelas 
sociedades contemporâneas, desde o advento do conjunto de fatores políti-
cos, econômicos, sociais e jurídicos que viabilizaram o reconhecimento deste 
mencionado grupo de direitos pelas ordens jurídicas nacionais e também pelo 
Direito Internacional, desde a Constituição do México de 1917. 
Assim, não é difícil constatar como as sociedades que mais valorizam 
e investem na educação encontram-se mais próximas de alcançar um pata-
mar de bem-estar social, especialmente sob o atual cenário antropocênico 
e sob um contexto capitalista que vem, atualmente, de modo mais acelerado, 
comprometendo o planeta tanto por meio da concentração de renda e manu-
tenção de injustiças sociais, quanto pela degradação ambiental cada vez mais 
intensa, sempre com o objetivo de acumulação de riquezas para poucos. 
Se é possível identificar e extrair proposições voltadas ao desenvol-
vimento sustentável e justo das sociedades a partir do modelo predatório 
acima, certamente a educação constitui o instrumento mais idôneo e eficaz 
para que soluções que considerem a preservação do planeta, de suas identi-
dades e a distribuição sustentável dos recursos necessários à sobrevivência 
da espécie humana possam ser alcançadas.
Neste sentido, considerando o caso brasileiro (e podemos identificar 
exemplos semelhantes em outras experiências latino-americanas), o sis-
tema educacional foi, historicamente, utilizado como veículo supremacista, 
racista, eugênico, excludente e hegemônico. Assim, o epistemicídio em relação 
às culturas indígenas (e também africanas) e suas histórias, que caracteriza 
o sofrível sistema educacional brasileiro desde quando se passou a conce-
ber o Brasil como um país a partir de 1808, não resulta de erros, equívocos 
57
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
ou ausência de visão de nação, mas de um cálculo decorrente de decisões 
políticas racialistas.
A Constituição da República de 1988 rompe com a visão assimilacionista 
(e, por óbvio, etnocida1) ao garantir que os referenciais culturais que com-
põem o processo civilizatório brasileiro sejam acessíveis e exercíveis pela 
sociedade (artigo 215, §1°, CF/88). Também, ao estabelecer como fundamento 
da República o pluralismo político (artigo 1º, inciso V).
Neste sentido, repensar o sistema educacional brasileiro para que seus 
currículos viabilizem o acesso à história e ao conhecimento produzidos pelas 
sociedades indígenas (e africanas) do Brasil, com o consequente resgate 
das novas gerações, submetidas a visões limitadas apenas a parâmetros 
colonizadores que geram a ignorância de um país em relação às próprias 
origens e identidades, revela-se como etapa inafastável na construção de um 
país verdadeiramente democrático, desenvolvido e antirracista. 
Referida análise é o objeto do texto ora proposto. 
1. EDUCAÇÃO MULTICULTURAL: PARÂMETROS NA ORDEM 
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA E NO DIREITO INTERNACIONAL
 Sob a perspectiva política, e para além de um direito humano funda-
mental, a educação pode ser considerada como elemento estratégico para 
a permanente via de construção da democracia. Inversamente, é também 
veículo eficaz para a consolidação de sociedades totalitárias, ditatoriais, auto-
cráticas ou, ainda que formalmente democráticas, essencialmente autoritárias 
e racistas. 
1 Utilizamos o termo “genocida”, no contexto do texto, sob a visão de Raphael Lemkin, criador do 
termo genocídio e que considera o genocídio passível de ser cometido não apenas pelo exter-
mínio físico, mas também pelo apagamento de uma cultura (etnocídio). Ver LEMKIN, Raphael. El 
Domínio del Eje en la Europa Ocupada. Buenos Aires: Prometeo Libros; Eduntref, 2009, capítulo 
IX.
58
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A história do Brasil é pródiga em exemplos que apontam para as deci-
sões políticas e, mesmo constitucionais, excludentes. Em realidade, exclusão 
e desigualdade são projetos previamente elaborados que marcam a formação 
da sociedade brasileira. A título de exemplo, mesmo a primeira Constituição 
social do país, de 1934, em seu artigo 138, determinava a competência 
da União, Estados e Municípios em estimular a educação eugênica. A pro-
clamação da República brasileira, por meio de golpe militar, não significou 
uma mudança substancial de visão em termos de nação, cidadania e espirito 
coletivo, mas adaptação de uma sociedade escravista com o olhar voltado 
para as sociedades industrializadas, liberais e capitalistas, mantidas as estrutu-
ras oligárquicas e que, até os dias de hoje, explicam, em parte, a falta de cons-
ciência republicana de grande parcela da população que, em pleno século 
XXI, ainda anseio pela restauração de ditaduras militares em solo brasileiro. 
Interessante a análise de Muniz Sodré a respeito das raízes históricas 
oligárquico-racialistas e que são, ainda, engrenagens que condicionam o fun-
cionamento da sociedade brasileira (Sodré, 2023, p. 37):
Muito diferente do americano é o caso do Brasil, marcado 
por baixa cultura republicana, ou seja, por mediações sociais 
mais “familiais” (relações de parentesco, compadrio, amizade 
e cooptação grupal) do que legais. A transição histórica foi 
“proclamada” por militares tornados republicanos de curta 
data...uma espécie de vanguarda ao atraso, ou seja, a guarda 
palaciana do Império convertida em guarda constitucional: 
os mesmo que antes coonestavam a tortura dos escravos 
e que quase exterminaram a população paraguaia em nome 
do imperador. O Império deu lugar a uma República 
de Fazendeiros. País territorialmente segmentado e contro-
lado por oligarquias latifundiárias, não houve aqui um pacto 
fundacional dos estados, e sim uma transformação multis-
secular da empresa colonial das origens – realizada por lati-
fúndio monocultor e regime escravista, no lugar de Estado 
– em território nacional.
59
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
 Não é apenas a história do Brasil que apresenta, à evidência, na América 
Latina, contextos históricos condicionantes que, até os dias atuais, têm suas 
consequências diariamente constatáveis, guardadas as realidades próprias 
de cada país. Em distintas sociedades americanas, os respectivos sistemas 
educacionais foram mobilizados para o apagamento das sociedades autóc-
tones, suas histórias, dinastias, culturas e identidades. Em relação aos povos 
indígenas, o continente americano possui uma dinâmica comum: as esco-
las colonizadoras foram responsáveis, em grande parte, pela erradicação 
dos povos originários de sua própria historiografia. Idiomas, culturas, hábitos, 
crenças, sistemas econômicos, entre outros, foram, sem exceção, eliminados.
Podemos mencionar dois exemplos marcantes e objetos de debates: 
o caso das escolas canadenses para indígenas (em estágio avançado quanto 
à construção de sua memória coletiva; apuração da verdade histórica e efe-
tivação da justiça); e, o caso do Uruguai, cuja sociedade vem sendo palco 
de recentes e relevantes debates sobre seu passado indígena, julgado extinto 
pela maioria deseus cidadãos.
No caso canadense, o respectivo processo para apuração das massivas 
violações cometidas durante décadas contra crianças indígenas pelo fami-
gerado sistema de escolas residenciais indígenas ainda é objeto de perma-
nentes ações para concretizado de sua justiça de transição (GOVERNMENT 
OF CANADA). O processo de implantação de uma educação colonizadora 
predominou no hemisfério norte, como analisado por Alex Alvarez (2014, p. 
1432, tradução livre):
2 Texto original em inglês: The ideia of using formal schools and education as a way do forcibly incul-
cate Western mores, beliefs, and traditions among Native Americans datas back to the first settel-
ments and colonies. The Spanish used schools in their mission stations in an attempt to bring both 
Christianity and European values to the Natives under their sway, and as early as the 1600s Jesuit 
missionaries established missions in what would become Maine, New York, Wisconsin, Michigan, 
Ohio, Illinois and Louisiana, as well as in Canada. In the British portions of North America, King 
James odered the creation of "some churches and schools for ye education of ye children of these 
Barbarians in Virginia." To this end, the Virginia Company tried to develop a system in which Native 
yourths would be raised and educated in the homes of British colonists and also tried to se up a 
college for Native Americans, both attempts ultimately failing. In New England, the Puritans put a 
great deal of effort into converting and educating Natives by creating an entire system of "Indian 
Praying Towns" where Natives would live, work, dress, and pray in Anglo fashion".
60
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A ideia de usar escolas e educação formais como forma 
de inculcar à força os costumes, crenças e tradições oci-
dentais entre os nativos americanos remonta aos primeiros 
assentamentos e colônias. Os espanhóis usaram escolas 
em suas estações missionárias na tentativa de impor o cristia-
nismo e os valores europeus para os nativos sob seu domínio, 
e já em 1600, missionários jesuítas estabeleceram missões 
no que se tornariam o Maine, Nova York, Wisconsin, Michigan, 
Ohio, Illinois e Louisiana, bem como no Canadá. Nas porções 
britânicas da América do Norte, o rei Jaime ordenou a criação 
de "algumas igrejas e escolas para a educação dos filhos des-
ses bárbaros na Virgínia". Para este fim, a Virginia Company 
tentou desenvolver um sistema no qual os jovens nativos 
seriam criados e educados nas casas dos colonos britânicos 
e também tentou criar uma faculdade para os nativos ame-
ricanos, ambas tentativas fracassadas. Na Nova Inglaterra, 
os puritanos fizeram um grande esforço para converter e edu-
car os nativos, criando todo um sistema de "cidades indígenas 
de oração", onde os nativos viveriam, trabalhariam, vestiriam-
-se e orariam no estilo anglo-americano. 
A América do Sul não se viu livre do processo colonizador-educacio-
nal etnocida. Um dos primeiros países da região a estabelecer um sistema 
educacional foi o Uruguai. Atualmente, é comum e propagada a ideia de que 
esta República sul-americana não mais possui indígenas entre sua popu-
lação. Com o nome do país de origem Guarani, a existência de indígenas 
em seu território não é reconhecida. Operações militares do século XIX (1831) 
levou o povo Charrúa à extinção por meio de um genocídio. Contudo, desde 
meados da década de oitenta determinados grupos da sociedade uruguaia 
vêm reivindicando sua ascendência e suas identidades Charrúa. A partir 
de meados da segunda metade do século XX, recentes relatos identitários 
foram registrados a partir de novos cenários políticos (Asenjo, 2023).
61
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Assim, também no Uruguai o sistema de ensino sempre priorizou 
os mitos nacionais e tratou os povos indígenas como um passado não mais 
existente. Neste sentido:
Os manuais escolares, o índio em todas as lembran-
ças. O índio é ensinado segundo os símbolos patrióticos, 
que geralmente são a primeira abordagem da História. Aqui, 
o jogo dialético entre identidade e alteridade no Uruguai, 
não se contentando com alteridades exógenas, teve 
que recorrer a alteridades endógenas: negros, imigrantes 
e, claro, indígenas e mestiços, na forma do crioulo ou do 
gaucho. Este fato é visível nos manuais escolares, que cons-
tituem um vetor privilegiado de propaganda patriótica, e cuja 
função é, em parte, ajudar na construção de uma identidade 
coletiva. É assim que o eu-narrador se transforma em um 
nós homogêneo, forjando assim o sentimento de pertenci-
mento buscado (Sansón Corbo, 2011).3 (Asenjo, 2023, p. 329, 
330, livre tradução).
Como se denota pela análise dos exemplos oriundos de outras nações 
americanas, os sistemas educacionais, via de regra, consistiram em eficientes 
modelos para objetivos de homogeneização cultural-étnico-racial e construção 
de um sentimento nacional. Não foi diferente no Brasil .
No plano normativo, especialmente a partir do pós-guerra 
e com a ampliação dos instrumentos normativos internacionais protetivos 
dos direitos humanos, o reconhecimento da multiculturalidade enquanto 
fundamento para as sociedades democráticas passou a ser incorporado tanto 
3 Texto original em castelhano: Los manuales escolares, el indio en todas las memorias. El indio 
se enseña después de los símbolos patrióticos, que son generalmente el primer acercamiento 
a la Historia. Aquí, el juego diálectico entre identidad y alteridad en Uruguay, al no satisfacerse 
con alteridades exógenas, debió recurrir a las alteridades endógenas: negros, inmigrantes, y por 
supuesto indígenas y mestizos, bajo la forma del criollo o del gaucho. Este hecho es visible en los 
textos escolares que son un vector privilegiado de la propaganda patriótica, y cuya función es en 
parte ayudar a la construcción de una identidad colectiva. Es así que el yo-narrador se transfor-
ma en un nosotros homogéneo, forjando de esa manera el sentimiento de pertenencia buscado 
(Sansón Corbo, 2011).
62
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
em normas de soft-law quanto de hard-law. Como exemplo, podemos citar 
a Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas 
(2007), que estabelece, em seu artigo 13, o direito dos povos indígenas 
de revitalizar, utilizar, desenvolver e transmitir às gerações futuras suas 
histórias, idiomas, tradições orais, filosofias, sistemas de escrita e literaturas, 
e de atribuir nomes às suas comunidades, lugares e pessoas e de mantê-los. 
(ONU, 2007). Ainda, a Declaração Americana Sobre os Direitos dos Povos 
Indígenas (OEA, 2016), que, dentre várias determinações relacionadas 
à educação, estabelece a obrigação dos Estados, em conjunto com os povos 
indígenas, de garantir currículos que projetem a natureza multicultural de suas 
sociedades, nos termos seguintes:
Os Estados promoverão relações interculturais harmônicas, 
assegurando nos sistemas educacionais estatais currículos 
com conteúdo que reflita a natureza pluricultural e multilín-
gue de suas sociedades, e que incentivem o respeito e o 
conhecimento das diversas culturas indígenas. Os Estados, 
em conjunto com os povos indígenas, incentivarão a educa-
ção intercultural que reflita as cosmovisões, histórias, línguas, 
conhecimentos, valores, culturas, práticas e formas de vida 
desses povos .
O sistema constitucional brasileiro, como já enfatizado anteriormente, 
rompe com a visão secular assimilacionista (e etnocida) com a promulgação 
da Constituição da República de 1988, que deixa de entender os povos indí-
genas como uma categoria social transitória (CIMI), especialmente por conta 
da consagração de princípios norteadores da efetivação do direito à educa-
ção como o pluralismo de ideias, o pluralismo de concepções pedagógicas, 
a gestão democrática e a universalização, dentre outros .
A própria República é fundamentada no pluralismo político, princípio 
que estabelece comobase fundante a garantia de efetivação, acesso e exer-
63
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
cício a todas os referenciais culturais formadores do processo civilizatório 
brasileiro (CF/88, artigo 1º, inciso V c/c artigo 215, §1°).
Cumpre, ainda, salientar que normas infraconstitucionais também asse-
guram a conexão entre o ensino tradicional vigente na sociedade dominante 
e os referenciais educacionais indígenas, como é o caso da Lei n° 10.172/2001, 
que aprova o Plano Nacional de Educação) e prevê, em seu item 9, as dire-
trizes para implantação da educação indígena, incluídas suas diretrizes 
(item 9.2), além dos objetivos e metas (item 9.3). A Lei de Diretrizes e Bases 
da Educação estabelece, ainda, em seu artigo 79, que programas integrados 
de ensino e pesquisa devem ser elaborados com a oitiva das comunidades 
indígenas.
Como explica Villares (2013, p. 273):
Toda legislação relativa à educação indígena prevê o respeito 
à cultura e à participação dos povos indígenas na formulação 
e execução da política de educação. Ela permite que o sistema 
escolar indígena seja inserido no sistema geral e, ao mesmo 
tempo, utilize a língua indígena, respeite os conhecimentos 
tradicionais, use material didático específico preparado pelos 
próprios indígenas, calendário adaptado aos costumes e fes-
tas indígenas, tenha professores indígenas, currículo e dire-
trizes próprias, participação da comunidade indígena etc. 
A par da previsão legal, a prática da educação indígena está 
longe da idealizada. 
A construção de uma sociedade substancialmente democrática passa 
pelos processos de decolonização em todas as suas searas, incluída a educa-
cional, isto é, dinâmicas de conscientização e postura necessárias à cessação 
da base teológica e das fundações europeias para a (epistemologia) teoria 
do conhecimento e exegese (hermenêutica), como ensina Álvaro de Azevedo 
Gonzaga Guarani-Kayowá (Gonzaga, 2021, p. 132).
64
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Referido processo decolonizador se impõe atualmente como condi-
ção indispensável para o setor público, para o setor privado, para o terceiro 
setor. Aliás, assegurar a educação inclusiva, equitativa, de qualidade e pro-
mover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos, 
sem exceção, constitui o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n°4, 
das Nações Unidas (ODS 4). Como já pudemos enfatizar, devem o Estado 
e a sociedade brasileira, inclusive o setor privado e produtivo, preservar 
os referenciais identitários dos povos indígenas e de suas culturas,... por meio 
de políticas públicas eficazes (Kayapó; Kayapó; Pereira, 2022).
2. DIÁLOGOS INTERCULTURAIS E DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO: 
VIA DEMOCRÁTICA RUMO AO REENCONTRO DOS BRASILEIROS COM SUAS ORIGENS.
A lei 11.645/08, que estabelece a obrigatoriedade do estudo da história 
e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas, abre novos horizontes para 
o ensino da história e cultura dos povos indígenas, possibilitando o rompi-
mento com o silêncio e com a memória distorcida produzida pelos grupos 
hegemônicos. 
A tarefa a ser realizada pelas instituições educacionais é a construção 
de um olhar renovado e propositivo sobre a temática indígena, combatendo 
a narrativa hegemônica que pretende ser a única voz autorizada, amorda-
çando as vozes das diversidades sociolinguísticas e cosmológicas.
A chegada das caravelas colonizadoras nos territórios originários inau-
gurou um brutal processo de violência que culminaria no extermínio dos povos 
indígenas, se não fossem as habilidosas estratégias de resistências projetadas 
e executadas por esses povos. 
Uma das agências ideológicas amplamente utilizadas pelos agentes 
colonizadores foi a educação, visando assimilar, civilizar e catequizar (obje-
65
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
tivos intimamente interligados), fazendo desaparecer os traços dos per-
tencimentos identitários e, ao mesmo tempo, promovendo a conformação 
dos originários habitantes ao projeto colonial. No período pós-independência 
do Brasil, a educação manteve-se fortemente vinculada aos ideais cristãos, 
acrescendo-se o ideal de abrasileiramento e de integração dos povos indí-
genas à nação brasileira.
O passado genocida e epistemicida implantado pelo projeto coloniza-
dor deixa rastros duradouros. Quijano (1997) nomeia como “colonialidade” 
o vínculo duradouro entre o passado e o presente, configurando-se como 
um padrão de poder entendido como uma experiência colonial moderna. 
Desse modo, podemos conceber o silêncio dos povos indígenas nas práti-
cas escolares como tributário de práticas coloniais, que reproduzem tanto 
o esquecimento quanto os discursos herdados da ideia do “índio” bestial, 
sem fé, sem rei, sem lei e dotado de uma natureza inferior, tanto biologica-
mente quanto culturalmente.
Analisando as perspectivas indigenistas colonizadoras que proliferaram 
no Brasil e suas implicações na educação escolar, é relevante o estudo da pro-
fessora Bittencourt (2013), onde é constatado que, nos tempos da monarquia, 
foi difundida a imagem do "índio" selvagem e genérico nas escolas, o que 
pode ser entendido como uma marca da historiografia produzida sob as influ-
ências de Francisco Varnhagen sobre os povos indígenas, a exemplo do livro 
História Geral do Brasil (1854), para uso nas escolas de instrução primária. 
Varnhagen, era um dos mais respeitados intelectuais do Instituto Histórico 
e Geográfico Brasileiro, defendia que essas sociedades não tinham história, 
apenas etnografia, e que seu fatal destino era a extinção.
Durante todo o período monárquico, os livros didáticos eram repletos 
de ilustrações iconográficas que faziam alusões às características genéri-
cas da cultura indígena, ignorando qualquer traço de identidade particular 
ou valorização das diversidades socioculturais. 
66
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Gersem Baniwa4 (2006a; 2006b), respeitado intelectual indígena, lembra 
que, a partir do século XX, a historiografia brasileira pautou o debate em torno 
do índio da mestiçagem étnica à democracia racial, cuja preocupação era a 
“formação do povo brasileiro em seus aspectos de miscigenação” (Bittencourt, 
2013 p. 115), em que se buscava referendar algumas das qualidades herdadas 
dos indígenas na composição do povo brasileiro. Nas escolas e nos livros 
didáticos, os debates aconteciam em torno da dubiedade entre o “índio sel-
vagem”, vítima da crueldade colonizadora, mas detentor de potenciais carac-
terísticas que compõem a cultura nacional mestiça.
Assim sendo, os povos indígenas foram transformados em mestiços, 
sem qualquer interesse da escola em conhecer o seu passado e seu presente. 
Afinal, a mestiçagem era vista de forma otimista na construção da identidade 
brasileira, apagando as histórias, memórias, saberes e línguas desses povos. 
Tal perspectiva anula os conflitos travados entre povos indígenas e coloni-
zadores e aponta para o futuro nacional sem vencidos e vencedores, dando 
lugar ao discurso da “democracia racial”.
Nas décadas posteriores, a educação escolar manteve o silenciamento 
e a subalternização dos povos indígenas. Durante quase todo o século XX, 
foi propagada a perspectiva da “democracia racial”, com destaque à ideia 
de que o processo de miscigenação teve a necessária predominância da 
“raça branca” sobre os demais grupos formadores do povo brasileiro.
Fica evidente que as escolas e seus currículos, sutilmente ou declarada-
mente, vêm acompanhando a ação genocida do Estado, apagando as memó-
rias e as histórias desses povos nas suas ações pedagógicas. 
Um aspecto que merece atenção é a criação do mito do “índio genérico 
e exótico”: o currículo escolar se reporta ao Tupi, a Tupã e apresenta todos 
os indígenas com tipo físico semelhante, vivendo nus nas florestas. Trata-se 
4 Para buscar o pesquisador na plataforma Lattes, deve-se utilizar o nome GersemJosé dos 
Santos Luciano.
67
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
de uma representação repleta de estereótipos, romantizações e generalida-
des, quase sempre lembrada por ocasião do dia 19 de abril, data eleita para 
comemorar o “dia do índio”. 
Toda essa maneira de pensar e ensinar a história e cultura dos povos 
indígenas está sob suspeita nas últimas décadas. A escola e o ensino 
de História são repensados no diálogo com os movimentos sociais demo-
cráticos, e particularmente no diálogo com o movimento indígena.
Os debates ensinam que são necessárias relações pedagógicas 
que reconheçam a pluralidade da nação brasileira e a diversidade dos povos 
indígenas, ressaltando que esses povos estão inseridos na história e no tempo 
presente. 
O novo olhar pedagógico deve dialogar com os projetos de resistência 
e de re-existência dos povos indígenas, denunciando a brutalidade das “guerras 
justas”, a escravidão, as epidemias programadas e a desestruturação 
de seus modos próprios de organização social. De igual modo é necessário 
compreender que toda essa dinâmica de enfrentamentos colaborou para 
a atualização das suas línguas, cosmologias e modos de vida .
Para além da perspectiva que enxerga apenas traços indígenas herda-
dos pelo povo brasileiro, é preciso investigar a fundo as contribuições desses 
povos à cultura nacional, evidenciando os povos indígenas no mundo con-
temporâneo e seus saberes milenarmente construídos. Berta Ribeiro (1995) 
assinala que os povos indígenas são detentores de saberes que passam 
pelo campo do manejo florestal, práticas agrícolas e medicinais que fazem 
parte do convívio cotidiano nas aldeias e nos meios não-indígenas. A autora 
demonstra que as pesquisas realizadas por antropólogos e biólogos entre 
os indígenas levaram ao desenvolvimento de ramos associados entre a etno-
logia e a biologia, aos quais se deu o nome de etnobotânica, etnozoologia 
e outros campos da etnociência.
68
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Vale ressaltar que o estudo da história e da cultura dos povos indígenas 
nas escolas não podem se restringir às histórias das derrotas e das perdas, 
que culminam na narrativa do extermínio. Tal perspectiva derrotista silencia 
as histórias das resistências e das estratégias de continuidade e manutenção 
das tradições originárias, que pressupõem históricas ações de autodefesa, 
pactos e diálogos com os grupos políticos do entorno.
Os dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia 
e Estatística (IBGE), referentes à contagem da população em 2022, repor-
tam-se ao aumento de quase oitenta por cento da população indígena no país, 
em comparação com os números do censo de 2010. Em todos os estados 
brasileiros e em quase todos os municípios, foi identificada a presença de indí-
genas, dando claro sinal de que, apesar da vigência do projeto genocida, 
os povos originários resistem, revitalizam suas línguas, memórias históricas 
e cosmologias e, ao mesmo tempo, lutam pela demarcação de seus territórios 
originários, realizam a autodemarcação e conduzem seus projetos societários 
em coletividade. 
Em tempos antropocênicos, com fortes sintomas do esgotamento 
das relações socioambientais predatórias, é necessário que a escola assuma 
a responsabilidade de debater a emergência climática. Nesse contexto, o diá-
logo com os povos indígenas e seus saberes, mais uma vez, mostra-se perti-
nente, uma vez que esses povos têm demonstrado a capacidade de conviver 
de maneira simples, sem serem contaminados pelo consumismo desenfreado 
próprio do sistema capitalista doentio, além de viverem em equilíbrio com a 
natureza e todos os elementos que a compõem, o que significa dizer que são 
eles portadores de um saber que envolve conhecimentos experimentados 
e milenarmente construídos. 
Um dos desafios é romper com a tendência de identificar a diversi-
dade sociocultural e as organizações próprias desses povos como inimigos 
do progresso e da soberania nacional. A escola pode se tornar uma agência 
69
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
de proteção dos seus direitos, com destaque para o direito aos seus ter-
ritórios originários, espaços cosmogônicos de produção da vida, vitais para 
o equilíbrio climático no planeta.
É importante destacar ainda a necessidades da reestruturação curricu-
lar dos cursos de licenciaturas nas instituições de ensino superior no Brasil, 
bem como lembrar o poder público e as demais instituições mantenedoras 
das escolas sobre a necessidade de viabilizar a formação continuada do corpo 
docente, qualificando-os para atuar com a temática indígena em sala de aula .
Outro aspecto relevante é a necessidade do protagonismo indígena 
nas formações dos profissionais docentes, tanto na formação inicial quanto 
na formação continuada. As instituições devem garantir a presença de sábias 
e sábios indígenas em tais formações, bem como devem viabilizar o diálogo 
com a produção intelectual dos escritores indígenas.
Está aberto o convite e o desafio para o estabelecimento de diálogos 
interculturais, buscando promover a democratização do conhecimento e a 
revisão de tudo o que a sociedade e as escolas sabem e ensinam sobre 
a temática indígena. É a oportunidade das crianças, adolescentes e jovens 
terem contato com outras histórias, que podem promover o sentimento 
de pertencimento e de responsabilidade com a Terra. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resta patente a estruturação jurídico-constitucional, bem como inter-
nacional, definidora da multiculturalidade como norte e fundamento para 
a realização de uma sociedade democrática de fato a partir da viabilização 
de um sistema educacional multicultural. O protagonismo dos povos indíge-
nas no desenvolvimento ancestral de suas culturas, instituições e crenças, 
70
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
além de suas lutas de resistência diante do avassalador processo coloniza-
dor, deve compor as bases epistemológicas antes apagadas. Essas bases 
apontam para um futuro promissor marcado pelo resgate de uma identidade 
brasileira mais completa pelo acesso aos referenciais culturais componentes 
do processo de formação do povo brasileiro, inclusive a partir dos povos 
indígenas do Brasil .
Como demonstrado pelo presente artigo, o sistema educacional, his-
toricamente, revelou-se um importante instrumento para o cometimento 
do etnocídio e do epistemicídio, promovendo a erradicação dos referenciais 
culturais próprios das nações originárias, tanto na historiografia brasileira 
quanto nas Américas, que cedem espaço para os referenciais eurocêntricos.
Dentre inúmeros reflexos e consequências do mencionado processo 
colonizador e epistemicida, destacam-se o racismo enquanto mecanismo 
estrutural e institucional para o funcionamento da sociedade brasileira, 
bem como o esgotamento dos recursos naturais, que define o período 
do antropoceno, atualmente em curso .
Neste sentido, decolonizar o sistema educacional brasileiro (e 
dos demais países americanos) constitui tarefa urgente, visando à ampliação 
do conhecimento e à compreensão mais completa sobre a própria identidade, 
pelas novas e futuras gerações, condição indispensável para a sobrevivência 
do planeta e da própria espécie humana .
A reformulação democrática e pluricultural do sistema educacional brasi-
leiro, de modo a que as culturas originárias, bem como a visibilização não ape-
nas dos genocídios impostos e suportados por tais povos, mas também sobre 
suas tradições, histórias, dinastias, seus mitos e crenças, além de toda a influ-
ência que exercem sobre os referenciais da sociedade dominante, representa 
importante avanço no combate ao racismo. Afinal, o conhecimento é um fator 
que favorece a alteridade e, portanto, contribui para a criação de um ambiente 
de pertencimento e de solidariedade.
7 1
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
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72
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
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73
UMA ANÁLISE DISCURSIVO-PRAGMÁTICA 
DAS VIAGENS TEXTUAIS DO CONCEITO 
RACISMO ESTRUTURAL NO CASO MIGUEL 
SANTANA E SEUS DESDOBRAMENTOS 
PARA A LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL 
Marco Antonio Lima do Bonfim
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Líder do Grupo de Pesquisa Linguagens e Estudos Afro-Latino-Americanos (LEAFRO/ UFPE/ CNPq)
Coordenador da Comissão de Diversidade, Inclusão e Igualdade – CDII da ABRALIN.
74
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO
No dia 02 de junho de 2020, na cidade de Recife, estado de Pernambuco, 
no auge da pandemia do Coronavírus (COVID-19) e poucos dias após o assas-
sinato do segurança negro George Floyd em Mineápolis, Estados Unidos, 
Miguel Otávio Santana da Silva, um menino negro de 5 anos de idade, filho 
de Mirtes Renata Santana de Souza, uma mulher negra e trabalhadora 
doméstica, morreu depois de ter sido deixado aos cuidados da patroa, Sarí 
Corte Real, uma mulher branca casada com Sérgio Hacker, um homem tam-
bém branco e, à época, prefeito da cidade de Tamandaré, cidade localizada 
no mesmo estado.
Neste dia, Mirtes Sousa teve como uma de suas obrigações levar 
o cachorro da patroa para passear, tendo que deixar o filho sob a respon-
sabilidade de Sarí Corte Real, que estava sendo atendida por uma mani-
cure, ao mesmo tempo em que prestava cuidados à criança. Conforme 
as informações veiculadas na mídia local e nacional, a patroa deixou Miguel 
Santana sozinho no elevador, tendo apertado o botão de um andar superior. 
Em seguida, ele caiu do 9º andar do prédio, de uma altura de 35 metros, 
o que levou a sua morte. 
Sarí Corte Real chegou a ser presa, porém após pagar a fiança de R$20 
mil, foi solta e responde pelo crime em liberdade. No ano de 2022, ela foi con-
denada a 8 anos e seis meses de prisão por abandono de incapaz com resul-
tado de morte, mas conseguiu responder em liberdade a essa ação. Ainda, 
em 2022, Mirtes Sousa, entrou com um recurso ao Tribunal de Justiça 
de Pernambuco (TJPE) solicitando que a pena fosse aumentada. Por fim, 
em julho de 2023, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), condenou Sari 
Corte Real e Sérgio Hacker a pagarem R$ 386 mil por dano coletivo moral. 
A decisão teve por base o conceito de racismo estrutural.
75
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Figura 1 – À esquerda, Miguel Santana da Silva; à direita, Sarí Corte Real.
Fonte: https://diplomatique.org.br/aqui-para-a-primeira-condenacao-
judicial-por-racismo-estrutural/ - acessado em 01. out.2023.
O caso foi noticiado em vários veículos de comunicação em todo o país, 
como a Carta Capital, g1.globo.com, Folha de São Paulo, Tribuna Online, BBC, 
Le Mond Diplomatique Brasil, entre outros. Portanto, esse fato foi sendo 
(re)construído na mídia, nas palavras de Blommaert (2008, p. 109), “através 
de uma sequência de reentextualizações, envolvendo recontextualizações 
para além [do fato ocorrido] [...] [d]a história é toda a trajetória do texto”. 
Diante deste fato, neste capítulo realizo uma análise discursivo-prag-
mática da circulação do conceito racismo estrutural em textos midiáticos 
relativos ao “Caso Miguel Santana”. Especificamente analisarei, convocando 
pensadoras(es) negros(as), os Estudos Críticos do Discurso (Fairclough, 2001) 
e a Antropologia Linguística (Bauman; Briggs, 1990; Duranti, 1997), os pro-
cessos de descontextualização, entextualização e reentextualização (viagens 
textuais) do conceito racismo estrutural, atentando para como ele é descolado 
das práticas/instituições sociais, do sistema de poder da supremacia branca 
https://diplomatique.org.br/aqui-para-a-primeira-condenacao-judicial-por-racismo-estrutural/
https://diplomatique.org.br/aqui-para-a-primeira-condenacao-judicial-por-racismo-estrutural/
76
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
brasileira. Essa discussão objetiva explorar os desdobramentos destas viagens 
textuais para a luta antirracista.
Para tanto, dividi o capítulo em duas seções. Na primeira, discorro acerca 
do racismo estrutural, conectando-o à produção de subjetividades racializa-
das, principalmente no que se refere à identidade racial branca no Brasil e à 
forma como a perpetuação do racismo estrutural se efetiva por meio da (re) 
produção de vantagens raciais de pessoas brancas sobre pessoas negras. 
Também discuto a participação da linguagem enquanto discurso nesse pro-
cesso. Na segunda seção, apresento o conceito de trajetória textual por meio 
dos processos de descontextualização, entextualização e reentextualização 
discursiva para, em seguida, efetuar a análise discursivo-pragmática das via-
gens textuais do conceito racismo estrutural em contexto midiático. Por fim, 
nas considerações finais, apresento minhas observações conclusivas acerca 
da análise, contemplando os seus desdobramentos para a luta antirracista 
no Brasil .
1. SOBRE O CONCEITO DE RACISMO ESTRUTURAL E SUA 
RELAÇÃO COM A BRANQUITUDE BRASILEIRA
O racismo estrutural e antinegro é uma forma sistemática de domina-
ção que tem na raça, ou melhor,na hierarquia racial entre corpos brancos 
e negros, o seu fundamento. Ele é estrutural e estruturante de qualquer relação 
social, pois não está apenas no nível do preconceito racial (no ato individual 
de um sujeito branco(a), a partir de um conjunto de crenças e valores, depre-
ciar e estereotipar corpos negros), mas organiza, estrutura e integra inesca-
pavelmente a organização econômica, política, cultural e discursiva de nos-
sas sociedades. O racismo é um sistema de poder/ dominação. O racismo 
antinegro desumaniza os corpos negros ao passo que confere humanidade 
77
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
aos corpos lidos como socialmente brancos, por meio de uma série de “dis-
positivos de racialidade”, nos termos da filósofa e pensadora negra brasileira, 
Sueli Carneiro (2023).
Para o sociólogo negro brasileiro Ronaldo Sales Júnior, o racismo é 
“um sistema de dominação social baseado nas relações raciais, efetivando-
-se nas formas do preconceito, da discriminação e da desigualdade raciais” 
(Sales Júnior, 2006, p. 01). O filósofo e advogado negro Silvio Almeida (2019), 
ao definir o racismo como estrutural, parte da concepção de que “o racismo 
é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ 
com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até 
familiares, [...]” (Almeida, 2019, p. 50). 
Em sendo estrutural, o racismo antinegro estrutura também a forma 
como interpelamos os outros e a forma como os outros nos interpelam, 
no sentido de sermos constituídos discursivamente de nossas identidades 
sociorraciais serem produzidas a partir da representação/construção que o 
outro faz de nós (Bonfim, 2016). Aqui, dialogo com a intelectual negra Zelma 
Madeira (2020, p. 145), quando ela afirma que
o racismo só pode existir se tiver uma estrutura social 
que identifica esses grupos [raciais], [uma estrutura] que cria 
subjetividades dentro desses grupos e que estabelece relação 
de poder, que independe inclusive do propósito do indivíduo. 
Não existe racismo sem teoria que o sustente, além da teo-
ria carece de narrativas históricas, de instituições que repro-
duzam a subjetividade para funcionar a partir dessa lógica 
de desigualdades.
Como um estudioso da linguagem como prática social e das conexões 
entre linguagem e raça, questiono: como os textos participam desse processo 
de constituição/naturalização, reprodução e/ou contestação/ desnaturaliza-
ção de subjetividades? Como o discurso, enquanto uma dimensão das práti-
78
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
cas sociais, isto é, como constitutivo das formas de produção de vida social, 
produz subjetividades raciais e, por meio de instituições sociais reproduz 
essa lógica de desigualdades entre corpos negros e brancos em um país 
estruturalmente racista?
Ao considerar o discurso como um conceito analítico no âmbito 
dos Estudos Críticos do Discurso enquanto “[...] um modo de ação, uma forma 
em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre 
os outros, discurso não apenas como um modo de representação do mundo, 
mas como uma prática de significação do mundo, constituindo o mundo 
em significado” (Fairclough, 2001, p. 91, grifos meus), busco aqui demonstrar 
como aspectos políticos e históricos do racismo se efetuam discursivamente, 
ou melhor, como ele (o racismo) age na constituição e reprodução de hie-
rarquias raciais.
Se, como nos mostra Silvio Almeida (2019), a manifestação estrutural 
do racismo se efetiva, entre outras dimensões, no âmbito ideológico, e, por sua 
vez, os significados linguísticos são constitutivos da realidade social, esta-
belecendo a manutenção de relações de dominação entre pessoas, grupos 
e instituições, uma vez que “as práticas discursivas são investidas ideologica-
mente à medida que incorporam significações que contribuem para manter 
ou reestruturar as relações de poder”, de acordo com Fairclough (2001, p. 
121), temos que “o racismo, enquanto processo político e histórico, é também 
um processo de constituição de subjetividades, de indivíduos cuja consci-
ência e afetos estão de algum modo conectados com as práticas sociais” 
(Almeida, 2019, p. 63).
No entanto, é possível verificarmos que, no contexto brasileiro, circula 
uma percepção/interpretação de que o racismo estrutural não se encarna 
em práticas sociais e não se materializa na supremacia branca. Parece que, 
ao afirmar que “é culpa do racismo estrutural” ou “é o racismo arraigado”, a dis-
cussão é encerrada, como se a estrutura não fosse movimentada por sujeitos 
79
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
e seus posicionamentos discursivos. Incluindo aqui a ideologia, entendida, 
nos termos de John Thompson (2007, p. 76), como “sentido [que] serve para 
estabelecer e sustentar relações de dominação”. A esse respeito, a intelec-
tual negra Sueli Carneiro (2023, p. 52), em um evento realizado em outubro 
de 2020 acerca das “alianças possíveis e impossíveis entre brancos e negros 
para a equidade racial”, afirmou: 
porque nós nos acostumamos a falar do racismo no Brasil 
de maneira em que, de um lado, aparece a vítima (o negro 
assassinado, o negro na indigência humana, o negro subalter-
nizado), e, de outro, está o tal do racismo estrutural, que não 
se encarna em nenhum sujeito concreto, que não se encarna 
concretamente nas práticas sociais [...].
Para a análise discursivo-pragmática das viagens textuais do conceito 
racismo estrutural na mídia que farei a seguir, ou seja, para uma análise 
da conexão entre a estrutura linguística e a macroestrutura social mais ampla, 
assumirei que a reprodução e a manutenção do racismo estrutural estão 
assentadas nas formas de poder incrustadas nas relações sociais e hierárqui-
cas exercidas pelas pessoas lidas socialmente como brancas sobre a pessoas 
negras em sociedades estruturadas pelo racismo antinegro, como é o caso 
do Brasil. 
Como mencionado anteriormente, o racismo antinegro e estrutural está 
conectado aos processos de constituição de subjetividades. Tais formas de ser 
no mundo social, ao serem reproduzidas, sustentam a lógica de produção 
de desumanização e desigualdades pelas quais passam as pessoas negras. 
Desse modo, a constituição da identidade racial branca – incluindo o(a) bran-
co(a) brasileiro(a) como branco(a)-mestiço(a), como “um lugar de privilégios 
simbólicos, [...] materiais e palpáveis” (Cardoso, 2010, p. 611) – participa e con-
tribui para a naturalização e reprodução da estrutura racista. Esta, inclusive, é a 
posição dos(as) demais pesquisadores(as) que integram o campo de estudos 
críticos sobre a branquitude. 
80
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Os estudos críticos sobre a branquitude (Critical whiteness studies) 
se configuram como um campo de pesquisa relativamente recente no âmbito 
das pesquisas acerca das relações raciais. Este campo tem despontado princi-
palmente nas áreas da Sociologia, Psicologia Social, Antropologia, Educação, 
ganhando espaço também nos Estudos Críticos do Discurso (Bento, 2002, 
2022; Cardoso, 2010, 2020; Schucman, 2012, 2014, 2020; Bonfim et al, 2022, 
entre outros/as). De acordo com Cardoso (2010), tais estudos tiveram o Brasil 
como palco inicial, pois foi o sociólogo negro Alberto Guerreiro Ramos (1915-
1982), em meados dos anos 1950, a partir da publicação do artigo “A patolo-
gia social do branco brasileiro”, um dos primeiros a tratar da brancura como 
dispositivo de poder nas relações raciais. Desde então, houve a continui-
dade e desenvolvimento destes estudos tanto no Brasil quanto no exterior 
(África do Sul, Estados Unidos e Austrália) que foram constituindo este campo 
de pesquisa. Por exemplo, nos Estados Unidos, as pesquisas nesse sentido 
passam a se consolidar na década de 1990. Robin Diangelo é uma das pes-
quisadoras brancas que tem tido destaque no contexto estadunidense mais 
recentemente. Sobre branquitude e poder,ela nos diz :
A branquitude se baseia em uma premissa fundadora: a defi-
nição dos brancos como norma ou o padrão do humano e das 
‘pessoas de cor’ [pessoas negras] como um desvio dessa 
norma. A branquitude não é reconhecida pelos brancos, 
e o ponto de referência branco é presumido como universal 
e imposto a todos (Diangelo, 2018, p. 48).
Esse campo de pesquisa busca compreender, a partir do constructo 
ideológico de poder nomeado de branquitude, as formas de poder constitu-
tivas das relações sociais entre pessoas brancas e pessoas negras. Busca-se, 
nesta abordagem, racializar o(a) branco(a) nas relações raciais, isto é, focalizar 
a constituição da identidade racial branca. Para Schucman (2014), a branqui-
tude é entendida como uma posição que confere a estes corpos vantagens 
no que diz respeito ao “acesso a recursos materiais e simbólicos, gerados 
81
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
inicialmente pelo colonialismo e pelo imperialismo, e que se mantêm e são 
preservados na contemporaneidade” (Schucman, 2014, p. 94).
É desse lugar de suposta neutralidade, de falta de reconhecimento, 
ou como diriam France Twine e Amy Steibugler (2006), de falta de letramento 
racial (literacy racial) e de manutenção dos seus privilégios, que a branqui-
tude opera e (re)produz o racismo. Para romper com essa prática, é neces-
sário que as pessoas brancas reconheçam e problematizem a branquitude, 
analisando a sua posição de opressor(a) e as estratégias de manutenção 
dessa opressão. A invisibilidade da branquitude naturaliza a suposta isenção 
das pessoas brancas na luta antirracista. Faz-se necessário, por parte dos(as) 
brancos(as) antirracistas, problematizar entre os(as) seus(suas) a noção 
de vantagem racial com a qual “raramente querem se defrontar, transfor-
mando-a rapidamente num discurso de mérito e competência que justifica 
uma situação privilegiada, concreta ou simbólica” (Bento, 2002, p. 43).
Cida Bento (2022, p. 121), psicóloga e intelectual negra brasileira, cunhou 
o conceito de pacto narcísico da branquitude. Em suas palavras, os “[...] pactos 
narcísicos exigem a cumplicidade silenciosa do conjunto dos membros 
do grupo racial dominante e que sejam apagados e esquecidos os atos 
anti-humanitários [portanto, racistas] que seus antepassados praticaram.” 
Trata-se, portanto, de um dispositivo de poder que, ao mesmo tempo em que 
perpetua temporalmente tal acordo tácito entre a branquitude, conferindo-
lhe vantagens raciais, reproduz e naturaliza a desigualdade racial entre 
brancos(as) e negros(as). É preciso que sujeitos brancos(as) desenvolvam 
e/ou sejam interpelados por práticas/experiências raciais que os(as) levem 
a praticar um antirracismo de fato, e não um antirracismo de fachada (Mattos; 
Accioly, 2021). 
Como consequência disto, espera-se que passem a efetuar mudanças 
em seus micro-lugares de poder e atuação, contribuindo para a desnaturaliza-
ção de práticas e discursos racistas. Uma das maneiras de colaborar para isso 
82
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
é entender como o conceito de racismo estrutural, paradoxalmente, tem sido 
usado como um escudo pela branquitude, na medida em que essa noção 
é posta a circular discursivamente de forma descolada das práticas sociais. 
Na próxima seção, explorarei esse aspecto a partir da discussão e análise 
das viagens textuais do conceito racismo estrutural em contexto midiático.
2. AS VIAGENS TEXTUAIS DO CONCEITO RACISMO ESTRUTURAL 
NA MÍDIA BRASILEIRA E SEUS EFEITOS SOCIAIS
Inicio esta seção dialogando com alguns linguistas aplicados(as), tais 
como Daniel Silva (2014), Luiz Paulo da Moita Lopes e Branca Fabrício (2018), 
apropriando-me da metáfora da viagem e de como ela pode nos ensinar 
sobre mobilidade textual. Em nosso cotidiano, dizemos que “livros circulam 
mais do que outros” ou que “no mundo de hoje as informações circulam mais 
rápido”. Alinho-me a esses(as) pesquisadores(as) e a uma literatura no campo 
da Antropologia linguística (Bauman; Briggs, 1990; Agha, 2007; Blommaert, 
2008; 2010; Duranti, 1997; Pinto, 2015; Silva, 2015) que sugere que textos 
– como agregados de signos – só podem ser compreendidos por proces-
sos contínuos de entextualização-descontextualização-recontextualização 
por meio dos quais vamos movimentando “textos ou fragmentos de textos 
que legitimamos como adequados aos processos de construção do signi-
ficado. Um tal processo sugere que textos não são confinados a nenhum 
espaço específico” (Moita Lopes; Fabrício, 2018, p. 772).
Tais estudos buscam focalizar a mobilidade textual dos discursos através 
de evidências etnográficas, isto é, buscam investigar os modos de transfor-
mação do discurso (materializado em textos), para entender a mobilidade 
de textos e contextos culturalmente situados. Ao mesmo tempo, analisam 
os micros e macro contextos de circulação desses discursos. A esse respeito, 
adiciono o argumento de Inês Signorini (2008, p. 7), quando ela defende “[...] 
83
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
a focalização da língua[gem] situada, ou seja, não descolada de contextos 
de uso e práticas específicas de interação social”.
Assim sendo, discutir a mobilidade textual é analisar como eles podem 
ser descontextualizados (deslocados do seu contexto inicial), entextualizados 
(viajarem por entre contextos) e reentextualizados em outra situação comu-
nicativa. Os antropólogos-linguistas Richard Bauman e Charles Briggs (1990, 
p. 188) afirmam que entextualizar é 
o processo de tornar o discurso passível de extração, de trans-
formar um trecho de produção linguística em uma unidade – 
um texto – que pode ser extraído de seu cenário interacional. 
Um texto, então, nesta perspectiva, é discurso tornado pas-
sível de descontextualização. A entextualização pode muito 
bem incorporar aspectos do contexto, de tal forma que o texto 
resultante carregue elementos da história de seu uso consigo.
De acordo com Daniel Silva (2014, p. 68), a entextualização captura 
“os sentidos da relativa autonomia das unidades linguísticas de se tornarem 
textos, no trânsito de um contexto a outro”. O processo de entextualizar está 
relacionado à trajetória de textos, à viagem deles no tempo/espaço (Bonfim; 
Alencar, 2017). Para entendermos um dado enunciado, nessa perspectiva, 
precisamos acompanhar a história natural do discurso (Silverstein; Urban, 
1996), analisando a força agentiva do próprio ato de fala performativo (Austin, 
1962), que, ao circular/ viajar, constrói contextos próprios de significação. 
Portanto, diante das explicitações que forneci no início deste capítulo sobre 
o conceito racismo estrutural, passarei agora a uma análise da viagem tex-
tual do conceito racismo estrutural em textos midiáticos relativos ao “Caso 
Miguel Santana”.
Desde junho de 2020, várias matérias jornalísticas foram veiculadas 
na mídia brasileira acerca desses momentos desse trágico evento. Em ter-
mos metodológicos, selecionei as seguintes manchetes a fim de analisar 
84
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
os processos de descontextualização, entextualização e reentextualização 
do conceito racismo estrutural: a) “Caso menino Miguel: ‘A nossa suprema-
cia branca é assim’, diz historiadora”1 ; b) “ONU cita caso de Miguel como 
exemplo de ‘racismo sistêmico’ na pandemia”2 e c) “Aqui para”: a primeira 
condenação judicial baseada em racismo estrutural”.3 Os critérios usados 
para a seleção destas manchetes foram a) notícias que, em seu título, reme-
tessem diretamente ao caso Miguel Santana e b) Manchetes em que apare-
cessem, de forma direta, menções ao conceito racismo estrutural. Procurei 
responder as seguintes questões: de que maneira uma análise da viagem 
textual do conceito racismo estrutural em textos midiáticos relativos ao “Caso 
Miguel Santana” evidencia (ou não) ações discursivas que tentam desconec-
tar o racismo da branquitude? E quais os desdobramentos2 GONZALEZ, Lélia. Racismo por omissão. In: RIOS, F.; LIMA, M. Por um feminismo afro-latino-
-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 220-221.
https://www.ufrb.edu.br/cahl/noticias/2128-professor-visitante-da-ufrb-e-homenageado-pela-faculdade-de-direito-da-usp
https://www.ufrb.edu.br/cahl/noticias/2128-professor-visitante-da-ufrb-e-homenageado-pela-faculdade-de-direito-da-usp
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
de pensamento, é tomar um ser humano que acabou de chegar aqui, chapá-lo 
de ideias e soltá-lo para destruir o mundo“ 3 . O e-book mobiliza práticas: 
atuação, participação, engajamento, manifestação, visibilidade. Em seguida, 
apresentamos cada capítulo.
O primeiro capítulo é consagrado à defesa de uma educação qui-
lombista no Brasil, escrito por Ricardo Matheus Benedicto (Universidade 
da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira/UNILAB), que tem 
por título Uma defesa da educação quilombista. O autor defende que o sis-
tema educacional brasileiro, desde o período colonial até os dias atuais, per-
petua valores eurocêntricos e racistas, negligenciando a cultura e a história 
afro-brasileira. Ricardo Benedicto assevera que para resolver o problema 
educacional é necessário a recriação de nossos processos de transmissão 
intergeracional, e que é necessário a educação quilombista adotar currículos 
e pedagogias afrocentradas. No capítulo, ele também enfatiza a importância 
de formar professores comprometidos com a história e cultura afro-brasileira 
e com uma sólida formação científica nos conhecimentos africanos.
O segundo capítulo é intitulado de A experiência de constituir uma cul-
tura fiscalizatória relativa a uma política educacional anticasta. O capítulo é de 
autoria de Jorge Luís Terra da Silva (Procurador do Estado do Rio Grande 
do Sul) que discute as relações étnico-raciais e o antirracismo, bem como 
a obrigação constitucional de se planejar e de se ter foco na eficiência e na efi-
cácia. O capítulo aborda sua experiência vivenciada no esforço para que uma 
instituição pública fiscalizasse a implementação da norma prevista no artigo 
26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no âmbito do Estado 
do Rio Grande do Sul, servindo de referencial para que essa iniciativa seja 
replicada em outras unidades da Federação.
O terceiro capítulo tem por título Educação indígena e multiculturali-
dade: direito fundamental e instrumento de enfrentamento ao racismo. É de 
3 KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020, p. 55.
10
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
autoria de Edson Kayapó (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia 
da Bahia/IFBA) e de Flávio de Leão Bastos Pereira (Universidade Presbiteriana 
Mackenzie). Os autores propõem repensar o sistema educacional brasileiro 
para que seus currículos viabilizem o acesso à história e ao conhecimento 
produzidos pelas sociedades indígenas (e africanas) do Brasil, com o conse-
quente resgate das novas gerações, submetidas a visões limitadas apenas 
a parâmetros colonizadores que geram a ignorância de um país em relação 
às próprias origens e identidades. Revela-se como etapa inafastável na cons-
trução de um país verdadeiramente democrático, desenvolvido e antirracista. 
O quarto capítulo revisita o ocorrido no Recife, em 02 de junho de 2020, 
que envolveu a morte do menino Miguel Santana. O capítulo tem por título 
Uma análise discursivo-pragmática das viagens textuais do conceito racismo 
estrutural no caso Miguel Santana e seus desdobramentos para a luta antir-
racista no Brasil, escrito por Marco Antonio Lima do Bonfim (Universidade 
Federal de Pernambuco). O autor realiza uma análise discursivo-pragmática 
da circulação do conceito ‘racismo estrutural’ em textos midiáticos relativos ao 
“Caso Miguel Santana”. O autor, Marco Bonfim, utiliza o conceito de trajetória 
textual, explorando os processos de descontextualização, entextualização 
e reentextualização discursiva, para realizar uma análise discursivo-pragmá-
tica das viagens textuais do conceito racismo estrutural em contexto midiático 
e contemplar seus desdobramentos para a luta antirracista no Brasil .
O quinto capítulo é de autoria de Halina Macedo Leal (Universidade 
Regional de Blumenau) e tem por título Feminismos negros, feminismos 
africanos e mulherismos: distintas formas de ser mulher negra, reexistir 
e resistir. A autora ressalta a importância de reconhecer e respeitar 
a diversidade nas formas de luta e resistência das mulheres negras, 
reafirmando a luta contra um sistema opressor e pela visibilidade dessas 
múltiplas perspectivas. Halina Leal reflete que as reivindicações de questões 
voltadas exclusivamente à opressão de gênero não contemplam as mulheres 
11
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
negras, assim como as reivindicações referentes unicamente às questões 
acerca das opressões raciais. Ela se questiona, a partir de suas experiências 
como mulher negra afrodiaspórica, se existem outras formas legítimas de ser 
mulher negra, reexistir e resistir e se existem outros feminismos que se referem 
às mulheres negras .
O sexto capítulo é intitulado Da escola à universidade: cabelo, cabelo 
meu, quem sou eu? que foi escrito por Vera Regina Rodrigues da Silva 
(Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira/
UNILAB) e Laisa Bibiano Nascimento (Universidade da Integração 
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira/UNILAB). As autoras enfatizaram 
a importância de tratar a corporeidade na ambientação escolar, sobretudo, 
dos corpos negros. Elas argumentam no capítulo que a presença do racismo 
incandesce a percepção negativa do negro sobre o próprio corpo, dificultando 
uma construção positiva da própria identidade. Vera Silva e Laisa Nascimento 
apontam que a presença do racismo impacta significativamente na constru-
ção da identidade negra, impedindo o desenvolvimento de uma autoestima 
pacífica que contribui para um exercício de negação dos próprios traços .
O sétimo capítulo é de autoria de Eliana Díaz Muñoz (Universidad 
del Atlántico), intitulado Una lectura a Tambores en la noche de Jorge Artel: 
intelectualidad negra en el caribe colombiano y filiaciones poético-políticas. 
A autora analisa a obra poética de Jorge Artel, poeta colombiano do século XX, 
que utilizou a literatura como meio de resistência anticolonial e de afirmação 
da identidade afrodescendente. Eliana Muñoz explora o contexto histórico 
e social do Caribe colombiano, onde artistas e intelectuais negros, como 
Artel, afirmaram-se apesar da marginalização imposta pelas elites locais 
e pela herança colonial. A autora também explora as categorias “decolo-
nial”, “pós-colonial” e “anticolonial” para contextualizar o impacto da obra 
de Artel. No capítulo há uma defesa que Jorge Artel não apenas representa 
a negritude colombiana, mas propõe um tipo de “consciência de América” 
12
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
onde as diversas raízes culturais são reconhecidas e celebradas como parte 
essencial da identidade continental.
O oitavo capítulo tem por título Racionais MC’s - “o rap vai diretamente 
até os que mais sofrem”: uma análise discursiva crítica numa perspectiva 
intertextual e é de autoria de Alexcina Oliveira Cirne (Universidade Católica 
de Pernambuco) e Karl Heinz Efken (Universidade Católica de Pernambuco). 
Os autores propõem um enfoque sobre as músicas cantadas pelo grupo 
Racionais MC’s, a partir de análise intertextual, que visa entender essas 
músicas como ato político, educacional, que não hesita em desafiar práticas 
históricas abusivas, autoritárias, racistas e violadoras de direitos humanos. 
Alexcina Cirne e Karl Heinz Efken realizam uma análise crítica do impacto 
social do grupo Racionais MC's no contexto da periferia brasileira, desta-
cando seu papel como voz das comunidades marginalizadasdestas viagens 
textuais para a luta antirracista no Brasil? 
Analisar o processo de entextualização discursiva é perseguir as tra-
jetórias de um ato de fala performativo em sua cadeia de várias entextu-
alizações e sucessivas reentextualizações (Silva, 2014). Noutras palavras, 
é perseguir os rastros, as pistas da circulação de um dado ato de fala per-
formativo. A seguir, efetuo a análise discursivo-pragmática da trajetória tex-
tual do conceito racismo estrutural nestas três manchetes, apontando como 
elas constituem uma cadeia de várias entextualizações e reentextualizações 
discursivas:
Celebridades e políticos, como a ex-senadora Marina Silva 
e a vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, 
se manifestaram sobre a morte do garoto e afirmaram que o 
caso mostra o racismo estrutural e o desprezo pelas vidas 
negras no país. (05/06/2020).
1 Fonte: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-menino-miguel-a-nos-
sa-supremacia-branca-e-assim-diz-historiadora.ghtml - acessado em 01. Out. 2023.
2 Fonte: https://www.geledes.org.br/onu-cita-caso-de-miguel-como-exemplo-de-racismo-siste-
mico-na-pandemia/ - acessado em 01. out.2023.
3 Fonte: https://diplomatique.org.br/aqui-para-a-primeira-condenacao-judicial-por-racismo-es-
trutural/ - acessado em 01. out.2023.
https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-menino-miguel-a-nossa-supremacia-branca-e-assim-diz-historiadora.ghtml 
https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-menino-miguel-a-nossa-supremacia-branca-e-assim-diz-historiadora.ghtml 
https://www.geledes.org.br/onu-cita-caso-de-miguel-como-exemplo-de-racismo-sistemico-na-pandemia/
https://www.geledes.org.br/onu-cita-caso-de-miguel-como-exemplo-de-racismo-sistemico-na-pandemia/
https://diplomatique.org.br/aqui-para-a-primeira-condenacao-judicial-por-racismo-estrutural/
https://diplomatique.org.br/aqui-para-a-primeira-condenacao-judicial-por-racismo-estrutural/
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Notem que o conceito racismo estrutural foi descontextualizado do uso 
empregado pelo Movimento Negro e por pensadores(as) negros que tem 
investigado esse fenômeno, com profundidade, no campo de pesquisa 
dos estudos para as relações raciais. Ele viajou e foi reentextualizado no con-
texto de uma prática discursiva jornalística que, ao atribuir a personalidades 
da política brasileira (como Marina Silva, ex-senadora e atual Ministra do Meio 
Ambiente e Mudança de Clima do Brasil e a vice-governadora do Estado 
de Pernambuco, à época, Luciana Santos) o discurso relatado “sobre a morte 
do garoto” como uma amostra “do racismo estrutural e do desprezo pelas 
vidas negras no país (Brasil)”, desconecta o racismo estrutural do sistema 
de poder da supremacia branca, isto é, da atuação da branquitude, conforme 
explicitei anteriormente na reprodução do racismo.
 Isso ocorre, nesse texto, por meio do que Thompson (2007), ao discor-
rer sobre os modos de operação da ideologia enquanto formas simbólicas 
que estabelecem e sustentam relações assimétricas de poder, denominou 
como reificação. Por esse modo de operação da ideologia, relações de domi-
nação, nesse caso, o racismo estrutural, são representadas como se fossem 
permanentes, naturais e atemporais. O fato de termos a presença do conceito 
de racismo estrutural nesse enunciado não sugere que esse texto esteja 
tratando do racismo como uma construção social. Na verdade, o que há é 
a reificação por meio da estratégia da naturalização do racismo estrutural 
sem que ele esteja estruturalmente conectado à branquitude.
O mesmo pode ser dito da forma como, três meses depois da circulação 
da matéria acima, o conceito racismo estrutural viaja e é reentextualizado 
no discurso da Organização das Nações Unidas como “racismo sistêmico”. 
Na manchete “ONU cita caso de Miguel como exemplo de “racismo sistê-
mico” na pandemia” (30/09/2020), no caso deste ato de fala performativo, 
é possível verificarmos que o processo de descontextualização-entextuali-
zação-reentextualização se efetua através da relexicalização. 
86
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Para Fairclough (2001, p. 230-231), “a relação das palavras com os signi-
ficados é de muitos-para-um e não de um-para-um, [...] as palavras têm tipi-
camente vários significados, e estes são ‘lexicalizados’ tipicamente de várias 
maneiras [...] lexicalizações diferentes mudam o sentido”. Desse modo, ainda 
que a manchete acima tenha sido veiculada pelo Instituto da Mulher Negra 
– Geledés, reconhecido nacionalmente por sua luta incansável diante das pau-
tas de gênero e raça no Brasil, o fato da manchete trazer o termo racismo 
sistêmico e entre aspas (representando um discurso citado, isto é, não se 
responsabilizando pelo emprego do termo e, portanto, não assumindo a sua 
autoria) sugere uma escolha lexical: ao invés de “racismo estrutural”, optou-se 
por “racismo sistêmico”. 
Muito embora o termo “sistêmico” sirva para apontar que se trata de um 
sistema que, por conta de sua configuração interna, estabelece padrões 
hierárquicos e naturaliza formas históricas de dominação (Almeida, 2019), 
a maneira como ele é reenquadrado no ato de fala performativo “ONU cita 
caso de Miguel como exemplo de “racismo sistêmico” na pandemia”, tal como 
o enunciado analisado anteriormente, não vincula o racismo sistêmico à prá-
ticas sociais concretas, a sujeitos sociais concretos responsáveis pela repro-
dução deste sistema.
Por fim, na manchete: “‘Aqui para’: a primeira condenação judicial base-
ada em racismo estrutural”, é possível notar, inicialmente, dois aspectos a) 
a manchete é introduzida com uma citação direta de Thales Vieira, funda-
dor e coordenador executivo do “Observatório da Branquitude”, que aparece 
no decorrer da matéria acerca da condenação judicial do casal Corte Real 
a partir do argumento de racismo estrutural. O entrevistado disse que essa 
decisão tornou possível “romper essa lógica [do racismo estrutural], falando 
‘aqui para’”; b) o conceito racismo estrutural é entextualizado aqui a partir 
de uma relação de contiguidade com a acepção atribuída pelo Movimento 
Negro e pelos(as) pensadores(as) negros(as) a esse conceito, de modo a 
87
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
materializar, de fato, a estruturalidade do racismo brasileiro evidente no caso 
Miguel Santana, uma vez que a supremacia branca enquanto branquitude, 
garantiu um lugar de poder, de autoridade, de privilégio simbólico e material 
do casal Corte Real sobre Mirtes Sousa, seu filho e sua mãe. Vide o fato de Sarí 
Corte Real, em plena pandemia do Coronavírus (COVID-19), ter em sua casa 
uma mulher negra trabalhando, e que, por ordem de Sarí, saiu para passear 
com o cachorro, arriscando contaminar-se com o vírus mortal.
Figura 2 – Mirtes Sousa, mãe de Miguel Santana
Fonte: https://reporterbrasil.org.br/2023/07/caso-miguel-conceito-de-racismo-
estrutural-motiva-decisao-historica-do-tst/ - acessado em 25. jun. 2024.
Se, em diálogo, com Silvio Almeida (2019, p. 51), por um lado, “pensar 
o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual 
sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas” e, de outro, 
se “as instituições são [...] a materialização de [...] um modo de socialização 
que tem o racismo como um de seus componentes orgânicos” (Almeida, 2019, 
p. 47), o racismo estrutural se fez presente na morte de Miguel Santana. Essa 
forma de dominação sociorracial penetrou as relações trabalhistas (incluindo 
https://reporterbrasil.org.br/2023/07/caso-miguel-conceito-de-racismo-estrutural-motiva-decisao-historica-do-tst/
https://reporterbrasil.org.br/2023/07/caso-miguel-conceito-de-racismo-estrutural-motiva-decisao-historica-do-tst/
88
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
tanto Mirtes Sousa, como sua mãe, Marta Maria Alves) evidenciada pela 
ausência de formalização de vínculo empregatício edo registro de um outro 
vínculo de trabalho. Ambas eram registradas como trabalhadoras domésticas 
negras, mas não exerciam, na prefeitura da cidade de Tamandaré, suas ativi-
dades. Portanto, o conceito racismo estrutural, neste enunciado, não aparece 
desencarnado da branquitude e de suas práticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, a partir de pensadoras(es) negros(as), dos Estudos 
Críticos do Discurso e da Antropologia Linguística, efetuei uma análise dis-
cursivo-pragmática da circulação do conceito racismo estrutural em textos 
midiáticos relativos ao Caso Miguel Santana, especificamente atentando 
para os seus desdobramentos para a luta antirracista no Brasil. A análise 
demonstrou que devemos compreender textos, interação linguística e práticas 
discursivas como recursos linguísticos e discursivos que circulam socialmente 
e que, ao circularem, adquirem não apenas significações diversas, podendo 
descolar sujeitos sociais de suas práticas sociais. 
Foi possível notar os desdobramentos sociais oriundos destas viagens 
textuais, tanto no que diz respeito a reprodução do racismo antinegro (por 
meio do processo de descolar o conceito de racismo estrutural da constituição 
de subjetividades raciais) como no que se refere a luta antirracista no Brasil, 
pois, acompanhar, através dos processos de descontextualização-entextuali-
zação-reentextualização, a mobilidade textual do conceito racismo estrutural 
demonstrou como a vantagem racial opera e se materializa discursivamente. 
No caso em tela, até o momento em que finalizo este texto (maio de 2024), 
o que sabemos de notícias recentes é que Sarí Corte Real, até hoje, res-
ponde em liberdade e que a Justiça do Trabalho em Pernambuco reduziu de 
89
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
R$2 milhões para R$1 milhão, a indenização que o casal Corte Real deve 
pagar à família de Miguel Santana.
Mirtes Sousa, por sua vez, continua, mandingando, ou seja, se apropriando 
da “engenhosidade como usamos [população negra] a linguagem de forma 
estratégica [...] para sobreviver enquanto população constantemente aniquilada”, 
nos termos da linguista negra brasileira Kassandra Muniz (Muniz, 2021, p. 281). 
Diante disso, é imperativo que, principalmente brancos(as) que se reivindi-
cam aliados(as) da luta antirracista problematizem(se) entre os(as) seus(suas) 
buscando desnaturalizar essa vantagem racial e, por conseguinte, esse pacto 
da branquitude.
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FEMINISMOS NEGROS, FEMINISMOS 
AFRICANOS E MULHERISMOS: 
DISTINTAS FORMAS DE SER MULHER 
NEGRA, REEXISTIR E RESISTIR 
Halina Leal
Universidade Regional de Blumenau
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Líder do Grupo Interdisciplinar de Pesquisas em Gênero, Raça e Poder, GENERA-FURB
94
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO
Quando vou falar de mulher negra, incluindo minhas experiências, tomo 
como base as condições peculiares nas quais me encontro enquanto mulher 
negra da classe trabalhadora brasileira. A partir daí, eu busco teorias e argu-
mentações que traduzam, em certo grau, tais experiências, numa tentativa 
de visibilização das condições gerais em que me encontro e muitas mulheres 
negras se encontram no contexto social do qual faço parte. Considero, assim, 
a análise de nossas possibilidades de interação social, reconhecimentos 
de nossas capacidades de significação do mundo, nossos valores, ideias, 
pensamentos, percepções e trânsito real em distintos ambientes. 
1. EU E OS FEMINISMOS NEGROS
Minhas experiências e meu olhar são de uma mulher negra afrodiaspó-
rica e feminista negra que acredita que as opressões sofridas pelas mulheres 
negras são resultantes da intersecção de opressões de gênero, de raça e de 
classe, e que tal intersecção molda as várias experiências às quais somos 
submetidas. Isso significa dizer que as reivindicações de questões voltadas 
exclusivamente à opressão de gênero não nos contemplam, assim como 
as reivindicações referentes unicamente às questões acerca das opressões 
raciais.
As mulheres brancas, embora sofram as consequências da opressão 
de gênero, numa sociedade racista, não sofrem a opressão de raça. Os homens 
negros, embora sofram as consequências do racismo, por serem homens nesta 
sociedade patriarcal, sexista e machista, não sofrem a opressão de gênero. 
Nesse sentido, tanto homens negros quanto mulheres brancas encontram con-
dições de se constituírem, em algum grau, enquanto sujeitas/os. Com relação 
95
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
a este ponto, Grada Kilomba, em Memórias da Plantação: Episódios de Racismo 
Cotidiano, afirma :
As mulheres brancas têm um status oscilante, como o eu 
e como a ‘Outra ’ dos homens brancos porque elas são bran-
cas, mas não homens. Os homens negros servem como opo-
nentes para os homens brancos, bem como competidores 
em potencial por mulheres brancas, porque são homens, 
mas não são brancos. As mulheres negras, no entanto, 
não são brancas nem homens e servem, assim, como a ‘Outra 
’ da alteridade (Kilomba, 2019, p. 191, grifo da autora )
Kilomba ressalta que as narrativas separadas mantêm a nossa invi-
sibilidade, enquanto mulheres negras, nos debates acadêmicos e políticos 
(Kilomba, 2019). Portanto, não é possível, no nosso caso, compreender gênero 
e opressão racial de forma separada, pois essa separação aumenta a invisi-
bilidade de nossas necessidades quando comparadas aos homens negros 
e às mulheres brancas. Kilomba (2019) afirma, assim, que nós habitamos 
uma espécie de vácuo de apagamento e de contradição que se sustenta 
pela polarização entre mulheres de um lado e negros de outro, enquanto 
nós permanecemos no meio.
Lélia Gonzalez já nos indicava, em vários de seus textos, que a separa-
ção do gênero e da raça, na nossa situação de mulheres e negras, nos invi-
sibiliza. Gonzalez “teceu críticas a membros do Movimento Negro Unificado 
(MNU) pela falta de elaboração mais profunda sobre as mulheres negras; e ao 
Movimento de Mulheres, pela dificuldade em reconhecerem a diversidade 
interna do movimento.”1
1 Duarte, M. J.; Oliveira, D.; Ignácio, K. Gênero, Raça e Sexualidade: Uma proposta de debate inter-
seccional? In: IRINEU, B. A. (org.) Diversidade Sexual, Étnico-Racial e de Gênero, Salvador. BA: 
Devires, 2021, p. 161
96
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Com relação ao Movimento de Mulheres, Lélia Gonzalez, em A mulher 
negra na sociedade brasileira: uma abordagem político-econômica, de 1981, 
afirma: 
A maioria dos textos, apesar de tratarem das relações 
de dominação sexual, social e econômica a que a mulher 
está submetida, assim como da situação das mulheres 
das camadas mais pobres etc., etc., não atentam para o fato 
da opressão racial. As categorias utilizadas são exatamente 
aquelas que neutralizam o problema da discriminação racial e, 
consequentemente, o do confinamento a que a comunidade 
negra está reduzida. Ao nosso ver, as representações sociais 
manipuladas pelo racismo cultural também são internalizadas 
por um setor que, também discriminado, não se apercebe 
da ideologia de branqueamento e do mito da democracia 
racial (Gonzalez, 1981, p. 47-48).
É nesse sentido que, enquanto feminista negra, eu entendo que a inter-
seccionalidade ajuda a compreender as condições advindas do entrecruza-
mento de opressões, sendo uma ferramenta teórica e metodológica que nos 
auxilia a refletir acerca da inseparabilidade estrutural entre patriarcado, 
sexismo, racismo e suas articulações. A intersecção de estruturas racistas, 
sexistas e machistas nos expõe ainda mais a condições de vulnerabilidade 
política e social .
Segundo Patrícia Hill Collins e Sirma Bilge, no livro Interseccionalidade:
A interseccionalidade investiga como as relações intersec-
cionais de poder influenciam as relações sociais em socie-
dades marcadas pela diversidade, bem como as experiên-
cias individuais na vida cotidiana. Como ferramenta analítica, 
a interseccionalidade considera que as categorias de raça, 
classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade, 
etnia e faixa etária – entre outras – são inter-relacionadas 
e moldam-se mutuamente. A interseccionalidade é uma forma 
97
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
de entender e explicar a complexidade do mundo, das pes-
soas e das experiências humanas (Collins; Bilge, 2021, p. 
15-16).
A partir do conceito de interseccionalidade, articulamos o feminismo 
negro como um movimento não essencialista e que questiona as epistemolo-
gias universalistas. Apreende-se esse não essencialismo, na medida em que 
acreditamos que a compreensão da nossa situação passa pela compreensão 
da sobreposição de opressões estabelecidas socialmente. Não há uma natu-
reza e nem a possibilidade de se recorrer a essências para justificar o que 
ocorre. Cito Hill Collins, em Pensamento Feminista Negro .
Não existe um ponto de vista homogêneo da mulher negra. 
Não existe uma mulher negra essencial ou arquetípica cujas 
experiências sejam típicas, normativas e, portanto, autênticas. 
Um entendimento essencialista do ponto de vista da mulher 
negra suprime as diferenças entre as mulheres negras 
em busca de uma unidade de grupo enganosa. Em vez disso, 
pode ser mais correto dizer que existe um ponto de vista cole-
tivo das mulheres negras, caracterizado pelas tensões gera-
das por respostas diferentes a desafios comuns. Ao reconhe-
cer e buscar incorporar essa heterogeneidade na elaboração 
dos saberes de resistência das mulheres negras, esse ponto 
de vista renuncia ao essencialismo em favor da democra-
cia. Uma vez que o pensamento feminista negro tanto surge 
no interior de um ponto de vista das mulheres negras como 
grupo quanto visa articulá-lo com as experiências associadas 
às opressões interseccionais que elas sofrem, é importante 
ressaltar a composição heterogênea desse ponto de vista 
do grupo (Collins, 2019, p. 73, grifo da autora).
O foco é destacar a necessidade de explicar os múltiplos aspectos 
da identidade, ao considerar como a realidade social é construída. Nesses 
termos, tudo depende de interações e articulações sociais em que grupos 
98
Questões étnico-raciais e os caminhos para umaeducação antirracista
são definidos de determinada forma, em função de interesses de domínio 
e de hegemonia. 
Com relação à construção social, sobretudo no que se refere ao gênero, 
Oyèrónké Oyewùmí (2021) afirma que a construção social do conceito 
de gênero diz respeito a uma narrativa ocidental em que os papéis sociais 
estão associados a um determinismo biológico e que a afirmação da cons-
trução social do gênero retroalimenta esse determinismo. Segundo ela, em A 
invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os estudos 
ocidentais de gênero :
A preocupação ocidental com a biologia continua a gerar 
construções de ‘novas biologias’, mesmo quando alguns 
dos antigos pressupostos biológicos são desalojados. 
De fato, na experiência ocidental, a construção social e o 
determinismo biológico têm sido dois lados da mesma moeda, 
uma vez que ambas as ideias continuam se reforçando mutu-
amente. Quando categorias sociais como gênero são cons-
truídas, novas biologias da diferença podem ser inventadas. 
Quando interpretações biológicas são consideradas convin-
centes, as categorias sociais extraem sua legitimidade e poder 
da biologia. Em suma, o social e o biológico se retroalimentam 
(Oyewùmí, 2021, p. 37).
Para Oyewùmí (2021, p. 37), “o debate sobre quais papéis e quais identi-
dades são naturais e quais são construídos terá sentido somente em culturas 
em que as categorias sociais são concebidas como não tendo uma lógica 
própria independente”. O que, segundo a pensadora, não ocorre em todas 
as sociedades, mas, devido ao imperialismo, Oyewùmí pontua que se tende 
à universalização de tal visão. Para a pensadora, essas categorias foram 
impostas nas interpretações realizadas sobre as sociedades africanas, e ela 
alerta: 
99
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
O fato de muitas categorias da diferença serem social-
mente construídas no Ocidente pode sugerir a mutabilidade 
das categorias, mas também é um convite a construções 
intermináveis de biologias – na medida em que não há limite 
para o que pode ser explicado por meio do apelo ao corpo 
(Oyewùmí, 2021, p. 37).
O debate e as problematizações sobre a construção social do gênero, 
a meu ver, não excluem os problemas de opressão de gênero advindos de dife-
renciações e naturalizações de características atribuídas ao feminino e ao 
masculino, sobretudo em função do universalismo imperialista e colonialista 
que traz como consequência a imposição e a constituição de sociedades 
patriarcais. O que, acredito, incide diretamente sobre nós, mulheres negras, 
nas sociedades patriarcais. As colocações de Oyewùmí abrem possibilidades, 
trazem-nos diferentes perspectivas de se pensar as questões de gênero no que 
se refere às mulheres negras. Para além disso, tais colocações nos conduzem 
a considerar outras formas de existir – e de ser – enquanto mulher negra. 
Embora eu me identifique, enquanto mulher negra afrodiaspórica, 
com os feminismos negros, questiono-me se existem outras formas legítimas 
de ser mulher negra, reexistir e resistir. Questiono-me se existem, por exemplo, 
outros feminismos que se referem às mulheres negras. Quais as experiências 
das mulheres negras africanas? Existem feminismos no continente africano? 
Em que correspondem e em que divergem das experiências dos feminismos 
negros? Em que correspondem e em que divergem da minha experiência 
enquanto mulher negra no Brasil, na América?
2. FEMINISMOS AFRICANOS
Os feminismos africanos são movimentos intelectuais, políticos e sociais 
que abordam as lutas das mulheres africanas, considerando suas realidades 
históricas, culturais e sociais. 
100
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Tais movimentos são diversos e refletem a multiplicidade de contex-
tos do continente africano. Pode-se afirmar que tais movimentos integram 
uma abordagem interseccional, tratando de como gênero se cruza com outras 
formas de opressão, como raça, classe, etnia, religião, sexualidade e colonia-
lismo. Os feminismos africanos reconhecem que as mulheres africanas enfren-
tam múltiplas camadas de discriminação que vão além do gênero, incluindo 
o impacto do colonialismo e do imperialismo na formação de desigualdades 
estruturais que ainda persistem. Há, nesta perspectiva, um esforço em resistir 
às noções de superioridade cultural e social do Ocidente que muitas vezes 
tentarm ditar como as mulheres africanas devem ser e agir. 
Os feminismos africanos lutam pela criação de linguagens e práti-
cas feministas que respondam às necessidades e às realidades locais. Eles 
são movimentos enraizados nas tradições e culturas africanas e enfatizam 
a importância de respeitar e valorizar os saberes e práticas locais, ao mesmo 
tempo em que questionam as práticas patriarcais dentro dessas mesmas 
tradições. Ao invés de uma ênfase em soluções individualistas, os feminis-
mos africanos frequentemente privilegiam abordagens coletivas, nas quais 
a libertação de uma mulher está conectada à libertação da comunidade 
como um todo. Esse foco na coletividade se relaciona à ideia de uma filosofia 
africana que sublinha a interconectividade entre os seres humanos. 
A nigeriana Minna Salami, no artigo Uma Breve História do Feminismo 
Africano, reage à ideia de que os feminismos não são africanos e de que sim-
plesmente expressam (importam) imposições ocidentais. Salami (2017, n.p) 
diz :
A verdade é que o feminismo é uma necessidade absoluta 
para as sociedades africanas. Nós ocupamos o mais baixo 
lugar no índice global da igualdade de género, temos alguns 
dos números mais elevados de violência doméstica, o número 
mais elevado de circuncisões e mutilações femininas, e de 
outras tradições prejudiciais (que não preciso mencionar). 
101
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
No entanto, continuo a ver artigos que começam de forma 
promissora, mas que fazem afirmações como ‘... o principal 
objectivo [sic] da mulher nigeriana é o imperativo da constru-
ção da família como o primeiro passo na construção da nação’ 
e ‘as mulheres africanas não sentem a mesma urgência 
ou necessidade de se verem livres dos papéis de género tra-
dicionais’. Ou este tipo de pergunta feita de maneira enfática: 
‘O que há de errado com uma mulher ter sucesso, e continuar 
submissa ao seu homem? Sinceramente!’.
Segundo Salami (2017), o fato é que, embora o termo seja importado, 
as mulheres africanas há muito se opõem a situações desvantajosas impostas 
a elas. Salami (2017, n.p) continua: 
[...] cabe somente às mulheres africanas assumir a respon-
sabilidade de proteger as histórias das mulheres africanas 
e conectá-las às situações de hoje. Temos muitos tectos [sic.] 
de vidro para quebrar. Para começar a fazê-lo, devemos per-
ceber que a situação actual [sic.] é tremendamente desvan-
tajosa para as mulheres. As mulheres são sistematicamente 
marginalizadas dentro de nossas sociedades ao nível local 
e global. À medida que nossos olhos se abrem cada vez mais 
para esta verdade, devemos continuar a nos libertar e nos 
defender de noções limitadas de feminilidade. E isso é um 
trabalho urgente! Não precisamos reinventar a roda. Podemos 
e devemos inspirar-nos naquelas que já estão na luta para 
ajudar a criar uma narrativa da feminilidade africana, e deve-
mos dar legitimidade à escolha feita por muitas de nós 
[mulheres africanas] em usar o feminismo como ferramenta 
para a nossa luta .
Os feminismos africanos abordam questões como a violência sexual, 
o casamento infantil, a mutilação genital feminina e o direito à saúde sexual 
e reprodutiva. No entanto, o enfoque é sempre sensível às complexidades 
102
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
culturais, reconhecendo a necessidade de diálogo e transformação gradual, 
no lugar de imposição de soluções externas.
Em outras palavras, podemos compreender os feminismos africanos 
como feminismos a partir de uma perspectiva afrocentrada que,considerando 
a heterogeneidade do continente, identifica realidades (opressivas) comuns 
às mulheres em grande parte dos seus países. Realidades inclusive que não 
são exclusivas da África (como pobreza, fundamentalismos, violências e mortes 
de mulheres, por exemplo). 
De acordo com a angolana Florita Cuhanga António Teló1, em O 
Pensamento Feminista Africano e a Carta dos Princípios Feministas para 
as Feministas Africanas: 
Em sua perspectiva, o discurso feminista africano, embora 
deva muito ao movimento feminista global, preocupa-se 
em delinear essas inquietações que são peculiares à situação 
africana. Ele também questiona as características de culturas 
tradicionais africanas sem as ‘maldizer’, entendendo que elas 
podem ser vistas de forma diferente, por diferentes classes 
de mulheres (Teló, 2017, p. 2).
Essa perspectiva feminista surge para corrigir as injustiças de gênero. 
Continuando, Florita Teló (2017, p. 2) explica:
O movimento de mulheres/feminista em África atua 
em prol de políticas de gênero focadas nas mulheres, visando 
trabalhar a transformação das sociedades africanas em três 
níveis, descritos por [Amina] Mama: 1) da subjetividade; 
1 Doutoranda em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, gênero e feminismo pela Universidade 
Federal da Bahia – PPGNEIM. Mestra em Direitos Humanos pela Universidade Federal da 
Paraíba. Licenciada em Direito pela Universidade Agostinho Neto em Luanda/Angola. Membra 
fundadora do primeiro Colectivo Feminista Angolano Ondjango Feminista. Membra Fundadora 
e Vice-Presidente da Associação Angolana Observatório de Políticas Públicas na Perspectiva de 
Género. Membra do Grupo de Pesquisa GIR@ da UFBA, do Grupo de Pesquisa LES da UFRB. 
Colunista do jornal virtual Correio Angolense. Nascida em Angola na província do Uíge.
103
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
2) das nossas vidas e relacionamentos pessoais e; 3) 
da economia política. A libertação das mulheres exige abordar 
a injustiça de gênero em todo o seu percurso, ao nível micro 
e macro da política, não se afastando de qualquer nível de luta. 
Para o pensamento feminista africano pesquisa e ativismo 
caminham de mãos dadas .
Mas, as formas de resistências e lutas das mulheres negras estão vol-
tadas somente aos feminismos? Obviamente que não. Há outras formas 
de existências, reexistências e resistências das mulheres negras que indi-
cam caminhos distintos dos feminismos e um desses caminhos é o proposto 
pelos mulherismos.
3. MULHERISMOS
Em relação aos mulherismos, é possível identificar o mulherismo repre-
sentado por Alice Walker, principalmente em seu livro Em Busca do Jardim 
de Nossas Mães. Walker (2021) contrapõe as experiências das mulheres 
negras às das mulheres brancas, atuando num contexto em que ainda consi-
dera questões de gênero e, por esse motivo, aproxima este tipo de mulherismo 
dos feminismos negros, mas sem direcionar seus pontos de crítica e resis-
tência aos homens negros. Seus pressupostos se sustentam em tradições 
nacionalistas, a partir das quais negros e brancos não podem atuar como 
iguais em um mesmo território ou instituições sociais. A partir da perspec-
tiva nacionalista, afirma-se que as pessoas brancas, enquanto grupo, estão 
comprometidas com o sistema supremacista branco, portanto, há pouca 
utilidade na integração ou assimilação das pessoas negras em um sistema 
que as subjuga. 
A definição de mulherismo de Walker (2021) parte da ideia de distância 
dos brancos em geral e das mulheres brancas em particular. Nesse sentido, 
104
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
as mulheristas expressam pouco interesse em trabalhar com mulheres bran-
cas, pois estas são definidas como parte do problema. Por outro lado, o mulhe-
rismo de Walker parece buscar o fortalecimento de relações entre as mulheres 
e os homens negros. Segundo Walker, as mulheristas estão comprometidas 
com a sobrevivência e a integridade das pessoas negras inteiramente, ou seja, 
tanto de homens quanto de mulheres (Walker, 2021).
Mas, o conceito de mulherismo não se reduz à proposta de Walker. 
Um outro tipo de mulherismo é Mulherismo Africana, proposto por Clenora 
Hudson-Weems em 1980. Segundo a autora: “O Mulherismo Africana não pode 
ser confundido com o 'mulherismoʼ de Alice Walker”, porque “o interesse 
de Walker é quase que exclusivo na mulher, sua sexualidade e sua cultura” 
(Hudson-Weems, 2020, p. 43).
Para Hudson-Weems (2020, p. 44):
O Mulherismo Africana é uma ideologia criada e proje-
tada para todas as mulheres de descendência Africana. 
Fundamenta-se em nossa cultura e, portanto, concentra-se 
necessariamente nas experiências, lutas, necessidades, dese-
jos únicos das mulheres Africana. Abordando criticamente 
a dinâmica conflitante entre a feminista, feminista negra, femi-
nista Africana e a mulherista Africana. A conclusão é que 
o Mulherismo Africana e sua agenda são únicos e distintos 
do feminismo branco e do feminismo negro [...] e do femi-
nismo Africana.
A principal abordagem do Mulherismo Africana é a materno-centrada 
e que não está necessariamente ligada à gestação uterina, mas a todo 
um conjunto de valores e comportamentos de gestar potências e perma-
nência comunitária, considerando a liderança social que as mães negras 
exercem nas comunidades. 
105
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
O Mulherismo Africana surge como uma alternativa para se compre-
ender, refletir e agir para superação da condição imposta pela perspectiva 
ocidental (saída da Maafa2). A partir da voz de Maat (deusa da verdade e da 
justiça, no Egito Antigo), o Mulherismo Africana ressalta o papel matrigestor 
das pessoas negras como líderes na luta para reconstrução, recuperação 
e criação de uma integridade cultural que defenda os princípios de Maat (reci-
procidade, equilíbrio, harmonia, justiça, verdade, integridade e ordem) com vis-
tas à luta por sobrevivência, existência e resistência das pessoas negras. 
Cabe salientar, por um lado, que a compreensão da perspectiva 
do Mulherismo Africana requer a neutralização de referências eurocêntri-
cas impostas a esse terrritório. Por outro lado, devemos nos atentar de que 
existem várias correntes de pensamento associadas aos mulherismos, cada 
uma com suas particularidades culturais e históricas, mas todas enfatizando 
o protagonismo das mulheres na luta por emancipação e dignidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois desse breve percurso, tentando apreender e aprender com algu-
mas diferentes formas de ser mulher e negra, deixo um caminho aberto à refle-
xão. Se a história androcêntrica imposta a nós pressupõe a narrativa única, 
serei eu a defender o meu ponto de vista de feminista negra como o caminho 
válido e legítimo para que as mulheres negras possam se autodefinir e se 
fortalecer? Não! Reivindico nossa existência diversa e múltipla, sem imposi-
ções ou comparações. Defendo um caminho comum de luta, a partir do lugar 
2 Maafa é o termo geralmente utilizado para expressar o grande desastre que ocorreu com a po-
pulação negra, afrodiaspórica e africana, a partir de traumas históricos decorrentes da escravi-
zação; tal termo se refere à desumanização de africanas e africanos e descreve a história e os 
efeitos contínuos das atrocidades infringidas à esta população até hoje.
106
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
no qual nos identifiquemos. Defendo que nossos alvos não sejamos nós mes-
mas, nem nossas verdadeiras/os parceiras/os, mas o sistema que tenta insti-
gar divergências entre nós e manter o controle, impondo-se, oprimindo-nos 
e apagando nossa existência.
Acredito que nossa situação particular sob esses sistemas opressivos 
nos proporcione ângulos diferentes das próprias opressões e que essa situ-
ação está longe de ser privilegiada e completa. Por isso, identificar nossa 
heterogeneidade é essencial para continuarmos na luta. Neste momento, 
eu me reafirmo como feminista negra,mas reivindico a apresentação e dis-
seminação das ideias, experiências, teorias e pensamentos das feministas 
africanas, mulheristas, mulheristas africana e outras tantas perspectivas 
das mulheres negras que permitem nosso fortalecimento, existência, reexis-
tência e resistência!
REFERÊNCIAS 
COLLINS, P. H.; Bilge, S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021.
COLLINS, P. H. Pensamento Feminista Negro: conhecimento, consciência e 
a política do empoderamento. Tradução: Jamile Pinheiro Dias. 1. ed. São Paulo: 
Boitempo, 2019.
DUARTE, M. J.; OLIVEIRA, D.; IGNÁCIO, K. Gênero, Raça e Sexualidade: Uma 
proposta de debate interseccional?, In: IRINEU, B. A. (Org.) Diversidade Sexual, 
Étnico-Racial e de Gênero, Salvador. BA: Devires, 2021, p. 161.
GONZALEZ, L. A mulher negra na sociedade brasileira: uma abordagem político-
econômica (1981). In: RIOS, F; LIMA, M (org.). Por um feminismo afro-latino-
americano: Ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 39-52.
107
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
HUDSON-WEEMS, C. Mulherismo Africana: recuperando a nós mesmas. São 
Paulo: Editora Ananse, 2020.
KILOMBA, G. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de 
Janeiro: Cobogó, 2019.
OYEWÙMÍ, O. A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os 
discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
SALAMI, M. Uma Breve História do Feminismo Africano. 2017 Disponível em: 
. Acesso em: 31 jul. 2022.
TELÓ, F. C. A. O Pensamento Feminista Africano e a Carta dos Princípios Feministas 
para as Feministas Africanas. In: Anais Eletrônicos do 13º Seminário Internacional 
Mundos de Mulheres & Fazendo Gênero 11, Florianópolis, 2017. ISSN: 2179-510X.
WALKER, A. Em busca dos jardins de nossas mães: prosa mulherista. Rio de 
Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
108
DA ESCOLA À UNIVERSIDADE: CABELO, 
CABELO MEU, QUEM SOU EU?
Vera Regina Rodrigues da Silva
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro Brasileira – Unilab
Líder do Grupo de pesquisa Oritá - Espaços, Identidades e Memórias
Vice-coordenadora do Comitê de Antropólogos(as) Negros(as) da ABA - Associação Brasileira 
de Antropologia. 
Diretora de áreas acadêmicas da ABPN - Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) 
Gestão 2020-2022 e 2022-2024
Laisa Bibiano Nascimento
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro Brasileira - Unilab
109
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO
1. A ESCOLA, EU E MEU CABELO .
Ao longo dos anos nas ambientações escolares, temos acompanhado 
o fortalecimento das discussões e dos estudos voltados à educação para 
as relações étnico-raciais. Isto foi legalmente dissolvido pela Lei 10.639/03, 
que garante o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, incluída na Lei 
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). A lei contempla tam-
bém as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações 
Étnico-Raciais Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004). 
Em 2008, a Lei 11.645 foi sancionada, incluindo o ensino da cultura dos povos 
indígenas em todo o currículo escolar. As diretrizes em questão contemplam 
o auxílio assertivo de conhecimento necessário para a educação das rela-
ções étnico-raciais, o que também corrobora para a construção da formação 
de identidade. 
O espaço escolar é derivado de múltiplos significados, dando ênfase, 
especialmente, ao trabalho de aprendizagem de conteúdos e disciplinas 
específicas. Contudo, é importante entender que esta não é sua principal 
função pois, a mesma objetiva a formação cidadã. Isso envolve não ape-
nas o aprendizado de conteúdos, mas o saber dos valores culturais, sociais, 
de gênero, classe, raça, preconceitos e crenças.
 A escola, desde então, torna-se um lugar que vai para além da efeti-
vação da construção e articulação de diferentes saberes e conhecimentos. 
Ela passa a ser um importante espaço de socialização entre os integrantes 
da comunidade escolar, como alunos, responsáveis, educadores, demais 
servidores e, sobretudo, sociedade. As transformações ocorridas na socie-
110
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
dade contribuem para a instituição de uma escola que cumpra a sua tarefa 
constitucional no auxílio à formação dos sujeitos para a vida em sociedade. 
Portanto, é possível pontuar que, através dessa relação entre os indivíduos, 
funda-se de forma dinâmica, o processo educacional, não somente como 
um processo escolar, mas como um amplo processo de humanização. 
A educação é, como outras, uma fração do modo de vida 
dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas 
outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas 
de educação que produzem e praticam, para que elas 
reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, 
o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais 
de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da 
religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo 
precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo 
e a de cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim 
com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro 
do mundo social onde a própria educação habita, e desde 
onde ajuda a explicar – às vezes a ocultar, a necessidade 
da existência de sua ordem (Brandão, 1981, apud Gomes, 
2002. p. 38).
Diante desse fenômeno, no espaço escolar, infelizmente, é possível 
se deparar com situações recorrentes e desagradáveis. Apesar da referida 
contribuição para a formação cidadã que a educação escolar proporciona, 
este ambiente é palco reprodutivo de intensas desigualdades e preconceitos. 
Isso ocorre quando as influências externas se adentram através de discursos 
dos sujeitos que se tornam reprodutores desses discursos e quando é possível 
interligar a isso a diferença com o outro, as características físicas, culturais, e a 
sua corporeidade. Referimo-nos à projeção do racismo no ambiente escolar: 
as piadas, os apelidos e as brincadeiras mascaradas de preconceito. Ampliamos 
estas categorias para abordar a problematização desses acontecimentos na ins-
tituição escolar, considerando, sobretudo, sua influência na trajetória de pessoas 
que são vítimas desse preconceito. 
111
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
O que a escola tem feito? Será que ela trata as questões sobre a dife-
rença, principalmente ligada à construção de identidade? Queremos enfatizar 
a importância de tratar sobre a corporeidade na ambientação escolar, tra-
tando-se, sobretudo, dos corpos negros. Isso porque a presença do racismo 
incandesce a percepção negativa do negro sobre o próprio corpo, dificultando 
uma construção positiva da própria identidade. Não sendo possível desen-
volvê-la, através disso, aproximamos do que será discutido neste capítulo: 
a trajetória escolar, a identidade racial e as corporeidades. 
2. QUEM SOU EU, MULHER NEGRA ?
O Brasil é repleto de multiculturalidade e essa dinâmica social nos faz 
estar inseridos em lugares e contatos sociais diversos. A diversidade étnico-
-racial toma-se um espaço para ser palco dessa marca multicultural. Em nosso 
país, vivemos uma dualidade: de um lado, padecemos sob o mito da demo-
cracia racial, onde, de forma ilusória, as pessoas convivem de forma harmô-
nica; de outro, enfrentamos a tensão do racismo ambíguo, onde a existência 
do mesmo para a maioria das pessoas é desconhecida. Essas extremidades 
se condensam na compreensão da sociedade no que é ser negro, na projeção 
do racismo, na classificação dominante étnica de identidade de um determi-
nado grupo sobre outro. 
No Brasil, vivemos sob o mito da democracia racial 
e padecemos de um racismo ambíguo. A partir daí, é preciso 
compreender que uma das características de qualquer 
racismo é sustentar a dominação de determinadogrupo 
étnico/racial em detrimento da expressão da identidade 
de outros. É no cerne dessa problemática que estamos 
inseridos, o que significa estarmos em uma zona de tensão 
(Gomes, 2002, p. 42).
112
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Souza (1983) destacou que o processo de identidade negra se sucede 
através de um sofrimento para o sujeito, isto é, um desencadeamento resul-
tante da descoberta da própria identidade.
Pensar sobre a identidade negra redunda sempre em sofri-
mento para o sujeito. Em função disto, o pensamento cria 
espaços de censura à sua liberdade de expressão e, simul-
taneamente, suprime retalhos de sua própria matéria (Souza, 
1983, p. 10 ).
Primeiramente, é preciso entender como esse processo ocorre. A cons-
trução da identidade negra está voltada ao uso por inteiro do corpo negro, 
ou seja, o sujeito está suscetível ao lidar com conflitos internos, levando 
em consideração a margem social que o mesmo “representa”. Não é tão sim-
ples reconhecer e tomar conhecimento desse processo, trata-se de uma 
construção do indivíduo que, sobretudo, não se faz no isolamento. Ela é fruto 
de uma interação dialogada com o outro ao longo da vida, e se desenvolve 
quando o indivíduo, atravessado pelo outro, através da implicação social, 
cultural e histórica é refletida sobre si, essa por sua vez sobrepõe a cons-
trução da própria identidade. A autora inclusive afirma que “ser negro não é 
uma condição dada, a priori, é um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro” 
(Souza, 1983, p. 77), ou seja, é pensar não só na condição de possuir a cor, 
mas envolve as perspectivas que cercam o “vir a ser”, sendo uma construção 
coletiva e afirmativa.
É preciso levar em consideração que há uma grande dificuldade 
dos negros e negras no Brasil se reportarem como negros. É mais simples, 
e menos doloroso, apresentar-se publicamente usando expressões como 
“moreno” ou “morena”, desvinculando-se de um “vir a ser”. Isso ocorre porque, 
ao se afirmar como negro, esse indivíduo automaticamente se coloca numa 
categoria que mais está próxima de ser vítima do preconceito racial, fruto 
da manutenção dominante do racismo em sociedade. O racismo, uma vez 
113
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
em existência, projeta categorias de preconceito no indivíduo, causando 
uma repulsa, um descomprometimento e dificultando a construção de uma 
identidade negra positiva sobre si. 
É preciso entender que o processo não é fácil e demanda tempo. A iden-
tidade negra se constrói através de uma posição política, isto é, deixar de negar 
a realidade, trazer a identidade para si, tomar consciência de processos histó-
ricos, culturais, sociais e corpóreos. Como discorreu Souza (1983, p. 77), “cons-
truir uma identidade negra - tarefa eminentemente política. Amparada pelas 
marcas historicamente disseminadas e ainda reverberadas cada vez mais, 
colocando-os em uma posição de segregação”. Tomar consciência dessas 
percepções é o primeiro passo para a construção da identidade negra que, 
sobretudo, é inteiramente, uma autoafirmação. 
Ao falar sobre a identidade negra, é também possível descrever seus 
símbolos, ou seja, aquilo que a identidade carrega, e um deles é o cabelo. 
Esse atributo no Brasil é palco para intensas discussões, e é através dessas 
discussões que procuramos neste capítulo explorar as facetas que cercam 
essas discussões incorporadas nas perspectivas das memórias de mulheres 
negras. 
O cabelo, no processo de desenvolvimento identitário negro, traça 
uma linha de rupturas ligadas à autoestima, que são criadas pelo racismo 
implantado. Nessa perspectiva, queremos enfatizar que a presença do racismo 
impacta significativamente na construção da identidade negra, o mesmo 
impede o desenvolvimento de uma autoestima pacífica e contribui para 
um exercício de negação dos próprios traços .
O corpo feminino negro, tomado pelo racismo, percebe-se incorporando 
intensas transformações de produtos e afins. No caminho para a desco-
berta identitária estética do corpo negro, é interessante entender os meca-
nismos presentes que norteiam o impasse dessa não projeção negra de si. 
Sabendo-se que foi imposto um ideal modelo fora da estética negra para 
114
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
nos projetar. Como refletiu Gonzalez (2020), somos forçados desde a infân-
cia a nos idear no aceitável corpo branco. Isto é, o modelo estético ocidental 
(branco) que nos foi imposto para ser atingido: 
Por isso mesmo nós, negras e negros, éramos sempre vistos 
como o oposto daquele modelo através do reforço pejorativo 
das nossas características físicas: cabelo ruim, nariz chato 
ou fornalha, beiços ao invés de lábios, tudo isso resumido 
na expressão “feições grossas ou grosseiras” (Gonzalez, 2020, 
p. 224). 
O cabelo, como símbolo identitário negro, carrega marcações históri-
cas importantes para a cultura. Esse objeto traz consigo o suporte simbólico 
do conceito de beleza negra, sendo um aporte que exala autoestima. Porém, 
mesmo com todos esses conceitos que enriquecem a comunidade negra, 
esse ícone identitário projeta, para mulheres negras, na maioria das vezes, 
um processo de insatisfação. No Trabalho de Conclusão de Curso, intitu-
lado “Cabelo além de cuidados: um estudo de memórias no âmbito familiar 
de mulheres negras sobre seus fios”, há relatos de entrevistadas que mos-
tram que a criança negra, desde pequena, é influenciada a fazer alterações 
em seus cabelos. 
“Eu lembro que eu era cacheada, tinha o cabelo grande 
e quando entrei na minha adolescência já quis alisar e pas-
sei um bom tempo lisa. As minhas lembranças boas eram 
quando eu era criança, na minha infância, era cacheado e eu 
não precisava me preocupar com o cabelo. E na adolescên-
cia minhas lembranças ruins foram quando eu alisei o meu 
cabelo, eu tive corte químico, tive que cortar muito curto. 
Perdi todo o meu cabelo natural para virar lisa. Eu desejava 
mudar o meu cabelo porque eu achava o cabelo cacheado 
muito trabalhoso, não gostava, sei lá… eu queria ser lisa, 
via minhas amigas alisando os cabelos e queria alisar tam-
bém.” (Entrevistada 1).
115
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Podemos perceber, pelo relato da entrevistada, o peso que era lidar 
com um cabelo cacheado sendo “trabalhoso”, e, por isso, ela não o gos-
tava de cuidar dele. O cuidado exige zelo, tempo, dedicação e contemplação 
em forma de sentimento. Essa expressão marca a transição para uma trans-
formação que agora sai de cena o trabalho que é cuidar, e não mais precisar 
do pente para puxá-lo e desembaraçar, isso porque, apesar do corte químico 
nos fios, que ela relata que foi uma lembrança ruim, notamos que este pro-
cesso não se deu de forma harmoniosa. É perceptível o choque sentimental 
do processo de mudança que causa insegurança, sentimentos de dor e difi-
culdades desgastantes.
Existe uma cultura de práticas que ainda permeia a nossa realidade. 
Em decorrência disso, “as meninas negras, durante a infância, são submetidas 
a verdadeiros rituais de manipulação do cabelo, realizados pela mãe, tia, irmã 
mais velha ou pelo adulto mais próximo” (Gomes, 2002, p. 43). Essa manipu-
lação é reverberada através da influência do racismo implantado associado 
ao volume do cabelo. O cabelo é adornado com tranças, por exemplo, para 
não “assanhar”, ou até mesmo “esconder” sua categoria crespa. Quanto mais 
crespo o cabelo, mais suscetível ele é a passar por transformação capilar 
química.
“Ele era um cabelo crespo, aquele crespo “pixaim”, não tinha 
como eu cuidar dele como eu cuido agora. Não era fácil cuidar 
dele. Teve um período que eu não gostei dele. Era quando 
ele era muito crespo. Tipo assim, eu queria usar ele solto, 
porque ele era aquele cabelo muito assanhado, não era 
aquele cabelo hidratado. O período que eu achei mais difí-
cil era quando eu era menor. Na infância era aquele cabelo 
muito seco, não tinha o tratamentoideal para ele, até porque 
eu era muito pequena, não tinha como eu cuidar dele, como 
eu cuido dele agora. Porque antigamente, o shampoo, não era 
qualquer shampoo que ele se dava. Hoje já tem o sham-
poo apropriado para ele, creme apropriado, essas coisas. 
Eu nem sei te dizer realmente se eu cuidava dele, porque 
116
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
eu não tinha os produtos ideais para cuidar dele,era só na 
água. Teve um tempo que eu queria tratar dele passando 
alisamento, só que com o alisamento, ele piorou. A textura 
ficou mais seca, a cor do cabelo foi mudando, só piorou, ele já 
era ruim, depois que molhava voltava ao normal, aquela coisa 
estranha que não era tratada. Na infância, ainda nem estava 
no ensino médio. As pessoas falavam muito assim, “ai mulher, 
teu cabelo tá muito seco” as pessoas não tinham coragem 
de chegar para mim e dizer “teu cabelo tá feio, tá muito desi-
dratado” as pessoas diziam que tava estranho, não chega-
vam e diziam pra eu ir em um profissional para fazer o tra-
tamento adequado, não falava. O que foi feio que achava 
logo no começo e isso me incomodava até hoje era quando 
eu molhava meu cabelo, chegava nos lugares e as pessoas 
diziam “vai tomar banho”, sendo que eu já tinha molhado, e eu 
ficava meio assim, levava na brincadeira, e respondia que já 
tinha tomado banho. As pontas ficavam molhadas e do meio 
pra cima ficava seco. Aí eu decidi mudar o crespo pro liso 
porque isso me incomodava.” (Entrevistada 2).
 No relato da entrevistada, é possível perceber a gama sentimental 
de conflitos dolorosos que resultaram na mudança, ela sente dificuldade para 
tratar os fios, sem produtos que permitissem o cuidado. A textura do cabelo, 
sua maior fraqueza, por causa da textura era ridicularizada, conformando, 
assim, a sua mudança para não mais passar pela dor da rejeição. 
Podemos notar que as expressões lançadas sobre este corpo femi-
nino deixaram memórias irreparáveis, consolidando a repulsa e abominação 
do próprio cabelo. Gomes (2019, p. 12) diz que, quanto mais preta é a cor da 
pele e mais crespo é o cabelo, mais as pessoas que possuem tais caracterís-
ticas são desvalorizadas e ensinadas a se desvalorizar, não só esteticamente, 
mas também enquanto seres humanos: 
O racismo e a branquitude, ao operarem em conjunto, lança, 
dardos venenosos sobre a construção da identidade negra 
117
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
e tentam limitar os indivíduos negros, sobretudo crianças 
e mulheres que, ao se mirarem no espelho, veem aquilo 
que ele - o racismo - coloca a sua frente. 
Na infância, meninas negras são interpeladas pelas influências visuais 
nos meios sociais de convivência: na família, na escola, na mídia e na tele-
visão. Esta fase é envolta de processos memoráveis, como, por exemplo, 
quando elas se veem diante de um espelho e percebem um atrito entre estas 
influências e aquilo projetado a sua frente, por ela mesma. Falamos isto 
porque é na infância que sentimentos conflitantes são carregados de memó-
rias pesadas e difíceis de serem digeridas por pequenas meninas e futuras 
mulheres. A percepção do corpo e dos traços que se diferem das proje-
ções visuais que influenciam a sociedade como sendo bons e agradáveis, 
inicia-se, por exemplo, através dos brinquedos, da boneca de pele branca, 
dos seus cabelos lisos, loiros e de olhos azuis, nas brincadeiras de usar a toa-
lha na cabeça para fingir que é um cabelo liso, no protagonismo televisivo 
branco e na escola, quando seu cabelo é volumoso, cacheado ou crespo, 
e se torna motivo de piadas. 
Quando a criança negra crespa sofre a experiência amarga de ter sem-
pre seu cabelo adornado para se alinhar ao padrão do cabelo baixo, puxado, 
desembaraçado e sem frizz, ela adquire um sentimento de conflito no sen-
tido de negar a si mesma, projetando ódio ao cabelo que não é semelhante 
ao cabelo da colega, que é solto, que é leve e que não tem volume. Se tra-
tando de crespas e cacheadas, desde a infância, somos educadas a não 
gostar do próprio cabelo. Muitas, por sua vez, recorrem à química como 
redentora dos conflitos internos causados pelas influências que o racismo 
projeta: a negação.
“Não que eu tenha preconceito com cabelos crespos, mas eu 
desejava ter cabelos lisos, eu achava muito bonito na época. 
Eu acho bonito cabelo crespo, mas para mim eu não com-
118
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
bino. Tanto que quando eu era pequena eu sempre quis 
ter um cabelo liso. Quando eu era pequena eu sofria muito 
bullying na escola o pessoal dizia “ah o cabelo de bombril”, 
“menina do cabelo duro”, eu não gostava disso e isso gerou 
uma mudança muito grande em mim que foi o alisamento.” 
(Entrevistada 2) 
Esse trecho revela a manutenção do preconceito e do racismo 
no ambiente escolar. Expressões como “cabelo ruim”, “cabelo de bombril” e 
“menina do cabelo duro” estão frequentemente sendo proferidas na escola, 
mascaradas de brincadeiras, quando na verdade buscam ridicularizar a vítima, 
contribuindo para a abertura de uma ferida que se finca em um corpo negro, 
sobre o que lhe é pertencente. Ao considerar a constância desse “eu” modi-
ficado, a criança começa uma lógica de não pertencimento dos traços her-
dados, resultando em constrangimentos que geram a amargura sentimental 
de pertencer e possuir. Essas ocorrências são diárias na ambientação esco-
lar e dificilmente são rebatidas na repartição gestora da escola ou do pró-
prio regente de sala. Comumente, são inferidas a uma pequena brincadeira 
do colega, e esta não terá peso de culpa, não será punida e ao menos refletida. 
Esta é a manobra perfeita para a manutenção do racismo na escola. 
Engana-se quem pensa que isto se manifesta somente nos discursos dos alu-
nos. Infelizmente, neste espaço se configura o que chamamos de currículo 
oculto, que é “constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar 
que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem de forma implí-
cita, para aprendizagens sociais relevantes” (Silva, 1999, p. 78). Logo, vê-se 
que o silenciamento pedagógico para tratar o discurso de ódio proferido 
contra estudantes negros contribui para a perpetuação do racismo. 
 Por muito tempo, o negro foi vítima dos estereótipos corrompidos 
nos livros didáticos, associado unicamente ao período histórico de coloni-
zação e escravidão. Assim, o sujeito negro em sala era motivo de piadas 
e de preconceito racial. Quantos negros e negras, em sua trajetória escolar, 
119
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
não foram vítimas de apontamentos e associações diretas a este período 
histórico quando estudado sobre a escravidão na escola?
Para a reparação deste problema, a Lei 10.639/03 foi criada, que inclui 
no currículo oficial das redes o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, pre-
vendo o estudo e ensino das relações étnico-raciais, possibilitando uma cons-
trução positiva sobre a identidade negra. Neste momento, a educação escolar 
coloca o negro na centralidade de estudos, reposicionando suas potencia-
lidades de atuação na sociedade brasileira. Esta lei prevê uma formação 
que garante a educação étnico-racial, mas é preciso que ela seja executada 
com seriedade, vinculada ao currículo escolar obrigatoriamente e trabalhada 
pelos educadores. Sabemos que há muitos percalços para a desenvoltura 
dessa educação, mas é preciso que os educadores e educadoras estejam 
atentos à necessidade de tratá-la em sala de aula. 
“Um período difícil e que eu não gostava era quando 
ele ficava alto, eu me olhava no espelho e não gostava, 
eu não me sentia bem. Eu dizia “Ah meu cabelo tá muito 
alto, eu quero cortar ele”. Eu não estava me sentindo bem. 
Na infância eu queria ele sempre liso, eu falava assim: um dia 
eu vou ter o meu cabelo liso. Assim, eu não tinha as coisas 
para manter, quando eu não tinha eu fazia somente lavar ele. 
Não era como esses shampoos bonsque tem agora. Eu não 
podia fazer uma hidratação e hoje já está mais fácil shampoo, 
condicionador, máscara para manter ele bem alinhado. 
Sempre eu cortava ele, custava a crescer. Me chamavam de 
“zé ramalho”, meu cabelo era cortado, em cima ele era grande, 
alto e embaixo era cacheado. Eu tive perebas na cabeça, tinha 
que cortar para ele crescer normal e foi esse tempo que ele 
cresceu em cima e embaixo que ficou só o “chitãozinho 
e xororó” porque o pessoal me chamava muito de apelido, 
eu entrava para casa chorando. Na escola eu amarrava 
com uma fivela, o cocó no meio e a fivela em cima. 
Eu percebia o olhar de rejeição. Depois eu fui para o salão 
120
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
de beleza, lá tinha tratamento, eu fiz uma química no cabelo, 
ele foi crescendo. E agora ele tá liso do jeito que eu quero, 
eu estou hidratando com os kits que eu tenho… Assim, tinha 
as piadas, e eu desejava ter o cabelo liso, eu não gostava.” 
(Entrevistada 3)
Souza (1983, p. 10) explica um dos estágios do racismo que configura 
essas facetas de mudança no corpo negro. Ela afirma que “o sujeito negro 
diante da “ferida” que é a representação de sua imagem corporal, tenta, 
sobretudo, “cicatrizar o que sangra”. Isto significa que, ao passar por mudan-
ças vivenciadas pelo sujeito negro, ele é induzido aos estágios de racismo, 
que lhe roubam a capacidade de pensar por si mesmo. Desse modo, esse 
processo rouba também seu jeito de pensar, ou melhor, sua forma de viver 
com a sua personalidade, que é aquilo que um sujeito projeta. Assim, ao cica-
trizar a ferida, que ele tenta remediar, os estágios do racismo, corroborados 
por cadeias da estigmatização, contribuem para a apagamento do negro, 
da sua cultura, da vivência, do modo de pensar e de quem ele é como um todo. 
Um dos exemplos desse apagamento vem do uso do “ferro quente”, 
um instrumento no formato de um pente, geralmente feito de ferro e que 
levado ao fogo serviu para alisar gerações de cabelos de mulheres negras 
das nossas famílias. Isso era algo geralmente doloroso, mas ao mesmo tempo 
almejado como o caminho para o tão sonhado cabelo liso e bonito. Era tam-
bém o caminho para conseguir emprego, pois afinal era sinônimo, na época, 
da chamada “boa aparência”. Também era o caminho do afeto, pois as chances 
de atrair o olhar de um pretendente passavam pelos cabelos. E assim, desde 
pequenas vivenciávamos a temida solidão das mulheres negras. Foi pen-
sando nesses aspectos de “tornar-se negro”, significando “as dores e delícias 
de saber quem se é”, que dialogamos com experiências vivenciadas no espaço 
da educação, mais precisamente uma universidade pública, fruto da demanda 
histórica do movimento negro brasileiro por acesso à educação para a popu-
12 1
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
lação negra, bem como na ótica de reconhecimento de nossa matriz africana 
na constituição de nossa identidade.
3. CRESPAS E CACHEADAS NA UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO 
INTERNACIONAL DA LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA.
Estamos falamos da Unilab - Universidade da Integração Internacional 
da Lusofonia Afro-brasileira. A universidade foi gestada na dinâmica das polí-
ticas públicas desenvolvidas pelo Ministério da Educação, por meio do REUNI 
– Reestruturação e Expansão das Universidades Federais em 2008, e con-
cretizada em 25 de maio de 2011, com a solenidade de inauguração do cam-
pus da Liberdade, reunindo autoridades locais, nacionais e o primeiro grupo 
de estudantes matriculados: 141 brasileiros e 39 estrangeiros nos cursos 
de Administração Pública, Agronomia, Enfermagem, Engenharia de Energias 
e Licenciatura em Ciências da Natureza e Informática.
Segundo os últimos dados disponíveis, a Unilab possui um corpo dis-
cente composto de 2.966 estudantes nacionais e 1.318 de estudantes inter-
nacionais oriundos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, 
São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Entre esses estudantes estão jovens 
nordestinas e africanas, cada uma com seus diferentes modos de pensar 
e lidar com seus cabelos. Algumas o descobrem nesse cenário de retomada 
de valores civilizatórios e estéticos, enquanto outras passam a questionar suas 
identidades antes e depois de vivenciar o processo de autodescobrimento 
que a universidade fomenta, ao provocar a criticidade sobre temas como 
colonialismo, racismo, educação afro diaspórica, entre outras reflexões sobre 
o agir, ser e existir no mundo. 
122
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Um desses momentos se deu em 2015 (foto abaixo) quando realizamos 
um encontro de “crespas e cacheadas” na Unilab :
Fonte: acervo pessoal
Naquela ocasião, mesclaram-se emoções e percepções como tinham 
até então vivenciado suas corporeidades no ambiente escolar e agora univer-
sitário. Para a maioria delas o momento era de transição, pois o fato de esta-
rem em uma universidade que buscava acolher e valorizar a diversidade 
presente no contexto vivido, fazia com que aquele fosse um espaço minima-
mente seguro para vivenciar corporeidades e estéticas tidas como “não con-
vencionais” naquele sentido da “boa aparência” tão conhecida por gerações 
de mulheres negras, especialmente no cenário brasileiro.
A “boa aparência” pode ser lida como a normatização de uma estética 
padrão alinhada à branquitude, ou seja, traços fenotípicos de pessoas bran-
cas tidos como universais e por si só sinônimos de uma beleza única, o que 
no caso dos cabelos, significado serem lisos e compridos. Ao confrontarmos 
em sala de aula, do ponto de vista das epistemologias contra hegemônicas, 
tais como feminismo negro e estudos decoloniais, visões de mundo sustenta-
das pelo colonialismo, racismo e patriarcalismo, contribuímos para releituras 
teórico-políticas e modos de ser e estar no mundo. 
Assim foi possível, naquele encontro de “Crespas e Cacheadas”, ouvir 
depoimentos sobre como sentir-se “livre” e/ou, “bela”, a partir da construção 
123
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
de um outro olhar para suas corporeidades e estéticas. Interessante também 
pontuar que para algumas, isso ter se dado na universidade, tal como antes 
ocorrera de forma na escola, denota que modelos de educação incidiam 
sobre a forma como viam o mundo e a si mesmas. Tal reflexão foi objeto 
do trabalho de conclusão de curso “O cabelo crespo e a trajetória escolar 
no processo de construção da identidade negra” elaborado pela estudante 
Luzyanne Maria da Silva (2014), do Curso de Bacharelado em Humanidades 
da Unilab, o referido TCC apresentava o seguinte resumo :
O presente trabalho de conclusão de curso tem por objeto 
de estudo os dados obtidos por meio de uma pesquisa etno-
gráfica realizada em duas instituições escolares na cidade 
de Redenção/CE. Dele emerge uma articulação entre a traje-
tória escolar e o processo de construção da identidade negra, 
pondo em foco a significação social do cabelo crespo e os 
sentidos que lhes são atribuídos dentro e fora do espaço 
escolar. A pesquisa se desenvolveu na Escola Estadual 
de Ensino Médio Camilo Brasiliense e a Escola Estadual 
de Educação Profissional Adolfo Ferreira de Sousa. Em cada 
escola foram entrevistadas dez adolescentes com cabelos 
crespos. Para a realização da etnografia, a observação partici-
pante e as entrevistas foram as técnicas utilizadas. O objetivo 
foi compreender, a partir de lembranças das adolescentes 
entrevistadas, como estas percebem o seu próprio cabelo 
e a relação estabelecida entre o cabelo crespo, a trajetória 
escolar e a identidade negra, constatar como esse processo 
de reconhecimento da identidade negra e das relações raciais 
incidem nos espaços escolhidos para o trabalho de pesquisa, 
além de observar como as instituições escolares vivenciam 
e dialogam com o processo de significação social do cabelo 
crespo. O entendimento desse contexto revela que as expe-
riências vividas em torno do cabelo no ambiente escolar e na 
sociedadecomo um todo acontecem em meio a conflitos 
e contradições.
124
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Outro TCC em diálogo com o tema foi “Cabelo além de cuidados: 
um estudo de memórias no âmbito familiar de mulheres negras sobre seus 
fios” de autoria de Laisa Bibiano (2023), também coautora desse capítulo. 
O resumo nos traz o seguinte:
Na presente pesquisa de conclusão de curso do bachare-
lado em humanidades foi realizado um estudo a respeito 
das memórias que o cabelo projeta na trajetória de mulheres 
negras no âmbito familiar. A questão é, aprofundar a dis-
cussão para além dos relatos vividos por essas mulheres 
em relação aos seus cabelos, ou seja, apresentar uma discus-
são a respeito da identidade negra, cabelo da pessoa negra, 
racismo, corpo negro, e afetos. A pesquisa parte de uma 
abordagem qualitativa com o intuito de acessar essas expe-
riências e acontecimentos. A pesquisa foi realizada através 
de entrevistas com perguntas semiestruturadas. São mulheres 
negras que carregam histórias e transformações em seus fios. 
Em ambas as pesquisas nos deparamos com a produção acadêmica 
de jovens pesquisadoras negras que problematizam a temática de corpo-
reidades, a partir de experiências vividas com seus cabelos, como forma 
de dialogar em âmbito coletivo sobre o que perpassa essas experiências e o 
que isso nos diz sobre educação antirracista e trajetórias de mulheres negras .
4. LIDANDO COM O CABELO E A SOLIDÃO.
No ano de 2021, um outro encontro entre mulheres negras dessa vez de 
uma mesma geração, professoras universitárias, desaguou em uma escrivi-
vência, como diria a escritora Conceição Evaristo. Naquela ocasião, a parceria 
afetiva, teórica e política com a socióloga Edilene Machado Pereira, levou-nos 
ao diálogo e escrita sobre o tema da solidão associada a noção e sentimentos 
125
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
construídos ainda na infância, no ambiente escolar (Rodrigues; Machado 
Pereira, 2021). Para isso, fizemos o exercício da escuta no formato de entre-
vistas com 68 mulheres negras, as quais nos trouxeram relatos de vivências 
em que o lócus familiar e a escola eram evidenciados no processo de “sen-
tir-se só”. Cabe destacar que estudos como os de Cavalleiro (2003) e Gomes 
(2003) problematizam como corpos negros podem ser vistos e sentidos 
no ambiente escolar, já que esse nem sempre se configura como um espaço 
acolhedor, e nossa interlocutoras verbalizam essa realidade:
Desde a infância fui preterida entre os amigos, não conse-
gui me incluir, parecia ter uma doença grave que passava 
através do cabelo. Todo o tempo da escola foi assim e na 
Universidade foi um pouco pior, para minha sorte muitas pro-
fessoras me ajudaram neste processo. Hoje vivencio está 
desumanização na política, mais precisamente nos partidos 
políticos.
Acho que na questão familiar sempre senti isso, minha 
mãe era negra e foi embora quando eu tinha três anos, 
nunca tive referência por parte de mãe sobre negritude, 
sobre ser uma mulher negra. Acabei sendo criada pela família 
do meu pai que é branca e do interior do Rio Grande do Sul, 
onde eu sempre me sentia diferente, nunca me enquadrei, 
e muitas vezes as situações de racismo eram resolvidas 
com um "é só não dar bola". Pra mim a questão dessa solidão 
se manifestou mais num aspecto familiar mesmo. 
Corresponde a pensar a estrutura no qual a mulher negra 
está inserida e a partir disso compreender como ao seu redor 
seus laços afetivos são despedaçados desde sua infância, 
inicialmente pelo âmbito familiar e posteriormente pelos laços 
afetivos. 
126
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Desde a infância sempre servi para amiga, uma forma 
das pessoas xingar os meninos era dizer que eram meu namo-
rado, como se fosse uma coisa horrível. É uma ferida que não 
cicatriza nunca. E o preterimento continua até na fase adulta. 
Estar por minha conta em todos os momentos da vida. Não há 
alívio. O mundo do trabalho é duro demais, a sociedade 
desumaniza com exigências que nunca damos conta e a 
família não entende quando não conseguimos cumprir todas 
as exigências. 
Solidão da mulher negra é quando ela não pode partilhar 
no campo afetivo, familiar, social, emocional e psíquico 
de uma tranquilidade, equilíbrio no usufruto das benesses 
do amor numa dimensão mais macro. 
É ter sempre que se explicar a todo tempo, mesmo para quem 
está próximo, seus sentimentos, pensamentos, existência. 
Como se você fosse um ser exótico do mundo dito "normal", 
como se fosse o negativo desse mundo. É ter dificuldade 
para apenas ser, porque o mundo não te enxerga, não te 
compreende, não te ouve.
Outras pesquisadoras, como hooks (2019), Nascimento (1990) e Gonzalez 
(1982), trazem em seus estudos algumas reflexões a respeito do tratamento 
que a população negra que sofre desde os primórdios da humanidade, prin-
cipalmente as mulheres negras. Desde o período escravocrata, foram criadas 
hierarquias sociais baseadas em raça e gênero, colocando as mulheres negras 
no final da fila. Essas mulheres, desde a infância, necessitam de uma cons-
trução psíquica diária para se manter na superfície do mar de rejeição racial, 
sexual e relacional, em uma sociedade onde o perfil eurocêntrico é a “base”. 
Mesmo quando essas mulheres negras alcançam níveis altos de escolariza-
ção, a seleção racial perdura. 
127
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Sabemos que a solidão da mulher negra, desde a sua infância, é um tema 
que a pouco tempo foi assumido e colocado nas pautas de estudos. É um 
tema visto como vitimismo, sabemos que não trazemos nas nossas memórias 
o preterimento de nossos ex-colegas no jardim de infância, nas séries iniciais, 
onde nunca éramos chamadas para dançar, ou ser par na formatura e, obvia-
mente, ser paqueradas. Éramos a miss simpatia, a líder da sala ou até a melhor 
amiga. Esse estigma nos acompanha até mesmo no nível superior. Preterimento 
que parte também do homem negro. Não temos o perfil (Damasceno, 2011) 
exigido pela sociedade com padrões eurocêntricos. 
O marcador temporal da infância, associado ao processo de constru-
ção da identidade negra, evidenciado pelas autoras em artigo anterior e no 
atual, através das entrevistas coletadas, nos possibilita situar as falas dessas 
interlocutoras em um momento crucial de suas vidas. Esse momento em que 
se sentem solitárias tem as marcas do silenciamento e da naturalização de não 
ser amada, vista ou valorizada, é resultado do racismo estrutural presente 
desde o nascimento, tanto no relacionamento familiar quanto fora dele. 
O preterimento vivenciado na infância e nas posteriores fases da vida, 
com a solidão desempenhando o papel de “personagem”, encontra no corpo 
negro o ponto inicial para exercer uma posição de superioridade étnica, 
tão apregoada ao longo dos séculos em uma sociedade racialmente hie-
rarquicamente. A rejeição ao cabelo crespo, ao toque e à noção de beleza 
conduz a uma rejeição ainda maior: ela afeta o campo dos afetos, que não 
se constroem. Impede a admiração e aceitação social, que não ocorrem; e, 
por fim, resulta em uma baixa autoestima. Esse processo pode, inclusive, levar, 
na fase adulta, à culpabilização, ao auto ódio e ao adoecimento por estar e/
ou sentir-se só, como ilustram as falas a seguir :
É um abandono. Falta de uma beleza externa.
128
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Durante muito tempo eu achei que não era atraente, 
que nunca seria amada por um parceiro. Me submeti 
a relacionamentos que me deixavam mal. Era uma espécie 
de mendicância, porque eu me contentava com o pouco 
que as pessoas me davam 
Afeta a minha autoestima, fazendo com que eu tenda a me 
contentar com relacionamentos ruins, pois acho que não 
posso encontrar ninguém melhor ou que verdadeiramente 
goste de mim, me valorize. 
Eu tenho 20 anos e nunca ter me senti bonita e segura 
o suficientee das vítimas 
de violência e exclusão. O processo de intertextualidade histórica tem pro-
tagonismo na análise de como o rap feito pelo grupo denuncia abusos, vio-
lências, genocídio negro e a omissão do poder público, desafiando o status 
quo e promovendo uma consciência crítica antirracista e o engajamento 
social entre os jovens das periferias.
O nono capítulo foi escrito por Kilza Maria de Melo Pascoal (Grupo 
de Estudos e Pesquisas em Autobiografias, Racismos e Antirracismos 
na Educação/UFPE) nomeado de Uso das narrativas da religiosidade afro-
-brasileira na educação básica: os desafios da recepção. A autora apre-
senta uma prática pedagógica realizada em uma escola da rede privada 
em Recife-PE, envolvendo uma turma do sexto ano do Ensino Fundamental 
II e discute a demonização da religiosidade de matriz africana. Kilza Pascoal 
também reflete a importância de abordar, no ambiente escolar, temas relacio-
nados à cultura e à história africana e afro-brasileira, destacando a relevância 
de uma educação inclusiva e multicultural, que promova a compreensão 
13
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
e o respeito pelas diversas manifestações culturais presentes na sociedade 
brasileira.
O décimo capítulo é intitulado Educação para as relações étnico-raciais: 
relato de experiência docente no curso de História da Unicap (2024), foi escrito 
por Leandro Nascimento de Souza (Universidade Católica de Pernambuco) 
e Maria do Rosário da Silva (Universidade Católica de Pernambuco). Os autores 
relatam o desafio de enfrentar o eurocentrismo e a resistência dos estudantes 
da graduação e da estrutura institucional ao abordar questões étnico-raciais. 
Com base em referências como Nilma Lino Gomes e Kabengele Munanga, 
o texto destaca a importância de metodologias que vão além da transmissão 
de conteúdo, promovendo uma reflexão crítica sobre o racismo estrutural e a 
colonialidade no ensino. Sob essa perspectiva, os autores defendem que a 
inclusão de aulas invertidas, debates sobre racismo estrutural e atividades 
práticas, como visitas ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas 
(NEABI), ao Museu de Arqueologia e Ciências Naturais da UNICAP e ao 
grupo de capoeira Chapéu de Couro, além de uma aula de campo em Recife, 
fomentaram uma maior compreensão sobre as contribuições das populações 
afro-brasileiras e indígenas, fortalecendo uma consciência antirracista.
Dessa maneira, acreditamos que a leitura do e-book possa contribuir 
para a formação de uma consciência crítica e construtiva, assim como ser estí-
mulo para o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre questões étni-
co-raciais e educação antirracista.
Alexcina Oliveira Cirne
Karl Heinz Efken
(Organizadores)
14
UMA DEFESA DA EDUCAÇÃO QUILOMBISTA
“Não estamos educando nossas crianças. Não temos estru-
turas sistemáticas de socialização para as nossas crianças. 
Elas criam a si mesmas ou são criadas por outros. Falta-nos 
uma das funções vitais mais importantes, a responsabilidade 
pela transmissão cultural intergeracional”.
(Asa Hilliard)
Ricardo Matheus Benedicto
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB. Coordenador 
do Grupo de Pesquisa em Educação Afrocentrada 
Vice-Coordenador do Centro de Estudos Africana
15
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO
O presente artigo parte dos seguintes pressupostos: a) a cultura euro-
peia é racista baseada no desejo de poder; b) este poder é exercido por meio 
do controle dos povos e culturas não europeias; c) uma das maneiras de con-
trolar estes povos e culturas é através da educação escolar; d) a educação 
escolar no Brasil, ao longo dos séculos XX e XXI, foi, e é constituída, sob a 
égide da supremacia branca – realidade esta permanente nesta sociedade.
Estes fatos, como bem observou Asa Hiliard, devem ser colocados 
em perspectiva histórica. Em suas palavras: 
não é necessário entrar em grandes detalhes sobre a história 
da educação dos africanos sob a escravidão, colonização, 
apartheid e a ideologia do supremacismo branco. O registro 
é claro. O tratamento dado aos africanos não é caso 
de negligência ou acidente. Não foi benigno (Hilliard, 2007)1. 
Reconhecer esta realidade é de fundamental importância, pois, caso 
contrário, tomaremos uma falsa realidade como nossa e continuaremos con-
trolados por nossos opressores. Diante destes fatos, segue-se que a escola 
pública brasileira não pretende e nunca pretendeu oferecer educação que pre-
serve e transmita a cultura das amefricanas e amefricanos do Brasil. Desse 
modo, para resolver este problema, temos duas alternativas: 1. Tentar reformar 
o sistema educacional racista; 2. Criar nossos próprios modelos educacionais.
Já demonstrei em outros trabalhos que a primeira alternativa, embora 
seja majoritariamente adotada pela comunidade afro-brasileira, consiste 
1 A tradução é nossa.
16
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
em uma solução equivocada. Portanto, aqui, não me deterei nela2. Neste texto, 
aprofundarei os argumentos para sustentar que somente com a construção 
de modelos educacionais quilombistas cumpriremos de modo satisfatório 
a tarefa de educar as nossas crianças e jovens para conhecer, proteger, recriar 
e transmitir a cultura dos nossos antepassados.
1. RESPONSABILIDADE DA TRANSMISSÃO CULTURAL INTERGERACIONAL
Mwalimu Shujaa, em seu artigo Education and Schooling: You Can 
Have One Without The Other, define educação como “um processo de trans-
missão de uma geração para a geração seguinte o conhecimento dos valo-
res, estética, crenças espirituais, e todas as coisas que dão singularidade 
a uma particular orientação cultural” (Shujaa, 1998, p. 15). O educador enfatiza 
que todo grupo cultural deve providenciar este processo de transmissão ou, 
caso contrário, deixará de existir. 
Eu endosso a definição de Shujaa e, neste sentido, penso que é neces-
sário dizer algumas palavras sobre a responsabilidade da geração mais velha 
em educar a geração mais jovem, visto que nas últimas décadas o sistema 
2 Sobre este tópico as palavras Chancellor Williams são proféticas: quando a segregação nas esco-
las e residências foi declarada ilegal nos Estados Unidos, os brancos fugiram das cidades para os 
subúrbios como se uma praga tivesse sido liberada, ou como se alguma doença mortal fosse es-
palhada. Os negros foram deixados sozinhos nas cidades, agora chamadas de guetos ou “centros 
decadentes.” Esta rejeição foi total e completa. A juventude negra dos Estados Unidos recebeu, pri-
meiro e rapidamente, a mensagem dos brancos. Eles formaram novas frentes de batalha. Milhões 
de negros da “classe média” e seus líderes ainda não receberam a mensagem e provavelmente 
nunca receberão. Para eles o homem branco é o barco e todo o resto é o mar. Eles próprios não 
se sentem competentes para desenvolver modelos superiores de vida nas comunidades negras 
criadas por estes mesmos brancos que eles adoram. Para eles, não pode haver “educação de 
qualidade” a menos que, de qualquer maneira, algumas caras brancas, qualquer tipo de face bran-
ca, estejam nas salas de aula. Seu principal objetivo é forçar os brancos fugitivos a aceitá-los ou, 
“por favor, povo superior, permita que andemos no mesmo ônibus ou que enviemos algumas de 
nossas crianças para suas escolas!” Assim que obtém estas vitórias vazias para o movimento de 
integração, eles adicionam um novo choro: “Dê-nos igualdade racial! ”Estes negros não têm nem 
orgulho étnico nem autorrespeito que é tão característico dos indígenas, japoneses e chineses; e 
eles parecem completamente insensíveis ao fato de serem abertamente rejeitados pelos brancos 
e trabalham com a ideia fantástica de que podem forçar os brancos a aceitá-los socialmente (1987, 
p. 311). As aspas são do original. 
17
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
de supremacia branca vigente no Brasil fez com que nossa comunidadepara alguém, internamente eu sempre acho que as 
pessoas têm uma opção melhor do que eu. Também inclui 
situações em que me colocam apenas para uma relação algo 
casual e nunca uma relação que envolva laços de afetividade
Sou uma mulher negra, pobre e gorda que nunca teve 
um relacionamento.
Ao lermos as narrativas do assédio psicológico que as entrevistadas 
sofreram e ainda sofrem, permite-nos entender o prejuízo que padecem 
ao longo de suas trajetórias na sociedade. Embora, quando abordamos 
o assunto, nossa tendência seja a solidão vinculada ao campo afetivo das rela-
ções amorosas, já nos perguntávamos se esse sentimento era mesmo algo 
restrito. Nas memórias constitutivas das nossas trajetórias de vidas, por exem-
plo, nós as autoras, compartilhamos lembranças de infância sobre o sentir-se 
só. 
129
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nós, as autoras, compartilhamos lembranças de infância sobre o sen-
tir-se só. Esse sentir-se só vinha acompanhado de um não-lugar, como se o 
mundo não nos acolhesse em nossa plena humanidade. Esse não acolhi-
mento vinha do estranhamento que nossos corpos negros e nossos cabelos 
crespos pareciam gerar ao nosso redor. Levou algum tempo até nos reen-
contrarmos conosco. Cada uma a seu tempo, ao seu modo, mas sempre 
em redes afetivas, teóricas e políticas. A mais velha se encontrou quando 
adentrou no movimento negro, quando encontrou os seus, as suas, com seus 
corpos que lhe eram espelho. A mais jovem, encontrou-se ao ingressar nesta 
universidade pública, nordestina, fruto da luta do mesmo movimento negro 
pelo acesso à educação para a população negra. 
Ambas se encontram na sala de aula, onde foram, respectivamente, pro-
fessora e aluna, e, sobretudo, mulheres negras que se reconhecem no afeto, 
na produção de conhecimento e na luta antirracista. Por isso, afirmamos 
que fazemos parte de uma rede afetiva, teórica e política. Nessa sala de aula, 
inspiramo-nos em intelectuais negras que nos ensinaram a ver a “educação 
como prática de liberdade” (bell hooks, 2017, p. 26) e que existe uma leveza 
e “beleza de seguir a trama que paira sobre essa parte do corpo maleável, 
manipulável e potente” (Denise da Costa, 2019, p. 69). Nesse reencontro de, 
para e com mulheres negras, já sabemos quem somos, bem como nosso 
lugar no mundo. Sigamos!
130
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
REFERÊNCIAS 
BELL, hooks. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. 
Tradução de Marcelo Brandão Cipela. 2 ed. São Paulo; Editora WMF Martins Fontes, 
2017.
BELL, hooks. “E eu não sou uma mulher?” Mulheres Negras e Feminismo. 
Tradução Bhuvi Libanio. 1ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Rosa dos Tempos, 2019.
BIBIANO, Laisa. Cabelo além de cuidados: um estudo de memórias de mulheres 
negras no âmbito familiar de mulheres negras sobre seus fios. Trabalho de 
conclusão de Curso [monografia], Unilab, Bacharelado em Humanidades, 2020.
CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao Silêncio Escolar: racismo, preconceito 
e discriminação na educação infantil. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2003.
DA COSTA, Denise. “Que leveza busca Vanda?” Ensaio sobre a lida do cabelo 
crespo no Brasil e em Moçambique. Belo Horizonte: Letramento, 2019. 
GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um 
olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Revista Educação e Pesquisa, São 
Paulo, v.29, n.1, p. 167-182, jan./jun, 2003.
GOMES, Nilma Lino. Educação e identidade negra. Aletria: revista de estudos de 
literatura, v. 9, p. 38-47, 2002.
GOMES, Nilma Lino. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da 
identidade negra. Autêntica Editora, 2019.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Editora Schwarcz-
Companhia das Letras, 2020.
RODRIGUES, Vera; MACHADO PEREIRA, Edilene. “Mulheres Negras 
Brasileiras:sentimentos e vivências em relação à solidão” In: “Solidão”. RAMOS 
SILVA, Luciane et al (orgs.). Nova York, Womens´s Studies Quarterly. V. 49, Fall/
Winter 2021, p. 246-263. 
SILVA, Luzyanne Maria. “O cabelo crespo e a trajetória escolar no processo de 
construção da identidade negra”. Trabalho de conclusão de Curso [monografia], 
Unilan, Bacharelado em Humanidades, 2014.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias 
de currículo. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 1999. 
SOUZA, Neusa Santos. Torna-se Negro ou As vicissitudes da Identidade do 
Negro Brasileiro em Ascensão Social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.
.
131
UNA LECTURA A TAMBORES EN 
LA NOCHE DE JORGE ARTEL: 
INTELECTUALIDAD NEGRA EN EL 
CARIBE COLOMBIANO Y FILIACIONES 
POÉTICO-POLÍTICAS
Eliana Díaz Muñoz
Universidad del Atlántico
Professora de Literatura da Universidad del Atlántico 
132
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUCCIÓN
En la construcción de estrategias efectivas de lucha contra el racismo 
en nuestras sociedades contemporáneas de los territorios que reconocemos 
como Latinoamérica y el Caribe, resulta fundamental no solo reflexionar 
sobre los movimientos y distintas articulaciones los movimientos, colectivos 
e iniciativas locales y regionales para hacerle frente a este sistema de relaciones 
que estructura la vida política, social y sensitiva de comunidades y naciones 
enteras, sino también darle una mirada al papel del intelectual o del artista 
y creador en la formación de una conciencia política de las luchas antirracistas. 
Mediante la enseñanza, la escritura, la plástica, el teatro o la intervención 
artística en general, la actuación del o la artista y del intelectual negro se torna 
fundamental, en primer lugar, porque ha estado disputando un espacio desde 
la conformación de nuestras élites intelectuales criollas y, em segundo lugar, 
porque constituye el enlace, el puente entre diversos capitales simbólicos 
que entran en diálogo o pugna cuando se trata de cartografiar la manera 
en que el racismo, en cuanto tecnología de control de los cuerpos y sus 
experiencias, opera. Ya lo ha señalado, de una forma categórica, bell hooks 
(2013, p. 10) que el “a devoção ao estudo, á vida do intelecto, era um ato contra-
hegemônico, um modo fundamental de resistir contra as estratégias brancas 
de colonização racista” porque mediante esta confronta las ideas, los valores 
recibidos de la estructura familiar y comunitario con otras maneras de entender 
el mundo, su mundo. 
En el Caribe colombiano, ha proliferado una amplia tradición 
de intelectuales, artistas y escritores “negros” y “mulatos”- denominaciones 
étnico-raciales que se mantuvieron en el escenario colonial y poscolonial 
hispano del siglo XIX y XX, y que hoy se reivindican desde lugares 
de enunciación e identificación no monolíticos y en resistencia-. Según 
el historiador Francisco Flórez (2009), las dinámicas de formación de la nación 
colombiana han estado guiada por una serie de tensiones entre las élites 
133
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
andinas que fueron producidas discursivamente como “civilizadas” y las clases 
subalternizadas de esas regiones, a su vez, narradas como “barbarizadas”. 
Esta tensión derivó, ciertamente, en la creación de unos imaginarios sobre 
las poblaciones racializadas como “invisibles” e “invisibilizadas”, lo cual 
no siempre corresponde con la realidad histórica experimentada por los 
sujetos en cuestión. Los afrodescendientes en el Caribe colombiano disputaron 
con las élites “blanco-mestizas” y acaudaladas de la región un lugar que fue 
garantizado por una educación en todo el curso del siglo XIX: 
Como ha sido ampliamente anotado por la historiografía 
que ha abordado el tema, la educación se convirtió en un 
elemento dinamizador de la sociedad, y facilitó procesos 
de movilidad social importantes durante todo el siglo XIX y 
buena parte del XX. Los sectores afrodescendientes del Caribe 
colombiano lograron por medio de su formación intelectualun grado de empoderamiento que les permitió con el tiempo 
posicionarse en distintos cargos de representación (Flórez, 
2009, p. 44). 
Flórez ve una tradición importante de intelectuales “negros” y “mulatos” 
del siglo XIX, con el poeta Candelario Obeso a la cabeza. Juan José Nieto, 
Manuel Ezequiel Corrales o Manuel Pájaro Herrera cimentarán, luego, en el 
siglo XX una generación de jóvenes pensadores y escritores a la que pertenece 
el autor que nos ocupará en estas páginas: Jorge Artel que, en palabras 
del historiador es: 
Protagonista central de las transformaciones sociales 
culturales, sociales y políticas que siguieron a la celebración 
del centenario de la independencia de Cartagena, Artel inició 
una descomunal labor periodística a nivel local, regional, 
nacional e internacional, y sobre todo se distinguió en el 
mundo de la poesía, publicando interesantes obras, entre 
ellas su comentado Tambores en la noche, hasta el punto 
de convertirse en uno de los referentes principales de la 
134
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
poesía colombiana del siglo XX (Prescott, 2000) (Flórez, 2009, 
p. 46).
En esa revisión histórica que propone Flórez, para pensar el lugar del/
la intelectual negrx en el Caribe colombiano a mediados del siglo XX, Jorge 
Artel es un caso paradigmático. Nacido en Cartagena en 1909, bajo el nombre 
de Agapito de Arcos, se graduó de Derecho en la Universidad de Cartagena. 
En esta ciudad se vincularía y gestaría la actividad cultural con el grupo Mar y 
Cielo, a partir de las publicaciones en la sección Lunes literario del diario 
El Fígaro de Cartagena (Ramírez Botero, 2015, p. 317) durante los años 40. 
Este grupo congregaría a jóvenes intelectuales cartageneros que, de acuerdo 
con el trabajo de la historiadora de arte Isabel Cristina Ramírez (2015) serían 
los dinamizadores de una vanguardia artística en el Caribe. 
Tal y como fue señalado por Ferrer Ruíz (2010), en el prólogo 
que presenta Tambores en la noche, en la conocida edición de la Biblioteca 
de Literatura Afrocolombiana, la poética de Jorge Artel no se alinea con las 
estéticas neorrománticas y modernista colombianas en principios del siglo 
XX. Si los Nuevos no respondieron a cabalidad con el desafío de imponían 
las vanguardias, los piedracielistas tampoco van a mirar más lejos. Se quedaron 
en un “complaciente coloniaje” (Roca, año, p. 26). Es curioso, que en ese 
“cuento” llamado por Roca, la “historia de la poesía colombiana” poco figuren 
los poetas afrodescendientes con una marcada estética “negra”, apenas sean 
un sucesivo compendio de grupos que se reflejan o “decapitan” como este 
dice, unos a otros. La manera de contar las historias de la literatura colombiana 
quizás no nos permita ver las insularidades y los archipiélagos formados 
por fuera de los reconocidos grupos o de los claros períodos y generaciones 
con las que se suele delinear la historia. 
Pero tampoco en las introducciones históricas de la Antología de Poesía 
Colombiana, en los tomos curados por Fernando Charry Lara o por Rogelio 
Echavarría, aparecen menciones a la importancia de la poesía de Jorge Artel 
135
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
en el panorama nacional más sí un poema “Velorio del Boga Adolescente”. 
Mas, cierto es que esta ausencia, lo único que nos recuerda es la escritura 
de Artel se encuentra distante de los modelos canónicos de poesía “nacional” 
y se afilia a otras poéticas. Quizás por su propia itinerancia, su poesía hecha 
en los tránsitos entre Colombia, Estados Unidos, México y Panamá conoció 
y miró hacia las inequidades sociales y raciales de una vasta América. 
De su producción, Tambores en la noche (1940) es el libro más conocido 
y comentado, pero, también encontramos Sinú, riberas de asombro jubiloso, 
Poemas con botas y Banderas (1972), Coctel de Estampa y Antología poética 
(1979), No es la muerte es el morir (Novela) (1979), y la obra de teatro 
De rigurosa etiqueta. 
Aunque separados temporal, espacial y estilísticamente, la obra 
de Jorge Artel y pensamiento anticolonial fanoniano dialogan de una manera 
interesante. Artel entendió, tempranamente, en el contexto del Caribe 
colombiano que las luchas contra el racismo y la desigualdad social 
encontraban en el poema, un instrumento de articulación política importante. 
Su escritura no estaba preocupada por hacer cierto revisionismo histórico 
sino por “organizar” la resistencia desde una experiencia sensitiva y política, 
política por lo sensitiva. Y, aunque, para ello recurra a ciertos estereotipos 
raciales y sexuales que no pueden pasarse por alto en esta reflexión y que 
se ajustan a la circulación de ideas de su tiempo y podríamos enmarcar 
su trabajo poético en Tambores en la noche (1948) en algunas de esas fases 
que experimenta la literatura del escritor colonizado que vislumbra Fanon 
en el potente ensayo Los condenados de la tierra (2011). 
No se trata de afirmar que Fanon leyó la poesía arteliana ni mucho menos 
que Artel leyera a Fanon en el momento de la escritura de Tambores en la 
noche, obra que analizaremos en este capítulo- aunque este haya sido un libro 
reeditado y aumentado en varias ocasiones-. Lo que sí queremos preguntarnos 
por la naturaleza de gesto intelectual de Artel al elaborar, poéticamente 
136
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
las danzas y los velorios caribeños, los puertos y los palenques, el drummer 
negro en una sesión de jazz y la pastora argelina y un imaginario mapa 
de experiencias afrodiaspóricas. Si bien, como lo señala en su ensayo Matilde 
Eljach y Keibby Romero-Sierra (2020) y lo corrobora la organización de un 
reciente evento a cargo del Área Cultural del Banco de la República1, ¿se trata 
de un pensamiento decolonial- a la manera de esta tradición de pensamiento 
latinoamericanista? O, ¿se alinea mejor con una postura que denominaríamos 
ampliamente anticolonial? Inclusive, si apartamos estas genealogías teóricas 
y si asumimos que la poesía es una forma de pensamiento-acción política 
¿de qué clase de pensamiento y de acción política nos remite la propuesta 
poética de Artel en Tambores en la noche (1948)? 
En este ensayo, me dedicaré en una primera parte a situar el pensamiento 
fanoniano entre las muy socorridas etiquetas “decolonial”, “poscolonial” o 
“anticolonial”. Y, luego, en una segunda parte, estableceré un diálogo entre 
los insumos teóricos ofrecidos en ese primer apartado con el análisis poético, 
de carácter hermeneútico, del corpus elegido. 
1.1 ¿POSCOLONIAL, DECOLONIAL, ANTICOLONIAL? 
GENEALOGÍAS DE PENSAMIENTO EN TENSIÓN. 
Las distinciones entre la teoría y la práctica decolonial, poscolonial 
y anticolonial parecieran ser ya una tarea calificada y aprobada. Pero, no deja 
de ser inquietante que el uso exacerbado e impreciso de estas filiaciones 
1 Agradezco al Área cultural del Banco de la República, en Barranquilla, a los curadores del ciclo 
de charlas en torno a Jorge Artel y a los investigadores Ariel Castillo Mier y Matilde Eljach, por la 
invitación a moderar el panel El pensamiento decolonial de Jorge Artel: explorando la figura 
del intelectual y sus contradicciones. De inquietudes generadas por la lectura previa de Artel 
durante los estudios de maestría y las notas exploratorias para conducir la conversación surgió 
este artículo de reflexión que anticipa algunas intuiciones para seguir elaborando en la poesía 
afrodiaspórica en el Caribe colombiano.
137
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
teóricas, en el presente, tengan, luego, un efecto sobre la aceptación 
de la obra o del autor al que se adjudica en determinados departamentos 
de universidades del Norte Global. 
En una amplia genealogía de conocimientos, y también de rivalidades 
académicas, los estudios decoloniales surgen en los años 90 como campo 
de estudios interdisciplinar por investigadores latinoamericanos algunos 
de ellos contratados poruniversidades norteamericanas. Reunidos en torno 
a la obra de Aníbal Quijano, surgen como una reacción al textualismo 
culturalista y a la ausencia de análisis de condiciones materiales-económicas 
de los fenómenos estudiados por los estudios poscoloniales. Su principal 
planteamiento, si pudiéramos resumirlo de alguna manera, radica en la 
concepción de la colonialidad como el sustrato material y epistémico de las 
relaciones de saber/poder en el mundo occidental desde la Modernidad 
temprana hasta el presente. En su lugar, los estudios poscoloniales tienen 
un origen de una naturaleza dispar, aunque se presente de manera frecuente 
como un cuerpo de investigaciones académicas derivadas de obras 
seminales como - de Benita Parry, Orientalismo de Edward Said, ¿Puede 
hablar el subalterno? De Gayatri Spivak o los trabajos del Grupo de Estudios 
Subalternos de Ranajit Guha. Hay ya claros indicios de una necesidad 
de estudiar los efectos del colonialismo y sus realizaciones neocoloniales en la 
realidad americana y caribeña en las miradas de Pablo González Casanova 
y Roberto Fernández Retamar o Sylvia Wynter, por supuesto, sin que podamos 
afiliarlos a una u otra corriente académica. Aún más, anteriores a estos 
las consideraciones de José Martí o José Carlos Mariátegui han sido cimientos 
claros del pensamiento radical latinoamericano.
Otra diferencia entre los posicionamientos poscoloniales y decoloniales 
radican en los linajes teóricos que les sustentan. Si, por un lado, los primeros 
dialogan con autores europeos, y mayoritariamente de la izquierda europea 
o de posiciones progresistas- los segundos se concentran en los desarrollos 
138
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
teóricos elaborados desde América, Afroamérica o Abya Yala. En el primer 
lugar, considero que las elaboraciones teóricas parten de un ejercicio 
de diálogo y de traducción epistémica, en el segundo, se sustentan en un 
análisis radical de los contextos de dónde provienen los problemas estudiados. 
Al lado de estas dos grandes corrientes, los estudios anticoloniales 
parecen no sucumbir tan rápido a la vorágine de las modas académicas. 
Tal vez, porque es un conocimiento-acción proveniente de las particulares 
experiencias de los procesos de colonización y descolonización africanos 
y asiáticos y, su particularidad, los hace resistentes a la simplificación que los 
tránsitos conceptuales a veces implican. Voces como las de Samir Amin, 
Kwame Khrumah, Amílcar Cabral y el martiniqueño Franz Fanon son guías 
cruciales en esta corriente. En la primera escuela del pensamiento anticolonial, 
la teoría eurocéntrica es tratada, - según Boaventura de Sousa Santos 
(2022) - en calidad de herramienta de análisis de naturaleza provincializada 
y en constante tensión con las perspectivas afrocéntricas. Las revisiones 
académicas de carácter anticolonial más contemporáneas se concentran 
en las continuidades entre las temporalidades colonial y poscolonial, el fracaso 
del estado poscolonial-que en el caso de los países africanos de lengua 
portuguesa-fue de orientación socialista y en las demandas contra la extracción 
indiscriminada de recursos naturales y las catástrofes ambientales derivadas 
de esta situación. Si las investigaciones de corte poscolonial y decolonial 
se concentran en el discurso colonial, sus permanencias, imbricaciones, 
histórico políticas, el pensamiento anticolonial elabora la organización 
de las luchas por la descolonización no desde la posición distanciada de la 
academia, sino desde el que trabaja y gesta estos espacios de articulación 
entre las fuerzas que propenden terminar con la situación colonial desde 
los sectores rurales y barriales, desde las bases-como se diría en su lenguaje. 
En el pensamiento anticolonial africano, los objetos de cultura en tanto 
también instrumentos de barbarie, son parte crucial del proyecto descolonial. 
139
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Ya lo escuchamos de parte de Amilcar Cabral, para quien la cultura es 
“la manifestación vigorosa, a nivel ideológico o idealista, de la realidad 
material e histórica correspondiente a la sociedad dominada o a dominar. 
[Entonces, si] la dominación imperialista tiene la necesidad vital de practicar 
la dominación cultural, la liberación nacional no puede sino ser un acto 
de cultura” (Cabral, 1979, p. 141-143, en Sousa Santos, 2022). En ese mismo 
sentido, Franz Fanon (2011) ve en las prácticas culturales un lugar de disputa 
que trascienda “la racialización del pensamiento” por parte del colonizador 
al nombrar ciertas expresiones culturales como “negras” y, por extenso, todos 
los calificativos exotizantes y reductores, sino como actuaciones que reafirman 
una construcción de la identificación nacional y, aún más, continental. Fanon 
no está pensado en etiquetas divisorias como las del multiculturalismo 
del presente, sino en una apuesta que las supere y articule las diferencias. 
Por eso mismo, Fanon llama a hacer no una “literatura de negros” sino una 
“africana” y aún más diríamos, afrodiaspórica o transafricana. Para Fanon 
(2011, p. 188): 
La cultura nacional no es el folklore donde un populismo 
abstracto ha creído descubrir la verdad del pueblo. 
No es esa masa sedimentada de gestos puros, es decir, 
cada vez menos atribuibles a la realidad presente del pueblo. 
La cultura nacional es conjunto de esfuerzos hechos por un 
pueblo en el plano del pensamiento para describir, justificar 
y cantar la acción a través de la cual el pueblo se ha 
constituido y mantenido.
Pero, llegar a ese momento de consolidación de una cultura 
y una literatura que desborde las concepciones coloniales, supone el paso 
por al menos tres estadios, como lo ha indicado Fanon. La primera fase es la 
de mimesis de las formas europeas, luego vendrá la de la nostalgia surgida 
del recuerdo de la infancia, de las viejas leyendas y de algún pasado remoto, 
sin perder - según Fanon - el buen humor y el recurso de la alegoría, hasta 
140
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
llegar a la fase de la lucha en la encuentra alguna posibilidad de alianza 
y diálogo con un pueblo con el que se haya afiliado. La poética, del autor 
inserto en una situación colonial, es resultante de esos recorridos por distintas 
filiaciones o escogencias de tradiciones y, por tanto, de formas de resistencia 
política. 
1.2 TAMBORES EN LA NOCHE DE JORGE ARTEL: 
UNA ANTICIPADA APUESTA POÉTICA ANTICOLONIAL
Desde el comienzo de Tambores en la noche, el poeta se desprende 
de los modelos de escritura que copian la literatura europea. Opta por la 
musicalidad de un verso libre y opone al panorama de la poesía colombiana 
de la época, apegada a las formas francesas, el paisaje y las preguntas 
del sujeto caribeño. El mundo de Artel es el mundo de los puertos ribereños 
y marítimos, el mundo de los bogas y los marineros, de los que ofrecen 
una canción por un chelín, de los que tienen el canto y el llanto para vivir. 
Cuando Fanon nos dice, que el escritor colonial renuncia al trabajo de mímesis 
y se instala en el recuerdo de un territorio de antaño, apenas recobrado en la 
escritura, creo que Artel da un paso más adelante: ese terruño añorado, 
es una orilla, por supuesto, porosa y multiforme, que ya no está en el pasado 
sino en el presente. Es una fiesta de cumbias y un velorio, un coqueteo y un 
reclamo. Es decir, en la poesía de Artel, la fase que antecede a la actuación 
anticolonial atiende a la confluencia de los contrarios para luego sinterizarse 
en la afirmación étnica y racial en los poemas que abren y cierran el libro 
Tambores en la noche, “Negro soy” y “Poemas sin odios ni temores”. A los 
que me referiré más adelante. 
Pero, para sostener esta hipótesis es necesario una revisión previa 
a los poemas donde se empieza a manifestar, de una manera ambivalente 
y multiforme, esa conciencia de afirmación anticolonial. Desde el poema “La 
voz de los ancestros” encontramosvariados entendimientos de lo que significa 
141
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
para la expresión y organización sensitiva de la resistencia política, la relación 
con la historia y la memoria. Esto se evidencia tanto en los paratextos como 
en el resto de elementos intratextuales que analizaremos: la voz poética y sus 
perspectivas y el manejo del tiempo. 
El título emblemático y simbólico “la voz de los ancestros” resume 
el tópico de la sobrevivencia de las formas del pasado en el presente. 
Los ancestros, entidades vivas o muertas, corpóreas o incorpóreas, hablan 
desde un remoto e impreciso lugar “de una antigua tortura” (Artel, 50) mediante 
ciertos recursos del paisaje. Pese al trauma, las voces se hacen audibles 
de una forma clara para el hablante lírico, quien se torna el destinatario 
de ese galope del viento donde “gritos ancestrales” viajan. Esos ancestros 
son representados en el poema, por una alusión en la dedicatoria a la tía del 
poeta: Carmen de Arcos, por los antepasados que superaron la exclusión en la 
jerarquizada sociedad colonial. Carmen de Arcos hacía, los años 1918, será 
una de las primeras enfermeras de la ciudad de Cartagena2 y cuya entrega a su 
labor de cuidado de los más necesitados constituirá una figura inspiradora 
para el poeta. El poeta, como un cuidador comunitario, se encargará del dolor, 
de la herida y de la rebelión. 
La voz de los ancestros 
A doña Carmen de Arcos
Oigo galopar los vientos, 
bajo la sombra musical del puerto. 
Los vientos, mil caminos ebrios y sedientos,
repujados de gritos ancestrales.
2 Amparo Montalvo y Edna Gómez (2012) la mencionan, junto con otras mujeres que se ocuparon 
del oficio de enfermeras o comadronas, en su estudio sobre Enfermería en Cartagena 1900-1920.
142
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
se lanzan al mar. 
Voces en ellos hablan 
de una antigua tortura,
voces claras para el alma
turbias de sed y de ebriedad. 
¿De qué angustia remota, será el signo fatal
que sella en mí este anhelo
de claves imprecisas? 
Oigo galopar los vientos,
Sus voces desprendidas 
De los más hondo del tiempo
Me devuelven un eco 
De tamboriles muertos
De quejumbres perdidas
En no sé cuál tierra ignota,
Donde cesó la luz de las hogueras 
Con las notas de la última lúbrica canción (...) (Artel. 50) 
El hablante lírico es una voz autorreferencial en la primera persona 
del singular que se identifica como Jorge Artel. La correspondencia 
del yo autoral con el yo poético es un recurso para afirmarse en la realidad 
ficcional en condición de “galeote de ansia suprema” (p.51). Este hablante 
que se asume remero forzado funda su trabajo poético sobre el movimiento 
143
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
de las aguas, sobre la remoción de las corrientes de “angustia” que han 
forjado su historia y la historia de sus ancestros. La voz poética se sabe 
receptora de un rumor, de modo que su perspectiva está condicionada, 
en principio por la escucha antes que de la visión. Es, después de escuchar 
que su pensamiento se entrega a la contemplación de las miradas de sus 
“ancestros” que transparentan la nostalgia, la dulzura y “los temblores 
de cadena y rebelión” (p. 51). Las emociones evidenciadas por el hablante 
siguen un movimiento dialéctico: la pena de estar o encontrarse lejos de la 
tierra natal y de sus vínculos más cercanos se une a la afabilidad que, sin ser 
completamente opuestos, pareciera que no pudieran confluir. Sin embargo, 
esta voz poética percibe esas emociones y esa contemplación íntima de lo 
que trasparentan los rostros ancestrales lo que desemboca en el hablante 
la autoafirmación como un remero más de esos barcos venidos de tiempos 
remotos, que rema en las “angustias de la noche”. 
El manejo del tiempo en el poema también permite configurar 
el sustrato ideológico al que nos remite la poética de Jorfe Artel. En “La voz de 
los ancestros” predomina el presente, aunque lo que refieran estas voces esté 
situado en alejados periodos históricos. Llama la atención de esta construcción 
temporal que, para el hablante, estas voces o ecos son parte “desprendida” 
de “lo más hondo del tiempo”- Este es representado como una sustancia 
material, maleable, con dimensión y profundidad de la que son desprendidos, 
por la violencia de procesos sociopolíticos y epistémicos que le dan forma, 
restos o vestigios. Las voces de los ancestros se instalan en el presente 
para ofrecerle a este hablante-oyente un destino de “claves imprecisas” 
(50). Todos los verbos en el poema son enunciados en este presente simple 
indicativo: “Oigo”, “vuela”, “miro”, “contemplo”, salvo en aquellos versos donde 
se refiere a los eventos marcantes de los que necesita producir una memoria 
“¡Almas anchurosas y libres/ vigorizaban los pechos y las manos cautivas! 
/ Una doliente humanidad se refugiaba/ en su historia oscura de vibrantes 
fibras…/ ―Anclados a un dolor anciano/iban cantando por la herida…―” (51). 
144
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
De este modo, el tiempo se ratifica como una sustancia maleable que se ajusta 
a las distintas direcciones hacia donde se mueven los rumores que escucha 
el hablante. 
En otros poemas que le siguen a “La voz de los ancestros” se manifiesta 
la misma elección temporal. En “¡Danza, mulata!”, el hablante se expresa en la 
forma imperativa y en presente salvo cuando usa el participio pasado para 
remarcar una experiencia que ha tenido su origen en el pasado pero que, aún, 
en el momento de su enunciación sigue teniendo efectos importantes. Como 
cuando desea remarcar la memoria corporal de la danza en el cuerpo de la 
“mulata”: “En tus piernas veloces y en el son/ que ha empapado tus lúbricas 
caderas/ doscientos siglos se agazapan” (52). 
Consideramos que este predominio del presente simple no solo replica 
un tiempo verbal de uso común en el habla vernácula del Caribe, sino también 
la necesidad de actualizar los acontecimientos remotos que en este primer 
momento de su reflexión poética tienen orígenes y claves imprecisas. 
Un tiempo que marca la fluidez entre estadios o periodos denominados 
como pasado o presente y que en memoria de la experiencia traumática 
de la esclavización se confunden. Si Ferrer Ruiz (2010), lo con concibe como 
un “tiempo impenetrable, mágico, durante el cual se construye otro mundo 
no racional, espacio de la corporeidad desbocada”, aquí consideramos, 
en su lugar, que tales cualidades de impenetrabilidad e irracionalidad 
son características adjudicadas desde una racionalidad colonial. El tiempo 
de Artel es un tiempo opaco, en el sentido glissantiano, que no es irracional, 
sino que sigue por principio la organización sensitiva de la rebeldía. 
Es un tiempo de la memoria, por tanto, su evocación del pasado enunciado 
en presente se realiza para elaborar la nostalgia de un paisaje y de un origen 
misturado del que surgieron “sonámbulos dioses nuevos que repican alegría” 
(55). Tal y como observamos en el poema “La cumbia”: 
145
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
“Trota una añoranza de selvas
y de hogueras encendidas,
que trae de los tiempos muertos
un coro de voces vivas .
Late un recuerdo aborigen,
una africana aspereza, 
sobre el cuero curtido donde los tamborileros,
– sonámbulos dioses nuevos que repican alegría–
aprendieron a hacer el trueno 
con sus manos nudosas, 
todopoderosas para la algarabía. (Artel, 55). 
En la lectura fanoniana del mundo del colonizado y de sus luchas por la 
descolonización, asegurábamos en párrafos anteriores, la necesidad de pasar 
de una fase mimética de la cultura europea hacia una fase de añoranza 
y recreación del mundo arrasado o del que ha sido desprendido el sujeto 
colonizado. Esta reconstrucción se elabora con los fragmentos, con los 
recuerdos, con los vestigios de lo conocido por sí mismo o por los medios 
y relatos proporcionadospor el colonizador. En el caso del sujeto transportado 
y esclavizado en las Américas, el territorio “ancestral” añorado es “África” tejida 
por la diversas formas materiales y simbólicas que tuvieron los individuos 
y de sus naciones para resistir en su heterogeneidad sino también, es una 
“África” mediada por la narrativa de los colonizados, sus imaginarios y sus 
proyecciones. Por tanto, esa fase nostálgica se va materializar en algunos 
poetas de la negritud o de la poesía negrista cubana, tradición de la que Artel 
va a beber, de una forma contradictoria, esencialista, e inclusive, atravesada 
146
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
por una mirada colonial y patriarcal. Sin embargo, inclusive en esa repetición 
de ciertos estereotipos hay un agenciamiento donde elementos como 
la musicalidad popular de matriz afrodescendiente se insertan en los poemas 
para producir y acentuar esa filiación con un pasado-presente afrodiaspórico. 
De hecho, uno de los aspectos más interesantes de la poesía de Arte y que 
se expone en “La figuración poética de la identidad: lo negro en Tambores 
en la noche de Jorge Artel”, Cabarcas Ortega (2013) lo resume de esta manera: 
Artel ofrece a su lector una revaluación de sus propios valores 
y prejuicios, a la vez que pone en juego un estilo donde 
variedad de registros poéticos (cotidianos, festivos, fúnebres, 
extáticos, militantes y nostálgicos) se conjugan. Este estilo 
plural busca adaptarse perfectamente a las reglas del campo 
sin dejar de buscar una originalidad expresiva capaz de captar 
la realidad de lo negro. (75)
Esa capacidad de poner en diálogo las reglas del campo literario con un 
material que había estado excluido de la tradición literaria colombiana (a 
no ser por ese gesto subversivo e iniciador de Candelario Obeso en el siglo 
XIX) podemos observarla en poemas como “Argeliana” o “Los Chimichimitos”. 
En el primero, la imagen de la niña argelina “que suspira por el amuleto 
perdido” (96), entregada a la contemplación de la muerte, la voz poética 
la interpela a cambiar la amargura por “alegres collares de música” (96). 
Pese a que el poema performa una visión estereotipada de las infancias 
en los territorios africanos, Artel también propone una vuelta a la esperanza 
y una secreta rebeldía contra el deseo colonial del hombre blanco y como 
respuesta a ello entrega la delicada y acogedora sombra del paisaje próximo: 
“No importa si los soldados franceses te desean. / Solo piensas en el sueño 
nupcial/ que te sugieren los trigales con sus altas espigas, / en la promesa 
redonda del naranjo.” (96). Esas imágenes de “África”, oscilantes entre 
la belleza y el reduccionismo identitario, no habrían ingresado a la poesía 
colombiana de mediados de siglo pasado si no fuese por ese proyecto de 
147
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
“captar la realidad de lo negro” (Cabarcas Ortega, 75) con una aspiración 
más universal. En el poema “Los Chimichimitos”, inspirado en una ronda 
popular venezolana que trata sobre el espíritu de los niños fallecidos antes 
de nacer que vuelven de las regiones invisibles para cantar y tocar el tambor. 
En el poema de Artel, el hablante lírico apela a los prejuicios y las creencias 
religiosas católicas en pugna con las espiritualidades sincréticas diaspóricas. 
En la forma de ronda, con su musicalidad característica de la tradición poética 
negrista, Artel opone el juego al miedo inoculado a la condenación: “Cometas 
de rabo largo/ los Chimichimitos te quieren traer/ papalotes de azucena/ 
pajaritas de papel (…) Negrito de Venezuela/ ¿No te vas a bautizar? / Ve que 
si el duende te lleva/ por siglos de siglos te condenarás” (Artel, 92-93). 
Mas será, en los poemas “Negro soy” y “Sin odios ni temores”, que abren 
y cierran el libro Tambores en la noche (1948, 2010), donde esa fase nostálgica 
encuentre en la afirmación racial su momento culmen: “Negro soy desde hace 
muchos siglos” (Artel, 49). Sin embargo, no es a la “pureza” racial a la que el 
hablante apela sino a la pureza de una emoción que se expresa en medios 
materiales: el grito y el tambor: “Y la emoción que digo ha de ser pura/en 
el bronco son del grito/ y en el monorrítmico tambor” (Artel, 49). Esta expresión 
de la afectividad es lo que Fanon ve como un rasgo fundamental en el sujeto 
colonizado: “En el mundo colonial, la afectividad del colonizado se mantiene 
a flor de piel como una llaga viva que no puede ser cauterizada” (22). Será 
esta la que moldee las expresiones rituales comunitarias para transformar 
el trauma en medios de expresión de la lucha política. De ahí que Fanon vea en 
la danza y en el trance dos momentos cruciales para entender la experiencia 
de colonización en sus dimensiones económicas-políticas, pero, sobre todo, 
simbólicas y ontológicas. El hablante lírico de “Negro soy” se erige como la voz 
portadora de las antiguas voces, para rebelarse contra la cosificación de la 
existencia por las industrias contemporáneas de explotación de los cuerpos 
y de las identidades culturales: 
148
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
“La angustia humana que exalto
no es decorativa joya
para turistas. 
¡Yo no canto un dolor de exportación! (Artel, 49). 
La exaltación final que rompe con el ritmo creado por la particular 
acentuación del poema acerca al verso libre a las formas propias 
de la consigna, donde el hablante lírico expone la negativa a que hagan 
de su emoción un producto más de comercio dentro del mercado de bienes 
y servicios materiales y simbólicos del capitalismo global. Artel es consciente, 
en este poema, que la esclavización del pasado tiene ecos y realizaciones en el 
presente de formas con igual poder de degradación como un día lo tuvieron 
el grillete o el látigo. Esa “resistencia al lenguaje modernizador, un carácter 
reivindicatorio y una necesidad emancipadora” (Eljach y Romero, 2020, p. 101) 
que Eljach y Romero Sierra asocian con la propuesta decolonial de la poesía 
de Artel, es llevada incluso más lejos de esta formulación y se transforma 
en una denuncia, en una puesta en acción en la misma escritura del poema, 
al traer, de la lengua coloquial y de un tipo de discurso y composición (“la 
consigna”) propio de las organizaciones sociales de base. Entre tanto, en 
“Poema sin odios y temores” la nostalgia es superada y llevada a una afiliación 
ya no solo con los negros de los candombles argentinos, de Brasil, de las 
Antillas o de toda la América hispánica y prehispánica, para ser “innumerables 
pueblos, islas y continentes” que son “eterno testimonio” de la resistencia. 
El hablante lírico reclama en su interlocutor ideal, que son todos aquellos 
que están viviendo distintas etapas del reconocimiento de una ancestralidad 
y también de su negación, una mirada detenida sobre los signos de su 
cuerpo, de su historia más íntima que hablan de esa filiación india, negra, 
149
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
mestiza. Su poesía no se asume atracción espectacular sino ejercicio de toma 
de conciencia, “una conciencia de América”: No lleva nuestro verso cascabeles 
de clown, / ni ―acróbata turístico―/plasma piruetas en el circo/ para solaz 
de los blancos.” (Artel, 127). Nuevamente, y de muchas maneras, el poema 
no le teme a la enunciación contundente de la consigna, pero sin diluirse 
en un mensaje prosaico, para poner de manifiesto su visión de mundo. 
El mundo al que aspira este hablante lírico es al de reconocimiento de las 
identidades raciales-culturales en América como resultado de los movimientos 
migratorios que, aunque dolorosos, traen consigo un profundo acervo 
que enriquece las culturas materiales y simbólicas con las que encuentran 
y las que fundan en un sincretismo vibrante, donde inclusive, el antepasado 
“blanco” exaltado por unos u odiado por otros, tenía también en sí “sangre 
de África”. Es claro que Artel se refiere a las migraciones que hicieronde la 
Península Ibérica un laboratorio de mestizajes anteriores a la empresa colonial, 
sin descontarle la violencia que estos procesos generaron en el encuentro 
de pueblos, culturas e imperios. 
Porque solo nuestra sangre es leal
a su memoria. Ni se falsifica ni se arredra
ante quienes nos denigran
o, simplemente, nos niegan .
Esos que no se saben indios ,
o que no desean saberse indios .
Esos que no se saben negros ,
o que no desean saberse negros. 
Los que viven traicionando su mestizo,
150
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
al mulato que llevan –negreros de sí mismos–
proscrito en las entrañas,
envilecido por dentro. 
(…)
El pariente español que otros exaltan
–conquistador, encomendero,
 inquisidor, pirata, clérigo–
nos trajo con la cruz y el hierro ,
también sangre de África. 
Era, en realidad un mestizo, 
¡como todos los hombres y las razas! (…) (Artel, 126 )
CONSIDERACIONES FINALES
En este capítulo nos hemos aproximado a la poesía de Jorge Artel que, 
como uno de los intelectuales negros del Caribe colombiano, va a hacer 
de su propuesta poética un espacio dedicado para pensar las implicaciones 
de asumirse “negro” en una sociedad cimentada en las lógicas racializantes 
de los territorios ocupados militar, económica y simbólicamente por antiguos 
imperios coloniales. Repasamos como el pensamiento anticolonial fanoniano 
ofrece algunas claves para entender la elaboración poética de Artel. Desde 
Fanon ([1961] 2011), vemos pues, que el poeta pasa de una fase de exploración 
y nostalgia en el que ficciona una ancestralidad que le restituye los vínculos 
rotos con el pasado anterior a la empresa colonial para luego, afirmarse 
151
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
(a partir de ese conocimiento y de la elaboración de una memoria histórica 
en la que participan los cantos, las danzas, las leyendas) como negro y como 
mestizo, pero sobre todo, como integrante de un pueblo que convierte su dolor 
y su fiesta en ansias, en proyecto vital: “Nuestro dolor es la fuente/ de nuestras 
propias ansias./ Nuestra voz está unida, por su esencia, a la voz del pasado…” . 
Notamos, también, como el hablante lírico de sus poemas performa 
una enunciación desde un presente simple que evoca y actualiza los eventos 
traumáticos, así como los escenarios de resistencia comunitaria, por ejemplo: 
la danza o el velorio. Igualmente recurre, por momentos, al verso que deriva 
en consigna para trasmitir con claridad el reclamo de justicia en sus poemas. 
Sin embargo, consideramos que falta considerar otras categorías de análisis 
en su apuesta poética a fin de evaluar la manera en que su poesía transciende 
lo que Fanon explicaba como la racialización del pensamiento en los y las 
autores y artistas africanos y afrodescendientes y deriva en nuevas preguntas 
y desafíos para las generaciones presentes y futuras. 
REFERENCIAS
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CABARCAS, M. La figuración poética de la identidad: lo negro en Tambores en la 
noche de Jorge Artel. Estudios de Literatura Colombiana, N. 32, 2013, pp. 73-86
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and writings, Nueva York: Monthly Review Pres, 1979. 
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mirada decolonial en la obra poética de Jorge Artel. Estudios Latinoamericanos, 
2020, pp. 95-107. 
FANON, FRANZ. Los condenados de la tierra. La Habana: Casa de las Américas, 
2011. 
152
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
FERRER RUÍZ, G. La edificación de la poesía con imágenes sonoras en Tambores 
en la noche. In: ARTEL, J. Tambores en la noche. Bogotá: Ministerio de Cultura, 
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FLÓREZ, F. Iluminados por la educación: los ilustrados afrodescendientes del 
Caribe colombiano a comienzos de siglo XX. Cuadernos de Literatura del Caribe 
e Hispanoamérica, v 9. 2009. 
HOOKS, B. Ensinando a transgredir. A educação como prática da liberdade. 
São Paulo: Martins Fontes, 2013.
MONTALVO. A. y GÓMEZ, E. Enfermería en Cartagena 1900-1920. Palobra: Palabra 
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RAMÍREZ BOTERO, I. La Primera Feria de Arte de Cartagena de Indias en 1940. 
Fracturas del orden cultural centenarista y enunciación de una vanguardia artística 
local. In: ABELLO VIVES, A.; FLÓREZ, F. Los desterrados del paraíso. Raza, 
pobreza y cultura en Cartagena de Indias. Bogotá: Maremágnum, 2015, p. 
316-357. 
SOUSA SANTOS, B. Poscolonialismo, descolonialidad y epistemologías del 
sur. Buenos Aires: CLACSO/CES, 2022. 
153
RACIONAIS MC’S - “O RAP VAI DIRETAMENTE 
ATÉ OS QUE MAIS SOFREM”: UMA 
ANÁLISE DISCURSIVA CRÍTICA NUMA 
PERSPECTIVA INTERTEXTUAL
Alexcina Oliveira Cirne
Universidade Católica de Pernambuco/ Unicap
Membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PE
Membro do Instituto Ubuntu de Estudos Africanos e Diaspóricos/UNICAP
Karl Heinz Efken
Universidade Católica de Pernambuco/ Unicap
Professor da graduação e do Programa de Pós-graduação em Filosofia/ Unicap
Membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PE
154
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO
As discussões que envolvem a atuação do rap na cultura periférica 
do Brasil trazem sempre à tona o debate sobre a importância de identificar 
uma rede intertextual que contribui para a compreensão das narrativas pul-
santes, inteligentes e potentes presentes nas estrofes entoadas pelos rappers. 
O que há de comum entre o rap e realidade brasileira pode ser aprendido 
ao ouvir com atenção os blocos de realidades históricas, sociais e econômicas 
movimentados pelas palavras, batidas e sons produzidos em suas músicas. 
A trajetória do grupo Racionais MC’s incorpora muitos desafios. Trata-se 
de uma trajetória impressionante, ousada, perigosa, árdua e desmistificadora 
de padrões estabelecidos na sociedade brasileira. Esses adjetivos mencio-
nados descrevem, em parte, a vida de um dos integrantes do grupo, Pedro 
Paulo Soares Pereira, nascido em São Paulo, em 22 de abril de 1970, conhecido 
como Mano Brown. Os outros integrantes do grupo, Edi Rock, KL Jay e Ice 
Blue podem também, sem exageros, ter esses adjetivos como parte da des-
crição de suas trajetórias de vida, uma vez que todos eles são sobreviventes 
de periferias extremamente violentas.
Para compreendermos um pouco mais do poder das músicas cantadas 
pelo grupo, propomos neste artigo uma análise intertextual que visa entender 
essas músicas como ato político que não hesita em desafiar práticas históricas 
abusivas, autoritárias, racistas e violadoras de direitos humanos. 
O presente capítulo está organizado em três seções. A primeira seção, 
concentra-se numa descrição histórica sobre o grupo Racionais MC’s e o 
rap brasileiro. Na segunda seção, há uma abordagem sobre intertextualidade; 
na terceira seção consta a metodologia e análise do corpus. 
155
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
1. OS RACIONAIS MC’S E O CALDEIRÃO DAS DURAS REALIDADES
O líder do grupo, Mano Brown, cresceu no bairro do Capão Redondo, 
na periferia da cidade. O bairro era conhecido por duas características: a pre-
sença do rap e a presença da violência. O bairro já foi conhecido como 
“triângulo da morte”, nos anos 1990. Período em que o Racionais MC’s estão 
em recente atividade musical. Conforme notícia datada de 30 de janeiro 
de 1997, no Jornal Folha de São Paulo1, o Capão Redondo foi o bairro mais 
violento da cidade em 1996. De acordo com essa reportagem, o Distrito 
Policial responsável pela área, o 47º DP, ocupava o topo da lista das dez 
delegacias com maior número de homicídios em São Paulo. Outra notícia 
consta no portal Nexo Jornal2, informando que aquela área foi considerada 
pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o lugar mais violento 
do planeta, com uma taxa anual de 116,23 assassinatos para cada 100 mil 
habitantes em 1996.
Mano Brown é uma das pessoas mais respeitadas na cena do rap 
no Brasil, é um dos integrantes fundadores e líder do grupo brasileiro de rap 
intitulado de Racionais MC’s. Esta pesquisa assume como ponto de par-
tida a frase dita por Mano Brown, em 2000, por ocasião de uma entrevista 
cedida à Revista Teoria em Debate: “O rap vai diretamente até os que mais 
sofrem”. É possível perceber a força dessa afirmação em diversos momentos 
deste capítulo. Outra afirmação que serve como guia para esta pesquisa é a 
de Ramos (2023, p. 187), em seu artigo intitulado Violência racial e o Racionais 
MC’s: conflito, experiência e horizontes : 
A produção artística do grupo Racionais MC’s alcança 
um escopo maior do que a própria música a partir 
do momento em que entendemos o conjunto de relações 
1 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/1/30/cotidiano/14.html Acesso em 22 de 
maio de 2024.
2 Disponível em https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/08/25/a-influencia-dos-
racionais-mcs-no-ativismo-da-periferia Acesso em 31 de maio de 2024.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/1/30/cotidiano/14.html
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/08/25/a-influencia-dos-racionais-mcs-no-ativismo-da-periferia
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/08/25/a-influencia-dos-racionais-mcs-no-ativismo-da-periferia
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
sociais que estão retratadas nas canções. As letras deixam 
de ser um componente da canção para tocar em duas esferas 
da produção simbólica da vida social: elas são ao mesmo 
tempo uma análise social e um ato político.
O grupo foi fundado em 1988. É importante destacar que nesse mesmo 
ano foi promulgada a Constituição Cidadã brasileira, em 05 de outubro de 1988, 
após a saída de um longo período de ditadura3 no país. Isso nos permite 
situar historicamente a realidade daquela época: um país repleto de medos, 
atrasos educacionais, altos índices de violência (especialmente relacionados 
aos moradores das periferias), dificuldades para adquirir alimentos, entre 
tantos outros difíceis desafios. 
O grupo lançou diversos discos (nome dado à época para o que hoje 
chamamos de álbum), mas foi com o disco Sobrevivendo no inferno, no ano 
de 1997, que o grupo, segundo estudiosos, alcançou mais notoriedade. 
Os números estatísticos4 em relação ao álbum também corroboram para 
essa afirmação de maior visibilidade alcançada pelo grupo. 
Em 2018, foi lançado um livro com o mesmo título do disco de 1997, 
Racionais MC’s sobrevivendo no inferno, e, na página 27, há um trecho sobre 
essa obra musical construída pelo grupo: “Sem exageros, podemos dizer 
que poucas vezes a realidade brasileira foi analisada e representada com um 
olhar tão complexo, considerando-se inclusive as instâncias discursivas mais 
consagradas, como a academia e literatura” (Oliveira, 2018, p. 17). 
Ao longo do tempo, o espaço discursivo de denúncia que Mano Brown 
e o grupo Racionais MC’s imprimem às músicas, narra a complexa realidade 
brasileira vivenciada, sobretudo, nas periferias de São Paulo. Neste aspecto, 
3 A ditadura no Brasil foi de 1964 a 1985.
4 Os dados sobre o álbum são mencionados no programa Roda Viva de 2007: “[...] o disco 
“Sobrevivendo no Inferno” os Racionais MC’s venderam mais de quinhentas mil cópias sem uma 
grande rede de distribuição por trás e ganharam vários prêmios...”. Disponível em https://www.
youtube.com/watch?v=IaQWmNkqkSg Acesso em 19 de maio de 2024.
https://www.youtube.com/watch?v=IaQWmNkqkSg
https://www.youtube.com/watch?v=IaQWmNkqkSg
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destacamos uma afirmação de Oliveira (2018, p. 22) na introdução do livro: 
“Essa nova maneira de tematizar o cotidiano periférico teria impacto em vários 
segmentos artísticos, como literatura, o teatro, o cinema e a televisão, tornando 
o grupo uma espécie de vetor para as mais diversas produções artísticas 
da periferia”.
O que queremos salientar é que a obra musical dos Racionais MC’s 
mobilizou o sujeito periférico e desenvolveu nele orgulho por sua identi-
dade, sua condição e lugar. Esse mesmo sujeito periférico começa a atuar 
de maneira política a partir dessas questões que têm protagonismo em sua 
trajetória de vida: a violência, a exclusão, o racismo, os problemas de moradia, 
a falta de escolas e o desemprego. Grande parte desses sujeitos periféricos 
no Brasil é composta por pessoas negras e pardas que vivem em situações 
precárias, nos morros das grandes cidades. 
O rap é um gênero musical que emerge do movimento hip hop5. Por sua 
vez, o hip hop foi criado nos Estados Unidos, primordialmente por jovens 
afro-descendentes e latinos, moradores de regiões periféricas da cidade 
de Nova Iorque, no final da década de 1970. Esse gênero musical foi se 
desenvolvendo ao longo dos anos e incorporando as mudanças históricas, 
políticas, sociais e econômicas nas narrativas articuladas pelas músicas. 
Há a passagem das letras com temas mais vinculados ao mundo da diversão 
e ostentação, para as letras com denúncias e “com conteúdo étnico, político 
e social” (Macedo, 2011, p. 268). Consideramos bem pontual a definição 
de Vieira e Santos (2023, p. xi), que descrevem o hip hop como “um movimento 
sociocultural global que se destaca por ser constitutivo e por constituir sujeitos 
transgressores e narradores de si próprios”. O rap figura, também, como 
5 Consideramos importante, para fins de conceituação, a definição dada por Baker (2012, p. 9, 
tradução nossa): “O componente mais popular da cultura hip-hop é o rap. Embora as palavras 
hip-hop e rap sejam frequentemente usadas de forma intercambiável, elas não são a mesma 
coisa. O rap é parte de uma cultura maior, enquanto o hip-hop é a própria cultura”. (The most 
popular component of hip-hop culture is rap. Even though the words hip-hop and rap are often 
used interchangeably, they are not the same things. Rap is part of a larger culture, while hip-hop 
is the culture itself).
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
um gênero musical que veio para ficar e com características bem definidas, 
transpondo as barreiras de classificação de músicas temporárias e sem ganhos 
comerciais, conforme afirma Keyes (2002, p. 02, tradução nossa)6:
A música rap não só provou ser mais do que uma moda 
passageira, como alguns inicialmente acreditaram, mas tam-
bém demonstrou que poderia competir e prosperar eminen-
temente numa indústria musical popular que durante tanto 
tempo baseou o seu sucesso em atos vocais e instrumen-
tais. [...] Como resultado, tem sido elogiado pela crítica musi-
cal como a mais vital das novas formas de música popular 
na indústria musical.
O impacto e a força do rap conseguem provocar mudanças reais 
em lugares sociais tradicionalmente abandonados e excluídos, em diversos 
sentidos. Podemos afirmar que o rap consegue ‘dar gás’ a uma população 
para seguir em frente e lutar por seus direitos, após perceber que não está 
no foco das políticas públicas de justiça, equidade, segurança e proteção, 
entre outros aspectos. O rap torna-se, nesse caldeirão de duras realidades, 
uma importante forma de denúncia e de construção de discurso que contem-
pla propostas recebidas de cidadãos moradores das periferias, que exigem 
mudanças a partir do que lhes acontece cotidianamente. 
Em entrevista, concedida ao jornal da USP, o pesquisador Híkaro Queiroz, 
que defendeu sua dissertação no Programa de Pós-graduação em Estudos 
Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa da USP, em 2023, com o 
título O rap de formação: uma abordagem do narrador em Mano Brown7, 
afirmou que o rap é “diferente de outros estilos musicais porque tem a par-
6 “Rap music not only proved to be more than a passing fad, as some first believed, but also de-
monstrated that it could compete and eminently thrive in a popular music industry that had so 
long predicated its sucess on vocal and instrumental acts. [...] As a result,it has been lauded by 
music critics as the most vital on new popular music forms in the music industry.”
7 Disponível em https://jornal.usp.br/diversidade/rap-contribui-para-a-formacao-social-de-can-
tores-e-jovens-da-periferia/ Acesso em 04 de maio de 2024.
https://jornal.usp.br/diversidade/rap-contribui-para-a-formacao-social-de-cantores-e-jovens-da-periferia/
https://jornal.usp.br/diversidade/rap-contribui-para-a-formacao-social-de-cantores-e-jovens-da-periferia/
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ticularidade de trazer um reflexo do que as pessoas estão vivendo e, através 
desse relato, trazer conselhos. Logo, a partir do rap, há uma troca de apren-
dizado entre ambos os sujeitos”. 
Arthur Rocha, autor do livro Racionais MC’s: Sobrevivendo no inferno, 
publicado em 2021, afirma que ter tido contato com a obra dos Racionais MC’s 
representou uma enorme e poderosa revelação. Destacou que as músicas 
dos Racionais MC’s rompiam com o silêncio intencional do poder público 
sobre assuntos como racismo, violência e desigualdades. O próprio Mano 
Brown falou sobre o impacto do rap em sua trajetória e transformação de vida, 
em entrevista cedida à revista Rap Nacional em 2014, na qual destaca quem 
seria o Brown sem o rap: 
Não seria Mano Brown né?! Seria o Pedro Paulo. Não tinha 
o que comer, tinha dificuldade pra arrumar um emprego, e de 
me relacionar com o patrão. Várias dificuldades… Através 
do rap eu comecei a compreender algumas dificuldades 
que eu tinha na vida, através do rap eu compreendi, sem o 
rap eu não entenderia, seria um louco, um rebelde sem uma 
causa justa .
Como foi bem colocado por Vieira e Santos (2023, p. xii), o grupo entoa 
no rap “análises e intervenções em assuntos significativos para o enten-
dimento da realidade social e de suas possibilidades de mudança”. O rap 
expressa o que o povo é, o que os moradores da periferia experienciam, 
sentem e pensam, por meio de uma música que se torna também o seu lugar 
de fala. A força do rap e a urgência dos temas sociais envolvidos no contexto 
brasileiro8 unificaram diversas comunidades periféricas para lutar por uma 
causa comum: o projeto de sobrevivência. 
8 É importante mencionar que na prova do Enem desse ano (2024), teve questões com música dos 
Racionais MC’s, abordando a música ‘Capítulo 4, versículo 3’. Disponível em https://murbbrasil.
com/racionais-mcs-no-enem-a-importancia-do-rap-para-a-sociedade/ Acesso em 04 de nov. 
de 2024.
https://murbbrasil.com/racionais-mcs-no-enem-a-importancia-do-rap-para-a-sociedade/
https://murbbrasil.com/racionais-mcs-no-enem-a-importancia-do-rap-para-a-sociedade/
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Esse projeto de sobrevivência é um relevante sinalizador dos efeitos 
do discurso do rap – ele conseguiu unificar. Sobre essa questão, de “unir que-
bradas”, Brown fala em uma entrevista concedida ao Le Monde Diplomatique 
Brasil9, em 2018: “Eu fiz o que era necessário para uma época. Era uma priori-
dade de todos, entendeu? Lutar pela raça, e tal, pela quebrada. Era prioridade. 
Era uma bandeira única, entendeu? Você não podia desviar a discussão para 
outras coisas pra não dividir. A bandeira era essa: periferia. Bom, depois 
nós debate outras ideias: quem é corinthiano, quem é palmeirense, quem 
é santista, sabe? Quem é de touro, quem é de áries, mano. Morô?”
O projeto de sobrevivência que os Racionais MC’s abraçam tem como 
objetivo a produção de músicas com fortes narrativas centradas em ques-
tões sociais, de denúncia, de desafios sociais, da violência cotidiana e “seu 
foco está na construção de uma fraternidade de iguais no interior de uma 
comunidade periférica que se afirma contra um projeto de nação que a deseja 
exterminar” (Oliveira, 2018, p. 24). O rap condensa em suas poderosas nar-
rativas as consequências de séculos de escravidão no Brasil e das políticas 
públicas governamentais que, muitas vezes, não dão resultados e, em outras, 
não têm a intenção de corrigir e reparar um passado marcado por práticas 
perversas de desrespeito à dignidade humana. 
No Brasil, nos últimos tempos, percebe-se um aperfeiçoamento e uma 
sofisticação de políticas de invisibilização da população negra, incorporando 
estratégias de necropolítica, como a associação da imagem do negro (imagens 
depreciativas) a elementos de maldade, inferioridade intelectual e cultural 
(marcados em muitas expressões e ditados populares) e a configuração 
de uma hierarquização de raças – mantendo, após a abolição da escravidão, 
o negro como um acessório nos espaços de negócios (compra e venda), 
num contexto remodelado desses mecanismos econômicos. Aqui, recorremos 
à passagem de Gomes (2022, p. 526), que descreve sucintamente o pós-
9 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=U_OsF4y4zuY Acesso em 19 de maio de 
2024.
https://www.youtube.com/watch?v=U_OsF4y4zuY 
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escravidão no Brasil e nos permite um retorno histórico ao que viria a ser 
o Brasil após 188810:
Os ex-escravos seriam convertidos em “trabalhadores rurais”, 
vivendo em condições muito semelhantes às da época 
da escravidão. Estariam excluídos de tudo, especialmente 
da oportunidade de expressar suas opiniões e participar 
da construção do país. Até 1930, só 5,6% dos brasileiros 
tinham direito ao voto. O pequeno número de eleitores estava 
restrito aos homens adultos, em geral brancos, proprietários 
e alfabetizados. Mulheres estavam excluídas, como também 
os analfabetos, dos quais a imensa maioria era descendentes 
de escravos. [...] Privados do acesso à terra, à moradia e à pró-
pria cidadania, a população negra e afrodescendentes seria 
vítima de outra espécie de abandono, que tentaria privá-la 
de sua própria identidade.
A força do rap nos provoca admiração por produzir um sentimento 
de acolhimento nos jovens moradores dos morros e favelas, com canções 
que denunciam um mundo de humilhação e escassez de oportunidades 
vivido por eles, conforme afirmou KL Jay, um dos integrantes do grupo, numa 
entrevista à Folha de São Paulo 11, em agosto de 2023: “Racionais é como 
se fosse a voz de quem nunca teve voz. A música é muito agressiva e muito 
bem feita”. De forma que o ‘projeto sobrevivência’ começa a ‘salvar’ muitos 
daqueles que estavam socialmente destinados a uma vala qualquer pela 
mortal engrenagem social que atua(va) nas periferias. Em diversas entrevistas, 
10 A fim de termos uma breve noção da resistência política e econômica em relação à liberdade 
dos escravizados em solo brasileiro, acompanhemos, numa corrente do tempo, a abolição da 
escravidão em outros países: França (1818 – proíbe tráfico de escravos); Chile (1823 – a escravi-
dão é proibida); Bolívia (1826 – abolição da escravidão); Uruguai (1842 – abolição da escravidão); 
Tunísia (1846 – abolição da escravidão); Colômbia (1851 – proibição da escravidão); Argentina 
(1853 – fim da escravidão); Venezuela (1854 - fim da escravidão); Peru (1854 - fim da escravidão); 
Cuba (1886 – abolição da escravidão); Brasil (1888 – fim da escravidão).
11 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=cMjeuRXYSRI Acesso em 19 de maio de 
2024.
https://www.youtube.com/watch?v=cMjeuRXYSRI
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
KL Jay menciona alguns resultados da atuação crítica, política e cultural 
do grupo. Citamos duas dessas entrevistas:
A primeira delas é uma entrevista concedida por KL Jay à Carta Capital 
no YouTube12, e ao ser perguntado sobre o que ele achava da influência 
do grupo na vida das pessoas, ele afirma: “Eu encontro muita gente mais 
velha, da minha idade, por exemplo, que me encontra em vários lugares e fala: 
“vocês, a música de vocês me salvou, hoje sou um professor, um advogado, 
sou empresário, saí das drogas, saí do crime. Tô vivo. Tô bem. Tenho família, 
pá”. Esse é nosso impacto, né? A música que a gente fez a vinte anos atrás, 
a trinta anos atrás, influenciouaquela geração que tinha nossa idade, e que 
hoje tem nossa idade, e sobreviveu”.
A segunda entrevista é dada ao canal Ponte Jornalismo 13 no YouTube, 
em que KL Jay responde: “[...] as pessoas me encontram na rua e falam 
assim: ‘você salvou a minha vida, mano. A minha vida, do meu irmão, do meu 
amigo”. Você ouve isso toda hora. Então, você fala assim: ‘tem importância’. 
Nem por isso, nós vamos ter a polpa de falar que nós somos...nós não vamos 
vestir o manto da importância, entende? Então, a gente faz parte de uma 
cultura que salvou muita gente, não só os Racionais. O Racionais faz parte 
da engrenagem também.”
Cabe bem pontuar que as letras das músicas de rap cantadas pelos 
Racionais MC’s ocuparam, por diversas vezes, a figura do pai ausente, 
tão comum no cenário da periferia brasileira. Em 2023, conforme pesquisa 
realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, 
o Brasil tinha mais de 11 milhões de mães que criavam os filhos sozinhas14. 
12 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=z3pmPXMxC-0 Acesso em 26 de maio de 
2024.
13 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=h-FxGsExDAk Acesso em 26 de maio de 
2024.
14 Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/no-brasil-11-milhoes-de-
-mulheres-criam-sozinhas-os-filhos#:~:text=Pesquisa%20do%20Instituto%20Brasileiro%20
de,adequado%20tem%20nome%3A%20abandono%20afetivo. Acesso em 19 de maio de 2024.
https://www.youtube.com/watch?v=z3pmPXMxC-0
https://www.youtube.com/watch?v=h-FxGsExDAk
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/no-brasil-11-milhoes-de-mulheres-criam-sozinhas-os-filhos#:~:text=Pesquisa%20do%20Instituto%20Brasileiro%20de,adequado%20tem%20nome%3A%20abandono%20afetivo.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/no-brasil-11-milhoes-de-mulheres-criam-sozinhas-os-filhos#:~:text=Pesquisa%20do%20Instituto%20Brasileiro%20de,adequado%20tem%20nome%3A%20abandono%20afetivo.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/no-brasil-11-milhoes-de-mulheres-criam-sozinhas-os-filhos#:~:text=Pesquisa%20do%20Instituto%20Brasileiro%20de,adequado%20tem%20nome%3A%20abandono%20afetivo.
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A grande maioria das mães solo são mulheres negras. A pesquisa mostrou 
que a maioria, 72,4%, vive só com os filhos e não conta com uma rede de apoio 
próxima. O rap com os seus sermões e conselhos sobre a vida, sobre com-
portamento e escolhas — uma vez que muitas mães solteiras criam e cuidam 
dos seus filhos sozinhas — simboliza o afeto e o sentimento de cuidado mobi-
lizados nas músicas de denúncia, que fortalecem suas identidades e alertam 
sobre drogas e crimes. O papel atribuído aos Racionais MC’s pelos ouvintes 
é de um conselheiro seguro e que sabe sobre o que fala. 
Esse tema acolhe muitas realidades semelhantes e uma delas também 
é do pesquisador Hikaro Diego Queiroz (2023, p. 6), que afirma, nas primeiras 
páginas de sua dissertação, que com o rap aprendeu a respeitar pessoas, 
a pensar de forma crítica e formar humanos e cidadãos: 
[...] com o RAP aprendemos a conviver na periferia, aprende-
mos a respeitar pessoas, a pensar de forma crítica e nos for-
mar como humanos e cidadãos. Portanto, meu primeiro salve 
vai aqui para o próprio RAP e para o grupo Racionais, por me 
formar, para a minha tia, que introduziu no RAP, e meu irmão, 
que decidiu com o dinheiro que achou comprar aquela fita 
naquela manhã que mudaria para sempre a nossa trajetória. 
A dissertação de mestrado da pesquisadora Ana Raquel Mota de Souza, 
elaborada na Unicamp, em 2004, é um outro bom exemplo. Ela relata que em 
visita a um projeto educativo na Bahia ficou surpresa com o interesse dos ado-
lescentes pelo grupo Racionais MC’s. Ela conta que :
Impressionava-me como eram capazes de cantar letras 
quilométricas — que, quando transcritas, chegam 
a mais de cinco páginas — sem tê-las nunca visto escritas. 
Impressionava-me mais o teor das letras e o impacto 
que têm naquela população, o que chegou ao auge para 
mim quando, ao assinar um desenho que fizera, um desses 
jovens se autonomeou “Mano Brown” (Souza, 2004, p. 02).
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
O próprio Mano Brown está nas estatísticas de filhos criados sem a 
presença do pai. Brown nunca conheceu o pai15 e foi criado pela mãe, Ana. 
No programa de entrevistas Roda Viva, em 2007, Mano Brown respondeu 
ao jornalista que o questionou sobre o lugar de mágoa que a figura paterna 
ocupava na vida do cantor: “Na verdade, eu não tive pai, né? Tive um pai, 
mas não conheci. Não conheço e também não quero conhecer, certo? 
Não faço questão. Poucas coisas. Não tenho muitas coisas pra falar sobre 
pai”.16 Em outra entrevista, 2017, exibida no MTO + Entretenimento do canal 
de YouTube17, na qual, em dado momento, o assunto do pai de Mano Brown 
surge, ele diz :
Uma vez na escola, Copa do Mundo de 78, França e Itália. 
Eu nunca vou esquecer. Aí eu fui falar... deixei escapar que meu 
pai era italiano. Na hora do jogo da Itália com França...mole-
ques começaram a dizer “nunca vi italiano de cabelo duro’... 
ahhhhh. Italiano de cabelo duro...fudeu...por que eu fui falar 
isso? Nunca mais eu falei isso. É mesmo. Eu sou bem moreno. 
Sou bem moreno e com esse cabelo aqui num vai dar não, 
né? Minha mãe fala, faz questão, “seu pai era italiano”, ela faz 
questão de lembrar. Mas também nunca puder levar essa 
de italiano, não. Eu vivi que nem preto, morô? Vivi quem 
nem preto, comi que nem preto. Vivi vida de preto. Né igual 
de italiano não .
A disseminação do rap no Brasil também é possibilitada pelo término 
da ditadura do Brasil, momento histórico de abertura e novas possibilidades, 
15 Ice Blue, um dos membros do grupo, menciona numa entrevista do programa Ensaios, da TV 
Cultura, em 2003, que o padrinho de casamento de sua mãe, Seu Isaque, que era Pai de Santo 
do terreiro que sua mãe frequentava, acolheu ele e Mano Brown como filhos: “deu força pra criar 
a gente, que praticamente a gente não teve pai. Meu pai faleceu quando eu tinha 9 meses e o 
Brown, o pai dele, abandonou depois que ele nasceu”. Disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=Pf0YKPvz6YE Acesso em 19 de maio de 2024.
16 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=IaQWmNkqkSg Acesso em 19 de maio de 
2024.
17 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=A4mMHHpx1EU Acesso em 22 de maio de 
2024. A entrevista foi concedida ao canal Trip TV.
https://www.youtube.com/watch?v=Pf0YKPvz6YE
https://www.youtube.com/watch?v=Pf0YKPvz6YE
https://www.youtube.com/watch?v=IaQWmNkqkSg
https://www.youtube.com/watch?v=A4mMHHpx1EU
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e a periferia desejava e precisava ser ouvida. A música e a arte se tornaram 
condutoras das vozes daqueles que insistiam em “[...] demandas na luta 
pela educação, moradia, transporte, saneamento básico, entre outros. Alguns 
jovens estavam à frente destas mobilizações tanto em associações de bairros, 
como em comunidades eclesiais de base, entre outros” (Moreno, 2005, p. 06).
O som dos Racionais MC’s traduz a urgência de mudanças complexas, 
descreve a realidade dura e difícil da juventude negra, traduz o medo, aponta 
os inimigos e expõe com clareza um posicionamento crítico diante da ava-
lanche de violência que ainda persiste no cotidiano das periferias do Brasil. 
Nas palavras das organizadoras do livro Racionais MC’s – entre o gatilho 
e a tempestade, o grupo vem “estruturando, por meio da música rap, “a fúria 
negra” do Brasil desde a redemocratização. Fúria persistente, que ensina, 
informa e incomoda” (Vieira; Santos, 2023, p. xv). 
Podemos perceber na introdução da música Diário de um detento, ainda 
na parte sem letra, que o som produzido tenta passar a tensão que é perma-
nente na vida da população negra e da periferia. É a presença do medo e da 
onipresente fiscalização insistente, angustiante que penetra os corpos e as 
mentes. É importantedestacar que tanto a rítmica quanto a narrativa da letra 
da música, se devem ao fato de ela retratar os acontecimentos do dia 2 de 
outubro de 1992, o dia do massacre do Carandiru. A letra, composta por Mano 
Brown e o ex-detento Jocenir, é considerada um rap excepcional, tanto pelo 
tema quanto pela “qualidade da construção literária da composição” (Zeni, 
2004, p. 234).
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
2. A INTERTEXTUALIDADE CONECTANDO OS DESAFIOS 
HISTÓRICOS NOS ESPAÇOS SOCIAIS
Vislumbrar um texto como intertextual é compreender que ele não é 
um sistema fechado (Still; Worton, 1990). Frow (1990) aponta algumas carac-
terísticas da intertextualidade que nos permitem um melhor entendimento 
sobre porque ele não é um sistema fechado: a) tem uma relação/rede histórica 
e por isso não é independente e b) é transformado por outras estruturas tex-
tuais. A partir desse prisma, pode-se entender que a sociedade é constituída 
de uma grande teia intertextual, algumas com mais conexões que outras, 
em que é possível mapear, sobretudo, atualmente, através do uso dos recur-
sos da inteligência artificial. 
Pesquisas mostraram que a realização de um mapeamento intertextual 
se configura como um excelente recurso para identificar e compreender redes 
de ações corruptas, intenções escusas quando se trata de projetos empresa-
riais no campo dos negócios, a prática de bullying 18 entre outros exemplos. 
Uma percepção mais aguçada de intertextualidade, conforme Baron (2020, p. 
3), possibilita a compreensão de que todos os textos estão “inextricavelmente 
condicionados — tanto na produção quanto na recepção — por outros textos”. 
O que acabamos de dizer, leva-nos a afirmar que o mundo dos textos 
é regido por dinâmicas intertextuais subjacentes. Por esses motivos, é razoável 
supor que devemos rejeitar a ideia de um ineditismo dos textos, como se um 
retorno a um ‘ponto zero’ fosse possível — negando a existência de aspectos 
situacionais, culturais, históricos, geográficos, econômicos e temporais. Neste 
caso, estamos diante da existência de uma constante e renovada rede textual. 
Uma leitura na perspectiva da intertextualidade pode contribuir, sobremaneira, 
para aprofundar a compreensão das construções textuais de determinados 
grupos e movimentos sociais.
18 Disponível em https://anaisonline.uems.br/index.php/seminarioformacaodocente/article/
view/4822/4812 Acesso em 01 de junho de 2024.
https://anaisonline.uems.br/index.php/seminarioformacaodocente/article/view/4822/4812
https://anaisonline.uems.br/index.php/seminarioformacaodocente/article/view/4822/4812
167
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
O prisma aqui empenhado, alinha-se à afirmação de Fairclough ([1992] 
2008) de que na intertextualidade ocorre a transformação e reestruturação 
de convenções existentes — que podem ser exemplificados com a criação 
e transformação de diversos/novos gêneros textuais. A partir dessa visão, 
não é possível conjecturarmos o ‘silenciamento’ dos textos, uma vez que, 
por uma via ou outra, a marca, ou seu DNA, dissemina-se nos múltiplos efeitos 
nas diversas ordens de discurso (Cf. Fairclough, 2003). 
O estudo de como um texto se conecta a outro(s) texto(s) ou faz alusão 
a ele(s), ocupa um protagonismo no processo de compreensão e leitura 
crítica do mundo. Na perspectiva da Análise Crítica do Discurso é necessária 
uma análise mais profunda acerca das práticas discursivas que envolvem 
não apenas o texto, mas toda uma rede contextual e as práticas sociais 
ligadas aos discursos daqueles que vivenciam determinadas realidades (Cf. 
Van Dijk, 2018; Cirne, Barros, Efken 2022). No entendimento aqui defendido, 
a ‘visada intertextual’19 promove o desenvolvimento de uma prática crítica, 
uma vez que permite e estimula a identificação de motivações históricas, 
sociais e ideológicas que perpassam a linguagem e o discurso. Nos termos 
dessa colocação, podemos referenciar Castro (2002, p. 104): 
[...] para que um discurso surta o efeito desejado, é preciso 
haver uma ressonância interna, uma identificação entre o que 
foi falado e o que foi ouvido. E para que essa ressonância 
aconteça, é preciso conhecer o que faz acontecer – o que 
é essa intertextualidade.
Diante dessa formulação, podemos dar mais um passo na compreensão 
dessa ressonância de identificações e ramificações, chamada de intertextua-
lidade, e oferecer uma maior expansão ao raio de ação da intertextualidade, 
além da alusão a textos e aos gêneros textuais. Neste sentido, podemos 
19 Usamos o termo ‘visada intertextual’ a fim de chamar atenção tanto para a intencionalidade 
quanto para a reflexividade do ato de leitura da realidade.
168
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
mencionar Carter (2021, p. 4, tradução nossa), para quem o conceito de inter-
textualidade incorpora “sua derivação da semiótica e da teoria semiótica 
da circulação de signos na cultura”. 20
Carter (2021, p. 4) argumenta que o entendimento de Kristeva (1984) 
em relação à intertextualidade era de um “reconhecimento de um signo, 
ou conjunto de signos, de uma cultura (ou texto literário) em outro texto”.21 
Há uma amplificação na concepção de intertextualidade, que incorpora 
uma composição de discursos e um sistema de significados em um sentido 
dinâmico (Carter, 2021), contemplando também as conexões realizadas pelos 
leitores ao interagir com os textos (Mason, 2019). Quer dizer, as conexões 
intertextuais podem tomar rumos além dos textos e de sua rede mais per-
ceptível, e esses diferentes rumos advêm das diversas variáveis possíveis 
no conjunto de experiências e conhecimentos do leitor que acessa determi-
nado texto (escrito ou oral). Segundo Mason (2019, p. 02, tradução nossa), “a 
intertextualidade na prática oferece aos leitores um quadro cognitivamente 
fundamentado para a análise estilística prática de conexões intertextuais, 
tanto em textos escritos como falados. Explora a forma como os textos e os 
leitores constroem e respondem às referências intertextuais e por quê”.22 
Em se tratando do corpus aqui em questão, por exemplo, é possível 
estabelecer conexões diversas (históricas, culturais, geográficas, estilísti-
cas, econômicas, entre outras) construídas a partir das leituras/interpreta-
ções das letras das músicas do rap e das entrevistas dadas pelos membros 
do grupo. Essas mesmas redes intertextuais apontadas na análise do corpus 
não limitam ou impedem outras formulações intertextuais, pois não é possível 
estabelecer apenas uma única rede de interpretação e tampouco é possível 
20 [...] overlooks its derivation from semiotics and the semiotic theory of the circulation of signs in 
culture.
21 recognition of a sign, or set of signs, from one culture (or literary text) in another text.
22 “Intertextuality in practice offers readers a cognitively-grounded framework for hands-on stylistic 
analysis of intertextual connections, both in written texts and spoken. It explores how texts and 
readers contruct and respond to intertextual references and why”.
169
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
controlar “os comportamentos de leitores reais em relação à referenciação 
intertextual, tanto em termos das ligações e associações que fazem por sua 
própria vontade como do que fazem quando são confrontados com refe-
rências num texto”23 (Mason, 2019, p. 9, tradução nossa). Sem dúvida, o lei-
tor se sente mais próximo de determinadas conexões intertextuais, partes 
do tecido discursivo, cores de uma colcha de retalhos, pois parte, na sua 
leitura e tentativa de compreensão, da sua história de vida, na qual determina-
das temáticas, questões e conexões predominaram e se tornaram marcantes, 
condições da possibilidade da sua sobrevivência no mundo. 
Ao elaborar essa relação complexa que permite diversas possibilida-
des, sobretudo pela leitura realizada pelo leitor, fazendo que o conceito seja 
entendido como uma redeignore 
e rejeite este princípio óbvio e caro aos nossos ancestrais.
Em seu artigo African Traditional Education: A Tool For Intergerational 
Communication, Feliz Boateng sustenta que a Educação Tradicional Africana 
é uma ferramenta fundamental de comunicação intergeracional. Esta comu-
nicação tem por objetivo preservar os valores e tradições de uma sociedade 
de uma geração para outra. Visa inserir, sem conflitos, os jovens no mundo 
adulto (Boateng, 1990, p. 110).
De acordo com Boateng, a Educação Tradicional Africana é realizada 
por meio da Literatura Oral e das Sociedades Secretas. A Literatura Oral 
compreende as fábulas, mitos e provérbios. Por sua vez, as Sociedades 
Secretas têm o papel fundamental e a responsabilidade de supervisionar 
as cerimônias de iniciação de meninos e meninas com o intuito de prepará-las 
e prepará-los para as responsabilidades da vida adulta.
Para reforçar a importância da responsabilidade dos mais velhos nesse 
processo de comunicação intergeracional, recorremos ao texto A Educação 
Tradicional na África, de Amadou Hampâté Bâ :
A tradição transmitida oralmente é tão precisa e tão rigo-
rosa que se pode, com diversas confirmações, reconstituir 
os grandes acontecimentos dos séculos passados nos míni-
mos detalhes, especialmente a vida dos grandes impérios 
ou dos grandes homens que ilustraram a história africana. (...) 
Nas civilizações orais, a palavra compromete o homem, 
a palavra é o homem. Daí o respeito profundo pelas nar-
rativas tradicionais legadas pelo passado, nas quais é per-
mitido o ornamento na forma ou na apresentação poética, 
mas onde a trama permanece imutável através dos séculos, 
veiculada por uma memória prodigiosa que é a característica 
própria dos povos de tradição oral. Na civilização moderna, 
o papel substituiu a palavra. É ele que compromete o homem 
(Hampâté Bâ, 1997, p. 26).
18
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Palavras têm poder. Ao substituirmos a palavra pelo papel rejeitamos 
a cultura africana em detrimento da cultura europeia e perdemos o senso 
de responsabilidade coletiva. Como diz Hampâté Bâ (1997, p. 27): “Em nos-
sos dias, devido à ruptura na transmissão tradicional, quando um desses 
sábios anciãos desaparece, são todos os seus conhecimentos que são devo-
rados com ele pela noite. Eu não desejo isso nem para a África, nem para 
a humanidade”.
A lei 10.639/03 tem mais de duas décadas e nossas crianças e jovens 
continuam sem um conhecimento mínimo da História e Cultura Afro-brasileira 
e Africana. Já passou da hora de assumirmos nossa responsabilidade 
com nossos mais novos. Em outra obra, apresentei os exemplos do pro-
fessor Pretextato dos Passos e Silva, da Frente Negra Brasileira, do Teatro 
Experimental do Negro, de Abdias Nascimento com Quilombismo e de Manoel 
de Almeida Cruz com a Pedagogia Interétnica. Ao longo de nossa história 
no Brasil, as gerações mais velhas sempre tiveram consciência de sua res-
ponsabilidade em educar as gerações mais novas. 
No entanto, quase quatrocentos anos de escravidão e mais um século 
de política de embranquecimento nos introjetou o complexo de inferioridade, 
pressionando-nos a abandonar nossas raízes, além de destruir nossos pro-
cessos de socialização. Perdemos a consciência de que somos uma família. 
Como bem colocou Asa Hilliard: 
tentativas sólidas e estratégicas foram feitas no sentido 
de usar as estruturas educacionais para destruir a “consci-
ência crítica”, alienar os africanos da tradição e uns dos outros, 
ensinar inferioridade africana e superioridade europeia 
(Hilliard, 2007, p. 6 ).
Assim, devemos ter consciência de que esta responsabilidade não deve 
ser transferida para ninguém. Muito menos a um Estado comprometido his-
toricamente com práticas genocidas contra nosso povo. Como disse Jacob 
Carruthers:
19
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Devido ao sinistro projeto eurocêntrico de educação para 
nossa juventude negra, devemos considerar como ques-
tão de senso comum a educação afrocentrada. (Rejeitarei 
sem comentar a absurda noção que um currículo universal 
é a solução.) Vamos agora deixar o caso um pouco mais claro.
A crise endêmica na educação negra é a base do que Bobby 
Wright chama de “Mentecídio”3. Mentecídio é a fase mais 
sofisticada da estratégia de guerra dos supremacistas brancos 
contra a raça negra. Se perdermos esta guerra não haverá 
mais problemas na educação negra, nem educação negra 
e nem negros. [...] Se quisermos vencer a guerra contra 
o supremacismo branco, se quisermos viver, então devemos 
tirar a educação das mãos de nossos inimigos. Nós devemos 
construiu a verdadeira educação africana sobre uma base 
revigorada. Somente uma educação afrocentrada oferece 
esta base (Carruthers, 1999, p. 260).
Diante do exposto, penso ser evidente que somente é possível resolver-
mos nosso problema educacional através da recriação de nossos processos 
de transmissão intergeracional. 
3. EDUCAÇÃO QUILOMBISTA (AFROCÊNTRICA)4 
Consciente de que o racismo e o genocídio, historicamente, são ele-
mentos estruturantes da sociedade brasileira, Abdias Nascimento entendia 
que a resposta amefricana à guerra desencadeada pelos brancos deveria 
ser baseada na valorização e criação das instituições embasadas nas tradições 
e experiências oriundas do mundo africano e afro-brasileiro. 
3 As aspas são do original.
4 A argumentação desta seção é inspirada na segunda seção de meu artigo: ‘A Herança Cultural 
dos Africano-Brasileiros e a Educação Quilombista’ In: Elaine Pedreira Rabinovich; Cinthia 
Barreto Santos Souza; Júlio Cézar Barbosa; Rita da Cruz Amorim; Carla Verônica Albuquerque 
Almeida; Sinara Dantas Neves. (Orgs.). Objetos de Família: Vozes e Memórias. 1ed. Curitiba: 
CRV, 2019, v. 2, p. 165-184.
20
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Dentre as inúmeras contribuições oferecidas por este gigante da diás-
pora africana, o conceito de Quilombismo encontra um lugar proeminente, 
visto que permite recuperar nossa memória além de oferecer os elementos 
necessários para continuar a existência do ser africano no Brasil. Vejamos 
suas palavras: 
O Quilombismo se estruturava em formas associativas 
que tanto podiam estar localizadas no seio das florestas 
de difícil acesso que facilitava sua defesa e sua organização 
econômico-social própria, como também modelos de organi-
zações permitidas ou toleradas, frequentemente com osten-
sivas finalidades religiosas (católicas), recreativas, beneficen-
tes, esportivas, culturais ou de auxílio mútuo. Não importam 
as aparências e os objetivos declarados: fundamentalmente 
todas elas preencheram uma importante função social para 
a comunidade negra, desempenhando genuínos focos 
de resistência física e cultural. Objetivamente, terreiros, cen-
tros, tendas, afoxés, escolas de samba, gafieiras foram e são 
os quilombos legalizados pela sociedade dominante; do outro 
lado da lei se erguem os quilombos revelados que conhe-
cemos. Porém tanto os permitidos quanto os “ilegais” for-
mam uma unidade, uma única afirmação humana, étnica 
e cultural, a um tempo integrando uma prática de libertação 
e assumindo o comando da própria história. A este complexo 
de significações, a esta práxis afro-brasileira, eu denomino 
quilombismo (Nascimento, 1980, p. 255). 
Para Nascimento, essa práxis africano-brasileira, que permitiu aos nos-
sos antepassados resistir aos ataques genocidas dos brancos brasileiros 
e afirmar a dignidade africana, não poderia ser viabilizada de modo efetivo 
sem a restauração de nossa memória. Recorrendo aos trabalhos de pensa-
dores do mundo africano – como a obra de Cheikh Anta Diop, The African 
Origin of Civilization: Myth or Reality –, Nascimento sustentava que nossa 
história não começou com a maafa, o holocausto da escravidão. A histó-
21
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
ria dos amefricanos do Brasil é parte da história africana e, dessede conexões internas (relação com os textos – 
escritos e orais) e externas (provocadas pelas associações do leitor), o leitor 
constrói toda uma realidade mental que não está explícita no texto, embora 
fundamental para compreendê-lo. 
Partindo do que discutimos, até o momento, cabem indagações sobre 
se determinadas práticas discursivas, intertextualmente conectadas, mantêm 
ou rompem práticas sociais abusivas, provocadoras de dor e sofrimento, impe-
dem ou favorecem uma convivência pacífica e democrática em sociedade. 
Podemos nos referir a determinados problemas/patologias sociais como 
exemplos dessas práticas discursivas de abuso de poder: miséria, pobreza, 
racismo, fome, fascismo e feminicídio. Também é possível inferir que uma alte-
ração na estrutura intertextual de determinado discurso acarretará mudanças 
em sua pertença a uma determinada ordem do discurso, podendo alterar 
também práticas sociais enraizadas historicamente. Mudanças na sociedade 
provocam mudanças na sua representação intertextual, assim como a reor-
ganização da intertextualidade possibilitará novas formas de compreensão 
da realidade. 
23 [...] the behaviours of real readers in relation to intertextual referencing, both in terms of the links 
and associations they make of their own volition and what they do when presented with referen-
ces in a text.
170
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
3. METODOLOGIA
Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa (Santade, 2014) e inter-
pretativista (Ribeiro et al. 2023; Andrade; Castello; Nascimento 2022; Bortoni-
Ricardo 2008; Schwandt 2006), pois a pesquisa interpretativista coloca 
em primeiro plano as investigações sobre as ações humanas e seus discur-
sos no contexto específico de sua produção. A coleta de dados classifica-se 
como documental, concentrando a coleta em livros, artigos científicos, teses, 
dissertações, websites, entrevistas em diversos canais de YouTube e esse tipo 
de coleta é “recurso capaz de auxiliar na compreensão de um fenômeno” 
(Ribeiro et al. 2023, p. 3). Através da metodologia utilizada foi possível abalizar 
a discussão teórica e realizar uma análise crítica discursiva, numa perspec-
tiva intertextual, acerca das questões temáticas em duas músicas do grupo 
Racionais MC’s.
 3.1 ANÁLISE DO CORPUS
Aqui estou, mais um dia
Sob o olhar sanguinário do vigia
Você não sabe como é caminhar 
com a cabeça na mira de uma HK
Metralhadora alemã ou de Israel
Estraçalha ladrão que nem papel
Na muralha, em pé, mais um cidadão José
Servindo o Estado, um PM bom
Passa fome, metido a Charles Bronson
Ele sabe o que eu desejo
Sabe o que eu penso
O dia tá chuvoso, o clima tá tenso
Vários tentaram fugir, eu também quero
Mas de um a cem, a minha chance é zero.
O drama da cadeia e favela
Túmulo, sangue, sirene, choros e velas
Passageiro do Brasil, São Paulo, agonia
Que sobrevivem em meio às honras e covardias
Periferias, vielas, cortiços
Você deve tá pensando
O que você tem a ver com isso?
Desde o início, por ouro e prata
Olha quem morre, então
Veja você quem mata
Recebe o mérito a farda que pratica o mal
Me ver pobre, preso ou morto já é cultural
Histórias, registros e escritos
Não é conto nem fábula, lenda ou mito
 Quadro 1 – Música Diário de um detento Quadro 2 – Música Negro Drama
17 1
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A primeira música foi lançada em 1997 e relata a rotina de um detento, 
negro e jovem, que está em um presídio do estado de São Paulo (“Aqui estou, 
mais um dia. Sob o olhar sanguinário do vigia”). O relato do detento na música 
possibilita a reconstrução de uma rica rede intertextual, que viabiliza críti-
cas e denúncias num contexto de uma das maiores populações prisionais 
do mundo. No mesmo ano em que a música foi lançada, em 1997, a Campanha 
da Fraternidade, lançada pela Igreja Católica do Brasil, optou pelo tema “A 
Fraternidade e os Encarcerados” e o lema foi “Cristo liberta de todas as pri-
sões”. Naquela ocasião, o Brasil registrava uma população prisional de 129.169 
presos, na maioria negros e periféricos. O Brasil em 2014, ou seja, há 10 anos, 
já contava com a quarta maior população carcerária do mundo. 
Em 2017, vinte anos após a campanha da fraternidade, tínhamos mais 
de 650 mil pessoas presas no Brasil com o mesmo perfil: negros e periféricos. 
Podemos perceber que o “olhar sanguinário do vigia” pode ser estendido 
à representação dos órgãos de coerção do Estado em seu eficiente olhar 
direto, seletivo e violento por meio de políticas prisionais, que visam inten-
cionalmente à população negra. O negro e a negra são visados(as), a partir 
de um fundo branco, um fundo que os/as coloca em destaque, não como 
de preferência, mas de “sujeitos potencialmente perigosos e com necessidade 
de supervisão e controle”. A população negra é “aceita e incluída”, quando 
serve para algo, para gerar votos para um candidato, para encher determi-
nadas Igrejas e gerar lucros, para aumentar a venda de produtos de beleza, 
ou quando se trata de mobilizar um certo sentimento de compaixão, quando 
se abre vagas em empresas ou em universidades, para estudantes ou futuros 
candidatos à docência. Vale salientar que não há nenhuma unanimidade 
em relação a essa prática. (“Na muralha, em pé, mais um cidadão José ser-
vindo o Estado” e “Túmulo, sangue, sirene, choros e velas”). 
172
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
O Anuário Nacional de Segurança Pública de 2020 revelou que para 
cada não negro preso no Brasil em 2019, dois negros foram presos. Abaixo 
apresentamos um quadro com dados que apontam estatisticamente a reali-
dade de violência no Brasil e, por consequência (como foi mostrado acima), 
do sistema prisional nacional. O Anuário Nacional de Segurança Pública 
de 2023 mostra que o perfil das vítimas de mortes violentas intencionais 
não se altera significativamente de um ano para outro :
Figura 1 – Anuário Brasileiro de Segurança Pública, p. 31
Figura 2 – Anuário Brasileiro de Segurança Pública, p. 31
O mesmo Anuário (2023) indica que os jovens negros (pobres e peri-
féricos) são alvos preferenciais da letalidade policial e que 1/6 das vítimas 
de letalidade policial foi morta dentro de casa. Nestes casos, vale lembrar 
173
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
o trauma da execução de um membro de família, deixando marcas para 
a vida toda. Já o Atlas da Violência, publicado em junho de 2024 pelo Instituto 
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança 
Pública, aponta que, entre 2012 e 2022, os homicídios registrados somaram 
609.697, dos quais 445.442 das vítimas eram pretos e pardos, contabilizando 
73% do total de pessoas mortas no Brasil. Sem dúvida, estamos falando 
de um genocídio, de um genocídio da população negra, quer dizer, a história 
do Brasil não mudou, a matança dos negros e das negras continua. (“Olha 
quem morre, então veja você quem mata” e “Me ver pobre, preso ou morto 
já é cultural”).
Em 2020, dados da Rede de Observatórios da Segurança (grupo 
de estudos sobre violência nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, 
Ceará e Pernambuco) revelou que os negros (pretos e pardos) representam 
75% dos mortos pela polícia. Tais dados dialogam intertextualmente com os 
trechos das músicas do rap do grupo: “Você não sabe como é caminhar com a 
cabeça na mira de uma HK” e “Recebe o mérito a farda que pratica o mal ”.
Conforme dados do governo federal de 2023, através da Secretaria 
Nacional de Políticas Penais24, a população prisional do Brasil em celas físi-
cas é em média de 644.794 e 190.080 em prisão domiciliar. Uma reportagem 
da Folha de São Paulo25, datada de 20 de julho de 2023, afirmava que a 
população prisional no Brasil havia batido novo recorde: 832.295 presos. 
A saga da população negra e periférica no Brasil em busca de segurança 
física, oportunidades de vida digna, oportunidades de melhores condições 
de moradiae educação é sabotada e esses crescentes números traduzem 
24 Disponível em https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-
levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023 
Acesso em 09 de junho de 2024.
25 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/07/brasil-tem-832-mil-presos-
populacao-carceraria-e-maior-que-a-de-99-dos-municipios-brasileiros.sh Acesso em 09 de 
junho de 2024.
https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023 
https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023 
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/07/brasil-tem-832-mil-presos-populacao-carceraria-e-maior-que-a-de-99-dos-municipios-brasileiros.sh
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/07/brasil-tem-832-mil-presos-populacao-carceraria-e-maior-que-a-de-99-dos-municipios-brasileiros.sh
174
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
a realidade de uma população permanentemente perseguida e historicamente 
encarcerada, em referência ao passado recente escravagista do país. 
De acordo com o CNJ, Conselho Nacional de Justiça, atualmente, 
o Brasil possui a terceira maior população prisional do mundo em termos 
absolutos. Dentro dessa assombrosa estatística, há outra estatística, igual-
mente assombrosa: 68,2% dessa população carcerária é composta de negros 
e pardos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). 
Metaforicamente, essas realidades densas podem ser percebidas no trecho 
da música dos Racionais MC’s: “Vários tentaram fugir, eu também quero, 
mas de um a cem, a minha chance é zero”. 
Quando a música ‘Negro Drama’ destaca em uma de suas passagens 
“o drama da cadeia e favela ”, nivela semelhantemente a experiência de sofri-
mento na cadeia e na favela. Os mesmos males sociais são conhecidos 
e vivenciados nos dois ambientes (violência policial, o permanente ambiente 
de medo, desesperanças, dificuldades de acesso aos ambientes educacionais, 
de saúde e de lazer), em diferentes graus. A letra realiza sutis alusões intertex-
tuais ao processo histórico do Brasil que, após 388 anos de escravidão negra, 
por pressões econômicas e política externas, oficializa em documento o fim 
da escravidão negra no Brasil. Essa oficialização inicia uma jornada de um 
violento escanteio geográfico rumo à invisibilidade desses corpos e que lan-
çou essa enorme população para os morros. Os negros são lançados a sua 
própria sorte e sem nenhum suporte e políticas públicas que os integrem 
socialmente. Não houve a oferta de educação, nem de participação política 
e tampouco de oportunidades econômicas, pois, mais uma vez, tratava-se 
de ausências, vazios, não-destinatários. (Histórias, registros e escritos. Não é 
conto nem fábula, lenda ou mito).
Muitos estudiosos da história do Brasil e muitos institutos de pesquisa 
já apontaram que aqueles algozes da escravidão, e que fizerem com ela 
fortunas, foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e sobrevi-
175
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
vência dos recém libertos (Você deve tá pensando o que você tem a ver com 
isso?). Tal postura é uma realidade até hoje no Brasil que, através da pressão 
de diversos movimentos sociais, de políticas internas e externas, tenta empla-
car e institucionalizar programas de reparação histórica em todos os setores 
da sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos perceber a valiosa contribuição do rap na denúncia aos abu-
sos cometidos contra a população periférica brasileira bem como no apoio 
aos movimentos sociais. O rap mobiliza mensagens de apoio, solidariedade 
àqueles que sofrem discriminações, denuncia o racismo e o cotidiano de vio-
lência da periferia, bem como luta por um espaço social mais justo e seguro. 
Essa prática social musical, que ganhou mais força no contexto de redemo-
cratização do Brasil, levanta bandeiras antirracistas, denuncia o genocídio 
negro, o abandono por parte do Estado e o violento processo de invisibilização 
da vida e do modo de ser do morador da periferia.
A rua grita suas dores, exige seus direitos e exibe resistência. Direito 
de viver. Direito de ir e vir. Direito a comer. Direito a prosperar. Direito 
a envelhecer. Direito a ter direitos. O rap fermenta a contestação social, 
a formação crítica e política, e agiganta as falas daqueles que sobrevivem 
cotidianamente nas periferias do Brasil quase como um processo 
de sorte, dada às possibilidades reais de ser assassinado. O rap alerta 
e conscientiza a população para a necessidade de lutar por políticas 
públicas de enfrentamento ao racismo com descrição do que de fato ocorre 
no cotidiano da população negra periférica.
As músicas e letras dos Racionais MC’s representam uma forma peculiar 
de confrontar os jovens da periferia com as dificuldades que enfrentam 
176
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
e vivem, convidam a um mergulho no cotidiano marcado por violência e desi-
gualdade social. Mas, além disso, assumem um importante papel na forma-
ção social, política, cultural e psicológica. O rap provoca uma transformação 
no modo de pensar e agir, pois convida os seus ouvintes a uma reflexão crítica 
sobre a vida, seja ela pessoal, social ou política. Trata-se de uma verdadeira 
prática social, pois oferece um referencial categórico de análise da reali-
dade, um autêntico “Raio X do Brasil”, ao mesmo tempo que mobiliza forças 
de mudança social e política. 
A letra é um reflexo da própria vida; é a linguagem da vida da periferia, 
é uma letra que sofre, que sangra, que é violentada e violenta, que é contestada 
e contesta, que é transgredida e transgride, que desobedece e faz desobede-
cer. É uma verdadeira prática de desobediência civil, de enfrentamento de uma 
ordem estabelecida e que deve ser enfrentada e transformada.
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181
USO DAS NARRATIVAS DA RELIGIOSIDADE 
AFRO-BRASILEIRA NA EDUCAÇÃO 
BÁSICA: OS DESAFIOS DA RECEPÇÃO
“É importante viver a diversidade em todas as instâncias 
da vida, entendo que só convivendo com a pluralidade que efe-
tivamente crescemos com ela ” . 
(Pinheiro, 2023, p. 125).
Kilza Maria de Melo Pascoal
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Autobiografias, 
Racismos e Antirracismos na Educação (Gepar-UFPE)
Integrante do Balé da Cultura Negra do Recife
182
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, o negro teve sua cultura e história negadas, o que 
resultou na invisibilização da literatura de autoria negra. Com a valorização 
dos textos considerados clássicos, qualquer interpretação de mundo que se 
afastasse daquela legitimada pela cultura eurocêntrica, como os textos de auto-
ria negra, seria descartada pela crença na incapacidade de formular conteúdos 
capazes de reforçar os valores dominantes. Por causa disso, as heranças 
culturais afrodescendentes e africanas sofreram no campo literário pela 
marginalização do negro e seus descendentes e pelo desinteresse em uma 
produção literária que, na maioria das vezes, tinha como base a oralidade.
De acordo com Grosfoguel (2016), o racismo e o sexismo epistemológicos 
são grandes problemas da sociedade contemporânea que privilegia apenas 
projetos imperiais/patriarcais/coloniais e inferioriza o conhecimento produzido 
por outros corpos políticos. Uma das formas de conhecimento produzidas 
por muitas sociedades é a narrativa oral, disseminada através da narração 
ou “contação” de histórias. Diante do fato de se transmitir o conhecimento 
de forma oral, algumas autoras e autores adotaram o termo “oralitura” para 
se referir a essa prática.
A “oralitura” foi um termo mencionado pela escritora Ana Maria Gonçalves 
em uma entrevista concedida ao programa Arte 1 ComTexto: Encontros lite-
rários, no ano de 2019, para fazer referência à literatura produzida de forma 
oral, muito comum em países africanos de territórios rurais, onde as pessoas 
se valem das narrativas para transmitir seus conhecimentos e ensinamentos.
Partindo dessas questões, este capítulo apresenta uma prática peda-
gógica realizada em uma escola da rede privada em Recife-PE, envolvendo 
uma turma do sexto ano do Ensino Fundamental II. O objetivo é discutir 
a demonização da religiosidade de matriz africana e refletir sobre a impor-
183
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
tância de abordar, no ambiente escolar, temas relacionados à cultura e à 
história africana e afro-brasileira. Através desta abordagem, buscou-se des-
tacar a relevância de uma educação inclusiva e multicultural, que promova 
a compreensão e o respeito pelas diversas manifestações culturais presentes 
na sociedade brasileira.
A prática adotou como metodologia o reconto de narrativas da religio-
sidade afro-brasileira, visando investigar o processo de recepção dos alunos. 
Considerou-se o fato de que a mitologia de matriz africana está presente 
na vida das pessoas que vivenciam a diáspora africana no Brasil e que sofrem 
com a intolerância religiosa, decorrente dos preconceitos historicamente 
construídos em relação à sua religiosidade.
1 .A MITOLOGIA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NOS LIVROS DIDÁTICOS
O racismo religioso, oriundo da atribuição de características negativas 
a um determinado grupo étnico, que teve início no período de colonização, 
persiste até os dias atuais. Ao contrário do que se pensa, ele ainda é visto 
com normalidade tanto por brancos quanto por não brancos. De acordo com o 
teórico Antônio Esteves (2010), sempre interpretamos as coisas de acordo 
com nosso ponto de vista e essa interpretação está relacionada ao tempo 
em que vivemos e a nossa releitura dos fatos .
Nesse sentido, a demonização da literatura que tematiza a religiosidade 
de matriz africana é construída a partir da proliferação de discursos que infe-
riorizam o negro e sua religiosidade, pois, conforme Grosfoguel (2016, p. 36):
Ao contrário do que atesta o senso comum contemporâ-
neo, o“racismo de cor”não foi o primeiro discurso racista. 
O “racismo religioso” (“povos com religião” versus “povos 
sem religião” ou “povos com alma” versus “povos sem alma”) 
184
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
foi o primeiro elemento racista do“sistema-mundo patriarcal, 
eurocêntrico, cristão, moderno e colonialista”.
As práticas discriminatórias no ambiente educacional nem sempre 
se manifestam de forma explícita, sendo frequente a tentativa de obstruir 
ou dificultar a inserção de temáticas relacionadas à negritude. Antes mesmo 
da promulgação da Lei 10.639/2003, o pesquisador e historiador Cunha 
Júnior (1997, p. 67) já destacava que “a ausência da História Africana é uma 
das lacunas de grande importância nos sistemas educacionais brasileiros”.
As convicções de superioridadeem relação à cultura e à religiosidade 
africana e afro-brasileira revelam uma propagação de inverdades que, na maio-
ria das vezes, contribuem para a disseminação do ódio e da intolerância reli-
giosa. Cássio (2019) observa que o racismo religioso constitui um dos nichos 
de violência mais prevalentes em nosso cotidiano, sendo também um dos 
mais desafiadores de combater. Ele explica que essa violência se fundamenta 
na recusa da diferença e, muitas vezes, é perpetrada por indivíduos que adotam 
uma postura salvacionista ao cometer atos de intolerância ou discriminação.
Eis que surge a Lei nº 10.639/03, posteriormente alterada pela Lei nº 
11.645/08, a qual estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura 
afro-brasileira e africana em todas as escolas do país, sejam elas públicas 
ou particulares, abrangendo desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. 
Essa legislação representa um direcionamento à valorização e ao reconhe-
cimento dessas culturas. No entanto, apesar da importância e do potencial 
transformador da lei em questão, pouca coisa mudou, pois o material didático 
disponível nas escolas ainda é bastante escasso, o que delega ao professor 
a responsabilidade de buscar esse material e torná-lo acessível aos alunos .
Em uma análise detalhada realizada nos livros literários recebidos pelos 
alunos do Ensino Fundamental II em uma escola privada, localizada na cidade 
de Recife-PE, percebeu-se uma grave falha no atendimento às propostas 
da Lei nº 10.639/2003. Nenhum dos livros fornecidos aos alunos atendia essa 
185
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
legislação que exige a inclusão da história e cultura afro-brasileira e africana 
no currículo escolar. A análise revelou que o acervo literário era composto 
apenas por obras consideradas clássicas, tais como "A Viuvinha", de José 
de Alencar, "O Alienista " e "A Mão e a Luva ", ambos de Machado de Assis .
Essas obras, embora importantes e de grande valor literário, atendem 
parcialmente à necessidade de representar e valorizar a diversidade cultu-
ral brasileira, em especial a herança afro-brasileira. De acordo com Gomes 
e Martins (2010, p. 45), a escola é “uma das instituições sociais responsáveis 
pela construção de representações positivas e de superação de estereóti-
pos que recaem sobre certas diferenças”. Isso destaca a importância crucial 
da escola em abordar temas referentes à negritude. A não inclusão desses 
temas constitui uma forma de discriminação, pois considera a disseminação 
dessas temáticas como conteúdo de pouca relevância.
Na turma em que ocorreu a prática pedagógica, observou-se que o 
livro didático dos alunos apresentava alguns elementos visuais limitados 
e estereotipados referentes à representação do negro, consistindo princi-
palmente em personagens do folclore brasileiro, como o Saci-Pererê e a 
Mula Sem Cabeça. Não havia, por exemplo, fragmentos de textos de autoria 
negra, nem textos que tratassem diretamente das contribuições dos negros 
à sociedade brasileira ou suas vivências e perspectivas. Essa lacuna eviden-
cia uma falta de representatividade e reconhecimento das narrativas negras 
no material educacional.
Entretanto, no capítulo destinado à apresentação e à caracterização 
dos gêneros mitos e lendas, além da presença de mitos indígenas, o livro 
também incluiu o mito de Oxóssi. Essa inclusão foi uma exceção valiosa 
que permitiu aos educadores a oportunidade de apresentar aos alunos alguns 
aspectos importantes da mitologia dos orixás. Essa abordagem possibilitou 
discussões sobre o sincretismo religioso entre os santos da igreja católica 
e os orixás, uma característica marcante da religiosidade afro-brasileira. Além 
186
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
disso, abriu espaço para debates sobre a intolerância religiosa e a importância 
de respeitar e valorizar todas as crenças.
A presença do mito de Oxóssi no material didático também permitiu 
que se tratasse das diversas contribuições e elementos da africanidade 
na construção da identidade brasileira. A partir do reconto desse mito, foi pos-
sível introduzir os alunos aos estudos sobre a mitologia africana, destacando 
a importância da oralidade e da tradição cultural dos povos africanos. A prá-
tica pedagógica, portanto, revelou-se essencial para promover a valoriza-
ção da diversidade cultural e combater preconceitos, tornando a educação 
um instrumento de transformação social .
No manual do professor, o autor evidenciou sua preocupação com a 
representação da literatura africana e afro-brasileira, a fim de romper com os 
possíveis preconceitos ao sugerir textos relacionados à prática do candomblé, 
incluindo o livro Mitologia dos Orixás, do sociólogo Reginaldo Prandi (2000). 
Entretanto, o acesso a esse material ainda não é democratizado e nem tudo 
está disponível de forma gratuita na internet. De acordo com Roger Chartier 
(2018, p. 122), “a comunicação eletrônica é o mundo da superabundância 
textual, cuja oferta é maior que a capacidade de apropriação dos leitores”.
Além da complexidade de abordar a temática nas escolas, enfrenta-se 
o desafio adicional da vasta disponibilidade de materiais, muitos dos quais 
carecem de verificação quanto à veracidade de suas fontes. Essa situação 
coloca o professor imerso em um mar de informações, sem um porto seguro 
ou um farol que o guie .
No final de 2020, o material didático utilizado pela escola em que foi rea-
lizada a prática passou por uma reformulação significativa, durante a qual 
foi notada a remoção da única referência à religiosidade de matriz africana. 
Essa exclusão levanta questionamentos sobre a possibilidade de ser uma ten-
tativa deliberada de apagar ou marginalizar uma literatura que é considerada 
inferior por alguns segmentos da sociedade.
187
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A preocupação em valorizar a história, a cultura e a religiosidade 
dos povos africanos e afro-brasileiros é uma questão relevante para os pro-
fessores comprometidos com a implementação efetiva da Lei nº 10.639/2003. 
No entanto, eles enfrentam desafios consideráveis ao tentar desconstruir 
o preconceito arraigado e construir um ambiente educacional que promova 
genuinamente a tolerância religiosa. Além disso, uma seleção de materiais 
e metodologias adequadas torna-se uma tarefa complexa, especialmente 
diante da predominância de perspectivas eurocêntricas no conjunto de recur-
sos disponíveis.
Embora o Brasil tenha oficialmente reconhecido a contribuição cultural 
dos negros escravizados para a formação e caracterização do país, é inegável 
que a narrativa dominante continua sendo eurocêntrica. Conforme destacado 
por Cosson (2020, p. 34), “é preciso entender a literatura para além de um 
conjunto de obras literárias valorizadas como capital cultural de um país. 
A literatura deveria ser vista como um sistema composto de tantos outros 
sistemas”.
Dessa forma, faz-se necessária uma revisão abrangente dos conheci-
mentos considerados válidos até então, com o intuito de reconhecer e legitimar 
plenamente a riqueza da literatura africana, frequentemente relegada a um 
status inferior e marginalizada nos currículos escolares. Esse esforço conjunto 
é essencial para ampliar o espaço dedicado à diversidade cultural no ambiente 
educacional e para promover uma educação capaz de refletir a riqueza e a 
complexidade da sociedade brasileira.
2. HISTÓRIAS DA MITOLOGIA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NA SALA DE AULA
A oralidade é uma marca da identidade de alguns países, como por exem-
plo, países africanos da lusofonia, os quais compartilham a mesma língua e sofre-
188
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
ram influência da cultura portuguesa, como Angola, Cabo Verde, Moçambique, 
dentre outros. Ao contrário do Brasil, onde as narrativas orais não são ampla-
mente valorizadas, na cultura de muitos países africanos, a narração de histórias 
é umaprática social, trata-se de uma forma de perpetuar os costumes e manter 
viva a memória, a história e a cultura de determinado povo, pois, de acordo com o 
contador de histórias africano Boniface Ofogo Nkama (2012, p. 247), “a palavra 
falada faz parte de nossos traços de identidade. Não somos nada sem ela”.
Os contadores de histórias, ou griots, são considerados os guardiões 
da palavra e representam uma figura de alta importância dentro das comuni-
dades africanas por narrarem as conquistas e transmitirem os ensinamentos 
de seus antepassados. De acordo com o escritor e griot malinês Amadou 
Hampaté Bà, “em África, quando morre um ancião arde uma biblioteca, 
desaparece uma biblioteca inteira sem que as chamas acabem com o papel” 
(Hampaté Bà, s.d.). O autor destaca a grande importância que é dada à tra-
dição oral no continente africano e à transmissão oral dos conhecimentos.
Por estarem mais presentes nas comunidades rurais, as narrativas orais 
frequentemente são subestimadas em comparação com as formas escritas 
de expressão. Apesar da existência de documentos oficiais na educação e de 
abordagens pedagógicas que defendem o uso das narrativas orais no processo 
de ensino, ainda persiste uma resistência em incorporá-las plenamente à sala 
de aula, tanto em contextos rurais quanto urbanos.
A prática secular de contar histórias é uma parte intrínseca do cotidiano, 
seja por meio de narrativas fictícias ou relatos baseados em experiências reais. 
No entanto, no ambiente escolar, as narrativas orais muitas vezes não rece-
bem a devida valorização, em parte devido a uma abordagem educacional 
que tende a ser rigidamente estruturada e influenciada por modelos tradicio-
nais de ensino ocidental, que priorizam a escrita e desconsideram a história 
contada e a origem do narrador.
189
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A utilização das narrativas orais da mitologia africana e afro-brasi-
leira na sala de aula desempenha um papel crucial como uma ponte entre 
o ensino e a herança cultural desses povos. Além de facilitar a compreensão 
do passado, essas narrativas contribuem significativamente para a valoriza-
ção da história, cultura e religiosidade da comunidade negra, cuja influência 
foi e continua sendo fundamental para a formação e identidade do Brasil. 
No entanto, é importante reconhecer que esse processo enfrenta desafios 
devido ao preconceito arraigado na sociedade, que muitas vezes marginaliza 
e menospreza essas expressões culturais.
Constituídas a partir de um processo coletivo, elas estiveram presentes 
em todas as civilizações, e mesmo surgindo da tradição de diversos povos, 
ainda assim compartilham semelhanças entre si, como é o caso da mitolo-
gia africana no Brasil, que compartilha realidades específicas e proporciona 
um enriquecimento cultural. Hall (2006, p. 50) define o multiculturalismo como:
O termo multiculturalismo é substantivo. Refere-se às estra-
tégias e políticas adotadas para governar ou administrar 
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas 
sociedades multiculturais. É usualmente utilizado no singular, 
significando a filosofia específica ou a doutrina que sustenta 
as estratégias multiculturais.
O termo multicultural trata de algo abrangente, entretanto, o conceito 
de Hall (2006) faz referência a uma estratégia que tem um sentido demo-
cratizador dentro do ambiente escolar. Ao refletir sobre a oralidade, e consi-
derando a variedade de culturas em uma determinada sociedade, Boniface 
Ofogo Nkama (2012, p. 263) afirma que :
Por seu aspecto marcadamente simbólico, por sua capa-
cidade de condensar as mensagens e por sua estreita 
relação com o imaginário dos povos, os contos (especial-
mente se nos referimos aos contos tradicionais) constituem 
190
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
uma das ferramentas mais eficazes para se trabalhar os valo-
res próprios de uma sociedade multicultural, bem como para 
transmitir outros valores como a paz, a amizade e o respeito 
aos idosos.
Tratar a oralidade de uma forma multicultural é uma maneira de promo-
ver a equidade social, reconhecer as diferenças e a individualidade de cada 
povo, etnia, como também atuar na luta contra as diversas formas de racismo.
Para Marcuschi (2008), a oralidade e a escrita estão interligadas, e é 
dever da escola promover o debate entre as duas modalidades de explicitação 
da língua. Entretanto, observa-se a marginalização da oralidade, que muitas 
vezes é compreendida como uma literatura menor, principalmente quando 
produzida por negros ou sobre negros. Portanto, é dever da escola criar 
estratégias que ofereçam recursos capazes de promover a equivalência 
no ato comunicativo.
A Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2018), que consiste em um 
documento de caráter normativo com a função de definir o conjunto orgânico 
e progressivo de aprendizagens indispensáveis a todos os alunos durante 
as etapas e modalidades da Educação Básica, institui o uso da oralidade:
(EF69LP46) Participar de práticas de compartilhamento 
de leitura/recepção de obras literárias/ manifestações 
artísticas, como rodas de leitura, clubes de leitura, eventos 
de contação de histórias, de leituras dramáticas [...] (BNCC, 
2018, p. 33).
Ainda que seja de competência da escola o desenvolvimento das práti-
cas orais, estas permanecem sendo desprezadas ou restritas apenas ao que 
é oferecido no livro didático, apoiado na ideia de universalismo, baseada 
no cânone ocidental. Para Cosson (2020, p. 34):
191
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Aceitar a existência do cânone como herança cultural 
que precisa ser trabalhada não implica prender-se ao passado 
em uma atitude sacralizadora das obras literárias. Assim 
como a adoção de obras contemporâneas não pode levar 
a perda da historicidade da língua e da cultura.
Sabe-se que o privilégio concedido aos homens brancos é real e ainda 
circula entre aqueles que validam o conhecimento, o que promove um “enges-
samento”, consagrando algumas obras que permanecerão sendo lembradas 
ao longo do tempo. Repensar na reestruturação do cânone ocidental não sig-
nifica a exclusão do existente, mas sim a valorização e a inclusão de minorias 
que sofrem com o apagamento e que recebem o rótulo da invisibilidade.
Baseadas na oralidade e com marcas da religiosidade, as narrativas 
africanas e afro-brasileiras refletem as marcas das experiências ao longo 
do tempo, preservam ensinamentos acerca da religião e da história. De acordo 
com Hampaté Bà (2003, p. 174-175):
Um mestre contador de histórias africano não se limitava 
a narrá-las, mas podia também ensinar sobre numerosos 
outros assuntos (…) O mesmo ancião (…) podia ter conhe-
cimentos profundos sobre religião ou história, como também 
ciências naturais ou humanas de todo tipo (...). E o ensina-
mento nunca era sistemático, mas deixado ao sabor das cir-
cunstâncias, segundo os momentos favoráveis ou a atenção 
do auditório.
Nesse sentido, o autor reflete acerca do processo de aprendizagem 
não se limitar apenas aos conhecimentos adquiridos na escola a partir 
da escrita, sendo esta considerada ainda como a única forma utilizada para 
registrar os conhecimentos. No entanto, é fundamental reconhecer que a 
aprendizagem vai além da simples transmissão de informações por meio 
da escrita.
192
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Quanto às escolas, estas, em sua maioria, desconsideram que assim 
como a escrita, narrar histórias é um ato complexo que não se limita apenas 
a memorizar ou inventar uma história através do reconto. O ato de narrar exige 
o domínio de certas técnicas e, muitas vezes, por dialogar com outras artes, 
exige conhecimentos específicos de outros campos. Além disso, a narrativa 
oral possui um papel central na transmissão de conhecimentos e valores 
culturais ao longo da história da humanidade.
Portanto, faz-se necessário repensar as práticas pedagógicas,a fim 
de que a escola busque a valorização da cultura oral e o respeito aos saberes 
ancestrais. Isso porque a história contada não é apenas uma narrativa, mas sim 
uma representação da identidade e da história de um povo. No continente 
africano, por exemplo, a história contada é uma verdade possível, um mundo 
possível. Não se mente quando se conta uma história, pois isso afetaria 
não apenas a vidado contador, mas toda a energia vital da comunidade.
Assim, ao valorizar a cultura oral, a escola não apenas enriquece o pro-
cesso educativo, mas também promove o respeito à diversidade cultural 
e contribui para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Afinal, 
reconhecer e valorizar os saberes ancestrais de um povo é fundamental para 
o fortalecimento e o empoderamento das comunidades.
3. RECEPÇÃO DOS ALUNOS ÀS NARRATIVAS AFRO-BRASILEIRAS
Os mitos africanos e afro-brasileiros não apenas transmitem narrativas 
ricas em valores como o respeito aos mais velhos, a preservação da natureza 
e o cultivo de uma relação harmoniosa com o meio ambiente, mas também 
oferecem uma visão de mundo que contrapõe a perspectiva negativa frequen-
temente associada a essas culturas. No entanto, é importante reconhecer que a 
recepção desses mitos nem sempre é uniformemente positiva, pois a leitura 
193
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
é um processo complexo influenciado por uma série de fatores, incluindo 
os esquemas mentais preexistentes, a época e o contexto cultural do leitor .
Como bem observou Navarreti (2011) ao refletir sobre as teorias 
de Chartier e a literatura, um mesmo texto pode ser interpretado de manei-
ras distintas por diferentes leitores, e a significação de uma obra vai além 
das intenções do autor. Isso significa que a forma como os mitos africanos 
e afro-brasileiros são recebidos e compreendidos está intrinsecamente ligada 
à bagagem cultural e às experiências individuais de quem os interpreta.
Na educação básica, a disponibilidade de produção literária que aborde 
essas temáticas ainda é limitada, principalmente na rede privada de ensino. 
Abordar aspectos culturais da população negra e discutir acerca da religio-
sidade africana e afro-brasileira nesse cenário é ter a certeza de que haverá 
obstáculos a serem enfrentados devido à persistente associação de malig-
nidade a tudo que tem origem na contribuição do povo negro. Ao refletir 
acerca da temática étnico-racial, Jaqueline Almeida (2016, p. 1) afirma que :
[…] apesar da vasta e promissora produção literária infanto-
juvenil que vem chegando às escolas, falar sobre a temática 
religiosa africana e afro-brasileira ainda significa percorrer 
um caminho tortuoso. Isso porque a imagem negativa 
e associação aos “mistérios malignos” estão presentes 
em diversos meios de expressão. Daí a importância de obras 
literárias que deem visibilidade e humanizem a experiência 
religiosa das populações negras .
Atender às propostas da Lei 10.639/2003 torna-se um desafio dentro 
de uma cultura que insiste em invisibilizar as experiências religiosas da popu-
lação negra, por considerá-las práticas primitivas e inferiores. Observa-se 
o reflexo disso na construção do material didático e na seleção das obras 
que norteiam os fragmentos textuais do material didático da maior parte 
das editoras do país, que se valem do cânone ocidental. Muitas vezes, esse 
194
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
cânone não faz parte do contexto de origem do leitor, o que irá garantir 
uma pluralidade de interpretações.
O leitor não branco certamente não se sentirá representado ao ler 
obras canônicas, pois estas são marcadas por disparidades sociais onde 
o negro quase sempre ocupa a posição de subalternidade. Isso pode levar 
uma criança negra a se sentir inferior por não compartilhar daquilo que é 
socialmente aceito com naturalidade pela sociedade na qual ela está inserida, 
ainda que esta seja resultante de uma miscigenação.
Com o objetivo de atender às propostas da lei que instaura a obriga-
toriedade da inserção de temáticas referentes à história e cultura africana 
e afro-brasileira no ambiente escolar, assim como abordar questões rela-
cionadas à religiosidade de matriz africana nas aulas de língua portuguesa 
e literatura, realizou-se um trabalho com as narrativas mitológicas com uma 
turma do sexto ano do Ensino Fundamental II de uma escola da rede privada 
da cidade do Recife-PE.
O trabalho foi iniciado quando a professora da turma em questão tes-
temunhou um aluno referindo-se à colega como "macumbeira". Esse acon-
tecimento desencadeou uma série de reflexões sobre as percepções e os 
preconceitos arraigados que permeiam a compreensão dos alunos em rela-
ção à religiosidade de matriz africana. Questionado sobre os motivos que o 
levaram a usar tal termo pejorativo, o aluno explicou que associava o colar 
de miçangas usado pela colega à prática da "macumba", um termo utilizado 
de forma pejorativa para se referir às religiões de matriz africana. Ele expres-
sou a crença de que tal objeto poderia atrair energias negativas, refletindo 
a falta de compreensão e respeito pelas crenças e práticas religiosas de outras 
culturas.
Essa situação deixou evidente a necessidade urgente de promover 
a educação intercultural e o respeito à diversidade religiosa desde os primeiros 
anos escolares. Foi perceptível que muitos alunos não estavam familiarizados 
195
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
com os aspectos das culturas africanas e afro-brasileira, o que contribuiu para 
a perpetuação de estereótipos e preconceitos. Conforme ressaltado por Jouve 
(2002), cada indivíduo traz consigo sua bagagem cultural e suas experiências 
de vida, o que influencia diretamente na forma como percebem e interpretam 
o mundo ao seu redor .
Com o intuito de criar um ambiente de diálogo e tolerância religiosa, 
a professora decidiu utilizar a música em yorubá Oro mi má como ponto 
de partida para uma discussão mais ampla sobre as religiões de matriz 
africana. No entanto, a reação dos alunos variou, desde o interesse genuíno 
até comentários preconceituosos e risos contidos. Essa diversidade de rea-
ções evidenciou a necessidade de abordagens mais inclusivas e sensíveis 
à diversidade cultural no ambiente escolar.
Ao oferecer uma tradução da música e conduzir uma conversa aberta 
sobre as divindades africanas, a professora procurou desconstruir estereótipos 
e promover o respeito mútuo entre os alunos. O reconto do mito de Oxóssi, 
orixá da caça e da fartura, presente no livro didático, foi uma oportunidade para 
os alunos ampliarem seus horizontes culturais e compreenderem a riqueza 
das tradições africanas e afro-brasileiras.
Durante o reconto do mito, os alunos se mostraram interessados e havia 
uma expectativa em relação à comparação das características utilizadas 
na caracterização do orixá com as ações do personagem dentro da narrativa. 
De acordo com Jauss (1994), o conhecimento prévio é um dos parâmetros 
que configuram a construção do horizonte de expectativas. Para o autor, 
o horizonte de expectativas se materializa em dois níveis: o do conhecimento 
que o leitor já possui e do que surgirá após a leitura. Portanto, a recepção 
se deu a partir dos conhecimentos prévios obtidos antes do reconto, o que 
possibilito um contato com a temática.
Após o reconto, iniciou-se uma discussão acerca das características 
do orixá e do significado da oferenda descrita no mito, além de um pequeno 
196
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
debate sobre a intolerância religiosa no Brasil. Percebeu-se que o contato 
com a narrativa da religiosidade de matriz africana provocou uma ruptura 
com o que os alunos sabiam sobre o tema, possibilitando uma nova percepção, 
diferente da que os leitores tinham como convicção. De acordo com Lima 
(2019, p. 176),
[...] a interpretação e compreensão da obra literária pelo 
leitor se realizampelo valor significativo e subjetivo dela, 
pois nem sempre o texto se mostrará como novidade ou algo 
prévio, podendo se manifestar como desconhecido, forçando-
lhe a entendê-lo, por não abordar aquilo que o receptor 
já conheça, ou mesmo ser contrária aos valores e normas 
culturais dele, já que os horizontes de expectativa tanto 
da obra quanto do leitor se chocam, havendo uma percepção 
e alargamento de conhecimento do receptor para dentro 
da obra ou resistência dele, construindo uma nova visão 
crítica perante o que foi lido e de si mesmo .
A partir da prática do reconto e do debate sobre a temática, observou-
-se que, para a grande parte dos discentes, a temática mostrou-se como 
algo desconhecido, apesar de fazer parte da cultura e religiosidade do povo 
brasileiro. Para eles, tratou-se de um novo conhecimento, que provocou 
uma ruptura de horizontes de expectativas e foi assimilado a partir de seus 
conhecimentos prévios. Para aqueles que já possuíam alguma afinidade com a 
temática, a prática colaborou para expandir seus horizontes de expectativa. 
De acordo com Lima (2019, p. 178):
A obra dialoga com o leitor pelas semelhanças vividas, 
ou mesmo pela curiosidade despertada pelos assuntos 
do texto, que ampliam seu repertório e conhecimento histórico, 
cultural e social, pois ela propicia prazer, fruição estética 
por meio da leitura.
197
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Dessa forma, observa-se que a relação entre o leitor e a obra não se 
restringe apenas ao entendimento dos acontecimentos históricos, mas também 
é influenciada pelo contexto social e cultural ao qual o leitor está inserido. Isso 
demonstra a dinamicidade da interpretação ao longo do tempo, pois é natural 
que novas perspectivas e entendimentos surjam em diferentes momentos 
e contextos de leitura. Portanto, é importante destacar que o passar do tempo 
não apenas molda novas interpretações de um texto, mas também reflete 
as mudanças sociais e a visão de mundo dos leitores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mitologia de matriz africana sempre esteve presente na vida das pes-
soas que vivem a diáspora africana no Brasil. Esses povos sempre produziram 
literatura, entretanto, de forma oral, a “oralitura”. Através dessa tradição oral, 
transmitiram-se não apenas histórias, mas todo um complexo de valores, sabe-
res e crenças que permearam suas vidas e comunidades. No entanto, devido 
ao apagamento sistemático da cultura, da religiosidade e do conhecimento 
científico afro-brasileiros ao longo da história do país, os saberes africanos 
tornaram-se desconhecidos para grande parte da população brasileira. Esse 
processo de apagamento e marginalização contribuiu para a perpetuação 
de estereótipos e preconceitos, alimentando um quadro de desigualdade 
e discriminação.
A luta pela decolonização do pensamento ainda segue buscando forças 
para vencer um critério de seleção que tenta resistir e silenciar vozes. Apesar 
dos avanços legislativos, como a Lei nº 10.639/03, que torna obrigatório 
o ensino de temáticas voltadas para a história e a cultura africana e afro-bra-
sileira nas escolas públicas e particulares, do Ensino Fundamental ao Ensino 
Médio, ainda há muitos desafios a enfrentar. O material didático disponível 
198
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
é frequentemente insuficiente e pouco diversificado, refletindo uma lacuna 
na formação inicial e continuada dos professores.
Durante a prática, observou-se que a ausência de referências à negritude 
nos livros didáticos não apenas compromete a equidade social, mas também 
atua na perpetuação da discriminação racial e religiosa. É fundamental repen-
sar as práticas educacionais para que promovam a valorização da oralidade 
e da diversidade cultural, contribuindo assim para a construção de uma 
sociedade mais inclusiva e igualitária.
Em relação à metodologia do reconto proposto como forma de aplicação 
da Lei nº 10.639/03, percebeu-se que a recepção das narrativas da oralidade 
africana e afro-brasileira variou entre os alunos da mesma turma. Isso evidencia 
a complexidade da interpretação e o papel fundamental do contexto pessoal 
e cultural na compreensão de textos literários. Um mesmo texto pode susci-
tar interpretações diversas e enriquecedoras, especialmente quando se trata 
de narrativas que carregam consigo camadas de significado cultural e histórico.
Por fim, a prática proporcionou aos alunos não apenas o contato com a 
cultura do outro, mas também a oportunidade de questionar suas próprias 
concepções sobre espiritualidade, identidade e diversidade. Ao explorar 
os mitos africanos e afro-brasileiros, os estudantes puderam ampliar seus 
horizontes e compreender que a espiritualidade é uma dimensão complexa 
e multifacetada, que se manifesta de maneiras diversas em cada sociedade 
e indivíduo.
199
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
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201
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES 
ÉTNICO-RACIAIS: RELATO DE 
EXPERIÊNCIA DOCENTE NO CURSO 
DE HISTÓRIA DA UNICAP (2024)
Leandro Nascimento de Souza
Universidade Católica de Pernambuco
Professor da graduação e do Programa de Pós-graduação em História/UNICAP
Maria do Rosário da Silva
Universidade Católica de Pernambuco
Professora da graduação e do Programa de Pós-graduação em História/UNICAP
202
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO 
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações 
Étnico-Raciais, instituídas em 2004, estabelecem orientações para que as 
escolas, públicas e privadas, promovam uma educação inclusiva e antirracista. 
A partir da Lei nº 10.639/2003, que introduziu o ensino de História e Cultura 
Afro-Brasileira e Africana, as diretrizes reforçam a importância de desenvolver 
práticas pedagógicas que valorizem a diversidade e combatam o racismo 
no ambiente escolar. Essas diretrizes são fundamentais para a construção 
de uma sociedade mais justa, pois incentivam a valorização das contribuições 
dos afrodescendentes na formação do Brasil e promovem o respeito às identi-
dades étnico-raciais. Ao transformar o espaço educacional, elas ajudam a criar 
uma base de reconhecimento e respeito que é crucial para a inclusão social 
e a equidade racial. Essa iniciativa, complementada pela Lei 11.645/2008, 
que incluiu a história e cultura indígena, visa não só corrigir a invisibilidade his-
tórica desses grupos, mas também combater o racismo e promover uma visão 
pluralista da sociedade brasileira. A importância da educação para as relações 
étnico-raciais reside em seu papel transformador, fornecendo ferramentas 
para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa, desafiando 
a colonialidade do saber e promovendo uma maior compreensão das estru-
turas raciais que permeiam as instituições sociais.
No entanto, apesar dos avanços legislativos e teóricos, a implementa-
ção prática dessas políticas enfrenta desafios significativos, pois a docência 
sobre as relações étnico-raciais envolve lidar com as resistências estrutu-
rais e culturais presentes no corpo discente, docente e na própria estru-
tura institucional. Este capítulo busca relatar a experiência docente no curso 
de História da UNICAP no primeiro e segundo semestre de 2024, refletindo 
sobre os desafios enfrentados e avanços conquistados no processo de forma-
ção crítica dos estudantes, especialmente em um contexto em que o debate 
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
sobre a colonialidade do saber e as epistemologias afro-diaspóricas é fre-
quentemente marginalizado.
O principal desafio enfrentado na docência para as relações étnico-ra-
ciais na UNICAP é o de romper com as concepções eurocêntricas e monocul-
turais que dominam o ensino histórico e cultural. Embora o debate acadêmico 
contemporâneo reconheça a centralidade das questões étnico-raciais na for-
mação da nação brasileira, a prática pedagógica ainda enfrenta resistências, 
tanto dos estudantes quanto das estruturas institucionais que, muitas vezes, 
reproduzem padrões de exclusão e hierarquias raciais. O enfrentamento des-
sas questões exige uma postura crítica e decolonial dos educadores, como 
sugere a obra organizada por Joaze Bernardino-Costa e Nelson Maldonado-
Torres, “Decolonialidade e pensamento afrodiáspórico” (2020), que, através 
de vários autores, incluindo Nilma Lino Gomes, defende a decolonialidade 
como uma necessidade urgente para desmantelar a lógica da colonialidade 
persistente no campo educacional e social .
Este texto se fundamenta em uma análise qualitativa baseada em relatos 
de experiência docente e nas impressões no aprendizado dos alunos, refle-
tindo sobre a interação com os estudantes em aulas e atividades extracurri-
culares voltadas para o debate racial. As discussões foram enriquecidas pelas 
contribuições de teóricos como Kabengele Munanga, no livro “Superando 
o racismo na escola” (2005), que destaca a importância da formação crítica 
para a superar as barreiras raciais e do racismo estrutural no Brasil, e pelo 
“Dicionário das relações étnico-raciais contemporâneas” (2023), organizado 
pela Flávia Rios, Marcio Santos e Alex Ratts, que, em seus verbetes temáticos, 
reforça a relevância das epistemologias negras e indígenas na redefinição 
do ensino no país. A metodologia de análise baseou-se na observação parti-
cipativa durante os debates, atividades de sala de aula, visitas técnicas e aula 
de campo, além de projetos de extensão curricular, buscando compreender 
a receptividade e afinidade dos alunos às temáticas propostas, bem como 
as dificuldades e resistências enfrentadas.
204
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A implementação de uma educação antirracista requer, além da sensibi-
lização dos discentes, a construção de espaços de diálogo que problematizem 
os privilégios raciais e questionem as narrativas hegemônicas sobre a história 
do Brasil. As possíveis resistências encontradas no corpo discente da UNICAP, 
podem internalizar valores elitistas e eurocêntricos, e revela o quão enraizadas 
estão as visões que minimizam a importância da contribuição afro-brasileira 
e indígena para a sociedade. Contudo, essas resistências também servem 
como catalisadoras de uma reflexão crítica e mais aprofundada, essencial 
para a formação de uma consciência social e histórica mais inclusiva e plural .
Este texto busca, portanto, não apenas relatar a prática docente sobre 
a temática, mas também propor reflexões sobre os desafios e as possibili-
dades de se construir uma educação verdadeiramente comprometida com a 
equidade racial e a justiça social no contexto do ensino superior. Ao longo 
das próximas seções, serão discutidos exemplos concretos de atividades rea-
lizadas, bem como suas recepções por parte dos alunos, traçando um pano-
rama das dificuldades e dos avanços nessa área tão crucial para o futuro 
da educação brasileira.
1. POR UMA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: DA LEGISLAÇÃO À PRÁTICA 
A educação para as relações étnico-raciais é uma resposta necessária 
às profundas desigualdades raciais que historicamente estruturam a socie-
dade brasileira. O país, com suas raízes no sistema escravocrata, perpetuou 
ao longo dos séculos uma hierarquia racial que marginalizou a população 
negra e indígena. Desde o período colonial até os dias atuais, as instituições 
educacionais foram instrumentalizadas para reproduzir essas desigualda-
des, promovendo uma visão eurocêntrica da história e da cultura e igno-
rando ou minimizando as contribuições das populações afrodescendentes 
e indígenas. Como aponta Nilma Lino Gomes, uma das maiores defensoras 
205
Questões étnico-raciaise os caminhos para uma educação antirracista
da educação antirracista no Brasil, “a questão racial permeia o tecido social 
e educativo de maneira estruturante, sendo crucial que a escola, enquanto 
espaço de formação crítica, atue ativamente para desmantelar essas opres-
sões” (Gomes, 2020, p. 226).
A importância da temática das relações étnico-raciais no campo edu-
cacional está ligada à sua capacidade de promover a emancipação social. 
O objetivo não é apenas combater o racismo individual, mas também desafiar 
as estruturas racistas que persistem nas práticas institucionais e nas men-
talidades. Nesse sentido, como afirma Gomes, o combate à colonialidade 
do saber é central para qualquer projeto educacional que busque equidade 
e justiça social. Isso se reflete em uma educação que reconhece e valoriza 
os saberes afro-brasileiros e indígenas, resgatando-os da marginalidade epis-
temológica imposta pelo sistema colonial (Gomes, 2020, p. 227-228).
O marco legislativo mais significativo na educação para as relações 
étnico-raciais no Brasil é a Lei 10.639, sancionada em 9 de janeiro de 2003, 
que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana 
nas escolas de educação básica. Essa legislação representou um avanço 
na luta contra o racismo estrutural, respondendo às demandas históricas 
dos movimentos negros por uma educação que não reproduzisse a exclusão 
e o silenciamento das contribuições afrodescendentes.
A Lei 10.639/2003, no entanto, não surgiu de maneira espontânea; ela é 
fruto de décadas de ativismo. Em fins da década de setenta, momento da reor-
ganização do movimento negro que havia caído na ilegalidade em virtude 
do Golpe Militar de 1964, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação 
Racial trouxe, entre as suas reivindicações, a inclusão do Ensino da História 
da África nos parâmetros curriculares como uma de suas principais ban-
deiras. Impulsionada pelas reivindicações dos movimentos sociais, somada 
a redemocratização do país, sobretudo a partir da Constituição de 1988, algu-
mas Universidades Brasileiras incluíram a História da África como disciplina 
206
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
eletiva e/ou obrigatória, particularmente aquelas que constituíram Núcleos 
de Estudos sobre a África e Estudos Afro-brasileiros. E, finalmente, a par-
ticipação do Brasil na III Conferência Mundial contra o Racismo, realizada 
em Durban, na África do Sul, em 2001. Esse contexto internacional foi fun-
damental para pressionar o governo brasileiro a implementar políticas mais 
incisivas no combate ao racismo, tanto na esfera pública quanto na educa-
cional. A inclusão de conteúdos relacionados à história africana, à cultura 
afro-brasileira e à contribuição dos povos negros no currículo educacional 
representa não apenas uma reparação histórica, mas também um instrumento 
poderoso na construção de uma identidade nacional mais inclusiva e plural. 
Esse processo foi fortalecido pela implantação das Diretrizes Curriculares 
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, em 2004 (Brasil, 
2004).
A partir de 2008, com a promulgação da Lei 11.645, essa obrigatoriedade 
foi ampliada para incluir também a história e cultura indígena, refletindo 
uma tentativa de abarcar, no currículo escolar, as diversidades étnicas e cultu-
rais do Brasil. No entanto, a implementação dessas legislações ainda enfrenta 
desafios consideráveis. Em muitos casos, os conteúdos relacionados às rela-
ções étnico-raciais são abordados de forma superficial ou meramente pontual, 
sem a profundidade necessária para provocar mudanças de perspectiva 
nos estudantes. Nilma Lino Gomes enfatiza que a formação de professores 
é um dos grandes gargalos nesse processo. A falta de preparo adequado 
do corpo docente para tratar das questões raciais e étnicas resulta em uma 
aplicação limitada da legislação, restringindo seu potencial transformador 
(Gomes, 2020, p. 235).
A resistência à implementação plena dessas leis reflete, em parte, 
a herança colonial que continua a influenciar o sistema educacional brasileiro. 
As epistemologias brancas e eurocêntricas dominam a formação acadêmica, 
o que dificulta a valorização e a inclusão das perspectivas afrodiaspóricas 
207
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
e indígenas no ensino (Faustino, 2023, p. 74). Embora a legislação avance 
em termos de diretrizes, sua efetividade depende de uma mudança estrutural 
mais ampla no campo educacional.
Na Universidade Católica de Pernambuco, o ensino das relações 
étnico-raciais tem avançado, especialmente com a adoção de disciplinas 
específicas voltadas para essa temática. No curso de História, em particular, 
o debate sobre a história e cultura afro-brasileira e africana ganhou força 
a partir da implementação de disciplinas eletivas e obrigatórias que buscam 
abordar essas questões de maneira mais crítica e aprofundada.
Tabela 1: implementações de disciplinas com a temática étnico-racial no curso de história da UNICAP.
Ano/semestre de 
implementação
Disciplina Obrigatória Disciplina Eletiva
2009.1 História da África Cultura Afro Brasileira
Relações entre Portugal, África e 
Brasil
História e Cultura Afro Brasileira e 
Indígena.
2012.1 História da África Cultura Afro Brasileira
História e Cultura dos 
Povos Indígenas
Mundo Atlântico: Relações entre 
Portugal, África e Brasil
História e Cultura Afro Brasileira e 
Indígena.
2020.1 História da África Cultura Afro Brasileira
Educação para as Re-
lações Étnico-Raciais
Mundo Atlântico: Relações entre 
Portugal, África e Brasil
História e Cultura dos 
Povos Indígenas
História e Cultura Afro Brasileira e 
Indígena
História das Religiões e das Religio-
sidades no Brasil
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
2023.1 História da África Cultura Afro Brasileira
Educação para as Re-
lações Étnico-Raciais
Mundo Atlântico: Relações entre 
Portugal, África e Brasil
História e Cultura dos 
Povos Indígenas
História das Religiões e das Religio-
sidades no Brasil
História e Cultura Afro Brasileira e 
Indígena
Considerando os currículos implementados a partir do ano de 2009, 
no curso de História da Unicap, observou-se que há um acréscimo grada-
tivo de disciplinas obrigatórias como História da África, História e Cultura 
dos Povos Indígenas e Educação para as Relações Étnico-raciais. Nas disci-
plinas eletivas, constata-se o acréscimo de “Mundo Atlântico” na disciplina 
que anteriormente era intitulada “Relações entre Portugal, África e Brasil”, 
e a implementação da disciplina História das Religiões e das Religiosidades 
no Brasil, a partir de 2020. 
Em relação aos esforços institucionais, é importante mencionar dois 
momentos: 1) a criação do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas – 
Neabi/Unicap, vinculado à Pró-reitoria Acadêmica, cujo objetivo abarca arti-
culação e promoção de atividades de ensino, pesquisa e extensão, de caráter 
interdisciplinar, tendo em vista a avaliação, a implementação e o acompa-
nhamento das Diretrizes Curriculares para a Educação e Relações Étnico-
raciais e Ensino de História da África e da Cultura Afrobrasileira e Indígena; 
2) Publicação da Portaria 116/2020, que instituiu o Ano da Consciência Negra 
na Unicap 2020/2021, bem como determinou a introdução de Educação para 
as Relações Étnico-raciais como componente curricular em todos os cursos 
de graduação. O curso de História promoveu diversos eventos para atender 
às exigências da Portaria 116/2020, tais como: aula inaugural 2021.1, intitu-
lada “O dever da história antirracista”, ministrada pela professora Ynaê Lopes 
dos Santos, e o XIII Encontro Regional Nordeste de História Oral: práticas 
antirracistas e narrativas inclusivas, realizado em 2021.2, com a participação 
de pesquisadores e pesquisadoras de diversas regiões do Brasil .
209
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A UNICAP, como instituição de ensino superior,modo, 
tem origem nas primeiras civilizações humanas como o antigo Egito. Citando 
o pensador senegalês: 
o fruto moral da sua civilização está para ser contado entre 
os bens do mundo negro. Ao invés de se apresentar à história 
como um devedor insolvente, este mundo negro é o pró-
prio iniciador da civilização ocidental ostentada hoje diante 
de nossos olhos (Diop apud Nascimento, 1980, p. 249). 
Nascimento didaticamente exemplificou a relevância da perspectiva 
afrocêntrica para seus irmãos e irmãs amefricanas. Não escapou a Abdias 
Nascimento o entendimento de que a superação do racismo na sociedade 
brasileira passava pela melhora da situação política, econômica e social 
dos afro-brasileiros e esta demandava a criação de instituições africanas 
independentes. E não apenas isso. Para o pensador Nascimento (1980, p. 275), 
“o Quilombismo é um movimento político dos negros brasileiros, objetivando 
a implantação de um Estado Nacional Quilombista, inspirado na República 
dos Palmares [...] e em outros quilombos que existiram e existem no país”. 
Não se tratava, então, apenas da melhoria das condições de vida 
dos afro-brasileiros e sim de uma transformação das estruturas sociais, polí-
ticas, econômicas e culturais da sociedade brasileira (Nascimento, 1980, p. 
270). Como os africano-brasileiros sempre foram a maioria da população, 
Nascimento entendia que nada mais natural que o Estado brasileiro fosse 
orientado pela cultura majoritária. Deste fato decorria, para o pensador quilom-
bista, que o poder exercido pelos negros seria, necessariamente, democrático. 
Como não poderia deixar de ser, dado o exposto até o momento, 
o processo educacional teria um papel importante na recuperação de nossa 
memória bem como na construção da sociedade quilombista. Nas palavras 
de Abdias do Nascimento (1980, p. 276): “a educação e o ensino em todos 
os graus – elementar, médio e superior – serão completamente gratuitos 
22
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
e abertos sem distinção a todos os membros da sociedade quilombista”. Sobre 
a herança cultura africana, ele afirma que “a história da África, das culturas, 
das civilizações e artes africanas terão um lugar eminente nos currículos 
escolares. Criar uma Universidade Afro-Brasileira é uma necessidade dentro 
do programa quilombista” (Nascimento, 1980, p. 276). 
Diante destas reflexões, este atrevido autor cunhou o conceito 
de Educação Quilombista que defini da seguinte forma: 
[...] um processo de transmissão dos valores, crenças, cos-
tumes e conhecimentos para que os afro-brasileiros pos-
sam viver de maneira adequada nesta sociedade garantindo, 
assim, a continuidade do seu povo e de sua cultura. Esta 
educação deve ser inspirada na experiência dos quilom-
bos, visto que estas sociedades permitiram aos africanos 
existirem nesta terra sem renunciarem a sua africanidade, 
além de serem abertas aos indígenas e brancos excluídos 
do sistema colonial. Assim como os quilombos se constitu-
íram como espaços de construção da identidade afro-bra-
sileira e de resistência à aculturação europeia a educação 
quilombista, hoje, deve ser concebida como um processo 
de formação do amefricano do Brasil e de resistência ao his-
toricamente constituído modelo eugênico e eurocêntrico 
de educação com vistas à construção da sociedade inter-
cultural quilombista (Benedicto, 2022, p. 2). 
Este modelo educacional permitirá a criação das condições 
necessárias para que as amefricanas do Brasil valorizem, preservem 
e transmitam sua herança cultural, visto que esta educação é inspirada 
na experiência dos quilombos que permitiram aos africanos existirem 
nesta terra sem renunciarem a sua africanidade. Assim como os quilombos 
se constituíram como espaços de construção da identidade africana e de 
resistência à aculturação europeia, a educação quilombista deve ser concebida 
como um processo de formação do amefricano do Brasil e de resistência 
23
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
ao historicamente constituído modelo eugênico e eurocêntrico de educação 
com vistas à construção da sociedade intercultural quilombista. 
Devemos, por fim, ressaltar que a Educação Quilombista permitirá 
ao conjunto dos brasileiros conhecer de modo adequado a cultura africana 
e afro-brasileira. Neste sentido, este modelo educacional cumprirá um papel 
fundamental na superação do eurocentrismo, visto que devolve o saber 
de origem africana aos seus descendentes. Desse modo, aqueles e aquelas 
que tiverem interesse em conhecer e/ou aprofundar os estudos sobre as tra-
dições amefricanas aprenderão que não devem estudar o que os descenden-
tes de europeus pensam sobre os africanos-brasileiros e africanos, mas sim 
estudar em instituições quilombistas para aprender o que os amefricanos 
do Brasil têm a dizer sobre suas tradições.
4. CONDIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO QUILOMBISTA
Penso que, para viabilizar o modelo educacional quilombista, é neces-
sário desenvolver uma pedagogia e um currículo afrocêntricos bem como 
preparar os professores para ministrar os conteúdos necessários à formação 
das nossas crianças e jovens. 
O texto de Wade Nobles, The Infusion of Africa e African-American 
Content: A Question of Content and Intent, é uma importante referência 
sobre o currículo afrocêntrico. Nele, Nobles define o currículo como “um 
curso de estudo cujo propósito é (1) sistematicamente guiar a transmissão 
da informação e conhecimento, (2) reforçar o desejo de aprender/conhecer e 
(3) encorajar a internalização do comportamento e/ou atitudes consistentes 
com o conhecimento aprendido” (Nobles, 1995, p. 9-10). O pensador utiliza 
uma metáfora que considero exemplar para a reflexão aqui realizada: cul-
tura, portanto, é a dimensão invisível de todo o currículo. Assim, se natureza 
da água (i.e, salgada, fresca ou poluída) influencia a realidade (i.e. a sobre-
vivência) de tipos particulares de peixes, assim diferentes tipos de sistemas 
24
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
culturais influenciam a realidade de grupos particulares de pessoas (Nobles, 
1995, p. 6).
No que diz respeito à grade curricular, o texto do filósofo Renato 
Noguera, Afrocentricidade e Educação: os princípios gerais de um currículo 
afrocentrado, oferece-nos um bom ponto de partida para pensar um currículo 
inspirado nos princípios e valores africanos. Nele podemos ler :
Quais seriam os princípios ou parâmetros para um currículo 
afrocentrado? Asante escreveu uma série sucinta de ele-
mentos de organização do currículo denominado Princípios 
Asante para o currículo afrocentrado, o artigo conta com 10 
princípios: 10) Você e sua comunidade; 20) Bem estar e biolo-
gia; 30) Tradição e Inovação; 40) Expressão e criação artística; 
50) Localização no tempo e no espaço; 60) Produção e distri-
buição; 70) Poder e autoridade; 80) Tecnologia e ciência; 90) 
Escolhas e consequências; 100) Mundo e sociedade. Partir 
da leitura desses elementos constitutivos de cada princípio 
e uma articulação com Nguzo Saba torna possível uma explo-
ração afrocentrada da área de fundamentos da educação, 
isto é, podemos analisar os elementos filosóficos, históri-
cos, psicológicos e sociológicos numa perspectiva africana 
para compor o campo multifacetado da educação. Portanto, 
uma leitura cuidadosa de Nguzo Saba e os Princípios Asante 
para o currículo afrocentrado não deixa dúvidas, Karenga 
e Asante concordam que a validade do conhecimento 
é medida pela sua potencialidade em atender a comunidade, 
integrar as pessoas e proporcionar uma vida sem oposição 
com o meio ambiente (Noguera, 2010).
Embora Noguera não esteja pensando em instituições quilombistas, 
seu trabalho apresenta uma valiosa reflexão sobre como o currículo brasileiro 
pode ser afrocentrado. Sua análise reconhece que o “sistema educacional 
hegemônico é permeado pelos valores que localizam a natureza como objeto, 
o conhecimento como arma e propriedade,diferencia-se de outras 
universidades por sua tradição humanista, que proporciona um ambiente 
relativamente propício para discussões sobre justiça social e direitos huma-
nos. No entanto, mesmo nesse contexto, a introdução de disciplinas voltadas 
para a educação étnico-racial enfrenta desafios. Quando essas disciplinas 
são oferecidas como eletivas, nem sempre atraem um número significativo 
de alunos, evidenciando que ainda há uma resistência ou falta de interesse 
em aprofundar o conhecimento sobre as questões raciais. Essa situação, 
contudo, contrasta com os momentos em que o tema é tratado em disciplinas 
obrigatórias, como no curso de História, onde os debates sobre a colonia-
lidade, a escravidão e as heranças culturais afro-brasileiras são integradas 
ao currículo.
No curso de História da UNICAP, o desafio é duplo: por um lado, há a 
necessidade de fornecer uma formação sólida sobre as questões raciais para 
futuros historiadores; por outro, mesmo com os avanços, ainda é preciso 
superar as resistências internas de alguns estudantes e parte da própria 
estrutura acadêmica, que, em alguns casos, não considera as epistemologias 
negras e indígenas como centrais no estudo da história. A partir da experi-
ência docente, percebe-se que os debates em sala de aula são muitas vezes 
permeados por preconceitos sutis e por uma visão limitada sobre o impacto 
das contribuições afrodescendentes na formação da sociedade brasileira. 
Contudo, à medida que os alunos se envolvem nas discussões e atividades 
propostas, torna-se evidente a importância desse conteúdo para a construção 
de uma nova percepção histórica e social .
As atividades práticas, como debates, estudos de caso e análises de fon-
tes históricas sobre a escravidão e a resistência negra no Brasil, têm desem-
penhado um papel fundamental na sensibilização dos estudantes. A partir 
dessas práticas, observa-se uma mudança gradual na forma como os alunos 
compreendem o papel dos povos negros e indígenas na construção do país. 
210
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Assim, a disciplina temática aplicada no curso de História da UNICAP não se 
limita a transmitir conhecimento, mas também busca provocar uma reflexão 
crítica sobre as estruturas de poder e as narrativas históricas que privilegiam 
determinados grupos em detrimento de outros .
A implementação da educação étnico-racial na UNICAP, assim como 
em outras instituições, ainda está em processo de consolidação. Embora 
as diretrizes legais existam, a efetividade de sua aplicação depende da dis-
posição institucional e docente para transformar o currículo e as práticas 
pedagógicas. A experiência docente no curso de História revela que, apesar 
das dificuldades, há um potencial significativo na abordagem dessas temáti-
cas, principalmente quando se estabelecem conexões com a realidade social 
e política do Brasil contemporâneo.
Portanto, a educação para as relações étnico-raciais na UNICAP repre-
senta um esforço contínuo para superar barreiras históricas impostas pela 
colonialidade. À medida que a universidade expande suas ações afirmativas 
e fortalece o ensino das questões raciais, abre-se espaço para uma formação 
acadêmica mais crítica e inclusiva, capaz de promover não apenas o conhe-
cimento, mas também a transformação social.
2. RELATOS DE EXPERIÊNCIA DOCENTE 
No contexto da disciplina “Educação para as Relações Étnico-Raciais” 
(HIS1159) oferecida no curso de História da UNICAP, a experiência docente 
revela o impacto significativo que um planejamento pedagógico bem estru-
turado e as atividades práticas têm sobre os alunos, especialmente no que 
se refere à conscientização e ao engajamento com as temáticas étnico-raciais. 
Abaixo, destacam-se os principais elementos dessa experiência, abordando 
os planos de disciplina, os diálogos em sala de aula, os desafios enfrentados, 
além das atividades e projetos desenvolvidos pelos estudantes.
211
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A disciplina HIS1159, oferecida no primeiro semestre de 2024, e minis-
trada pelo professor Leandro Nascimento de Souza, foi concebida para inte-
grar os principais debates sobre as desigualdades étnico-raciais no Brasil 
e suas implicações na educação. Com uma carga horária de 75 horas e um 
enfoque teórico e prático, o curso inclui tanto discussões em sala de aula 
quanto atividades extensionistas e saídas de campo. A proposta, baseada 
na percepção “não há história do Brasil sem racismo” (Santos, 2022, p. 16), 
visa garantir que os alunos compreendam as dimensões históricas e con-
temporâneas das relações étnico-raciais, preparando-os para atuar como 
educadores conscientes das questões sociais e políticas envolvidas.
O plano de ensino direciona questões que cobrem desde as Leis 
10.639/2003 e 11.645/2008 até a educação quilombola e indígena. Esse pla-
nejamento é crucial para a organização das aulas e atividades, oferecendo 
uma visão ampla das temáticas abordadas ao longo do semestre. Os alu-
nos são incentivados a refletir sobre a aplicação prática desses conteúdos, 
tanto em suas futuras carreiras como professores e historiadores quanto 
no desenvolvimento de uma consciência crítica sobre as desigualdades raciais 
no Brasil .
As aulas expositivo-dialogadas constituem a espinha dorsal do curso, 
promovendo um espaço de diálogo contínuo entre os alunos e o professor. 
Uma das principais estratégias adotadas é a criação de debates a partir 
de textos de referência, como os trabalhos de Ynaê Lopes sobre o racismo 
brasileiro e de Nilma Lino Gomes sobre educação antirracista. Na maioria 
dos casos, fizemos uso da sala de aula invertida, que é um método de aprendi-
zado no qual o conteúdo é analisado pelo estudante fora do ambiente escolar, 
através da leitura do texto de referência e apresentando os pontos analisados 
em sala, no formato de um debate. Esse método permite que o estudante deixe 
uma postura passiva de ouvinte e assuma o papel de protagonista do seu 
aprendizado. Esses diálogos, mediados e complementados pelo professor, 
212
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
permitem aos estudantes refletirem sobre suas próprias percepções e pre-
conceitos, desafiando-os a reconsiderar as narrativas tradicionais da história 
brasileira que negligenciam as contribuições das populações afro-brasileiras 
e indígenas.
Por exemplo, no debate sobre o conceito de racismo estrutural, muitos 
alunos expressaram inicialmente uma compreensão limitada sobre como 
o racismo permeia as instituições e práticas sociais. Entretanto, à medida 
que o debate avançava e os conceitos eram aprofundados, foi possível 
observar uma mudança significativa na percepção dos alunos. Eles pas-
saram a reconhecer que o racismo não é apenas uma questão individual, 
mas uma estrutura de poder que molda oportunidades e limita o acesso 
de certos grupos a direitos fundamentais, como a educação e o trabalho 
(Vinuto, 2023, p. 305).
A participação dos alunos nas atividades propostas foi variada, refle-
tindo tanto o interesse crescente pela temática quanto as resistências iniciais 
ao conteúdo. Alguns alunos, principalmente aqueles que ainda não haviam 
tido contato com as questões étnico-raciais de forma crítica, demonstraram 
certa resistência no início do curso. Isso era visível em suas reações durante 
os primeiros debates, quando outros traziam argumentos sobre a importância 
da educação para as relações étnico-raciais, principalmente através de expe-
riências pessoais no ensino básico, o que enriqueceu o debate .
Contudo, atividades práticas como a aula invertida e a análise de estu-
dos de caso proporcionaram oportunidades para que esses alunos pudessem 
explorar mais profundamente as consequências históricas do racismo. Além 
disso, inicialmente, a visita ao Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas 
(NEABI) da UNICAP foi uma experiência transformadora para muitos, 
ampliando suas percepções sobre o papele, o ser humano como ser que 
25
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
“controla” e exige que tudo gravite ao seu redor” (Noguera, 2010). Desse 
modo, ele entende que, em uma educação afrocentrada, é preciso alinhavar 
e articular os Sete Princípios da Ética Africana5 ao longo de toda extensão 
curricular. Isso significa que o ensino sobre os conhecimentos e tradições 
africanas não deve ser restrito ao mês de novembro ou a um bimestre espo-
rádico. Sobre este tópico, Wade Nobles corretamente afirma que: 
Cultura não é simplesmente uma compilação de heróis étni-
cos e feriados. Cultura também não é simplesmente consci-
ência sobre a música e dança dos outros povos”. [...] Nós pen-
samos como se cultura na educação significasse que tudo 
o que temos que fazer é tornar as pessoas “culturalmente 
sensíveis” para o fato de que os povos negros gostam de dan-
çar ou que gostam de música ou que os irmãos têm aquelas 
grandes caixas profundas ou que a música e a dança são uma 
parte essencial da estética cultural dos povos negros. Infundir 
o conteúdo não deve significar que nós, como educadores, 
devemos estar satisfeitos em simplesmente colocar no cur-
rículo heróis afro-americanos e feriados como se nós esti-
véssemos temperando comida da alma, ao invés de cuidar 
da experiência educacional das crianças distintas cultural-
mente. Quando fazemos isso nós nos engamos acreditando 
que tratamos da questão da cultura em termos de prática 
educacional ou experiência (Nobles, 1995 p. 7).
A provocação de Nobles nos leva a pensar sobre o desenvolvimento 
de uma Pedagogia Afrocentrada. As reflexões desenvolvidas por Agyei Akoto 
podem ser de grande valia para elaboração da Pedagogia Quilombista. Em seu 
texto Notes on an Afrikan-Centered Pedagogy, ele escreve: 
5 A filosofia Kawaida foi idealizada pelo pensador afro-americano Maulana Ron Karenga. Ela é ins-
pirada nos Nguzo Saba, os sete princípios da ética africana, a saber: 1. Centralidade da comuni-
dade; 2. Respeito pela tradição; 3. Alto nível de espiritualidade e preocupação ética; 4. Harmonia 
com a natureza; 5. A sociabilidade do indivíduo; 6. Veneração dos ancestrais e 7. Unidade do ser.
26
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Uma pedagogia afrocentrada é uma pedagogia derivada 
da dinâmica contínua da história e cultura africana. É um 
esforço para estimular e alimentar a consciência crítica e cria-
tiva e para inculcar, através da aplicação e estudo, um com-
promisso consciente e firme para a reconstrução da verda-
deira nacionalidade africana, e a restauração da continuidade 
da história e cultura africana. Além disso, ela representa 
um esforço para criar uma personalidade africana dinâmica 
e liberada. Esta personalidade é realizada pela interação entre 
mwalimu (professor) e mwanafunzi (aluno) de um modo 
que reflete suas africanidades fundamentais e simultanea-
mente transforma seus ambientes em um modelo de liber-
dade e humanismo. 
O indivíduo que assume o papel de mwalimu (professor) deve 
não somente estar envolvido no estudo da cultura, mas deve 
estar envolvido de modo concreto e contínuo com o avanço 
cultural e ou político dos interesses dos povos africanos. 
O mwalimu precede os seus/suas estudantes (wanafunzi) 
como um representante do conjunto da cultura. Aos Walimu 
(professores) são confiados o objetivo de inculcar os valores 
essenciais da cultura e, portanto, jogam um papel essencial 
na garantia de sua continuação. O mwalimu representa, de um 
lado, as limitações da tradição e da ordem existente enquanto, 
de outro lado, os estudantes (mwanafunzi) representa a nova 
ordem ou as potencialidades ilimitadas. O mwalimu como 
representante da ordem vigente com sua sabedoria acumu-
lada da tradição deve procurar comunicá-la de um modo 
que inspire e abasteça de energia nova e ilimitada o potencial 
do estudante. O mwanafunzi deve ser motivado para acolher 
aquela sabedoria como um combustível para a longa jornada 
e não como um fardo. Se esta sabedoria, tesouro cultural 
e herança da nação, são percebidos como algo opressivo, 
então o mwalimu e a nação falharam e a continuidade da cul-
tura nacional está em risco. “O mwalimu é o canal essencial 
e a conexão entre a tradição e o potencial da nação” (Akoto, 
1998, p. 325-326). 
27
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Percebemos, pela citação acima, o quão fundamental é o papel do pro-
fessor no processo de criação de uma personalidade africana dinâmica, forte 
e liberada. Personalidade esta que estará, sem sombra de dúvidas, consciente 
e comprometida com a reconstrução da nacionalidade e continuidade his-
tórica africana. 
As reflexões de Akoto também nos mostram que é urgente transformar 
em referência para nossos formadores, professores como o maranhense 
Hemetério José dos Santos (1858-1939), que, no auge da política de embran-
quecimento, lecionou na Escola Normal do Distrito Federal, no Colégio Pedro 
II e no Colégio Militar do Rio de Janeiro; Antonieta de Barros (1901-1952), cata-
rinense, professora de Literatura e Português e fundadora do Curso Particular 
Antonieta de Barros para população carente; o paulista Francisco Lucrécio 
(1909-2001) – um dos idealizadores da Escola de Alfabetização da Frente 
Negra Brasileira; e o mineiro Ironides Rodrigues (1923-1987), professor de alfa-
betização de adultos no Teatro Experimental do Negro. 
É preciso, também, enfatizar que nossos walimu devem ter uma sólida 
formação científica nos conhecimentos africanos. Cheikh Anta Diop nos indica 
o caminho para essa formação ao fazer a seguinte advertência: “a história 
dos negros africanos permanecerá suspensa no ar e não poderá ser escrita 
corretamente até os historiadores ousarem conectá-la com a história do Egito” 
(Diop, 1974, p. xiv)6. O pensador senegalês continuou enfaticamente: “em 
particular, o estudo das linguagens, instituições, não pode ser tratado adequa-
damente; em uma palavra, será impossível construir humanidades africanas, 
6 O Professor Hemetério, no auge da moderna falsificação da história (embranquecimento dos 
antigos egípcios – como denomina Cheikh Anta Diop –, escreveu o artigo Em Defesa de uma 
Raça, publicado no jornal O Imparcial de 11 de novembro1913. Nele podemos ler: enveredamo-
-nos pelos tempos mais longínquos e, desde 4000 anos antes de Cristo o sempre legendário Nilo 
nos mostrou a mais antiga civilização egípcia – fomentada por exército regulares de negros, leo-
ninamente ínclitos nos combates, fundado com essa coragem indomada, a primeira civilização no 
Mediterrâneo, fonte da civilização grega, gérmen de todas as civilizações latinas , consolo, tran-
quilidade e regalo da vida do planeta – indústria, arte na sua concepção mais elevada e conforto 
de todo homem de criação. (A adequação ao novo acordo ortográfico foi realizada pelo autor). 
28
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
um corpo de ciências africanas, enquanto esta relação não for legitimada” 
(Diop, 1974, p. xiv). 
Para encerrar esta seção, vale dizer algumas palavras sobre a importân-
cia de controlarmos nossos sistemas educacionais. Para tanto, sabiamente, 
Jacob Carruthers afirma que “para conseguir o controle da educação africana, 
precisamos olhar a educação no antigo Egito porque é lá que encontramos 
dados primários dos próprios africanos” (Carruthers, 1999, p. 257). O con-
trole a que nos referimos não diz respeito apenas ao controle da pedagogia, 
do currículo, da formação de docentes e dos espaços físicos e sua disposição. 
Temos que recuperar o controle das nossas mentes, porque é lá que a bata-
lha está sendo travada. Como diz a nossa mais velha Nah Dove: “A batalha 
pelo controle da mente é conseqüentemente central nas lutas tanto pela 
dominação/dominadores quanto libertação/libertadores” (Dove, 1993, p. 8).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar este capítulo, é importante apontar alguns caminhos para 
a viabilização da Educação Quilombista.O livro da professora Nah Dove, 
The Afrocentric School: A Blueprint, é uma excelente referência para orientar 
todos aqueles e aquelas que estão interessadas em desenvolver um modelo 
educacional inspirado em nossas tradições.
Dove nos apresenta, ao longo de sua obra, diversos planos de aula 
para as diferentes faixas etárias para que os nossos mais jovens cresçam 
e se tornem africanas e africanos conscientes de quem são, conscientes 
de quem são sejam seus opressores e do seu papel em nossa família e de 
nosso processo de libertação.
Esta educação é enraizada na comunidade. Nas palavras de Nah Dove :
29
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
No final de cada ano, à medida que cada criança tem um 
determinado padrão de alfabetização moldado por sua com-
preensão e desempenho educacional em cada uma das dis-
ciplinas, um certificado especial será concedido para regis-
trar a conclusão, a família e os cuidadores serão convidados 
a comemorar o sucesso da criança. Onde quer que estejamos 
criando a escola, tomaremos nota e faremos o possível para 
incluir crianças que podem ser extremamente pobres e / 
ou não se deslocam facilmente (Dove, 2021, p. 55-56).7
Outro ponto importante a destacar é que, a despeito de nosso enten-
dimento de que a escola pública não atende às necessidades dos amefrica-
nos e amefricanas do Brasil, não podemos ignorar o fato de que a maioria 
desses estudantes estuda na rede pública. Além do mais, o modelo quilom-
bista aqui proposto não existe. Desse modo, temos que pensar no trabalho 
que pode ser feito em relação às nossas crianças e jovens que estudam 
na escola pública, até porque pagamos altos impostos por este péssimo 
sistema educacional. 
Sobre este tópico, recomendo os trabalhos da professora da Rede 
Municipal de Salvador, Taisa de Sousa Ferreira. Esta brilhante intelectual 
e docente tem contribuído para afrocentrar as experiências educacionais 
no país. Em seu texto, escrito em conjunto com a professora Jane Rios, lê-se:
Salientamos que construir experiências em salas de aula 
da Educação Básica e da universidade que articulem dife-
rentes formas de existir e resistir configura-se como um movi-
mento de produção de saberes, o qual mobiliza as demandas 
insurgentes do cotidiano escolar e fissura propostas epistêmi-
cas e metodológicas hegemônicas que atravessam os currícu-
los escolares e, consequentemente, seus projetos e práticas 
pedagógicas (Ferreira; Rios, 2024, p. 34).
7 A tradução é nossa.
30
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
As reflexões de Ferreira e Rios dialogam com a educadora Carol D. 
Lee. Em seu artigo African Centered Pedagogy: Complexities e Possibilities, 
a autora avalia as possibilidades da implementação de uma pedagogia 
afrocentrada nas escolas públicas dos Estados Unidos, de modo a atender 
satisfatoriamente às necessidades educacionais dos afro-estadunidenses. 
Lee escreve:
Dado tais pré-requisitos é difícil acreditar que a escola 
pública em um país democrático e diverso etnicamente 
como os Estados Unidos possa assumir a responsabilidade 
de libertar qualquer grupo de pessoas. Eu acredito que é 
possível fazer o que segue nas escolas públicas:
1. Estimular o desenvolvimento das habilidades em leitura 
e escrita, matemática, humanidades e tecnologias 
que são necessárias para adquirir autossuficiência 
econômica na sociedade;
2. Ensinar conhecimentos de cidadania baseados 
em um entendimento realístico e completo do sistema 
político, e sustentar estes conhecimentos promovendo 
habilidades de questionamento, pensamento crítico 
e ensinando valores democráticos;
3. Apresentar uma visão geral da nação, do continente, e do 
mundo que represente adequadamente as contribuições 
de todos os grupos étnicos no armazém do conhecimento 
humano .
Mesmo se as escolas públicas realizassem todas essas coi-
sas, as condições necessárias para os afro-estadunidenses 
adquirir orgulho étnico, autossuficiência, igualdade, riqueza 
e poder não seriam satisfeitas. Para os africanos nos Estados 
Unidos obter tais objetivos, uma visão de mundo cultural 
e política coletiva, embora não monolítica, é necessária. 
A escola pública não comporta esta visão de mundo (Lee, 
1998, p. 308).8
8 A tradução é nossa
31
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
A educadora apresenta temas importantes para nossa reflexão. 
No entanto, embora fundamentais e exequíveis, não podemos perder de vista 
que estes objetivos devem estar articulados com nosso objetivo principal. 
Como bem coloca Carol Lee: “escolas independentes afro-estadunidenses 
e pesquisadores educacionais afrocentrados representam potencialmente 
uma aliança ideal para o trabalho colaborativo em direção à transformação 
da escola pública” (Lee, 1998. p. 308). O objetivo principal é o desenvolvimento 
de escolas quilombistas independentes. Somente após o seu desenvolvimento 
e a colaboração dos pesquisadores educacionais afrocentrados poderemos 
transformar a escola pública em instituições verdadeiramente interculturais.
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32
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de 
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para 
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História 
e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, 
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WILLIAMS, Chancellor. The Destruction of Black Civilization: Great Issues of a 
Race From 4500 B. C. to 2000 A. D. Chicago: Third World Press, 1987.
34
A EXPERIÊNCIA DE CONSTITUIR UMA 
CULTURA FISCALIZATÓRIA RELATIVA A 
UMA POLÍTICA EDUCACIONAL ANTICASTA
Jorge Luís Terra da Silva
Procurador do Estado do Rio Grande do Sul 
Conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil
Presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/RS
Diretor de Relações Institucionais do Instituto Acredite
35
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
INTRODUÇÃO
O racismo está presente no Brasil desde o primeiro encontro entre 
indígenas e brancos europeus.
Os brancos europeus escravizaram e quase que aniquilaram a popu-
lação indígena brasileira.
Com intuito de implementar novos processos produtivos visando a atin-
gir o monopólio do comércio do açúcar para a Europa, não havendo indígenas 
suficientes para dar conta da empreitada e sabendo do grande custo econô-
mico para trazer europeus para trabalhar em grandes plantações, elegeu-se 
o comércio transatlântico de escravizados e a escravização de negros oriun-
dos da África como meio de atingir o ousado objetivo.
Os indígenas, portanto, não eram considerados como pessoas que teriam 
o direito de viver a seu modo e nas suas terras. Os negros, tidos como meros 
insumos da cadeia produtiva, não eram considerados como pessoas, podendo 
ser comercializados, dessocializados e explorados.
Perceptível, desde já, é a constituição de uma falsa hierarquia entre 
os grupos raciais mencionados. O racismo, ao longo do tempo, apresentou-
-se como segregacionista, quando a suposta superioridade estava baseada 
em diferenças biológicas ou como assimilacionista, quando a alegada superio-
ridade estava calcada em diferenças de natureza cultural e comportamental.
A tomada das terras, a aniquilação, a comercialização e a escravização 
do passado estão presentes em nossos dias na forma de racismo, de pre-
conceito racial, de estereótipo racial, de viés racial, de discriminação racial 
e de desigualdade racial. E esses fenômenos raciais influenciam nos julga-
mentos e nas tomadas de decisão relativas às pessoas indígenas e às pes-
soas negras. Assim, a ideia de casta, ou seja, de permanência de um grupo 
em posição dominante e de outros em posição de subordinação não se altera 
36
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
no ritmo necessário. Daí porque, quando se fala em privilégio branco, não se 
trata de figura de linguagem no que diz respeito à vida diária no Brasil, pois, 
de acordo com Eddo-Lodge (2018), ele seria a impossibilidade de conviver 
com os efeitos negativos do racismo.
Uma vez que os grupos raciais referidos convivem no mesmo Estado, 
havendo subrepresentação de negros e de indígenas nos espaços de poder, 
não há falta de dados sobre a correspondente falta de efetividade de direitos 
fundamentais sociais, culturais, políticos e econômicos dos subrepresentados.
O antirracismo, em síntese, consiste no enfrentamento tanto do racismo 
segregacionista quanto do racismo assimilacionista, bem como dos demais 
fenômenos raciais elencados acima. Ele age diretamente contra a falsa hie-
rarquia de raças e culturas e contra os efeitos sociais, políticos, econômicos, 
culturais e jurídicos decorrentes das discriminações raciais.
O antirracismo, faltando poucos meses para findar a década internacio-
nal dos afrodescendentes, iniciada em 01.01.2015, ainda está perdendo essa 
demanda no solo brasileiro. A década supracitada, que tem como pilares 
o reconhecimento, a justiça e o desenvolvimento, está, na realidade, marcada 
pela desvalorização, discriminação e desigualdade.
Apesar de largamente se assumir que há forte presença do racismo 
estrutural, não se estabeleceu o antirracismo como uma força estruturada, 
amplamente disseminada, eficiente e eficaz. Enquanto se entende que as 
dinâmicas, composições e valores de instituições públicas e privadas perpe-
tuam o racismo institucional, o racismo no seio das instituições não parece 
ser efetivamente combatido.
A Constituição brasileira mais do que amparar, impõe o antirracismo 
porque há objetivos fundamentais republicanos (art. 3º, I, II, III, IV), há nor-
mas referentes aos direitos culturais (art. 210, §2º, art. 215, §1º e art. 216, II), 
há normas referentes à ordem econômica (art. 170, VII) e há normas referentes 
à salvaguarda de crianças, de adolescentes e de jovens de discriminações 
37
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
e de violências (art. 227), bem como normas referentes ao ensino da história 
(art. 242, §1º). A questão, portanto, não é de previsão normativa; é de efeti-
vação de direitos.
Nessa linha, é oportuno mencionar que José Bonifácio de Andrada 
e Silva, em uma representação que apresentaria à dissolvida Assembleia 
Constituinte de 1823, estipulara a abolição da escravatura negra, acrescida 
do alcance de terras para os ex-escravizados, como forma de garantir seu sus-
tento e enfrentar o problema do latifúndio no Brasil. Ele tomava esse processo 
como informado pela justiça e pela necessidade de desenvolvimento nacional. 
Transcorridos mais de dois séculos, ainda é necessário demonstrar que reduzir 
as desigualdades raciais é um passo indispensável para o desenvolvimento 
do Brasil .
O fato é que a Constituição de 1824 manteve a escravização, e a de 1891, 
a despeito da proximidade com a abolição, ocorrida em 1888, não previu 
nenhuma forma de reparação. Grave ainda foi o fato de haver duas consti-
tuições, a de 1934 e a de 1937, com grande influência da eugenia.
Como sustentou Pontes de Miranda (1945, p. 491), o homem com o 
qual se lida quando se escreve uma Constituição é um “homem histórico”. 
Esse homem seria histórico no sentido de que as suas instituições provêm 
do passado, repletas de preconceitos e de julgamentos de valor .
Pontes de Miranda (1945, p. 492) é enfático ao abordar o conceito psi-
cológico de igualdade:
Se tais enunciados repugnam algumas pessoas, ou se alguns 
pensam que o Negro não é “homem”, é que todo um edifício 
de preconceitos, de julgamentos de valor, se interpõe entre 
elas e as realidades. Para que se declare a igualdade, é pre-
ciso, portanto, duplo trabalho: um negativo, o de destruição 
dos julgamentos negativos; outro, positivo, o de substituição 
desses julgamentos de valor por outros julgamentos, mais 
perto dos “fatos”, que assegurem a igualdade.
38
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Processos de justiça de transição devem ocorrer quando parte da popu-
lação de determinado Estado sofre violação de direitos por um longo perí-
odo. O primeiro estágio desse processo seria a identificação das pessoas 
que tiveram seus direitos violados e daquelas que os violaram, reparando 
os direitos do primeiro grupo e, se possível, punir o segundo. O segundo 
estágio envolve a análise das instituições, com o intuitode reformá-las ou de 
extingui-las. O terceiro estágio seria a promoção da reconciliação, podendo 
esse precedida ou não do pedido de perdão .
No Brasil, não houve, e não há indícios de que haverá, um verdadeiro 
processo de justiça de transição. Ao contrário, a abolição foi seguida pela 
disseminação da falsa ideia de que o Brasil é um cenário no qual todas 
as raças viviam em exemplar harmonia. O extremo dessa inverdade se deu 
quando a Organização das Nações Unidas instituiu a Convenção Internacional 
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, constituindo 
um inédito comitê de monitoramento. Entre 1965 e 1995, o Brasil apresen-
tou sucessivos relatórios afirmando não haver desigualdade racial em seu 
território. 
Em solo pátrio, predomina a ideia de que a previsão em lei seja bas-
tante para que comportamentos considerados como corretos e justos sejam 
levados a efeito. Nesse sentido, bastaria haver lei que estabeleça o que deve 
ser feito (mandato), o que não pode ser feito (proibição) ou que estimule algo 
que se deseja que seja feito (estímulo).
Essa crença na força da coerção desconsidera estímulos racionais 
não são suficientes para garantir que comportamentos sejam colocados 
em prática ou evitados. Na era da utilização de nudge (ou paternalismo liber-
tário), bem com a de políticas baseadas em evidências, essa crença não está 
alinhada com a realidade. Isso é evidenciado pelo grande número de casos 
de racismo, com o fato de nenhum artigo do estatuto da igualdade racial 
ser cumprido, de Estados, Municípios, União e Mantenedoras de estabeleci-
39
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
mentos de ensino privado descumprirem a obrigação de ensinarem as cultu-
ras e as histórias afro-brasileiras e indígenas na rede básica de ensino. Além 
disso, a falta de regulamentação do parágrafo 3º do artigo do 39 do estatuto 
mencionado, juntamente com a informação de que a adesão ao sistema nacio-
nal de promoção de igualdade racial é de aproximadamente 2% dos 5570 
municípios brasileiros, impede a implementação de um trabalho baseado 
na intergovernabilidade e na intersetorialidade.
Nesse panorama, segue sendo relevante discutir as relações étnico-
-raciais e o antirracismo, bem como sobre a obrigação constitucional de se 
planejar e de se ter foco na eficiência e na eficácia. Dessarte, traz-se aqui 
uma experiência vivenciada com o esforço para que uma instituição pública 
fiscalizasse a implementação da norma prevista no artigo 26-A da Lei 
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no âmbito do Estado do Rio 
Grande do Sul, servindo de referencial para que essa iniciativa seja replicada 
em outras unidades da Federação.
Oportuno destacar que a implementação visada tem forte possibilidade 
de alterar as produções de subjetividade, uma vez que a escola é o primeiro 
espaço público no qual se convive, se disputa, se aprende e se ensina, em con-
texto diferente dos lares de cada um .
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Como consequência da Conferência de Durban, em 2003, foi criada 
a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR) e ins-
tituído o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 
(LDBEN) por meio da lei 10639/2003. Posteriormente, esse artigo foi alterado 
pela lei 1.0645/2008.
Embora a norma que torna obrigatório o ensino das histórias e das 
culturas afro-brasileiras e indígenas na educação básica, assim como a edu-
40
Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
cação para as relações étnico-raciais, seja extraída de uma normativa ligada 
à educação, os efeitos de seu cumprimento têm potencial para se estender 
a outros domínios pelo fato de se estar investindo em novas gerações de bra-
sileiros de todas as raças. Se isso não bastasse, a médio ou longo prazo, 
a educação seria causa direta de transformação em domínios como o do 
mercado de trabalho, o do sistema de justiça, o do sistema de segurança, 
o de saúde e o da tecnologia. Pela mesma razão que os fenômenos raciais 
impactam nos domínios elencados acima, o antirracismo pode incidir e gerar 
efeitos significativos como já se teve oportunidade de afirmar em artigo sobre 
cidadania e tecnologia (Silva, 2021, p. 928):
Perceptível é que a conectividade entre cidadania, fenômenos 
raciais e tecnologia toca em questões sensíveis para o corpo 
social uma vez que implicam debate sobre valores relevantes 
como dignidade e justiça. Ademais, fica evidente que são 
urgentes e impositivos posicionamento e comportamentos 
anticastas, impedindo que, por atualizados meios, grupos 
raciais sejam mantidos em permanente posição de domina-
ção enquanto outros, permanentemente, são desvalorizados, 
discriminados e limitados no exercício da cidadania possível. 
Esse atuar anticasta perpassa pelo aprofundamento do estudo 
jurídico antidiscriminatório, pela ampliação da diversidade 
no domínio da tecnologia, pela utilização da tecnologia para 
enfrentar os fenômenos raciais, pela avaliação das consequ-
ências do emprego da tecnologia com esteio em evidências 
e pelo firme respeito aos valores éticos. Nessa quadra, a regu-
lação, as diretrizes e as normas relativas à tecnologia precisa-
rão ter por força motriz os direitos humanos e fundamentais 
considerados de forma dinâmica e não meramente concei-
tual, bem como a transparência e a articulação com políticas 
públicas e privadas atinentes a outros domínios.
Se a pessoa vive uma situação de desigualdade na educação, isso 
prejudica a sua formação. Como consequência, ela, possivelmente, será 
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
empregada na economia formal com baixa remuneração ou obterá ocupação 
na economia informal; se for assim, isso a conduzirá a morar em zona perifé-
rica de uma cidade, sem equipamentos públicos, tendo acesso a deficiente 
saneamento básico e a transporte público de baixa qualidade, podendo esse 
quadro impactar na sua saúde .
E se, dando sequência às hipóteses lançadas nesse tópico, a pessoa 
“A” tiver um filho ?
Esse filho, pessoa “B”, será criado em área periférica, sem equipamentos 
públicos, em casa de pessoas com baixa renda e tendo dificuldade para 
ter alimentação adequada. Esse quadro, percebe-se, tem forte possibilidade 
de impactar no seu desempenho escolar. 
As hipóteses mencionadas acima permitem concluir que as 
desigualdades se acumulam e se transmitem de um domínio para outro, 
bem como de uma geração para outra. Isso faz com que seja pouco 
eficaz as iniciativas voltadas a combater os fenômenos raciais em apenas 
um domínio e sem articulação com outras iniciativas direcionadas a outros 
domínios. Graficamente, essa transmissão poderia ser representada por vasos 
comunicantes dentro dos quais um mesmo líquido circulasse.
Esses pressupostos devem ser considerados ao avaliar o nível de desi-
gualdade em um determinado domínio e ao buscar soluções para essa ques-
tão. Eles apontam para a necessidade de haver planejamento, avaliação 
e monitoramento. Oportuno referir que o planejamento não é uma faculdade, 
é uma obrigação no âmbito público, assim como também a adequada utili-
zação dos meios e o alcance satisfatório dos fins .
De bom alvitre sublinhar que formuladores de políticas públicas, em regra, 
não dedicam atenção à intergeracionalidade, o que conduz à desconsideração 
de questões relevantes na avaliação e na proposta de políticas públicas, como 
também nas possibilidades de avanço e de transformação.
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Questões étnico-raciais e os caminhos para uma educação antirracista
Como bem ensina Staub (2003), há uma relação direta entre desva-
lorização, discriminação e desigualdade. Grupos que apresentam alguma 
característica identificada por outros grupos dominantes, são desvaloriza-
dos. Nesse quadro, são tratados diferentemente, ou seja, são discriminados. 
A discriminação dirigida a esses grupos gera desigualdade. Em situação 
de desigualdade, eles são associados a características tidas como

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