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A deontologia de David Ross Curso: Filosofia Disciplina: Ética Professora: Fernanda Gontijo Sir William David Ross (1877-1971) �Nasceu em Thurso na Escócia. �Passou parte da infância na Índia, mas toda sua educação formal deu-se no Reino Unido. �Deu aulas em Oxford, serviu no exército e desempenhou várias funções administrativas no serviço público e em Oxford. � Foi um pesquisador renomado da obra de Aristóteles, mas sua maior contribuição dentro da filosofia foi sua teoria de ética normativa de caráter deontológico e intuicionista. �Sua obra mais importante é The Right and the Good (1930). Sir William David Ross (1877-1971) The Right and the Good �Como o título sugere, The Right and the Good tem a ver com correção, bondade e sua relação um com o outro. A correção é uma propriedade dos atos, enquanto a bondade diz respeito a vários tipos de coisas. �Segundo Ross, há certas características que ambas têm em comum: são propriedades reais, são indefiníveis, pluralistas e conhecíveis pela intuição. O correto e o bom �O “correto” e o “bom” são termos simples (não podem ser decompostos em partes que formam um todo complexo) e indefiníveis. Contudo, mesmo assim, somos capazes de utilizá-los de maneira inteligível. O correto e o bom �Ross concorda com o argumento da questão em aberto de G. E. Moore. �Argumento da questão em aberto: �Pretende mostrar que qualquer que seja a definição que se dê ao predicado “bom”, é sempre possível perguntar se um ato que possui as propriedades oferecidas pela definição é realmente bom, sem que a pergunta seja sem sen?do ou despropositada. O correto e o bom �O que é moralmente bom não é o mesmo que é moralmente requerido. � Moralmente bom não é coextensivo com moralmente correto. �A bondade moral não pode ser o único fundamento dos atos corretos. �Um ato pode ser mau e, no entanto, correto. Ex.: salvar uma pessoa de um afogamento para aparecer na televisão. O utilitarismo �Ross concorda com os utilitaristas que temos o dever de maximizar imparcialmente o bem geral. Mas, para ele, este seria apenas mais um dever entre outros. Críticas ao utilitarismo � Para Ross, do ponto de vista utilitarista, “a única relação moralmente significante na qual meus vizinhos têm comigo é essa de serem beneficiários da minha ação” (ROSS, RG, p. 19). � Contudo, pensar assim é um erro. A relação benfeitor- beneficiário não é a única que importa. A relação de um(a) amigo(a) para com outro(a), de um(a) consorte para com outro(a), de um(a) fazedor(a) de promessa para com seu(sua) recipiente, etc. também são moralmente importantes para determinar o que eu devo fazer; e isso não porque um é o benfeitor e o outro é o beneficário da ação, mas são são relevantes por direito próprio. Críticas ao utilitarismo �O caráter altamente pessoal do dever: � “Se o único dever é produzir o máximo de bem, a questão sobre quem deve ter o bem, se eu ou meu benfeitor, ou uma pesoa a quem prometi o bem, ou um simples homem com quem não tenho qualquer relação – não deveria fazer diferença para meu ter um dever de produzir esse bem. Mas todos nós estamos certos de que isso faz uma vasta diferença” (ROSS, RG, p. 22). Críticas ao utilitarismo � Há outras considerações morais relevantes, além das consequências, quando analisamos a correção de um ato. � Do ponto de vista utilitarista, se cumprir uma promessa ou quebrá-la tiver o mesmo valor em termos de consequências, tanto faz realizar um ou outro ato. � Porém, Ross pensa que isso não é verdade, pois, em princípio, quando fazemos uma promessa, isso conta como uma razão para cumpri-la. Críticas ao utilitarismo �Nem sempre ter um pequeno incremento de bem-estar geral como resultado da ação justifica fazer a ação com melhor resultado. Ação 1: quebrar uma promessa Ação 2: cumprir uma promessa 1001 unidades de bem 1000 unidades de bem Ação 1: produzir 1001 unidades de bem para um homem muito mau Ação 2: produzir 1000 unidades de bem para um homem bom Nenhuma promessa feita Nenhuma promessa feita Crítica à deontologia kantiana � Para Kant, não é aceitável não cumprir uma promessa; se prometemos fazer algo, temos sempre uma razão moral decisiva para o fazermos. Ross, apelando ao senso comum moral, entende que isto não é verdade. Se fizemos uma promessa bastante trivial na sua importância, como comparecer num encontro para um café, e agora, por exemplo, uma vítima de um acidente precisa da nossa ajuda urgente para sobreviver, temos o dever de a ajudar, ainda que isso implique faltar ao encontro e assim não cumprir a promessa. Crítica à deontologia kantiana �O motivo não é relevante para determinar a correção da ação, apenas a sua bondade ou virtude. Ex.: salvar uma pessoa de um afogamento para aparecer na televisão é um ato mau (motivação egoísta), mas correto. Por que o motivo não é relevante para a ação? �Quando agimos, o objeto de nossa escolha é uma ação, e embora a escolhamos a partir de algum motivo, o motivo pelo qual a escolhemos, nunca é parte do que escolhemos. Dado que não Podemos escolher ser motivados de certo modo, ninguém pode requerer que sejamos motivados desta ou daquela maneira. Intuicionismo de Ross �A sua posição metaética, de fato, situa-se no campo do realismo moral não- naturalista intuicionista: existem fatos morais robustamente objetivos (i.e. independentes das atitudes de quaisquer agentes) e somos capazes de conhecer esses fatos não por meios empíricos, mas por intuição intelectual. Intuicionismo de Ross � “É auto-evidente que um ato, qua cumprimento de uma promessa, ou qua realização de uma distribuição justa do bem, ou qua retribuição de benefícios recebidos, ou qua promoção da felicidade dos outros, ou qua promoção da virtude e da compreensão do agente, é prima facie certo; isso é auto-evidente não por ser evidente desde o começo da nossa vida, ou logo que consideramos a proposição pela primeira vez, mas porque, quando atingimos uma maturidade mental suficiente e demos atenção suficiente à proposição, esta é evidente sem nenhuma necessidade de demonstração ou de evidência que a ultrapasse. Ela é auto- evidente do mesmo modo que um axioma matemático, ou a validade de uma forma de inferência, são auto-evidentes. A ordem moral que essas proposições exprimem faz tanto parte da natureza fundamental do universo (e, podemos acrescentar, de qualquer universo possível em que existam agentes morais) como a estrutura espacial ou numérica expressa nos axiomas da geometria ou da aritmética” (ROSS, RG, p. 30). O intuicionismo de Ross �Dizer que uma proposição é autoevidente, no caso da teoria de Ross, significa que “somos capazes de conhecer estas proposições apenas com base na sua compreensão – isto é, que elas são conhecíveis a priori. […] O conhecimento moral não é mais misterioso do que qualquer outro conhecimento a priori” (STRATTON-LAKE, 2003, p. 44). �Não há mediação de deduções e inferências. �Não temos um sentido moral que nos permite conhecer as verdades morais. O intuicionismo de Ross �Ross defende uma espécie de fundacionalismo epistemológico. Podemos conhecer certas verdades morais apenas porque temos a intuição de outras verdades morais mais básicas, como os deveres prima facie e os bens intrinsecamente valiosos. O intuicionismo de Ross �Os deveres prima facie são conhecidos por intuição, os abolutos, não. �“Nossos juízos sobre nossos deveres absolutos em situações concretas não têm nada de certo que os ligam ao nosso reconhecimento dos princípios gerais do dever (deveres prima facie)” (ROSS, RG, p. 30). O intuicionismo de Ross �Este conhecimento autoevidente é limitado a princípios gerais: podemos conhecer os deveres prima facie desta maneira, mas não o nosso dever absoluto em uma situação particular: o que devemos fazer, considerando tudo. Tudo o que podemos fazer é pesar um dever contra o outro para determinar qual dever prima facie tem o maiorpeso normativo neste caso particular, mesmo que isso geralmente não corresponda ao conhecimento adequado devido à complexidade envolvida na maioria dos casos específicos. Objeção 1 ao intuicionismo de Ross �Mas, se as verdades morais são autoevidentes, por que existem discordâncias morais? �Resposta: As discordâncias morais são, na verdade, discordâncias sobre fatos, não sobre os princípios morais mais básicos. Resposta de Ross �“A diferença entre aqueles que pensam que a vacinação é correta e aqueles que pensam que ela é incorreta reside largamente na diferença de opinião sobre a questão de fato se a vacinação de fato previne varíola, enquanto os pais com ambas as opiniões concordam que os pais deveriam tentar salvar suas crianças de uma doença” (ROSS, FE, p. 18). Além disso… � “Autoevidente” não significa o mesmo que “óbvio”. Provas complexas e simples em matemática são autoevidentes sem serem ambas óbvias. Embora o correto e o bom sejam tidos como simples, seu entendimento a priori pode não ser tão simples. �As verdads morais só são autoevidentes para pessoas moralmente maduras. Objeção 2 ao intuicionismo de Ross �O intuicionista é dogmático. Se alguém discorda dele, ele apenas pode reafirmar o que disse com base na intuição. Resposta de Ross �A intuição não exclui a inferência. �Aqui ele parece se contradizer. O correto �Central para a correção são os deveres prima facie (prima facie duties), por exemplo, o dever de cumprir as promessas ou de evitar prejudicar os outros. �Um ato é correto se conforme com o dever absoluto do agente. Fazer o ato pelo motivo apropriado não é importante para a correção, mas é central para a bondade moral ou virtude. Deveres prima facie �Os deveres prima facie são princípios gerais cuja validade é auto-evidente para pessoas moralmente maduras. São fatores que não levam em conta todas as considerações. Deveres prima facie 1. Dever de não-maleficência: dever de não ferir outras pessoas. 2.Dever de fidelidade: dever de cumprir as promessas. 3. Dever de reparação: dever de corrigir algo de errado que fizemos antes. 4. Dever de gratidão: dever de retornar serviços àqueles de quem recebemos benefícios no passado. 5. Dever de beneficência: dever de maximizar o bem geral. Deveres de justiça e de autoaperfeiçoa mento �6. Dever de justiça: responsalibilidade de produzir uma distribuição de felicidade entre as outras pessoas na proporção do mérito ou virtude de cada um. Ao virtuoso, felicidade, ao vicioso, miséria. � 7. Dever de autoaperfeiçoamento: resposabilidade de se aperfeiçoar na virtude e no conhecimento. Outros deveres �Os sete princípios contribuem para explicar outras considerações morais. Dever de não mentir �Devemos não mentir porque, de acordo com o dever de não-maleficência, dizer mentiras é prima facie causar um dano a outra pessoa, e também de acordo com o o dever de fidelidade, quando participamos de uma conversa, há uma promessa implícita de que a as pessoas, quando se comunicam, devem expressar suas reais opiniões. O dever de obedecer às leis �A obrigação de obedecer às leis é explicada pelas obrigações de gratidão, fidelidade e beneficência. �Se alguém se beneficiou das leis de um país, essa pessoa deve obedecê-las como gratidão por seus benefícios. �Se alguém permaneceu no país no qual ele sabe que é esperado que as pessoas obedeçam à lei e se tem confiado nelas por causa de seus benefícios, essa pessoa prometeu (ao menos implicitamente) obedecê-las e deveria fazê-lo para essa razão. �Se as leis do país funcionam de modo a promover o bem geral, deve-se obedecê-las como parte da promoção geral do bem. Os deveres prima facie não têm o mesmo peso �Ross não pensa que os deveres prima facie têm todos o mesmo peso. Não- maleficência vem antes da beneficência �De modo geral, não pensamos que promover o bem é mais importante do que não ferir outras pessoas; a não ser que o benefício de prejudicar alguém sejam imensamente maior do que o de não lhe causar dano. Fidelidade, reparação e gratidão também vêm antes da promoção geral do bem �Os deveres de fidelidade, reparação e gratidão vêm também em primeiro lugar do que o dever de promover o bem geral; novamente, este é o caso a não ser que o bem ocasionado pela quebra desses deveres em favor da maior promoção do bem seja imensamente maior do que o bem resultante de obedecê-los. Relações pessoais � Diferente do dever de promover o bem geral, os deveres de reparação, gratidão e fidelidade dependem das relações pessoais que temos com os outros. � Fazedor de promessas para com o(a) recipiente da promessa. � Devedor para com o(a) credor(a). � Companheiro(a) para com outro companheiro(a). � Criança para com os pais e vice-versa. � Amigo(a)para com outro amigo(a). � Cidadão(ã) para com outro(a) cidadão(ã). � Médico(a) para com o(a) paciente. � Advogado(a) para com o(a) cliente. Deveres absolutos �O dever absoluto, por outro lado, é particular a uma situação específica: leva tudo em conta e tem que ser julgado caso a caso. Várias considerações estão envolvidas em tais julgamentos, por exemplo, sobre quais deveres prima facie seriam mantidos ou violados e quão importante eles são no caso em questão. O bom �O valor intrínseco, o que é bom em si mesmo, é fundamental para compreender a bondade. Ross atribui valor intrínseco ao prazer, ao conhecimento, à virtude e à justiça. É fácil confundir correção e bondade no caso de bondade moral. �Fazer o ato pelo motivo apropriado não é importante para a correção, mas é central para a bondade moral ou virtude. Exemplo �Combinei com um amigo de me encontrar com ele na cafeteria às 15hs. Porém, a caminho do encontro me deparo com uma pessoa acidentada. Qual dever tem prioridade, o de fidelidade (cumprir a promessa do encontro) ou de beneficência (socorrer o acidentado)? �O dever absoluto nesse caso vai depender das circunstâncias. Por exemplo: sei prestar os primeiros socorros? Tenho meios de conduzi-lo ao hospital ou de pedir ajuda para tal? O bom �Quanto ao bom, Ross salienta que é importante para a filosofia distinguir entre o sentido atributivo e o sentido predicativo. Sentido atributivo �No sentido atributivo, “bom" significa habilidoso ou útil, como em "um bom cantor" ou "uma boa faca". �Este sentido de bom é relativo a um certo tipo: ser bom como algo. �Por exemplo, uma pessoa pode ser boa como cantora, mas não boa como cozinheira. Sentido predicativo � O sentido predicativo de bom, por outro lado, como em "prazer é bom" ou "conhecimento é bom", não é relativo neste sentido. �De principal interesse para a filosofia é um certo tipo de bondade predicativa: a chamada bondade intrínseca. �Uma coisa intrinsecamente boa é boa em si mesma: seria boa mesmo que existisse por si só, não é apenas boa como meio por causa de suas consequências. As quatro coisas intrinsecamente boas � 1. Virtude: disposição para agir a partir de certos motivos apropriados. �2. Conhecimento: crença correta sobre o modo como as coisas são (contrasta com a concepção tripartite de conhecimento como crença verdadeira justificada). � 3. Justiça: felicidade repartida por mérito (dando a cada um o que merece). Ao virtuoso a felicidade, ao vicioso a miséria. �4. Prazer Estados mentais �Prazer, conhecimento e virtude dizem respeito a estados mentais, em contraste com a justiça, que se refere a uma relação entre dois estados mentais, a virtude e o prazer. A virtude é superior �Estes valores vêm em graus e são comparáveis entre si. Ross afirma que a virtude tem o valor mais alto, sendo infinitamente superior, enquanto o prazer tem o valor mais baixo. Ele chega ao ponto de sugerir que nenhuma quantidade de prazer é igual a qualquer quantidade de virtude, que, na verdade, a virtude pertence a uma ordem superior de valor. Hierarquia das virtudes � 1) O desejo de cumprir o dever. �2) O desejo de promovero bem. � 3) O desejo de causar prazer e livrar os outros da dor. Contraste da concepção de conhecimento �Conhecimento como crença correta sobre o modo como as coisas são contrasta com a concepção tripartite de conhecimento como crença verdadeira justificada. Justiça �Às vezes é vista como um dever, às vezes é vista como um bem. O prazer �Apenas o prazer inocente é bom. Os prazeres sádicos seriam ruins. E apenas o prazer inocente dos outros é bom; por isso, temos o dever de promover o prazer dos outros. Vantagens da teoria de Ross �Oferece uma alternativa para o problema do conflito entre deveres. �Coaduna bem com a moralidade do senso comum. Objeção 1 �Sem um critério claro e definido para poder hierarquizar os deveres, a proposta de Ross não tem viabilidade, pois será baseada na arbitrariedade. As intuições são apenas metade do caminho. Objeção 2 �A moralidade do senso comum pode estar errada. Objeção 3 �Pode haver menos deveres ou bens intrinsecamente valiosos ainda mais básicos ou uma pluralidade ainda maior do que 4, 5 ou 7 bens ou deveres básicos. Objeção 4 �A teoria de Ross implica que, enquanto eu denho o dever prima facie de não causar dano aos outros, eu não tenho qualquer dever de não causar dano a mim mesmo. Por conseguinte, eu poderia ser utilizado como meio para os fins alheios. Objeção 5 �A teoria do bem de Ross é muito rígida.