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Construção da Imagem da Enfermeira

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1 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 
 
 jan. 2021 
Cruz Vermelha Brasileira: construção da imagem da enfermeira para 
construir um edifício 
 
Brazilian Red Cross: nurse image construction to build a building 
 
Cruz Roja Brasileña: enfermera imagen construcción construir un edificio 
 
DOI: 10.55905/revconv.17n.6-243 
 
Originals received: 05/13/2024 
Acceptance for publication: 06/03/2024 
 
Claudia Labriola 
Mestre em Enfermagem 
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 
Endereço: Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, Brasil 
E-mail: claudialabriola@outlook.com 
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8418-8359 
 
Daniel Mata Roque 
Mestre em História 
Instituição: Universidade Salgado de Oliveira 
Endereço: Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, Brasil 
E-mail: danielmatarqoue@gmail.com 
Orcid: https://orcid.org/0009-0006-8314-5329 
 
Jonnhy Lima Brandão 
Graduando em Enfermagem 
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 
Endereço: Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, Brasil 
E-mail: jonnhy.brandao@edu.unirio.br 
|Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4039-8079 
 
Fernando Porto 
Doutor em Enfermagem 
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro 
Endereço: Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, Brasil 
E-mail: ramosporto@openlink.com.br 
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2880-724X 
 
RESUMO 
Este artigo tem por objetivo descrever, analiticamente, as estratégias empreendidas pela Cruz 
Vermelha Brasileira para financiar a construção de seu edifício sede. A abordagem adotada foi a 
da microanálise documental, tendo por referencial o paradigma indiciário. Os dados levantados 
contam com onze documentos escritos e nove documentos imagéticos, oriundos de acervos 
públicos e privados, bem como de bibliotecas físicas e virtuais. As fontes foram trianguladas para 
oferecer credibilidade e confiabilidade aos resultados, visando a construção da narrativa 
https://orcid.org/0009-0006-8314-5329
 
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histórica. Percebemos que o edifício sede foi construído com o apoio do poder público associado 
a doações e loteria, momento em que a imagem da enfermeira foi a mensageira institucional. 
Atualmente, a edificação, entendida como patrimônio histórico, encontra-se em crise financeira, 
a ponto de ir a leilão. 
 
Palavras-chave: história, patrimônio histórico, enfermagem, imagem. 
 
ABSTRACT 
This article aims to analytically describe the strategies undertaken by the Brazilian Red Cross to 
finance the construction of its headquarters building. The approach adopted was document 
microanalysis, using the evidentiary paradigm as a reference. The data collected includes eleven 
written documents and nine imagetic documents, from public and private collections, as well as 
physical and virtual libraries. The sources were triangulated to offer credibility and reliability to 
the results, aiming to construct the historical narrative. We realized that the headquarters building 
was built with the support of public authorities associated with donations and lottery, at which 
time the image of the nurse was the institutional messenger. Currently, the building, considered 
a historical heritage site, is in financial crisis and is about to go up for auction. 
 
Keywords: history, historical heritage, nursing, image. 
 
RESUMEN 
Este artículo tiene como objetivo describir analíticamente las estrategias empleadas por la Cruz 
Roja Brasileña para financiar la construcción del edificio de su sede. El enfoque adoptado fue el 
microanálisis de documentos, tomando como referencia el paradigma probatorio. Los datos 
recopilados incluyen once documentos escritos y nueve documentos visualmente, procedentes 
de colecciones públicas y privadas, así como de bibliotecas físicas y virtuales. Las fuentes fueron 
trianguladas para ofrecer credibilidad y confiabilidad a los resultados, con el objetivo de construir 
la narrativa histórica. Nos dimos cuenta de que el edificio de la sede se construyó con el apoyo 
de autoridades públicas asociadas a donaciones y sorteos, en cuyo momento la imagen de la 
enfermera era la mensajera institucional. Actualmente, el edificio, considerado patrimonio 
histórico, atraviesa una crisis financiera y está a punto de salir a subasta. 
 
Palabras clave: historia, patrimonio histórico, enfermería, imagen. 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A representação imagética da enfermeira, por meio de seus atributos – véu, gorro, touca, 
símbolo da cruz –, pode ser encontrada em diversas peças no campo do saber da Comunicação, 
especialmente no marketing, em exemplos de publicidade e propaganda. Destacamos a distinção 
entre os dois termos: o primeiro trata da promoção comercial de bens de consumo, mercadorias 
ou serviços, e o segundo se aplica no sentido ideológico (Marshall, 2003). 
 
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Na temática da representação da enfermeira nas peças publicitárias para o consumo de 
produtos, observamos, na década de 1920, os temas flutuarem entre remédios, produtos de 
limpeza, artigos de papelaria, sapatos e loteria, publicados em periódicos semanais nacionais e 
internacionais (Porto; Santos, 2010; Trigueiro; Villela; Risi; Aguiar; Porto, 2015; Porto, 2017; 
Porto, 2020; Knust, Silva, Souza, Gama, Correia, Neto, Porto, 2021). 
Dentre as diversas peças publicitárias veiculadas pela imprensa escrita e ilustrada, uma 
nos chamou a atenção: a extração da Loteria da Cruz Vermelha Brasileira (1922), concedida pelo 
Governo Federal, com a finalidade de colaborar financeiramente para a construção do prédio que 
seria sede oficial da instituição – fundada no Brasil em 5 de dezembro de 1908 – e abrigaria, 
também, a Escola Prática de Enfermeiras – criada em 1916, agrupando os cursos de enfermeiras 
voluntárias (1914) e profissionais (1916). Em 1919 ocorreu o assentamento da pedra fundamental 
do edifício (Porto; Santos, 2007) e em 1924 foi concluída a obra do que ficou denominado Palácio 
da Cruz Vermelha Brasileira (Lucerna, 2015), localizado na região central da cidade do Rio de 
Janeiro, então Distrito Federal. 
Cabe ressaltar que o funcionamento da instituição de ensino em prol da formação das 
enfermeiras ocorria até então em um pavilhão anexo ao Dispensário dos Serviços Médicos, 
localizado na esplanada do Morro do Senado, na confluência das ruas Henrique Valadares, 
Prefeito Barata e Carlos de Carvalho com a Praça Vieira Souto, renomeada como Praça da Cruz 
Vermelha quando da inauguração do edifício (Porto; Santos, 2007). 
Mediante ao exposto, a publicidade da Loteria da Cruz Vermelha Brasileira para a 
construção da sede nos motivou a ter por objetivo descrever, analiticamente, as estratégias 
empreendidas pela Cruz Vermelha Brasileira para financiar a construção de seu edifício sede, 
utilizando graficamente a imagem da enfermeira da instituição nas peças publicitárias. 
 
2 METODOLOGIA 
 
Estudo do tipo histórico com abordagem na microanálise documental, tendo por 
referencial o paradigma indiciário. Este se trata de quando o pesquisador segue as pistas deixadas 
em outras pesquisas e documentos, realizando análises, comparações e classificações, que 
apontam os sintomas reveladores da trajetória do fenômeno investigado, permitindo retirar 
personagens do anonimato para a construção da narrativa historiográfica (Ginzburg, 1998). 
 
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A primeira pista para a coleta de dados deu-se pela imagem publicizada na imprensa 
ilustrada: cartaz com a representação de uma mulher com os atributos de enfermeira informando 
os valores dos bilhetes da loteria federal em prol da Cruz Vermelha Brasileira (1922) para a 
construção dasede de seu órgão central, no Rio de Janeiro (Porto; Santos, 2007). 
Destacamos que, como o detetive Sherlock Homes – personagem fictício inspirado em 
Joseph Bell, docente de medicina na Universidade de Edimburgo (Escócia) e médico particular 
da Rainha Vitória do Reino Unido –, seguimos todas as pistas e vestígios encontrados nos 
documentos consultados, escritos e imagéticos, desde que com aderência para atender ao objetivo 
desta proposta de investigação – algo que alguns aduziriam ser um procedimento elementar. 
Isso implicou na delimitação temporal centrada no ano de 1922, justificado como o ano 
em que ocorreu o sorteio da loteria para construção do edifício a abrigar a sede da Cruz Vermelha 
Brasileira. Contudo, a documentação explorou os antecedentes para melhor contextualizar a 
narrativa historiográfica. Ainda vale destacar que a pesquisa foi circunscrita à cidade do Rio de 
Janeiro, então Distrito Federal, onde ocorreu a divulgação da loteria e onde o edifício seria/foi 
construído. 
Os locais de busca documental foram: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; 
Arquivo da Cruz Vermelha Brasileira – órgão central; Biblioteca Setorial Enfermagem e 
Nutrição, da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/Universidade Federal do Estado do Rio de 
Janeiro (UNIRIO); Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro; e acervos particulares, físicos e 
virtuais. 
Mediante a localização dos documentos de aderência, organizamos os dados extraídos e 
os submetemos à técnica de triangulação (Porto, Freitas, Siles, 2009) para compor o debate na 
narrativa histórica. Tal procedimento gerou interpretações e versões que, quando discutidas com 
a literatura de aproximação da temática, deram origem às considerações finais. 
Os textos imagéticos foram submetidos a uma matriz de análise, com base no conceito de 
semiótica, destacando alguns itens para serem analisados: identificação dos dados, plano de 
conteúdo, plano de expressão e dados complementares (Oliveira Neto, Porto, Aguiar, 2012). A 
aplicação decodificou elementos simbólicos para a discussão na narrativa histórica. 
Ressaltamos que a pesquisa não foi submetida a Comitê de Ética em Pesquisa, pois as 
fontes são públicas e com mais de 70 anos. Atendemos ao que preconiza a Lei nº 9.610/1998 
sobre os direitos autorais ao citar local e autores dos documentos consultados. 
 
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Conforme citado, seguimos os indícios do cartaz da loteria federal em prol da Cruz 
Vermelha Brasileira (CVB) para identificar as estratégias empreendidas no financiamento da 
construção da sede definitiva da instituição, calcadas na figura da enfermeira, quando 
encontramos os documentos. 
No rastro dos indícios, onze documentos escritos foram selecionados: destacamos 
algumas matérias jornalísticas que deram publicidade à venda dos bilhetes lotéricos, e aliados a 
elas utilizamos, para a triangulação de dados, dois livros de atas de assembleias gerais da CVB 
(1908-1917 e 1918-1924), um livro de atas do Conselho Diretor Nacional da mesma instituição 
(1908-1929) e os livros institucionais Histórico da Cruz Vermelha Brasileira (1908-1923) e O 
Rio de Janeiro e seus prefeitos – evolução urbanística da cidade (1977). 
Esse conjunto de fontes desvelou as estratégias empreendidas, bem como as articulações 
necessárias, para o sucesso da loteria em prol da sede definitiva. Para tanto, houve publicização 
em diversos periódicos – diários, semanais e mensais –, reuniões na Cruz Vermelha Brasileira 
para os acordos dos sócios e indicação de outorga do título de sócio remido a figuras estratégicas. 
Ademais, foi possível identificar interesses pessoais e interinstitucionais na divulgação da 
proposta para arrecadar recursos financeiros. 
Aos documentos escritos somamos a análise iconográfica dos documentos imagéticos 
localizados em periódicos e em acervos particulares. O conjunto analisado, que compreende nove 
documentos, contém o fac-símile do bilhete lotérico, localizado em acervos particulares, e ainda 
diversas peças publicitárias e cartazes divulgados em periódicos, ilustrando a campanha, a 
motivação e o projeto da sede a ser construída, além de divulgar os prêmios financeiros possíveis. 
O material traz luz à investigação ao exibir a representação da enfermeira como 
mensageira da Cruz Vermelha Brasileira, com o apelo das características de bondade e caridade, 
conectando tais virtudes à venda dos bilhetes de loteria, por meio da qual seria possível construir 
a nova sede e prosseguir na missão abnegada da instituição. 
Mediante aos resultados apontados, em síntese, deu-se a construção da narrativa histórica, 
na modalidade de discussão, o que apontou as lacunas e contribuições, dando origem às 
considerações finais. 
 
 
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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 
 
Como antecedentes da temporalidade da pesquisa, retroagimos à década de 1910, com a 
consolidação da Cruz Vermelha em território brasileiro. O período abrange as gestões de Hermes 
da Fonseca (1910-1914), Wenceslau Braz (1914-1918), Rodrigues Alves (1918)1 e Delfim 
Moreira (1918-1919)2 na presidência da República (Reis, 1977), concomitantes à gestão do 
Marechal Thaumaturgo de Azevedo na presidência da Cruz Vermelha Brasileira (1908-1918). 
O órgão central da Cruz Vermelha Brasileira (CVB) foi fundado no Rio de Janeiro em 
1908. Seis anos depois, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a CVB criou o Curso 
de Enfermeiras Voluntárias. As aulas teóricas tinham lugar no salão nobre da Sociedade de 
Seguros Equitativa, sede provisória da instituição, e as lições práticas ocorriam alternadamente 
no Hospital Central do Exército, na Policlínica Militar e na Santa Casa de Misericórdia, sob 
direção do médico militar Getúlio dos Santos. Destacamos que o Curso de Enfermeiras 
Voluntárias criado no órgão central não foi o pioneiro, pois dois anos antes a filial de São Paulo 
já teria oferecido o mesmo curso, sob a direção da médica Maria Renott (Tsunechiro; Riesco; 
Oguisso, 2011). 
Em 1912, a Lei nº 2.544, que fixa o orçamento do Estado para o ano, traz em seu artigo 
68 a autorização para o Governo Federal doar à CVB um terreno situado na antiga esplanada do 
Morro do Senado, acidente geográfico demolido entre 1895 e 1906 no centro carioca, com a 
finalidade da instituição ali erigir sua sede, conforme pleiteara ao Congresso Nacional no ano 
anterior (Cruz Vermelha Brasileira, 1923). Em 1915, ainda sem ter tomado posse do terreno, a 
CVB recebeu do Congresso Nacional uma doação de subvenção no valor de 10:000$000 (dez 
contos de réis), valor equivalente, aproximadamente, a 9 meses de salário de um encarregado de 
elevador no serviço público, que recebia 1:080$000 (um conto e oitenta mil-réis)3 (Brasil, 1915). 
O valor estava distante de atender as demandas para construção da sede. 
A doação do terreno somente se concretizou em junho de 1916, com a cessão de um 
espaço com 6.789m2 – equivalente a menos de um hectare de terra (10.000m2) (Cruz Vermelha 
 
1 Presidente eleito que faleceu sem tomar posse, vitimado pela gripe espanhola. 
2 Vice-Presidente que assumiu interinamente durante a doença do titular. 
3 Ressaltamos que o padrão monetário brasileiro à época era réis, nome derivado do plural de real, ainda oriundo da 
moeda portuguesa instituída no século XV, que sofreu diversas alterações, sendo uma das mais importantes 
legislações na época a Lei nº 59/1833. Em 1942 a Lei nº 791 alterou o padrão monetário brasileiro para o cruzeiro 
(STIELER, 2009). 
 
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Brasileira, 1923). O presidente Wenceslau Braz, ao cumprir o dispositivo legal estabelecido e 
efetuar a doação deum patrimônio nacional, o fez não apenas em prol dos fins humanitários da 
Cruz Vermelha Brasileira: à época, Maria Pereira Gomes, a primeira-dama do país chamada na 
imprensa de Madame Wenceslau, era uma das Damas da Cruz Vermelha e inferimos que, como 
esposa do presidente do Brasil, ela influenciou na decisão (Cruz Vermelha Brasileira, 1923). 
O terreno doado foi avaliado em 509:221$500 (quinhentos e nove contos, duzentos e vinte 
um mil-réis e quinhentos réis), calculado o metro quadrado em 75$000 (setenta e cinco mil-réis). 
A doação estava condicionada à construção do edifício, caso contrário seria dissolvido o termo 
firmado e o terreno seria devolvido à União (Cruz Vermelha Brasileira, 1923). 
No mesmo ano criou-se no Rio de Janeiro a Escola Prática de Enfermeiras e o Curso de 
Enfermeiras Profissionais, sem a extinção do ensino voltado para as voluntárias (Cruz Vermelha 
Brasileira, 1923). O funcionamento ocorria em instalações improvisadas e provisórias, um 
pavilhão onde os cursos para as enfermeiras eram ministrados em conjunto com o funcionamento 
do Dispensário Médico e outros serviços oferecidos pela Cruz Vermelha Brasileira. Esse 
pavilhão, já no terreno doado, foi construído em 1916 pelo arquiteto Leonildo Gomes com 
orçamento de 28:000$000 (vinte e oito contos de réis) (Cruz Vermelha Brasileira, 1923). 
Diante do montante houve necessidade de um empréstimo no valor 25:000$000 (vinte e 
cinco contos de réis). Para tanto, foi necessário hipotecar o próprio pavilhão e o terreno doado, 
em 1917. Para se ter certa ideia do tamanho do empreendimento, um ano após a criação da 
instituição (1909) o saldo em caixa era de apenas 1:455$200 (um conto, quatrocentos e cinquenta 
e cinco mil-réis e duzentos réis) (Cruz Vermelha Brasileira, 1923), o que significava, 
aproximadamente, 24 vezes menos do que o investimento inicial necessário para a construção. 
A termo de comparação, podemos citar o salário mensal de um enfermeiro de 2ª classe do Serviço 
da Higiene Administrativa da União, com ordenado de 1:440$000 (um conto e quatrocentos e 
quarenta mil-réis) (Brasil, 1915). 
No período, além da Primeira Guerra Mundial na Europa, ocorreu ainda a pandemia de 
gripe espanhola (1919) (Barry, 2020; schwarcz e Starling, 2020), que atingiu o Brasil e demandou 
atuação incisiva da Cruz Vermelha Brasileira (Cruz Vermelha Brasileira, 1923; Porto, 2017). Em 
que pese a crise sanitária que dizimou milhares de vidas, a pandemia trouxe consigo o 
reconhecimento da Cruz Vermelha Brasileira como instituição de utilidade pública municipal, 
mediante o Decreto nº 1.940/1918. Isto implicou em isenção de impostos, emolumentos e 
 
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contribuições municipais, além do efeito de potencializar sua credibilidade junto à população e, 
com isso, conquistar mais associados para a instituição. 
Em 1919, para completar o mandato de Rodrigues Alves, um dos brasileiros mortalmente 
atingidos pela gripe espanhola, foi eleito Epitácio Pessoa para a Presidência da República (1919-
1922). Em 1922, na centralidade temporal de nossa pesquisa, ocorreu nova eleição presidencial, 
com a vitória de Arthur Bernardes para um mandato de quatro anos. No mesmo período, o 
Distrito Federal foi administrado pelos prefeitos Carlos Sampaio (1920-1922) e Alaor Prata 
(1922-1926) (Reis, 1977). Na Cruz Vermelha Brasileira, a presidência passou ao político e 
engenheiro Miguel Calmon Du Pin e Almeida (1918-1922) e em seguida ao Marechal Antônio 
Ferreira do Amaral (1922-1929), médico e ex-diretor do Hospital Central do Exército. 
Cabe destacar que a eleição para a presidência da Cruz Vermelha Brasileira ocorrida em 
1918 se deu por corrente contraditória, com vitória da chapa opositora e repercussão nos meios 
de comunicação. O Marechal Thaumaturgo, após dez anos de presidência, perdeu o pleito para o 
político civil Miguel Calmon Du Pin e Almeida, ex-ministro da Indústria, Viação e Obras 
Públicas, que administraria a CVB por quatro anos, saindo do cargo para assumir o Ministério 
da Agricultura do governo Bernardes e, na sequência, eleger-se Senador da República pela Bahia 
(Labriola, 2022). 
Neste cenário pós-conflito bélico e pós-pandêmico, a recuperação sociocultural e 
financeira ocorreu de forma gradual: no período de 1918 a 1921 o acúmulo do capital de 
patrimônio da CVB foi de 49:545$595 (quarenta e nove contos, quinhentos e quarenta e cinco 
mil-réis e quinhentos e noventa e cinco réis). Consta no Livro de Atas do Conselho Diretor 
Nacional da Cruz Vermelha Brasileira (16/07/1918) que foram apresentados então dois projetos 
para a nova sede, com o orçamento de 718:000$000 (setecentos e dezoito contos de réis), e 
discutidas diversas alternativas para viabilizar financeiramente sua concretização. Os membros 
do Conselho optaram pela proposta de criar uma loteria dentro do sistema da Companhia de 
Loterias Nacionais (Cruz Vermelha Brasileira, 1923; Cruz Vermelha Brasileira, 1929). 
Em estratégia complementar, além dos donativos e recursos correntes, a Cruz Vermelha 
Brasileira efetivou contratos com as empresas Centro dos Industriais em Serraria, Companhia 
Segurança Industrial e Companhia Cruzeiro do Sul, quando os funcionários passaram a ser 
atendidos no Dispensário Médico. Além disto, a Associação dos Industriais Cervejeiros em Alta 
Fermentação, Industriais Segeiros, Mecânicos e classes fabris congêneres, apesar da ausência de 
 
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convênio formal, faziam doações e eram atendidos na instituição, o que contabilizou no período 
de junho de 1920 a dezembro de 1922 o montante de 9:385$260 (nove contos, trezentos e oitenta 
e cinco mil-réis e duzentos e sessenta réis) (Cruz Vermelha Brasileira, 1923; Porto; Santos, 
2007). 
Em 5 de outubro de 1919 ocorreu o assentamento da pedra fundamental para ereção do 
prédio que seria a sede da CVB, projeto do mesmo arquiteto Leonildo Gomes (Porto; Santos, 
2007). Havia ainda, no entanto, um longo trajeto a percorrer para equilibrar o caixa e arcar com 
os custos do projeto. 
O projeto da loteria especial, tendo por justificativa a construção da sede da Cruz 
Vermelha Brasileira, foi autorizado por meio da Lei nº 4.230/1920, seguida da assinatura de um 
contrato (19/05/1921) entre o Governo Federal, a Cruz Vermelha Brasileira e o Banco Nacional 
Ultramarino, garantindo para o prêmio maior a cifra de 5:000:000$000 (cinco mil contos de réis) 
(Cruz Vermelha Brasileira, 1923). Acertou-se que o sorteio ocorreria no ano de 1922, em virtude 
das comemorações oficiais do Centenário da Independência do Brasil (1822-1922). 
Cabe destacar dois aspectos: 1) à época, as mulheres da elite do Rio de Janeiro eram 
Damas da Cruz Vermelha (Cruz Vermelha Brasileira, 1923), o que se tratava de apelo 
sociocultural; 2) o Banco Nacional Ultramarino era oriundo de Lisboa (1864), instalado no Brasil 
em 1913, com filial no Rio de Janeiro4 (Caixa Geral de Depósitos, 2023). 
Em busca de entender as interconexões dos aspectos apresentados, identificamos que a 
senhora Clélia Vaz de Mello Bernardes, esposa do presidente da República, era, de fato, uma das 
Damas da instituição (Cruz Vermelha Brasileira, 1923); e localizamos nas atas do Conselho 
Diretor Nacional da Cruz Vermelha Brasileira, datado de 17 de julho de 1918, o registro da 
concessão do título de Sócio Remido ao Banco Nacional Ultramarino, em reconhecimento às 
doações já feitas à instituição (Cruz Vermelha Brasileira, 1928). Isto nos aponta os indícios para 
esclarecer os envolvimentos orquestrados em prol da Loteria da Cruz Vermelha Brasileira. 
Para a publicização da Loteria da Cruz Vermelha Brasileira, diversas estratégias foram 
empreendidas. O Jornal das Moças (1922) veiculou mensagens de estímulo para a compra de 
bilhetes ao rodapé de cada página durantealgumas edições. Exemplos de frases utilizadas são: 
“Já comprou um bilhete da Loteria da Cruz Vermelha Brasileira?”; “Compre hoje mesmo um 
 
4 Diversas outras agências regionais foram abertas nos anos seguintes, até que, em 1953, com a mudança na 
legislação, a instituição foi integrada a outro banco, denominado Banco Ultramarino Brasileiro, o qual, em 1970, foi 
incorporado pelo Banco Andrade Arnaud do Rio de Janeiro (CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, 2023). 
 
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bilhete da Loteria da Cruz Vermelha Brasileira”; “O Primeiro Prêmio da LOTERIA DA CRUZ 
BRASILEIRA é de 5.000:000$000”; “Comprar um bilhete da Grande Loteria da Cruz Vermelha 
Brasileira é um acto de caridade e de previdência também”; “A Loteria da Cruz Vermelha 
Brasileira não tem bilhetes brancos, porque aquelles que não beneficiarem ao seu comprador, 
beneficiarão a essa grande instituição”; “Comprar um bilhete da Loteria da Cruz Vermelha é 
concorrer para a formação do Brasil de amanhã”; “A LOTERIA DA CRUZ VERMELHA 
BRASILEIRA será extrahida no dia 7 de Setembro e fará a Independência dos portadores dos 
bilhetes premiados”; “Um bilhete inteiro da Loteria da Cruz Vermelha Brasileira custa 500$000 
e é dividido em fracções até 5$000”; “Auxiliae a Cruz Vermelha Brasileira comprando UM 
BILHETE DA SUA GRANDE LOTERIA”; “A LOTERIA DA CRUZ VERMELHA 
BRASILEIRA distribui 9.550$000 em prêmios”; “A Loteria da Cruz Vermelha Brasileira é a 
maior da America e a melhor do mundo”; “Quem compra um bilhete da LOTERIA DA CRUZ 
VERMELHA BRASILEIRA faz um acto de caridade e pode tornar-se milionário”. 
À época havia um concurso, intitulado “Qual é a mais bella mulher do Brasil?”, e no 
conteúdo da matéria de divulgação foi relatado que o jornal A Noite e a Revista da Semana iriam 
oferecer dois bilhetes inteiros para concorrer à loteria como prêmio para a vencedora. Outra 
edição da revista revela o nome da vencedora do concurso de beleza: Maria José Leone, de 
Santos/São Paulo, jovem de 19 anos (Revista da Semana, 1922. p 18; Memória Santista, 2017). 
O texto é ilustrado com a imagem de um bilhete da loteria (Revista da Semana, 1922, p. 44). 
Em outro exemplo de utilizar o próprio bilhete como prêmio, o magazine “Eu Sei Tudo”, 
citado em divulgação na Revista da Semana e na Revista Scena Muda, oferecia aos seus novos 
assinantes frações do bilhete da loteria como brinde (Revista da Semana, 1921, p.21). 
Outra estratégia utilizada foi a veiculação de páginas inteiras de peças publicitárias da 
Loteria da Cruz Vermelha Brasileira na Revista da Semana e na Revista Fon-Fon, com destaque 
para a representação dos atributos das enfermeiras da instituição (Figura 1). 
 
 
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Figura n 1. Peças publicitárias da loteria em prol da Cruz Vermelha Brasileira, nas comemorações do centenário 
da Independência do Brasil (1822-1922) publicadas na Revista da Semana 
 
Fonte: A primeira imagem – da esquerda para a direita – foi publicizada pela Revista Fon-Fon (REVISTA FON-
FON, 4/11/1922, p. 17) e as demais (2,3,4 e 5) pela Revista da Semana (REVISTA DA SEMANA, 18/3/1922, p. 
2; REVISTA DA SEMANA, 1/4/1922, p. 33; REVISTA DA SEMANA, 2/9/1922, p. 39; REVISTA DA 
SEMANA, 30/9/1922, p. 43). 
 
A figura 1 apresenta cinco imagens de peças publicitárias destinadas à Loteria da Cruz 
Vermelha Brasileira. Cabe observar que em todas elas há representação de uma mulher com 
atributos que nos remetem às enfermeiras da instituição. 
A primeira peça publicitária – da esquerda para direita – apresenta um cenário de colunas 
e edificação com frontão triangular, o que nos conduziu ao pensamento do período da Grécia 
Antiga, de Hipócrates (460 a.C.-377 a.C.) – considerado o pai da medicina – e da mitologia de 
Hygeia – considerada a mais poderosa das deusas, responsável por manter a harmonia dos 
homens com o ambiente, cujo próprio nome era uma derivação do conceito de higiene (Ceballos, 
2015). 
Aqui podemos identificar uma conexão, no sentido histórico do passado para o presente, 
com a quinta peça publicitária, analisando a imagem que esta apresenta em seu primeiro 
quadrante (superior esquerdo): a enfermeira postada ao lado de outra mulher, prestando cuidados 
a uma criança. Inferimos aí a conexão imagética da deusa da higiene como indício da 
representação da enfermeira. A conexão se evidencia, especialmente, quando o texto se remete a 
ela como “A enfermeira da Hygiene” (Revista da Semana, 1922, p. 43). 
As outras três imagens que compõem o quinto cartaz publicitário, em sentido horário, 
exibem: grupo de seis crianças em espaço interno, com o texto “A escola ao ar livre – Auxiliae a 
Cruz Vermelha Brasileira para que ella concorra para a formação do Brasil de amanhã”; grupo 
de mais de doze crianças em ambiente aberto, acompanhado do texto “Todos aquelles que têm 
filhos devem comprar bilhetes da Cruz Vermelha Brasileira porque, fazendo um beneficio, 
podem também garantir o seu futuro”; e imagem de uma mulher deitada ao leito, com travesseiro 
 
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e coberta por colcha, acompanhada do texto “Quem compra um bilhete da loteria da Cruz 
Vermelha Brasileira dorme tranquillo e sonha com a felicidade”. 
Analisando agora as peças publicitárias de números dois e três – da esquerda para direita 
–, a gestualidade nos remete à representação visual clássica de Nossa Senhora das Graças, 
percepção ratificada em outro estudo (Porto; Santos, 2008), tendo por referencial teórico o 
conceito de hexis corporal de Pierre Bourdieu. 
Pelo olhar da História da Arte trazemos para a discussão o conceito de pathosformel, 
formulado por Aby Warburg, que o apresenta como fórmulas patéticas, uma das maneiras de 
expressão da linguagem gestual, entendida, quando ocorre a repetição ao longo dos tempos, pela 
subjetividade dos movimentos corporais que os artistas promovem em suas releituras e podem 
ser aplicadas às publicidades, com a ideia de referência, que o autor trata como a sobrevivência 
da imagem (Didi-Huberman, 2013). 
Entendemos que os conceitos de hexis corporal e sobrevivência da imagem, quando 
articulados, dialogam e se completam nos aspectos socioculturais: a gestualidade que traz a 
representação de uma enfermeira com significação sacralizada. Analisamos que essa sacralização 
pode se transformar em uma certa “cilada”, cujo efeito pode fazer com que ela se torne sagrada 
“demais” e, por isso, irreal e inalcançável. 
A quarta peça publicitária – da esquerda para direita – nos traz a representação de um 
homem, com o braço pendente, carregado no colo pela figura de uma mulher. Essa mulher, como 
aquelas das outras peças publicitárias, traja uma indumentária que nos remete ao uniforme da 
enfermeira da Cruz Vermelha Brasileira: vestido claro, véu com símbolo da cruz e, na altura do 
tórax, o mesmo emblema objetal. 
Em análise imagética dessa figura, de autoria de Charles Dana Gibson e já publicada na 
Revista da Semana (1917) e na revista norte-americana Life durante a Primeira Guerra Mundial 
para campanha de donativos para órfãos e viúvas dos combatentes falecidos, pesquisadores 
entenderam que a representação da mulher atendia ao apelo pelas suas qualidades de bondade e 
caridade (Miranda; Sidney; Nassar; Araújo; Neves; Porto, 2016). Logo, a publicidade 
contextualizada na loteria transmitia a mensagem de que a Cruz Vermelha, representada pela 
figura feminina, era capaz de atender e apoiar os necessitados em casos de calamidades e 
conflitos. 
 
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Seja como for, as cinco peças publicitárias (figura n 1) se articulamentre si como 
mensageiras da Cruz Vermelha Brasileira (Porto; Santos, 2007), em nome da bondade e da 
caridade, ao mostrarem a valiosa contribuição social que representaria a compra dos bilhetes de 
loteria visando auxiliar na construção da sede institucional definitiva. As evidências se mostram 
nas imagens mediante os atributos ostentados nas representações das mulheres-enfermeiras, 
como assinatura imagética (Porto; Kaminitz, 2020). 
Isso implica que as práticas e os saberes da enfermagem, por meio das enfermeiras, 
encontram-se imersos na cultura dos cuidados (Silles, 2011). Explicamos o exposto pelos 
aspectos sociais, políticos e sanitários que esses símbolos, crenças, ritos do cuidar e 
significados depositam, na forma de credibilidade em prol do bem comum e ao próximo. Logo, 
trata-se de ações e espaços inclusivos aos socialmente necessitados. 
Outro documento que ratifica o dito anterior é a imagem do bilhete lotérico em si, a ser 
divulgado e adquirido, veículo para um fim. A imagem fac-similar que apresentamos abaixo foi 
encontrada em acervos virtuais (Vitória Leilões, 2017 e Pinto, 2022). 
 
Figura n 2. Bilhete da loteria da Cruz Vermelha Brasileira (1922) 
 
Fonte: VITÓRIA LEILÕES (2017) e PINTO (2022). 
 
Destacamos que, ao recorrer aos acervos virtuais para obter as imagens dos bilhetes, nos 
remetemos ao conceito de polímata, alguém que se interessa por diversos assuntos e com eles 
aprende sobre os seus significados ou até mesmo alguém que vaga livremente e de forma 
desenfreada ao navegar por diversos campos do saber, sendo eles empreendedores ou não, para 
amealhar objetos ou documentos (Burke, 2020). Isto nos conecta aos colecionadores, que 
disponibilizam seus acervos históricos em ambientes virtuais e permitem aos pesquisadores se 
utilizarem deste acesso para construírem suas pesquisas, como aqui foi realizado. Destacar o 
 
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exposto é revelar que o trabalho no campo da história, além de interdisciplinar, é presencial e 
virtual, mediante as inovações tecnológicas que avançam no século XXI. 
Voltando à imagem do bilhete, observamos que se trata de uma imagem retangular, tendo 
por título “Loteria Cruz Vermelha Brasileira”. Ela é composta de uma representação feminina, 
sentada, com atributos que remetem ao uniforme da enfermeira da instituição – véu e vestido. 
Próximo a ela há um leito ou maca, com um tecido de cor clara. No lado oposto da imagem 
vemos uma edificação, o que faz alusão à futura sede. No centro óptico do bilhete observa-se 
uma caixa com texto em letras miúdas, mas em fonte maior o valor do prêmio: 5.000:000$000 
(cinco mil contos de réis). O contorno imagético é de detalhes requintados, incluindo o signo da 
CVB e a frase “Centenário da Independência do Brasil”. 
O objetivo da representação de uma enfermeira de perfil, novamente unida aos signos da 
Cruz Vermelha Brasileira, é ratificá-la como a mensageira institucional. Ao citá-la, bem como 
nas outras já referidas, precisamos entendê-la como imaginário sociocultural. Nesta perspectiva, 
trazemos outra vez a concepção de arte para melhor compreensão. 
Compreender as representações das mulheres-enfermeiras nas peças publicitárias em prol 
da Loteria da Cruz Vermelha Brasileira como arte é, para tanto, articulá-la à ilusão. Nesta 
perspectiva, uma pesquisa na abordagem da psicologia como expressão pictórica permite 
apresentar os efeitos visuais. Essa investigação nos apontou para as referências invisíveis no 
mundo das ideias, dos estilos, que mudam as intenções no decorrer dos tempos ao se descobrir 
os segredos da visão e compará-las. Logo, a representação é via de mão dupla, cria elos de uma 
interpretação para outra e não é de carne e osso: é uma ilusão do que muitos acreditam ser 
(Gombric, 2007). 
Nessa lógica, as representações das enfermeiras nas peças publicitárias e no bilhete da 
loteria não retratavam uma simples enfermeira, mas sim remetem aos seus símbolos 
institucionais. É aí que a ilusão se faz presente, especialmente aos desavisados, que acreditam no 
que olham em virtude dos efeitos visuais. 
O sorteio da loteria, com data marcada para as festas 7 de setembro de 1922, acabou sendo 
adiado: notícia da Revista da Semana comunica aos interessados que a data de sorteio da loteria 
em prol da Cruz Vermelha Brasileira passara a 9 de novembro do mesmo ano, tendo em vista 
que bilhetes adquiridos no estrangeiro só então puderam atender aos compromissos assumidos e, 
 
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ainda, “o desejo da Cruz Vermelha de conseguir, no recinto da Exposição do Centenário, um 
lugar adequado” (Revista da Semana, 1922, p.8). 
Com a extração da loteria, o pagamento foi realizado aos ganhadores e a Cruz Vermelha 
Brasileira recebeu a importância total de 200:000$000 (duzentos contos de réis), destinados 
integralmente para as obras da sede. A loteria, portanto, careceu de surtir o efeito esperado, apesar 
das estratégias empreendidas, arrecadando valor muito inferior ao necessário para a obra, orçada 
em 718:000$000 (setecentos e dezoito contos de réis). Mesmo assim o pensamento positivo 
resistia, com o registro no livro de atas em 1923 de que o prédio seria construído e se constituiria 
em “uma das officinas do Bem e da Caridade e um dos quartéis generaes de lucta contra os 
flagellos da humanidade” (Cruz Vermelha Brasileira, 1923, p. 48). 
Apesar do aparente fracasso da estratégia lotérica, a persistência nas articulações e 
negociações políticas e sociais permitiram, com doações e esforços hercúleos, a materialização 
do edifício, inaugurado em 1924 e batizado de forma grandiloquente como Palácio da Cruz 
Vermelha Brasileira (Lucerna, 2015). 
 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Mediante o exposto, consideramos cumprido o objetivo de descrever, analiticamente, as 
estratégias empreendidas pela Cruz Vermelha Brasileira para financiar a construção de seu 
edifício sede. O resultado da discussão apontou para o uso da representação da imagem da 
enfermeira, para além de mensageira institucional, como fiduciária simbólica de apelo 
incondicional para a realização da loteria e mobilizar a população como colaboradora. Afinal, 
construir a sede atendia não apenas o anseio por um espaço físico e simbólico, mas era também 
uma necessidade contratual para continuar a desfrutar do terreno cedido pelo Governo Federal. 
Contudo, não podemos negar que a pesquisa deixou algumas lacunas. Uma delas deve-se 
ao acesso documental sobre a arquitetura da sede oficial da Cruz Vermelha Brasileira, por 
exemplo. Localizar seu projeto arquitetônico e documentos congêneres poderia esclarecer 
aspectos do estilo, bem como outros dados elucidativos, o que ainda não conseguimos. Por outro 
lado, depositamos nossas contribuições para a historiografia da temática proposta, pois 
identificamos a imagem da enfermeira como mensageira simbólica da loteria em prol da sede 
institucional, no Distrito Federal, o que evidencia o valor da mulher-enfermeira como agente 
 
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protagonista dos serviços prestados pela instituição que, aliás, abrigava a Escola Prática de 
Enfermeiras e seus respectivos cursos. 
Ao estacionarmos nossa pesquisa com as considerações finais, registramos a notícia que 
circulou na impressa, em março e junho de 2023, sobre o leilão do Palácio da Cruz Vermelha 
Brasileira, localizado na praça homônima, no Centro do Rio de Janeiro, em virtude de grave crise 
financeira vivida pela instituição após as lutas empreendidas no século XX. O imóvel foi avaliado 
em 47 milhões de reais e não recebeu nenhum lance nos dois primeiros pregões. Novo leilão foi 
realizado em setembro de 2023, pela metade do valor inicial, mas, até ondesabemos, não houve 
comprador (Band News, 2023). 
 
AGRADECIMENTOS 
 
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal 
de Nível Superior – Brasil (CAPES). 
 
 
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