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Filosofia da Biologia - Paulo C Abrantes-307

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grupo integrante de uma metapopulação23. Os grupos são selecionados se entre seus
membros componentes ocorre variação emuma característica, interação entre indivíduos
que se relacionam com seu ambiente de maneira coesa e maior aptidão. Como resultado
do processo, é superior um grupo que apresenta maior proporção de indivíduos que
possuem a característica altruísta.24
O fenômeno da conduta cooperativa e altruísta tem uma frequência maior do que se
pensava, dada a natureza pró-social de numerosas espécies animais e, em especial, mas
não exclusivamente, da espécie humana.25
De acordo com Sober e Wilson, o selecionismo em múltiplos níveis é a melhor
explicação para esse fenômeno:
Mostramos que a rejeição da seleção de grupo reflete uma massiva confusão
entre processo e perspectiva. As teorias que foram propostas como alter-
nativas à seleção de grupo são simplesmente diferentes maneiras de ver a
evolução em populações estruturadas em grupos. Esta não é uma interpre-
tação idiossincrática nossa, mas que está se impondo como um consenso
entre os biólogos teóricos e outros que estão muito familiarizados com os
fundamentos conceituais da biologia evolutiva. A seleção multinível deve
ser incluída na família pluralista da biologia evolutiva (SOBER; WILSON. D,
1998, p. 98-99).
Lembremos o modo como um grupo é caracterizado por Sober e Wilson e citado acima.
Aplicando-se esse critério, tem entidade real como grupo uma coalizão temporal em
interação, como a mencionada por esses autores em um exemplo fictício: o de um par de
grilos que, na tarefa de cruzar uma lagoa sobre uma folha, compartilham um “destino
comum”. Não é relevante se osmembros do grupo são ou não damesma espécie, sempre
que interajam de uma forma que seja significativa evolutivamente.26
Entre o convencionalismo e o realismo, várias posturas intermediárias se diferenciam
de acordo com o modo de interpretar o alcance epistemológico dos modelos.
Waters (1991, 2005) inclina-se pelo pluralismo de representações e adota um realismo
moderado e “menos estridente”, que elude o realismo forte, difícil de justificar. Ele
admite que entre as representações é razoável preferir as verdadeiras, aquelas que têm
23O termo ’metapopulação’ refere-se a um grupo de populações pertencentes a uma mesma espécie.
Introduzido por Levins (1969), utilizam-noWilson, D. S. e Sober para mostrarem as interações ecológicas
de competição, acasalamento, alimentação e predação nos grupos. Foi também utilizado por Wilson, E.
O. (1975), em seu capítulo V, ‘Seleção de grupo e altruísmo’.
24Sober e Wilson (1994, p. 550-551) notam que o processo pode ocorrer, ao mesmo tempo, no nível do
organismo e do grupo. A metáfora para o caso da seleção no nível do grupo é que os indivíduos “estão
no mesmo barco”.
25Darwin (1871) referiu-se à cooperação nos grupos humanos como um exemplo possível desta forma de
seleção e como uma origem possível da inclinação à moralidade.
26É muito ilustrativo o exemplo de seleção de grupo provocada artificialmente em laboratório. Em
uma granja avícola seleciona-se a característica de maior produtividade em grupos com aves menos
agressivas. (Ver SOBER; WILSON, 1998, p.121-123).
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um genuíno significado empírico e uma contrapartida no mundo natural. Segundo seu
critério, cada um dos diferentes modelos de seleção proporciona uma explicação parcial;
as diferenças não são sobre questões de fato. Não é necessário que em cada ocasião
seja identificado um único agente causal, porque as situações evolutivas “podem ser
representadas por uma pluralidade de modelos empiricamente razoáveis”. Ele atribui
as diferenças entre teorias à postulação de diferentes quadros teóricos como ponto de
partida, diferentes critérios para fixar o limite entre o domínio selecionado (níveis) e seu
ambiente, bem como diferentes maneiras de analisar e decompor os elementos causais
com que cada nível contribui. Os critérios de escolha são pragmáticos. Embora o objetivo
dos modelos seja identificar causas da mudança evolutiva por seleção, a causalidade é
compartilhada entre o nível inferior (genes) e o superior (interagentes em vários níveis).
Kerr e Godfrey-Smith (2002) postulam o pluralismo sobre as unidades de seleção
e destacam a importância evolutiva da estrutura da população, o espaço em que os
processos de seleção realmente ocorrem. Esses autores avaliam os modelos e contri-
buem com uma representação matemática dos casos possíveis de seleção em vários
níveis. Comparam duas perspectivas, uma contextual ou individualista, na qual se
atribui aptidão aos indivíduos, sendo os grupos considerados parte do contexto em que
operam os indivíduos, sejam eles organismos ou genes. O parâmetro considerado é uma
média da aptidão dos indivíduos. A outra é uma perspectiva coletiva, que considera os
grupos como unidades, “registrando o resultado de todos os indivíduos dentro de um
grupo para definir a produtividade no nível de grupo ou a aptidão do grupo” (KERR;
GODFREY-SMITH, 2002, p. 480). A ênfase do argumento não está na força causal do
grupo como agente de seleção, mas na relação que existe entre os dois modelos. Dado
que há equivalência nas equações que representam cada um dos processos, os autores
propõem uma “mudança na Gestalt” (Gestalt switch) que permita passar de uma para
outra representação de acordo com a necessidade do pesquisador. Não se supõe que
um dos dois modelos seja superior ao outro. Como heurística, Kerr e Godfrey Smith
recomendam:
Deveríamos cultivar a habilidade de considerar os grupos como unidades
portadoras de aptidão em seu próprio direito e considerá-los como parte do
meio (milieu) que determina a aptidão dos indivíduos (KERR; GODFREY-
SMITH, 2002, p. 479).
Sterelny e Kitcher (1988) e Kitcher (2004) opõem-se ao monismo e favorecem claramente
um “pluralismo selecionista gênico”, com múltiplas representações. Dentre essas desta-
cam o modelo genético de explicação, afirmando que em qualquer processo de seleção
a representação maximamente adequada — a que proporciona mais informação sobre o
processo de seleção — é aquela que atribui eficácia causal às propriedades genéticas
(STERELNY; KITCHER, 1988). Apesar de admitirem descrições em termos organísmicos,
de seleção por parentesco e de seleção no nível do grupo, assinalam que uma descrição
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