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Princípios da terapia cognitivo- comportamental Apresentação O interesse pelo comportamento humano não é novo. Filósofos da antiga Grécia, como Sócrates, Platão e Aristóteles, já tentavam dar explicações para essa questão. A psicologia permaneceu como um apêndice da filosofia até 1879, quando foi criado o primeiro laboratório de psicologia experimental, e ela adquiriu o status de ciência. A partir daí, as pesquisas se ampliaram, e muitas teorias surgiram. Uma das áreas mais tradicionais da psicologia é a prática psicoterápica, sendo a terapia cognitivo- comportamental (TCC) uma das mais importantes, já que está baseada em evidências e apresenta alta taxa de resolutividade dos problemas trazidos pelos clientes, além de ter duração mais curta em relação a outras modalidades. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer os princípios que embasam essa terapia, bem como alguns aspectos históricos. Você vai conhecer as diferentes abordagens clínicas, por meio do estudo das três ondas de seu desenvolvimento. Também vai conhecer algumas contribuições da avaliação psicológica de base empírica para a prática clínica da TCC. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a história da terapia cognitivo-comportamental e seus princípios.• Reconhecer as principais abordagens das terapias cognitivas e comportamentais.• Identificar contribuições da avaliação psicológica para a terapia cognitivo-comportamental.• Desafio A TCC mostra evidências de sucesso em tratamentos de várias patologias, e pacientes com fobia têm sido um dos grupos beneficiados. Além disso, pelo fato de trabalhar com planos de tratamento e sessões mais estruturados, baseados em protocolos comprovados por pesquisa, a TCC dá mais segurança aos profissionais, especialmente àqueles que estão iniciando na carreira. Imagine a seguinte situação: Como você organizaria uma avaliação inicial para Pedro? Como planejaria as estratégias que serão utilizadas para a avaliação de um caso de fobia social? Infográfico Uma das aplicações práticas das teorias psicológicas é a criação de terapias. Cada terapia tem seus princípios teóricos e abordagens práticas. Uma das mais importantes formas de tratamento psicológico é a TCC, que se inova continuamente e tem seus protocolos baseados em evidências científicas e apresenta boas taxas de sucesso. O desenvolvimento da TCC costuma ser descrito por meio de três ondas. Neste Infográfico, você irá conhecer grandes nomes e suas contribuições nas três ondas de desenvolvimento da TCC. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Conteúdo do livro Entre as várias possibilidades de terapias psicológicas, os enfoques predominantes na atualidade se incluem em um grupo de abordagens chamado de terapia cognitivo-comportamental. A TCC tem mostrado resultados favoráveis em diversos quadros, como transtornos de ansiedade, fobias, transtornos alimentares, transtornos depressivos, traumas, vícios e transtornos da personalidade. No capítulo Princípios da terapia cognitivo-comportamental, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer o que é a TCC, seus aspectos históricos e os princípios que a sustentam. Vai conhecer suas várias abordagens a partir da compreensão do seu desenvolvimento em três diferentes ondas, com predomínio de aspectos comportamentais ou cognitivos, nas duas primeiras, respectivamente, para culminar em um enfoque cognitivo-comportamental na terceira onda. Você vai conhecer também contribuições da avaliação psicológica com base empírica à TCC. Boa leitura. TERAPIA COGNITIVO- -COMPORTAMENTAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Descrever a história da terapia cognitivo-comportamental e seus princípios. > Reconhecer as principais abordagens das terapias cognitivas e comporta- mentais. > Identificar contribuições da avaliação psicológica para a terapia cognitivo- -comportamental. Introdução Existem várias teorias psicológicas e diversas áreas de atuação na psicologia, sendo a prática clínica uma das áreas mais antigas. Uma das terapias psicológicas mais conhecidas na atualidade é a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que se caracteriza pela permanente revisão e pela sustentação teórica baseada em evidências empíricas. Suas técnicas mais estruturadas, além de ajudar uma ampla gama de clientes com variados tipos de patologias, também proporcionam mais segurança aos terapeutas, especialmente aos menos experientes. Neste capítulo, você vai conhecer alguns aspectos históricos da TCC, bem como os princípios que a norteiam. Também vai estudar suas principais abordagens, analisando suas três ondas. Por fim, vai identificar as contribuições da avaliação psicológica para a TCC. Princípios da terapia cognitivo- -comportamental Tania Beatriz Iwaszko Marques História da TCC e seus princípios A história da psicologia como ciência é recente, tendo iniciado em 1879, quando Wundt criou na Alemanha o primeiro laboratório de psicologia. De lá até os dias de hoje, muitas teorias foram desenvolvidas, tendo algumas obtido mais relevância do que outras. Algumas dessas teorias contribuíram para a prática clínica, sendo a TCC uma das mais importantes. Nesta seção, você vai conhecer a definição e alguns aspectos históricos da TCC, bem como os princípios que norteiam sua prática. O que é a TCC A TCC não é uma forma única de terapia, mas um conjunto de terapias que se modificaram ao longo de sua história. Nessa história, houve contribuições muito diversas, sendo algumas milenares e outras atuais. Como afirmam Bar- bosa, Terroso e Argimon (2014, documento on-line), “há uma visão de mundo influenciada por diferentes pontos de vista (abstrato, humano, mecânico), de diferentes momentos históricos da humanidade, o que traz um paradigma epistemológico híbrido para a TCC”. Ao longo deste texto, você poderá compreender que essa diversidade de colaborações não resulta em um problema epistemológico, mas, ao contrário, demonstra uma flexibilidade para dar conta das descobertas e demandas da atualidade. Portanto, a primeira, a segunda e a terceira onda da TCC “de- vem ser entendidas como complementares, não rivais: casadas, tendem a proporcionar estratégias eficazes para o tratamento de diversas patologias psíquicas” (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014, documento on-line). A psicologia comportamental estuda o comportamento, que é entendido em função das contingências ambientais (BAUM, 2006). Por sua vez, a psicologia cognitiva estuda a forma como as pessoas percebem, aprendem, recordam e pensam sobre a informação (STERNBERG, 2010). Neste capítulo, vamos acompanhar como essas diferentes abordagens se tornaram complementares. Alguns marcos Na década de 1940, surgiu a terapia comportamental, ou analítico-compor- tamental, fundamentada principalmente nas ideias de Skinner (1967, 1975, 1982). De acordo com o behaviorismo radical proposto por Skinner, o objeto de estudo da psicologia é o comportamento, entendido como sendo deter- Princípios da terapia cognitivo-comportamental2 minado e definido pela interação entre o organismo e o ambiente a partir de relações funcionais, as chamadas “contingências”. Na terapia baseada nessa concepção, sentimentos, somatizações, atitudes, emoções, valores e pensamentos de uma pessoa são considerados variáveis dependentes, que resultam das contingências. Assim, as terapias comporta- mentais têm foco na mudança comportamental a partir da modificação das contingências (MARCAL, 2005). No início da década de 1960, o então psicanalista Aaron Beck desenvolveu a terapia cognitiva, que se caracterizava como “uma psicoterapia breve, estruturada e orientada para o presente” (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014, documento on-line). A ideia central dessa terapia é que os transtornos psicológicos resultam de pensamentos distorcidos ou disfuncionais. Ou seja, entende-se que a pessoa tem seu humor e seu comportamento alterados em função dessadistorção cognitiva. Considerando isso, a terapia foca-se em realizar modificações nas avaliações distorcidas da realidade, buscando uma apreciação mais realista (BECK, 2022; STERNBERG, 2010). Na busca por alternativas terapêuticas mais eficientes, várias áreas contribuíram para a construção do que hoje se chama de TCC: antropologia, filosofia, neurociências, fisiologia, linguística, matemática e até mesmo teorias da computação. Isso confere à TCC um paradigma epistemológico híbrido (DUPUY, 1996; NEUFELD; RANGÉ, 2017). Princípios Não existe uma única TCC, mas um conjunto de diferentes abordagens que, apesar das suas especificidades, guardam algumas semelhanças importantes. Segundo Dobson e Dezois, embora existam diferenças entre as abordagens da TCC, há três premissas fundamentais que as envolvem e as definem (DOBSON, 2006): 1. a cognição afeta o comportamento; 2. a cognição pode ser monitorada e alterada; 3. a mudança comportamental desejada pode ser efetuada por meio da mudança cognitiva. Relacionadas a essas premissas, estão presentes nas distintas abordagens das TCCs três hipóteses, apresentadas no Quadro 1. Princípios da terapia cognitivo-comportamental 3 Quadro 1. Hipóteses presentes nas distintas abordagens das TCCs Hipótese de acesso O conteúdo e o processo de nosso pensamento são passíveis de ser conhecidos. Hipótese de mediação Os nossos pensamentos medeiam nossas respostas emocionais às variadas situações nas quais nos encontramos. Hipótese de mudança Pelo fato de as cognições serem passíveis de conhecimento e mediarem as respostas a situações diferentes, podemos intencionalmente modificar o modo como respondemos aos acontecimentos a nosso redor. Fonte: Adaptado de Dobson (2006). Segundo Beck (2022), embora devam ser feitas algumas adaptações à individualidade de cada paciente, há nas abordagens cognitiva e comporta- mental princípios que são válidos para quase todos. Esses princípios estão listados a seguir. 1. Os planos de tratamento na TCC estão baseados em uma conceituali- zação cognitiva em desenvolvimento contínuo. 2. A TCC requer uma aliança terapêutica sólida. 3. A TCC monitora continuamente o progresso do cliente. 4. A TCC é culturalmente adaptada e adapta o tratamento ao indivíduo. 5. A TCC enfatiza o positivo. 6. A TCC enfatiza a colaboração e a participação ativa. 7. A TCC é aspiracional, baseada em valores e orientada para os objetivos. 8. A TCC inicialmente enfatiza o presente. 9. A TCC é educativa. 10. A TCC é atenta ao tempo de tratamento. 11. As sessões de TCC são estruturadas. 12. A TCC utiliza a descoberta guiada e ensina os clientes a responderem às suas cognições disfuncionais. 13. A TCC inclui planos de ação (tarefa de casa da terapia). 14. A TCC utiliza uma variedade de técnicas para mudar o pensamento, o humor e o comportamento. Princípios da terapia cognitivo-comportamental4 Nesta seção, você conheceu os princípios das TCCs e alguns de seus impor- tantes marcos históricos. A seguir, vamos estudar as principais abordagens das TCCs, analisando as três ondas de seu desenvolvimento. Principais abordagens das TCCs Nesta seção, você vai conhecer as principais abordagens das TCCs ao longo das suas três ondas. Primeira onda da TCC Na primeira onda da TCC, houve um predomínio do aspecto comportamental. Segundo Eysenck e Keane (2007), os tratamentos eram dominados por técnicas de exposição, próprias do comportamentalismo. O ponto de partida dessa onda foram os estudos de Pavlov, um fisiolo- gista russo que estudou o condicionamento clássico, ou reflexo, realizando pesquisas com cães. Por meio desses experimentos, realizados em condições de laboratório, Pavlov demonstrou como podem ser condicionadas novas respostas a partir de estímulos incialmente neutros (SKINNER, 1967, 1975). Em 1913, John Watson fundou o behaviorismo metodológico. Ele acreditava que o comportamento objetivo e observável era o objeto ideal para a ciência psicológica natural e defendia que a psicologia não deveria se ocupar da consciência, da introspecção e da mente. Segundo o autor, as experiências têm origem no mundo real e não são afetadas por características internas dos indivíduos (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014). Por sua vez, o behaviorismo radical foi fundado pelo americano Burrhus Frederic Skinner, que considerava que a investigação científica deveria “ser motivada pela possibilidade de entender os efeitos práticos e funcionais que norteiam a busca pela compreensão do objeto, e não por uma busca pela verdade” (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014, documento on-line). Watson estudava o condicionamento clássico, ou respondente, ou seja, o condicionamento dos comportamentos involuntários (reflexos), ao passo que Skinner estudava o condicionamento operante, isto é, os comportamentos voluntários. Skinner focou seu interesse no estudo do comportamento, pois acreditava que até os sentimentos são comportamentos, não sendo necessário criar entidades mentais. Este autor realizou em condições controladas de laboratório vários experimentos com ratos e pombos, e seus estudos tiveram forte influência sobre a educação, como na criação da máquina de ensinar e da instrução programada (SKINNER, 1967, 1972, 1975). Princípios da terapia cognitivo-comportamental 5 Em resumo, a primeira onda da TCC tem um caráter puramente comporta- mental. A seguir, vamos abordar a segunda onda da TCC, apresentando seus principais expoentes e suas proposições teóricas. Segunda onda da TCC Edward Chace Tolman acreditava que o modelo estímulo-reposta, dominante na primeira onda, era incompleto e que: o organismo deveria ser considerado para a descrição completa do comporta- mento, propondo o modelo estímulo-organismo-resposta (E-O-R). Por isso, ele é considerado um predecessor da psicologia cognitiva, desenvolvendo um modelo mediacional entre a terapia comportamental e a terapia cognitiva (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014, on-line). Em 1955, Albert Ellis criou a terapia racional emotiva, que, embora tenha sido fortemente influenciada pela psicanálise, tem “um caráter mais ativo, diretivo e sistemático de intervenção junto ao paciente” (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014, on-line). Em 1983, ela passou a ser chamada de “terapia racional emotiva comportamental” (Trec), tendo como objetivo identificar e contestar as crenças disfuncionais do indivíduo, buscando manter um estado de equilíbrio emocional, por meio de técnicas cognitivas, emotivas e comportamentais (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014). Com os avanços tecnológicos ocorridos durante a Segunda Guerra Mun- dial, tornou-se necessário compreender a interação entre o ser humano e as máquinas. Nesse contexto, Donald Broadbent afirmou que “o processamento da informação nos seres humanos parecia similar ao das máquinas”, pois verificou que os trabalhadores que as operavam se guiavam pelas informa- ções que recebiam delas, escolhendo entre responder conforme o esperado, desconsiderar ou se opor ao estímulo (NEUFELD; RANGÉ, 2017, p. 24). O movimento behaviorista recebeu críticas da teoria da gestalt, segundo a qual a compreensão do ser humano depende de um todo organizado, e não de partes isoladas. Essa teoria também reivindicava o retorno ao estudo da consciência como objeto primordial da psicologia e, dessa forma, influenciou o surgimento da psicologia cognitiva, que originou a segunda onda da TCC. Ainda, também Karl Spencer Lashley criticava o movimento behaviorista, afirmando que o cérebro não é um órgão passivo diante das contingências ambientais (STERNBERG, 2010). Além dessas críticas internas, o behaviorismo foi criticado por pensadores de outras áreas, como o linguista Noam Chomsky e o antropólogo Claude Princípios da terapia cognitivo-comportamental6 Lévi-Strauss. Segundo Chomsky, existiria uma estrutura mental para a aqui- sição da linguagem, ao passo que Lévi-Strauss considerava a existência de uma estrutura mental capaz de explicar características apresentadas em diferentesculturas (STERNBERG, 2010). Conforme Barbosa, Terroso e Argimon (2014, documento on-line): a confluência dessas críticas contra o behaviorismo, das novas demandas so- ciais e do contexto de desenvolvimento tecnológico propiciaram a revolução que, oficialmente, lançou os modelos de terapia cognitiva como um movimento forte dentro da psicologia. Também os avanços da cibernética e as pesquisas com inteligência artificial contribuíram para que se mostrasse mais necessária a inclusão dos aspectos cognitivos na discussão. No mesmo sentido, as limitações das abordagens puramente comportamentais foram evidenciadas pelas pesquisas de Bandura sobre aprendizagem vicária e sobre autoeficácia (HOTHERSALL, 2019). Aprendizagem vicária é a aprendizagem que ocorre por meio da observação, da imitação ou da reprodução de comportamentos de outras pessoas e dos reforços por elas recebidos. Aaron Beck propôs a psicoterapia cognitiva, cujo objetivo é levar o paciente a substituir avaliações distorcidas sobre os eventos por avaliações mais realistas e adaptativas. Ele acreditava que o pensamento e as avaliações distorcidas poderiam afetar os sentimentos e os comportamentos (DOBSON, 2006). A psicologia cognitiva foi definida por Ulric Neisser como o campo que se refere a todos os processos pelos quais um input (entrada) sensorial é trans- formado, reduzido, elaborado, armazenado, recuperado e usado, gerando um output (saída). O paradigma dominante na área foi o do processamento de informação, que considera os processos mentais comparáveis a um software a ser executado num computador, o cérebro (DOBSON, 2006). Jeffrey Young desenvolveu a terapia dos esquemas, que parte do princípio de que os indivíduos têm necessidades emocionais para se desenvolver e estabelecer relações saudáveis e, quando essas necessidades não são supri- das, eles passam a tentar obtê-las com o uso de esquemas desadaptativos. A terapia do esquema integra elementos da teoria cognitiva, da psicologia da gestalt, da teoria das relações objetais, do construtivismo e das escolas psicanalíticas. Ela valoriza a aliança terapêutica, as origens infantis e os estilos Princípios da terapia cognitivo-comportamental 7 parentais, além de enfatizar a importância do trabalho vivencial por meio de imagens mentais e diálogos (YOUNG; KLOSKO; WEISHAAR, 2003). Vemos, portanto, que a segunda onda da TCC é eminentemente cognitiva. A seguir, você vai conhecer algumas das principais ideias da terceira onda. Terceira onda da TCC A terceira onda da TCC abarca uma diversidade de modelos de intervenção, como, por exemplo, a terapia cognitiva baseada em mindfulness, a terapia comportamental dialética, a psicoterapia analítica funcional e a terapia de aceitação e compromisso (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014). Para a terapia cognitiva baseada em mindfulness, é possível alterar a função dos pensamentos sem que seja necessário alterar antes a sua forma (SEGAL; WILLIAMS; TEASDALE, 2002). A terapia comportamental dialética, por sua vez, considera que a desregulação emocional provém da interação entre uma predisposição constitucional e um ambiente que invalida as experiências do indivíduo (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014). A psicoterapia analítica funcional se baseia na análise da relação terapêu- tica em conjunto com outras abordagens comportamentais e considera que as dificuldades vivenciadas pelo sujeito na relação com as outras pessoas se repetem no ambiente terapêutico (BARBOSA; TERROSO; ARGIMON, 2014). Já a terapia de aceitação e compromisso considera ineficaz a aversão a certas experiências e entende ser necessário o desenvolvimento de um novo reper- tório de pensamentos e sentimentos para as experiências (HAYES et al., 2006). Nesse grupo de terapias, observa-se a convivência entre técnicas com- portamentais e cognitivas advindas tanto da primeira quanto da segunda onda (HAYES et al., 2006). Além disso, vemos que a terceira onda da TCC é influenciada por diversas correntes filosóficas e psicológicas. Nesta seção, você conheceu diferentes abordagens das TCCs, analisando as três ondas de desenvolvimento dessa corrente. A seguir, vamos refletir sobre algumas contribuições da avaliação psicológica baseada em evidências para a TCC. Contribuições da avaliação psicológica para a TCC A avaliação psicológica fornece elementos para várias funções diferentes, tais como “a avaliação intelectual ou cognitiva, a avaliação de deficiências de aprendizagem ou do funcionamento da personalidade e a diagnose dos Princípios da terapia cognitivo-comportamental8 transtornos psicológicos” (DOBSON; DOBSON, 2011, p. 20). Nesta seção, vamos focar nosso estudo no uso da avaliação psicológica na TCC. Avaliação de base empírica Segundo Dobson e Dobson (2011), ao falar sobre avaliação psicológica, de- vemos inicialmente diferenciá-la de teste psicológico. Comparada a este, a avalição é muito mais ampla e inclui informações provindas de diversas fontes, inclusive testes. Ela envolve a integração das informações, sua apreciação e a elaboração de uma síntese. Para os autores, apesar da importância da entrevista, isoladamente ela pode levar a avaliações incompletas. Sobre os testes, Dobson e Dobson (2011, p. 21) afirmam que sua validade é “forte e impositiva”, sendo “comparável à validade dos testes médicos”. Dobson e Dobson (2011) consideram que a avaliação de base empírica inclui tanto o diagnóstico quanto o tratamento. Em geral, a avaliação é bastante utilizada no início do tratamento, mas muito pouco na sequência, para a verificação dos resultados. Os autores, no entanto, acreditam que ela deve ser um processo contínuo, com avaliação periódica de metas. Embora se pense bastante na utilidade da avaliação com base empírica, não há muita pesquisa sobre isso. Por sua vez, há diversas ferramentas que são utilizadas na avaliação psicológica — algumas com pouca sustentação empírica e outras com sustentação suficiente, mas grande parte delas não é exclusiva da TCC. Entrevista Em geral, a avaliação psicológica inicia com a entrevista, que é uma ferramenta utilizada em diversas áreas. Na avaliação da TCC, são utilizados modelos de entrevistas semiestruturadas, de entrevistas estruturadas e até mesmo de entrevistas altamente estruturadas. Grande parte das entrevistas destinadas à avalição na TCC visa a “ajudar o entrevistador a determinar o diagnóstico que o cliente apresenta, em vez dos problemas que este queira enfocar durante a terapia” (DOBSON; DOBSON, 2011, p. 23). As entrevistas mais curtas costumam durar de 10 a 20 minutos, ao passo que a duração das mais longas pode chegar a 120 minutos. Princípios da terapia cognitivo-comportamental 9 Independentemente do modelo de entrevista adotado, nessa etapa devem ser obtidos os seguintes dados: � o problema que traz o cliente à terapia, os gatilhos e as consequências; � as reações do cliente ao experimentar os sintomas, distinguindo os afetos (sentimentos ou emoções) e as reações fisiológicas, bem como as cognições (pensamentos, ideias, imagens) e os comportamentos (ações ou tendência a ações); � os padrões atuais de enfrentamento e de evitação de abordagens; � os déficits de habilidades ou a falta de conhecimento; � o suporte social, as preocupações da família e os problemas inter- pessoais ou sexuais; � outros problemas atuais; � o desenvolvimento e a trajetória dos problemas; � o histórico de tratamento. Medidas de autorrelato Existem várias medidas de autorrelato, mas a maioria delas foi criada para pesquisas e apenas algumas podem ser aplicadas à TCC. Elas costumam ser divididas em medidas de sintomas e medidas cognitivas e comportamentais (DOBSON; DOBSON, 2011). Essas medidas podem ser utilizadas repetidamente, ao longo do tratamento, como forma de avaliar o seu sucesso. Algumas dessas ferramentas são disponibilizadas gratuitamente, ao passo que outras só podem ser usadas mediante pagamento. Dentre essas medi- das, podemos destacar o BAI e oState-Trait Anxiety Inventory, que medem a ansiedade; a Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale, que avalia o quadro obsessivo-compulsivo; a Social Phobia Scale, que avalia a fobia social; a BDI-II e a Beck Hopelessness Scale, que avaliam a depressão. Observação Todo o comportamento do cliente (e não apenas seu conteúdo verbal) pode fornecer uma amostra de seu comportamento em outras situações. Desse modo, é preciso observar seus gestos, sua forma de se comunicar, algumas frases específicas, etc. Também pode ser útil anotar o número de vezes e a duração dos comportamentos. Princípios da terapia cognitivo-comportamental10 Quando houver observação por alunos ou colegas, podem ser usadas salas de espelho. Além disso, equipamentos de áudio e vídeo podem ser úteis para análise posterior de sessões gravadas. Automonitoramento O automonitoramento, segundo Dobson e Dobson (2011, p. 31), “envolve a auto-observação sistemática e o registro de ocorrências (ou não ocorrências) de determinados comportamentos ou eventos”. Existem vários formulários que podem ser adaptados a situações específicas de cada paciente. São exemplos desses formulários o Dysfunctional Thought Record e o Simple Frequency Record. Também é importante considerar informações fornecidas pela família ou por cônjuges, além da documentação prévia, como avaliações anteriores, diagnósticos ou recomendações. Neste capítulo, você conheceu um pouco da história da TCC e os princípios que embasam sua prática. Além disso, refletiu sobre o desenvolvimento da TCC ao longo do tempo, identificando as características das três ondas, e conheceu as contribuições da avaliação psicológica para a TCC. Referências BARBOSA, A. S.; TERROSO, L. B.; ARGIMON, I. I. L. Epistemologia da terapia cognitivo- -comportamental: casamento, amizade ou separação entre as teorias? Boletim Aca- demia Paulista de Psicologia, v. 34, n. 86, p. 63-79, 2014. BAUM, W. M. Compreender o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. BECK, J. S. Terapia cognitiva-comportamental: teoria e prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2022. DOBSON, K. (org.). Manual de terapias cognitivo-comportamentais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. DOBSON, D.; DOBSON, K. S. A terapia cognitivo comportamental baseada em evidências. Porto Alegre: Artmed, 2011. DUPUY, J. P. Nas origens das ciências cognitivas. São Paulo: UNESP, 1996. EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Art- med, 2017. HAYES, S. C. et al. Acceptance and commitment therapy: model, processes and outcomes. Behaviour Research and Therapy, v. 44, n. 1, p. 1-25, 2006. Princípios da terapia cognitivo-comportamental 11 HOTHERSALL, D. História da psicologia. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2019. MARCAL, J. V. S. Estabelecendo objetivos na prática clínica: quais caminhos seguir? Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 7, n. 2, p. 231-146, 2005. NEUFELD, C. B.; RANGÉ, B. P. (org.). Terapia cognitivo-comportamental em grupos: das evidências à prática. Porto Alegre: Artmed, 2017. SEGAL, Z. V.; WILLIAMS, J. M. G.; TEASDALE, J. D. Mindfulness-based cognitive therapy for depression: a new approach to preventing relapse. 2nd ed. New York: Guilford, 2012. SKINNER, B. F. A análise do comportamento. São Paulo: Epu, 1975. SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Brasília: UnB, 1967. SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1982. SKINNER, B. F. Tecnologia do ensino. São Paulo: Herder, 1972. STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2010. YOUNG, J. E.; KLOSKO, J. S.; WEISHAAR, M. E. Schema therapy: a practitioner’s guide. New York: Guilford, 2003. Leituras recomendadas BECK, A. T., DAVIS, D. D.; FREEMAN, A. Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. GREENBERGER, D.; PADESKY, C. A. A mente vencendo o humor: mude como você se sente, mudando o modo como você pensa. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (org.). História da psicologia: rumos e percursos. 3. ed. Rio de Janeiro: Nau, 2018. Princípios da terapia cognitivo-comportamental12 Dica do professor Existem muitas formas de tratamento psicológico, e, entre elas, destaca-se a TCC, que envolve uma série de diferentes abordagens e técnicas. Apesar de haver grande diversidade entre as abordagens, existem elementos comuns a todas elas, que são conhecidos como os princípios da TCC. Nesta Dica do Professor, você vai conhecer um pouco mais a respeito de um dos princípios da TCC, que é a inclusão de planos de ação. Você saberá o que eles são e conhecerá algumas recomendações úteis e um exemplo de plano de ação. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/4696213264cb1aca6b9898765035f9f5 Exercícios 1) Uma das mais tradicionais áreas de aplicação da psicologia é o atendimento clínico. Atualmente, uma das abordagens mais influentes é a da TCC, que vem evoluindo através das décadas. O desenvolvimento da TCC costuma ser representado por meio de três ondas. Analise as afirmações a seguir sobre as três ondas de desenvolvimento da TCC: I. A primeira onda da TCC é marcada por uma predominância da abordagem cognitiva. II. A segunda onda da TCC é marcada por uma predominância da abordagem comportamental. III. A terceira onda da TCC é marcada pela síntese entre as abordagens cognitiva e comportamental. É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) II, apenas. C) III, apenas. D) II e III. E) I, II e III. 2) A TCC costuma trabalhar com avaliação psicológica no início do tratamento, mas também podem ser feitas avaliações ao longo do atendimento para verificar possíveis mudanças. Para a avaliação, são utilizadas ferramentas com base empírica, ou seja, que demonstram evidências de utilidade. Analise as duas asserções a seguir e a relação proposta entre elas: I. A entrevista costuma ser a primeira etapa da avaliação psicológica. PORQUE II. Embora os testes façam parte da avaliação psicológica, teste não é sinônimo de avaliação psicológica. Marque a alternativa correta: A) As asserções I e II são verdadeiras, e a II justifica a I. B) As asserções I e II são verdadeiras, mas a II não justifica a I. C) A asserção I é verdadeira, e a II, falsa. D) A asserção I é falsa, e a II, verdadeira. E) As asserções I e II são falsas. 3) A prática da TCC conta com diferentes técnicas e abordagens, porém existem elementos integradores, que são os princípios que permitem visualizá-la como uma modalidade específica de tratamento psicológico. Sobre os princípios da TCC, identifique a alternativa correta. A) A TCC dispensa a formação da aliança terapêutica. B) A TCC centra-se nos aspectos negativos que envolvem os problemas do cliente. C) A TCC não delimita objetivos previamente. D) A TCC inclui planos de ação. E) A TCC utiliza planos de ação padronizados, sem adaptações individuais. O behaviorismo surgiu em 1913, com o artigo intitulado "A psicologia como os behavioristas a veem". A partir daí, a teoria evoluiu muito, e sua aplicação à terapia também se modificou e continua sofrendo múltiplas alterações, com incorporação de novos elementos a partir de evidências científicas. O desenvolvimento da TCC costuma ser explicado a partir de três diferentes ondas. Identifique a onda a que pertencem os diferentes autores mencionados a seguir: I. Primeira onda II. Segunda onda III. Terceira onda ( ) Aaron Beck ( ) Segal, Williams e Teasdale ( ) J.B. Watson 4) ( ) Jeffrey Young ( ) B.F. Skinner A alternativa que apresenta a sequência correta de preenchimento é: A) I, III, II, I, II. B) II, III, I, III, I. C) III, III, II, II, I. D) II, II, I, III, I. E) II, III, I, II, I. 5) A psicologia vem ganhando cada vez mais espaços de atuação na atualidade, mas uma formamais tradicional de exercício profissional está no campo do atendimento clínico. As terapias cognitivo-comportamentais, diferentemente de outras terapias, baseiam-se em evidências científicas e utilizam protocolos de atendimento mais estruturados. Nas afirmações a seguir, identifique a correta com relação à TCC. A) A TCC baseia-se na premissa de que o conteúdo e o processo do pensamento são passíveis de ser conhecidos. B) A TCC engloba uma série de abordagens terapêuticas sem nenhum elemento comum. C) Uma das premissas da TCC é de que é impossível modificar o modo como se responde aos acontecimentos ao redor. D) Para a avaliação psicológica, a TCC costuma utilizar entrevistas não estruturadas, do tipo associação livre. E) Para a TCC, os conteúdos não verbais apresentados pelos clientes durante a sessão são irrelevantes. Na prática Cada terapia está baseada em princípios próprios, porém conhecê-los não garante saber utilizá-los no cotidiano profissional. A formação demanda o contato tanto com a teoria quanto com a aplicação prática desse referencial. A TCC utiliza uma série de recursos, por meio de protocolos baseados em evidências, e ter contato com eles dá mais segurança ao profissional, especialmente aos novos. Neste Na Prática, confira um trecho de uma sessão terapêutica com intervenção cognitiva típica no caso de um homem divorciado de 55 anos de idade que tem, entre outras dificuldades, a de encontrar um emprego. No caso de Abel, você poderá observar a aplicação prática de alguns princípios teóricos da TCC no exercício profissional do psicólogo. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/b3c7f451-1f95-46ce-a8c0-42ee8a474af7/cc3a8443-6967-4b5e-8813-cfa887b3bffd.jpg Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Princípios básicos de análise do comportamento Neste livro, os autores explicam detalhadamente alguns conceitos básicos do behaviorismo. O Capítulo 3 ("Aprendizagem pelas consequências: o reforçamento") irá ajudá-lo a compreender os conceitos básicos do condicionamento operante proposto por Skinner, um dos expoentes da primeira onda da TCC. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Abordagem cognitivo-comportamental na escola: possibilidades de intervenção Este artigo traz a realização de uma intervenção por meio de técnicas grupais com crianças do ensino fundamental com comportamentos desafiadores e opositores, a partir dos pressupostos da TCC. O objetivo da intervenção foi a promoção da saúde na escola por meio da psicoeducação e da orientação/treinamento. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. TCC moderna CBT: movendo-se em direção a terapias baseadas em processos Neste artigo, os autores questionam a validade de serem utilizados protocolos específicos para cada patologia, o que é uma característica da TCC que costuma proporcionar muito mais segurança aos terapeutas, especialmente aos iniciantes. Embora proponham terapias baseadas em evidências, os autores acreditam que, em lugar das terapias baseadas em protocolos, devem ser usadas terapias baseadas em processo. Isso significa uma mudança radical nos rumos da TCC. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/aletheia/v54n1/v54n1a12.pdf Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbtc/v14n2/v14n2a03.pdf