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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa A Fonologia Profª Juliana Fogaça Sanches Simm • Unidade de Ensino: 03 • Competência da Unidade: Conhecer os fonemas da Língua Portuguesa. • Resumo: Estudo dos fonemas do português brasileiro e os seus alofones, abordagem da Fonologia Padrão e dos processos fonológicos da língua portuguesa. • Palavras-chave: Fonologia. Processos fonológicos. Fonemas. • Título da Teleaula: A Fonologia • Teleaula nº: 03 Contextualização • O que é Fonêmica? • Quais são os fonemas consonantais do português brasileiro? • O que é um arquifonema? • O que é traço distintivo? • Para que servem as regras fonológicas? • Como se faz uma transcrição fonética e uma transcrição fonológica? • Qual(is) a(s) consequência(s) dos processos fonológicos do português brasileiro? Fonêmica As palavras a seguir são possíveis no português? sali spali Os segmentos consonantais e vocálicos organizam-se em estruturas silábicas formando palavras possíveis em um determinada língua. Fonêmica Uma das técnicas usadas para determinar o inventário de fonemas de uma língua. Análise fonêmica: verifica a organização da cadeia sonora do português. Busca compreender como segmentos consonantais e vocálicos afetam segmentos adjacentes. Línguas variam quanto aos seus inventários fonéticos. Premissa da fonêmica Os sons sofrem alterações dependendo daqueles que os seguem ou precedem. O som correspondente ao fonema tende a ser mais livre e menos afetado pelo contexto fonético adjacente, enquanto os sons que aparecem exclusivamente em um contexto fonético determinado corresponde ao alofone de um fonema, ou seja, a outra realização do fonema. Análise de fones suspeitos por ambiente Substituição do som suspeito pelo sublinhado "___" e antes ou depois dele coloca-se os sons ou estruturas adjacentes. V ____V contexto intervocálico # ____ início de palavra _____# final de palavra ___+__ limite morfológico ___$__ limite de sílaba Aplicação da técnica com os pares suspeitos [m, b] e [t, d] versus [tS, dZ]: Par suspeito [m] versus [b] Palavras Transcrição Fonética Contexto mar 'maɼ, 'maɹ, 'max #___a malabaris mo malaba'ɼiz mu #__a, s__o amor a'moɼ, a'moɹ, a'mox a__o bode 'bɔdʒi #__ɔ aba 'abɐ a__a bala 'balɐ #__a Possibilidades dos contextos de ocorrência dos dois sons: Pares mínimos: mala/bala /m/ e /b/: exercem uma função contrastiva, portanto, são fonemas. [tS, dZ]: ocorrem sempre seguido de [i], indicando que os fones suspeitos estão em distribuição complementar (alofones) [tS, dZ] seguidos de [i] /t,d/ [t] n.d.a Fonemas consonantais do português brasileiro Fonemas consonantais do português brasileiro 1. Consoantes obstruintes descon�nuas → oclusivas. 2. Consoantes soantes descontínuas → nasais e o rótico tepe. 3. Consoantes obstruintes con�nuas → frica�vas. 4. Consoantes soantes con�nuas → laterais. Português brasileiro Possui 19 fonemas consonantais e quatro arquifonemas. Alofones: não estão inseridos no quadro, pois são uma realização de um fonema em um determinado contexto específico. Fonemas vocálicos: sete vogais fonológicas, isto é, sete vogais que possuem função contrastiva. /a/, /e/, /E/, /i/, /o/, /ᴐ/ e /u/. /e/ versus /E/ → seco ≠ (eu) seco /ɔ/ versus /o/ → boto ≠ (eu) boto Alofones consonantais do português brasileiro Alofone Posicional: quando a ocorrência do fone em determinado ambiente pode ser explicada pela presença de um segmento específico. Ex: alofones palatais [tS, dZ] - a ocorrência é dependente da posição imediatamente precedente a vogal [i]. Alofones consonantais do português brasileiro Variação livre - é caracterizada por não ser dependente do contexto fônico adjacente, ou seja, os alofones em variação livre não são motivados pela vogal ou consoante que os precedem ou seguem. Ex: variação do fonema // na coda da sílaba, que pode ser realizado de diferentes formas. Arquifonema Representação da neutralização dos fonemas consonantais. /R/ /S/ /N/ /l/ [pot] [pot] /poRta/ [past] [paSt] /paSta/ [si] [sitU] /siN/ /siNto/ [kaw] [ka] /kal/ Traços distintivos Traços distintivos São propriedades mínimas de caráter acústico ou articulatório que coocorrem para formar os sons das línguas naturais. Os traços têm uma função classificatória e distintiva, sendo, por essa razão, binários. Cada item do léxico, consiste de uma matriz de traços fonológicos: + presença da propriedade - ausência da propriedade 0 (zero) informação dispensável de determinada propriedade O conjunto de traços distintivos são classificados em cinco tipos: traços de classes principais, traços de cavidade, traços de modo de articulação, traços de fonte e traços prosódicos. Classes principais Soantes: [+soante] Silábicos: [+silábico] Consonantal - não consonantal: [+consonantal] Traços de cavidade Coronal: [+coronal] [-coronal] Anterior: [+anterior] [-anterior] Nasal: [+nasal] [-nasal] Lateral: [+lateral] [-lateral] Alto: [+alto] [-alto] Baixo: [+baixo] [-baixo] Posterior: [+posterior] [-posterior] Arredondado: [+arredondado] [-arredondado] Traços de modo de articulação Contínuo: [+contínuo] [-contínuo] Soltura retardada: [+soltura retardada] [-soltura retardada] Tenso: [+tenso] [-tenso] Traço de Fonte Voz (ou sonoro) [+voz] [-voz] Estridente [+estridente] [-estridente] Situação-problema Ana Laura é uma garotinha de 2 anos e 6 meses que está adquirindo a língua portuguesa como sua língua materna. Ela é brasileira, seus pais são brasileiros, e ela não possui nenhum déficit específico de linguagem ou comprometimento fonoaudiológico. É esperado, então, que a menina tenha sua produção linguística de acordo com a fase de aquisição da fonologia. Os pais de Ana estão preocupados porque ela fala com a “língua presa”. Isto é, a realização dos fonemas /s/ e /z/ não é feita como o esperado, pois ela pronuncia, por exemplo, o [s] de “sapo” com a língua entre os dentes incisivos. • Como você, profissional da linguagem, explicaria a produção linguística de Ana Laura, considerando que ela não tem nenhum comprometimento articulatório ou cognitivo? • É possível haver alguma explicação linguística? Esse é um caso típico da construção da gramática fonológica em desenvolvimento, que ainda não estabeleceu contraste entre os segmentos coronais, produzidos com a ponta da língua nos alvéolos, e não coronais, no caso, as labiais. É provável que isso se resolva até os 4 ou 5 anos de idade. Na idade de Ana Laura, é totalmente normal que a criança produza, em algum nível de aceitabilidade, segmentos desviantes da sua língua materna. Explicação Questões 1) O que é fonêmica? 2) O que são os traços distintivos? 3) Quais são os quatro arquifonemas do português? Regras Fonológicas Regras Fonológicas Aplicam-se a estruturas subjacentes, ou seja, a representações fonológicas, modificando-se até chegar à representação fonética. A regra fonológica formaliza processos fonológicos e é expressa da seguinte maneira: A → B / C ____D Descrição estrutural e mudança estrutural A descrição estrutural constitui-se pelo segmento a ser modificado e pelo contexto em que ele será modificado. A mudança estrutural é a mudança que ocorre em A, ou seja, está expressa em B. Descrição estrutural e mudança estrutural Exemplo: No português brasileiro, temos um processo que abaixa as vogais médias pré-tônicas quando elas são seguidas de vogais baixas em sílaba acentuada: a. p/o/mada → p[ɔ]mada b. m/e/leca → m[ɛ]leca c. b/o/lota → b[ɔ]lota Regra fonológica de harmonia vocálica formalizada com segmentos Regra fonológica formalizada com traços distintivos Importante fato das línguas: os processos fonológicos tendem a operar em classes naturais, e não em segmentos isolados. Uma classe natural é um conjunto de segmentos de uma língua que compartilha um certo número de traços distintivos. Gatilho para a mudança de/e, o/ é o traço [baixo] das vogais que seguem. A mudança atinge toda a classe de vogais (segmentos [+silábico]) médias, que possuem especificação [- alto] e [-baixo], assim como também é desencadeada pela classe de vogais [+baixo]. Transcrição Fonética e Trascrição Fonológica O que é “transcrever”? “Escrever novamente um determinado conteúdo em outro lugar; passar para o papel ou equivalente algo que está sendo ouvido; escrever algo escrito em outro sistema ou em outro alfabeto; fazer transcrição de texto; trasladar texto ou documento, literalmente, para outro documento ou escritura.” (HOUAISS, 2009) Transcrição em diferentes áreas Linguística Histórica Transcrição de manuscritos Crítica Genética Transcrição de manuscritos, rascunhos Análise da Conversação Transcrição de diálogos, conversas Fonética e Fonologia Transcrição de sons (fones e fonemas) A transcrição na Fonética e na Fonologia fonética fonologia [fonEtSik] [fonoloZi] /fonEtika/ /fonoloZia/ transcrição fonética transcrição fonológica A transcrição fonética “Representação dos sons da fala que geralmente utiliza os símbolos do IPA. A partir de uma transcrição fonética é possível recuperar a pronúncia de um enunciado [...] É pronunciável e apresentada entre colchetes, como em casa [kaz].” (SILVA, 2017, p. 213) Representação dos fones (Fonte: MADRUGA, Magnun Rochel. Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa. Ed. Educacional: Londrina, 2018. ) A transcrição fonológica (ou fonêmica) “Representação dos fonemas de uma língua, os quais foram determinados a partir do modelo fonêmico. É uma representação abstrata que expressa uma análise específica. Não é pronunciável e é apresentada entre barras transversais, como, por exemplo, casa /kaza/.” (SILVA, 2017, p. 213) [fonEtSik] [fonEtik] /fonEtika/ Não leva em conta as variações alofônicas Processos fonológicos no português brasileiro Processos fonológicos “Os processos são as modificações que os morfemas sofrem quando se combinam para formar as palavras. Eles podem alterar ou acrescentar traços articulatórios, eliminar ou inserir segmentos, e esses processos fonológicos podem ser classificados em função das alterações que ocorrem nos segmentos.” (SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2019, p. 140) manifestações no “falar” dos indivíduos Processo de Inserção Também conhecido como processo de epêntese, caracteriza-se pela adição de um ou mais sons em uma determinada estrutura fonológica, como a sílaba ou a palavra, por exemplo. No português brasileiro, a vogal epentética, por excelência, é a vogal [i]: a. captar → [ka.pi.'taɾ] b. objetivo → [o.bi. ʒe.tʃi.vʊ] c. advogado → [a. dʒi.vo.'ga.dʊ] d. dogma → [dɔ.gi.mɐ] Processos de apagamento (Elisão) Processo que “envolve cancelamento ou queda de consoantes, vogais ou de sílabas”. (SILVA, 2017, p. 98) Elisão do /ɾ/ da coda em verbos, como ocorre a seguir: a. comprar → com[‘ pɾa] b. beber → be[‘be] peixe [peSI] Livro [livU] Assimilação É um processo fonológico em que um segmento se torna mais parecido com um dos segmentos que lhe são adjacentes. Isto é, um segmento adquire algumas propriedades de outro. Exemplos de assimilação no português brasileiro: • o vozeamento da fricativa da coda; • a assimilação de ponto da nasal da coda; e • a harmonia vocálica. Assimilação de vozeamento da fricativa: Quando um segmento vozeado segue a /S/ em coda: a. rasga → ra[z]ga b. mesmo → me[z]mo Assimilação de ponto de articulação da nasal em coda: Conforme o ponto da consoante que a segue, é produzida de forma diferente: a. campo → ca[m]po b. canta → ca[n]ta Assimilação por harmonia vocálica: a. p/o/mada → p[ɔ]mada b. m/e/leca → m[ɛ]leca Metátese Transposição de sons dentro de uma palavra. Tendência de metáteses em início da palavra: a. perturbação > preturbação b. formiga > frumiga Há casos em que o glide do ditongo crescente muda para a coda da sílaba imediatamente anterior, formando um ditongo decrescente: a. tábua → ta[w]ba b. água → a[w]ga Situação-Problema Marcos é um jovem com pouco estudo. Nasceu no interior e teve uma vida difícil, com poucas chances de estudar, pois precisava trabalhar para sobreviver. Hoje, já adulto, sente dificuldade nos relacionamentos e até mesmo em fazer amizades, porque fala coisas como “probe”, “vrido”, “pobrema” e iorgute” para as palavras “pobre”, “vidro”, “problema” e “iogurte”, respectivamente. Ele soube que você era professor de português e lhe pediu ajuda. Você, conhecendo a língua, sabe que essas estruturas são possíveis, porém são muito estigmatizadas. Como poderia ajudá- lo? E além disso, como explicar essas pronúncias? Por que elas ocorrem nas línguas? Ajudar Marcos com exercícios de escrita, uma vez que o conhecimento da palavra ortográfica pode trabalhar a consciência fonológica do aluno, de modo que ele perceba que sua fala é desviante de formas escritas. A escrita, neste caso, seria crucial para indicar a Marcos as mudanças que ele faz em sua produção. Estratégias Perguntas Recapitulando • Fonêmica; • Pares suspeitos; • Alofone posicional; • Arquifonema; • Transcrição fonológica; • Fonologia padrão; • Traços distintivos; • Regras fonológicas; • Processos fonológicos: epêntese; apagamento; assimilação; metátese. Revisão Referências HOUAISS, Antonio. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZZAROTTO-VOLCÃO, Cristiane. Para conhecer Fonética e Fonologia do português brasileiro. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2019. SILVA, Thaïs Cristófaro. Dicionário de Fonética e Fonologia. São Paulo: Contexto, 2017. SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e Fonologia do português brasileiro. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2019.