Buscar

Prévia do material em texto

| 147
* Artigo recebido em 30 de outubro. Aceito para publicação em 20 de dezembro de 2023.
EPISTEMOLOGIAS DISSIDENTES 
ACUIERLOMBADAS: “LUNDU,” DE 
TATIANA NASCIMENTO1*
ACUIERLOMBADAS DISSIDENT 
EPISTEMOLOGIES: “LUNDU,” 
BY TATIANA NASCIMENTO
Matheus Messias Santos2
Alexandre de Oliveira Fernandes 3
Resumo: epistemologias dissidentes acuierlombadas, como as produzidas por tati-
ana nascimento em seu livro de poemas “lundu,” (2018), descentralizam formas de 
conhecimento autoritárias, cujas visões eurocêntricas e cisheteropatriarcais têm ser-
vido à pilhagem epistêmica. no artigo em tela, trabalhamos com os poemas “exhibit 
b, v.6:” e “diz/faço qualquer trabalho (y (m)eu amor de volta todo dia”, presentes 
na obra citada. colocamos em foco epistemologias que rasuram o saber moderno 
ocidental, revisam o lócus de enunciação e acolhem saberes linguísticos e culturais 
afrodiaspóricos, construindo e visibilizando saberes demonizados pelo etnocentris-
mo, valorizando transgressões epistêmicas e linguísticas, bem como processos de 
enunciação contra hegemônicos.
Palavras-chave: Epistemologias dissidentes. Lundu. Enunciação contra-hegemônica.
Abstract: dissident epistemologies, such as those produced by tatiana nascimento 
in her book of poems, “lundu,” (2018), decentralize authoritarian forms of knowl-
edge, whose eurocentric and cis-heteropatriarchal perspectives have served epistemic 
plundering. in this article, we engage with the poems “exhibit b, v.6:” and “diz/faço 
qualquer trabalho (y (m)eu amor de volta todo dia,” found in tatiana nascimento’s 
work “lundu” (2018). we focus on epistemologies that blur the lines of western modern 
knowledge, reconsider the locus of enunciation, and embrace afro-diasporic linguistic 
and cultural wisdom. these epistemologies construct and bring visibility to knowledge 
demonized by ethnocentrism, valuing epistemic and linguistic transgressions, as well 
as counter-hegemonic processes of enunciation.
Keywords: Dissident epistemologies. Lundu. Counter-hegemonic enunciation.
1 consoante com as discussões aqui levantadas em torno de epistemologias dissidentes, interessados em não hierar-
quizar nomes, saberes e conceitos com o uso de letras maiúsculas, acompanhando o posicionamento político, ético, 
artístico e epistêmico de tatiana nascimento, rasuramos a gramática clássica, provocando fissuras em sua ordem técni-
co-científica, produzindo uma escrita na qual todas as palavras serão mantidas em letras minúsculas.
2 mestrando em letras pelo programa de pós-graduação em letras: linguagens e representações (ppgl/uesc). membro 
do grupo de pesquisa em linguagens, poder e contemporaneidade (gelpoq). E-mail: matheus.messisantos@gmail.com. 
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3407-3200.
3 doutor em ciência da literatura pela universidade federal do rio de janeiro (ufrj). professor do instituto federal de 
ciência e tecnologia (ifba/porto seguro). professor permanente no programa de pós-graduação em letras: linguagens 
e representações (ppgl/uesc). líder do grupo de pesquisa em linguagens, poder e contemporaneidade (gelpoq). E-mail: 
alexandre.pro@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1556-4373.
REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
https://orcid.org/0000-0003-3407-3200
https://orcid.org/0000-0002-1556-4373
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
Matheus Messias Santos e Alexandre de Oliveira Fernandes
| 148REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
contra a pilhagem epistêmica: sinhozim, aqui, não!
 de platão à kant, a busca por um “verdadeiro conhecimento” foi assumida 
como empreitada epistemológica colonial, cuja lógica do “penso, logo existo” tem 
se intensificado na perversidade do “conquisto, logo existo” (guimarães, 2018). 
tal filosofia ignora a experiência que passa pelo corpo, categoriza o outro a partir 
de uma “mesmidade” e, numa posição egocentrada e arrogante, ao invés de falar 
“com”, trata “sobre”. assentada que está em regimes disciplinares verticalizados 
e formas narrativas da história progressiva, recalca saberes e ignora diferenças. 
por meio de uma visão mecanicista e determinista, tendenciosa e interessada, 
busca promover o domínio intelectual, cultural e moral europeu sobre outros 
povos, o que não se faz sem violência, coerção e epistemicídio.
 reverberada ao longo de séculos de apropriação, na literatura brasileira, 
uma ciência branca, patriarcal e capitalista promoveu uma pilhagem epistêmica, 
beneficiando projetos e grupos socialmente privilegiados (freitas, 2022, p. 306; 
afonso-rocha, 2022). tal rapinagem não se aparta do sistema sociopolítico cishe-
teropatriarcal, racista e cristão, que instaura a cisgeneridade compulsória, mas-
culina, heterossexual e branca como suprema.
 conforme já ensinado por audre lorde (2020), uma crença na superiorida-
de de um sexo e de um modo de amar sobre todos os outros gerou um “direito de 
dominar”. essa licença emerge “da mesma fonte que o racismo – uma crença na 
superioridade inerente de uma raça sobre todas as outras e, portanto, seu direito 
à dominância” (lorde, 2020, p. 63).
 contestando esse suposto direito, interessa-nos situar a escrita palavreira 
da multiartista brasiliense, tatiana nascimento, poeta, slammer, cantora, compo-
sitora, tradutora, negra e lésbica que, em 2015, fundou com bárbara esmênia a 
padê editorial4. esse selo coletivo e artesanal publica textos de autorias dissiden-
tes, sobretudo de mulheres negras lgbtqia+.
 um ano após sua criação, a padê editorial já contava com três livros de 
poesias, “{penetra-fresta}”, de bárbara esmênia, “interiorana”, de autoria de nívea 
sabino e “(lundu,)”, de tatiana nascimento5, os quais compõem a “cole-sã odoyá” 
– flagrante saudação à deusa iorubá dos ventos, “iansã”, e alusão à difícil tarefa 
de manter a sanidade em meio a uma sociedade violenta, na qual, sujeitos negros 
são alvos cotidianos: “alvos / não dis-pardos / mas de: dis-paros / alvos/ pul-
monares / do dióxido da classe ranço branco / muito ódio aos alvos pretos (...)” 
(nascimento, 2018, p. 28).
4 instagram. padê. disponível em: https://www.instagram.com/pade.editorial. acesso em: 25 jul 2023.
5 metrópoles. feitos à mão: padê editorial cria e vende livros feitos artesanalmente. thais rodrigues. 20 set 2016. dispo-
nível em: https://www.metropoles.com/entretenimento/literatura/feitos-a-mao-pade-editorial-cria-e-vende-livros-
-feitos-artesanalmente. acesso em 25 jul 2023.
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
https://www.metropoles.com/author/thais-rodrigues
| 149
Epistemologias dissidentes acuierlombadas: “lundu,” de Tatiana Nascimento
REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
 com milhares de exemplares vendidos, além de ter o pdf gratuito disponí-
vel para download na internet6, uma manobra ética e política para democratizar a 
leitura, “lundu,” põe em foco uma diversidade de simbologias que remetem às cul-
turas indígenas e afro-brasileiras, a exemplo do título da própria obra, remissão à 
“antigo gênero afro-brasileiro de música e dança”, hoje uma “forma de samba solto 
ou batucada” presente na bahia” (lopes, 2004, p. 400).
 potência epistemológica contra canônica, a poesia de tatiana nascimento 
perpassa experiências vivenciadas pelo corpo, transmutando-as em palavras e vi-
ce-versa (evaristo, 2005, p. 202). é talvez por esse motivo que seus textos estejam 
dispostos na vertical, horizontal, do avesso, rasurados, arrolados em um “index”, 
uma possível referência ao “index librorum prohibitorum”, lista de livros proibidos 
pela igreja católica, indicando que a tatiana nascimento desafia não apenas as con-
venções literárias, mas também outras normas sociais estabelecidas por estruturas 
depoder. os poemas também se destacam por terem títulos diferentes no index 
em comparação com as páginas onde estão localizados, como é o caso do poema 
“exhibit b, v.6:”, cujo título no index é “black face,” precedido por um “adesvio: em 
caso de emergência, quebre o protocolo” (nascimento, 2018, p. 5). tais subversões 
convidam o leitor a se movimentar e a dançar o “lundu” com palavras.
 são mais de 30 poemas, atravessados por temas como religiosidades afro-
-brasileiras e indígenas, terapias ancestrais, violência colonial, cura, negritude, 
amor e natureza, cuja construção rítmica, que facilita a oralização7, dá a entender 
que muitos dos poemas foram pensados para serem performatizados. se, por um 
lado, convidam o corpo a participar de sua produção de sentido, por outro, apro-
ximam-se da tradição oral, muito prestigiada em culturas ancestrais, como nos 
povos originários e de terreiro.
 fortemente desconfiando do etnocentrismo que norteia o discurso dos pa-
íses ditos centrais (grosfoguel, 2016; coutinho, 2003), defendemos que epistemolo-
gias dissidentes acuierlombadas, como as produzidas por tatiana nascimento em 
“lundu,” (2018), podem colaborar para descentrar formas de conhecimento auto-
ritárias, cujas visões eurocêntricas e cisheteropatriarcais têm servido à pilhagem 
epistêmica. em outros termos, na contramão do projeto de dominação colonial, 
que produz mortandade e destrói a diversidade, assentado em colonialismo epis-
têmico, genocídio, racismo e sexismo (grosfoguel, 2016), no artigo em tela, ao tra-
6 palavra, preta! poesia di dendê. disponível em: https://palavrapreta.files.wordpress.com/2017/12/lundu_tatiananas-
cimento_2ed.pdf. acesso em 03 de maio de 2023.
7 em recente entrevista, a autora destaca que a tradição oral é muito presente em sua produção poética, e fala sobre 
como as suas poesias são feitas para serem “faladas”. nascimento, tatiana. “a nossa escrita é um reflexo, é um recorte, 
é um pedaço”: uma conversa com tatiana nascimento. entrevista concedida a matheus messias. abatirá – revista de 
ciências humanas e linguagens, v3. n.6. p. 135–147. maio de 2023. disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.
php/abatira/article/view/15756. acesso em: 30 de julho de 2023.
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
https://palavrapreta.wordpress.com/
https://palavrapreta.files.wordpress.com/2017/12/lundu_tatiananascimento_2ed.pdf
https://palavrapreta.files.wordpress.com/2017/12/lundu_tatiananascimento_2ed.pdf
Matheus Messias Santos e Alexandre de Oliveira Fernandes
| 150REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
balharmos com os poemas “exhibit b, v.6:” e “diz/faço qualquer trabalho (y (m)
eu amor de volta todo dia”, presentes no “lundu,” (2018), colocamos em foco epis-
temologias dissidentes, as quais, rasuram o saber moderno ocidental, revisam o 
lócus de enunciação e acolhem saberes linguísticos e culturais afrodiaspóricos.
 a poesia da tatiana nascimento está intrínseca à encruzilhada exuriana, 
visto que a autora vai na contramão de toda uma tradição ocidental, heterossexis-
ta, branca, lesbofóbica, tóxica, construindo e visibilizando epistemologias demo-
nizadas pelo etnocentrismo. a epistemologia na encruzilhada nos remete à uma 
mudança de paradigma epistemológico, bem como ao descentramento do ocidente 
em valorização das transgressões epistêmicas e processos de enunciação contra 
hegemônicos. é sobre esse tema que trataremos a seguir.
exuzilhar o conhecimento: sem rima para memória e dor, né?
 as obras e autores que compõem o cânone literário brasileiro estão relacio-
nados a um sistema literário tradicional, que se baseia em relações de poder para 
privilegiar os interesses de grupos hegemônicos. esse sistema corrobora com o si-
lenciamento de autoras e autores que integram grupos dissidentes, e que são desti-
tuídos de notoriedade. ainda que uma pequena parcela de autoras negras alcance 
determinados níveis de prestígio e espaços de circulação canônicos, percebe-se que 
essa não é a regra do sistema e dos regimes de verdade, visto que uma diversidade 
de artistas dissidentes possui seus textos renegados ao tempo em que produções 
branco-centradas são favorecidas. no caso de autoras lgbtqia+, como a tatiana nas-
cimento, é perceptível a emergência de estratégias coletivas que visam subverter as 
normas da tradição.
 a subversão dessas normas se dá, sobretudo, através de epistemologias dis-
sidentes acuierlombadas, produzidas majoritariamente por grupos socialmente 
marginalizados. tais narrativas priorizam escritas que se dissipam dos cânones 
da literatura, não unicamente pelas temáticas em voga, mas, principalmente, por 
considerar o “quem escreve”, questionando o lócus de sujeito universal atribuído 
ao homem, branco, cis e hétero.
 em outros termos, acuierlombar-se nessa perspectiva, significa recriar-se 
pelas palavras. como um fazer mítico-político, partir das narrativas ancestrais 
contrariando as histórias malversadas pela modernidade. implica reorganizar a 
história, a narrativa, a subjetividade desde a assunção da ancestralidade diaspó-
rica sexual-dissidente e compreender cuierlombo como resistência e organização 
capaz de refundar a noção de literatura negra, ou seja, para além do combate e da 
denúncia do racismo, questionar o jeito de fazer, ler, compreender literatura negra 
no qual dor e revolta seriam temas dominantes. tatiana nascimento ensina que de-
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
| 151
Epistemologias dissidentes acuierlombadas: “lundu,” de Tatiana Nascimento
REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
núncia apenas não basta, a desconstrução convoca ao passo seguinte: anúncio, (re)
criação (nascimento, 2019, p. 15-16).
 neste percurso, a cara, a voz e a cor da literatura ganham tons de autoafir-
mação, visto que “pensar dissidências sexuais e de gênero como parte intrínseca 
da cultura da diáspora negra no brasil [...] tem a ver com esse exercício de pensar 
felicidade coletiva e exercício de liberdade” (nascimento, 2020, on-line)8. daí ser 
importante situar os sujeitos que compõem os grupos privilegiados, e que histori-
camente constituíram a literatura como um espaço marcado pelo heterossexismo, 
pelo racismo e pela misoginia, a partir da convenção de um cânone literário que se 
quis masculino, heterossexual e branco.
 a literatura produzida por mulheres muito tempo esteve situada no cam-
po do silêncio e da insignificância. quando se trata de uma literatura produzida 
por lésbicas, a situação se torna ainda mais delicada, visto que a lesbofobia, assim 
como a homofobia, o racismo e outras violências, são cruciais para a manutenção 
do status quo de todo o sistema literário tradicional. logo, a literatura produzida por 
mulheres lésbicas traça uma luta contra a invisibilidade e contra a misoginia, sobre-
tudo quando se considera o histórico das representatividades de geografias lésbicas 
na literatura brasileira, como destaca a autora brasileira natalia borges polesso:
a falta de representatividade no campo literário e a questão da autodeclara-
ção da lesbianidade, no que diz respeito à autoria, são entraves que acabam 
por criar uma espécie de rede de abordagem específica a essa problemática 
emergente. rede que se aproxima de ações de afirmação como tática de vali-
dação no campo (polesso, 2018, p. 4).
 dessa forma, discutir a produção literária de uma mulher, negra e lésbica 
significa dedicar atenção a uma produção artística com grande potencial para au-
xiliar na elaboração de críticas às relações de poder e representações nos cânones 
literários, de modo político e simbólico. em “lundu,”, é visível que a poeta des-
centraliza o pensamento moderno ocidental, tido como universal, ao trazer para 
sua poesia elementos linguísticos afrodiaspóricos, associados especificamente àsreligiões de matriz africana. sua escrita faz parte de uma “nova literatura brasilei-
ra contemporânea” (silva, 2017, p. 61), na qual, “o indivíduo negro, assim como a 
negra, deixa de figurar como objetos presentes nas obras artísticas e em trabalhos 
acadêmicos de autoria branca, para se posicionarem como agentes, quer dizer, su-
jeitos de posse do texto sobre si mesmos” (silva, 2017, p. 61).
8 revista amazonas. tatiana nascimento: “pensar dissidências sexuais e de gênero como parte intrínseca da cultura da 
diáspora negra no brasil, pra mim, tem a ver com esse exercício de pensar felicidade coletiva e exercício de liberdade”. 
2020. disponível em: https://www.revistaamazonas.com/2020/03/11/tatiana-nascimento-a-discussao-do-transfemi-
nismo-redefine-a-nocao-da-mulheridade-de-uma-forma-mais-justa-horizontal-ambigua-e-complexa. acesso em: 13 
de julho de 2023.
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
Matheus Messias Santos e Alexandre de Oliveira Fernandes
| 152REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
 daí que se insurja fortemente contra os resquícios da escravidão e a pre-
sença da colonialidade, como em “pa ojare”, texto de “lundu,” (nascimento, 2018, 
p. 29): os “regalos da colonização: regalia de / cafezinho com bulinação / esquece o 
açúcar não, doçura / humildade num é humilhação (...) desumanidade né, decapi-
tar o patrão / “o dono da minha cabeça é aquele que decepa”.
 pensar a questão da epistemologia, significa também, que ao estudar uma 
obra como “lundu,” (nascimento, 2018), o que pretendemos é exuzilhar o conheci-
mento. e é nessa esteira que o verbo-neologismo desenvolvido por cidinha da silva, 
em 2010, e que dialoga com os caminhos percorridos por exu, no caso, as suas en-
cruzilhadas, surge como possibilidade para se fundamentar uma ética e uma estética 
alternativas às criadas pelo ocidente. nesta coordenada, situamos a epistemologia na 
encruzilhada, proposta por luiz rufino (2021) como uma política de conhecimento 
assentada em exu, deus nagô das encruzilhadas, do movimento, “a boca que tudo 
come”, que se relaciona com “um descentramento, uma disputa, que desloca a auto-
ridade discursiva sobre o que é e o que não é conhecimento” (rufino, 2021, p. 20).
 a ideia de encruzilhada surge a partir da necessidade de utilizarmos, em 
nossa produção que é metaepistêmica – episteme problematizando episteme –, no-
vas poéticas, tecnologias e formas de se colocar no mundo que sejam transgressivas 
à “escassez, ao desencantamento e à monologização do mundo” (rufino, 2019, p. 
13). mas quais são essas novas poéticas e tecnologias? a própria tatiana nascimento 
nos ajuda a pensar, com poesia, é claro:
tecnologia em rede social de assistir, / compartilhar, & curtir (...) ancestrais / 
tecnologias curativas / anciãs / tecnologias orgasmativas / dazantiga / tecno-
logia contraceptivas / (famoso “cola-velcro” é pura / tecnologia dazamiga) / 
então eu, / avessa a venena tóxica / eu, essa mamífera exótica eu / sobrevivida 
às estatísticas necrófilas / racista, lesbofóbica / eu qui num vó rimá / memó-
ria y dor” / né? (nascimento, 2018, p. 59).
 “lundu,” (nascimento, 2018) provoca fissuras na ordem canônica ao subverter 
as formas tradicionais de escrita e do próprio mercado editorial brasileiro interessa-
do em se deleitar com o sofrimento negro, daí “não rimar memória y dor”. a poe-
ta afirma não comungar de certa “tradição literária negra-brasileira dor-centrada” 
(nascimento, 2019, p. 28). reconhece que existem perfis estéticos e discursivos carac-
terísticos, comumente destinados às escritoras e escritores negros, de escrever sobre 
dor e sofrimento, resistência e denúncia, porém, vai contra essa maré, priorizando 
escritas de “devaneigros desde meu cuierlombismo” (nascimento, 2019, p. 31).
 ao optar, por vezes, “escrever sobre o pássaro voando, sobre o jeito que 
uma onda quebra, sobre a dormência de uma semente do cerrado y quanto tempo 
leva pra ela despertar y se plantar” (nascimento, 2023, p. 138), a poeta, em seus 
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
| 153
Epistemologias dissidentes acuierlombadas: “lundu,” de Tatiana Nascimento
REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
“devaneigros”, valoriza desvios da norma e não se curva a dogmatismos, rasura a 
recepção literária e problematiza regras de escrita.
 por exemplo, dá ao “y” a função de adição e, numa postura contrária à sub-
serviência cultural, problematiza o “mundo vasto: / nessas ruminas da civilização / 
tudo vira pasto / y soja pra ração” (nascimento, 2018, p. 09). tal escrita dessacraliza 
o próprio ato de escrever, transforma e revisa o cânone, constrange discursos de 
caráter totalizadores em torno da escrita negra cuja política segregacionista histo-
ricamente favoreceu à guetização e o genocídio, a estereotipia e o voyerismo sobre 
a dor negra. daí escrever:
exhibit b, v.6: 
corta corta corta essa imagem 
finda essa viagem de sepultura náutica pra carregar
minhas ancestrais
corta essa imagem
finda essa viagem de tumba trágica pros meus 
ancestrais
c o r t a sua viagem, 
fim! dessa viagem de catacumba exótica, zoológica!,
pra agradar, ensinar, compassionar seus ancestrais
fim dessa viagem, corta essa imagem
de mortalha nostálgica a serviço das suas ancestrais
que minha língua preta é mágica!
minha língua, preta, é mágica.
naufraga a memória torta na calunga funda dessas 
lembragem, é tudo paragem...
quer me impedir caminhar / congela o frame na iaiá
eu nasci foi pra dançar, eu nasci pra voar
ela quer impedir eu de me amar
quer me afogar no mar que é a minha casa
me assombrar da noite
que tem a minha face?
mas não tem, não tem, não tem disfarce
blackface é back açoite (nascimento, 2018, p. 68).
 a voz poemática em “exhibit b, v.6:” se insurge contra a apropriação da 
história produzida pelo discurso brancocentrado e europeu. solicita que parem o 
modo como memórias são produzidas, porque organizam modos de sentir e ima-
ginar capazes de “me impedir caminhar”. daí dizer: “corta corta corta essa imagem 
/ corta sua viagem” porque “minha língua preta é mágica! / minha língua, preta, 
é mágica”. que magias ela faz? leva a memória torta para a calunga, o cemitério 
negro, afundando lembranças que não colaborem para o desenvolvimento do su-
jeito negro. em outros termos, está ocupada em não se fixar em cenas e narrativas 
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
Matheus Messias Santos e Alexandre de Oliveira Fernandes
| 154REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
racistas que produzem “paragem”. esse refazer da memória, ao se reapropriar do 
discurso pretende não congelar a/o sujeita/o negra/o no frame da iaiá, haja vista 
que o discurso da sinhazinha reatualizado ao longo do tempo “quer me impedir 
caminhar”. a voz poemática sabe que nasceu “foi pra dançar, eu nasci pra voar”.
 “exhibit b, v.6:” coloca em questão o problema epistemológico do enqua-
dramento, ou seja, nos leva a reler as molduras pelas quais apreendemos, sentimos, 
sonhamos. o discurso da iaiá deve ser congelado porque ele determina unilateral-
mente as condições de aparição do outro, delimitando sua esfera de aparição e de 
vida. ademais, o problema é ontológico porque implica em quem pode viver, quem 
pode ser, quem pode amar e ser amada/o. o que está em debate em “exhibit b, v.6:” 
tem a ver com os modos pelos quais uma vida é vivível e não “afogada no mar”, 
“assombrada na noite”. o retorno do açoite – o “back açoite” – tem a ver com a 
percepção de uma vida vulnerabilizada, com a precarização que incita à violência 
e o desejo de destruição do “ser” – ou melhor, do “não-ser” – de pessoas entregues 
a “outros, a normas, a organizações sociais e políticas que se desenvolveram histo-ricamente a fim de maximizar a precariedade para alguns e minimizar a precarie-
dade para outros” (butler, 2017, p. 15).
 ainda no contexto dos conhecimentos ancestrais, direcionamos nossa aten-
ção para o poema intitulado “diz/faço qualquer trabalho (y (m)eu amor de volta 
todo dia” (nascimento, 2018, p. 42-44), também presente na obra “lundu,” (2018). 
percebe-se, desde o seu título, que o poema estabelece um diálogo intrigante com 
os cartazes frequentemente vistos nas ruas, especialmente em áreas urbanas, que 
prometem realizar trabalhos para resgatar o ente amado e restaurar o amor na vida 
da pessoa. através deste traço poético, já é possível perceber que o poema se propõe 
a ser o próprio trabalho.
 para esta análise, o poema foi dividido em três partes. na primeira, a voz 
poemática destaca elementos que se relacionam com violências de complexidade 
social e que impactam a vida de sujeitos negro-sexual dissidentes: 
forca / camisa de força / sexo à força/ fórceps. ou/ cesárea/ (sem-injeção)/ 
interrupção/ a serviço do patrão/ (pra filha dele tem legalização)/ basta/ rdo/ 
mar/ pardo/ (pra gente é)/ negação (nascimento, 2018, p. 42).
 ao trazer elementos como “forca” e “camisa de força”, revela-se uma críti-
ca à restrição das liberdades e da autonomia, simbolizando a opressão posta so-
bre sujeitos marginalizados, afetados cotidianamente por violências estruturais. o 
“sexo à força” ressalta a violência sexual, ao tempo em que “cesárea sem injeção e 
interrupção a serviço do patrão” problematizam procedimentos invasivos, como o 
aborto forçado, realizado sem consentimento. a “legalização para a filha do patrão” 
sublinha a injustiça e a desigualdade nas estruturas sociais. ao associar os termos 
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
| 155
Epistemologias dissidentes acuierlombadas: “lundu,” de Tatiana Nascimento
REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
“pardo” e “negação”, a voz poemática situa o aspecto racial das violências em cena, 
enfatizando como pessoas negras enfrentam a discriminação em diversos contex-
tos sociais, considerando a forma como esses indivíduos têm direitos frequente-
mente negados.
 na segunda parte, a voz poemática aponta com mais detalhes as questões 
que ajudam a entender quais são os sujeitos impactados pelas formas de violência 
ditas anteriormente. ela faz isso identificando, a partir de aspectos históricos como 
a escravização e o racismo, elementos que traçam um paralelo entre as experiên-
cias do período colonial e as vivências contemporâneas de pessoas negras:
marcadura/ queimadura/ pele borbulha/ raça impura/ ferradura/ mula. a 
cavalo dado não se olha/ dentadura/ dentição/ dente-de-leite/ ama-de-leite/ 
amarelo-azeite/ azeite… dendezeiro… deleite (nascimento, 2018, p. 42).
 as marcas permanentes deixadas pelas violências coloniais transparecem 
nas “marcaduras e queimaduras que fazem a pele borbulhar”. de algum modo, 
esses trechos assumem sentidos metafóricos quando os associamos aos efeitos do 
racismo na contemporaneidade, pensando sobre como pessoas negras sentem a 
violência “na própria pele”. ao citar a expressão “raça impura”, a voz poemática 
estabelece relações dialógicas com o racismo científico, utilizado para justificar a 
escravização e a opressão racial, sobretudo no século xix. os trechos “ferradura” e 
“mula” destacam a exploração de escravizados no passado, tratados como merca-
dorias e obrigados a realizar trabalhos brutais.
 no fim do trecho, já é possível perceber que o campo semântico do poema, 
aos poucos, se transmuta de aspectos de violência racial para aspectos terapêuticos, 
de cura, a partir dos conhecimentos ancestrais de religiosidades afro-brasileiras, 
evidenciados em “azeite, dendezeiro e deleite”. afinal, como já destacado pela pró-
pria autora, não se rima memória y dor.
 e é na terceira parte que as marcas de epistemologias na encruzilhada (rufi-
no, 2021) de fato surgem, sobretudo pelo fato de o poema introduzir a relação entre 
as enfermidades, da primeira parte, com os processos de cura, da terceira parte, de 
maneira mais explícita. o leitor percebe, então, que o próprio texto pode funcionar 
como um ebó9 literário, isto é, um trabalho de cura, quando pensamos na metodo-
logia de religiões afro-brasileiras:
farofa, ebó, padê!/ (tô falando de cocaína não tá?)/ laroyê,/ midádicumê?/ chu-
ta não que eh macumba/ eh o quê? enfeite?/ eh seita?/ aceite:/ neh enredo não/ 
neh folclore não/ nem eh possessão,/ eh religião (nascimento, 2018, p. 43).
9 “o ebó é a oferenda ritual, o sacrifício, o alimento sagrado, os atos litúrgicos. do iorubá – ebo‖, a forma ideal de ofe-
renda é determinada pelo jogo divinatório” (fernandes, 2015, p. 26).
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
Matheus Messias Santos e Alexandre de Oliveira Fernandes
| 156REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
 o trecho problematiza estereótipos associados às práticas religiosas de 
matriz africana, frequentemente demonizadas e folclorizadas por grupos sociais 
racistas. assim, a voz poemática critica noções preconceituosas que tentam sim-
plificar e desqualificar religiões afro-brasileiras, rotulando-as como seita e pos-
sessão. nesse sentido, ressalta-se a importância do reconhecimento dessas cren-
ças como legítimas, com profundidade de significados, em vista da necessidade 
de superar as estigmatizações.
 chega-se a um ponto em que a cura é entoada a partir de aspectos caros 
à mitologia afro-brasileira: farofa, ebó, padê. ao decorrer do poema, percebemos 
que esse amor que se quer de volta, na verdade, é o amor próprio. é o amor de si 
pra si, que foi corrompido por violências epistêmicas. essa busca do amor de si pra 
si obviamente não ignora o amor de si pro outro. é sobre como podemos retornar 
para nosso interior e nos impactar com o nosso próprio amor, trazendo-o de volta 
à superfície de nós mesmos. por isso a voz poemática promove o jogo com os pa-
rênteses no título do poema, entre a letra m e o pronome eu, para formar o (m)eu, 
compreendendo que quem precisa desse amor de volta é o próprio eu.
 portanto, a poesia de tatiana nascimento provoca fissuras nas estéticas po-
éticas canonizadas. sujeitos da dissidência reclamam os seus saberes expropriados 
por uma branquitude que delegou às crenças e tradições negras o lugar do erro, do 
pecado e do exótico, e trazer esses elementos à poesia contemporânea, em tons de 
valorização, provoca rupturas no próprio sistema literário tradicional. as dissidên-
cias representam perspectivas que estão miradas contra a fetichização de nossas 
epistemologias, e desafiam os paradigmas dominantes que desconsideram as epis-
temologias da encruzilhada como legítimas. em meio a essa reflexão, o pesquisador 
luiz rufino, em sua obra “pedagogia das encruzilhadas” (2019), oferece uma com-
paração entre orixás e conhecimento:
os conhecimentos são como orixás, forças cósmicas, que montam nos su-
portes corporais, que são feitos cavalos de santo; os saberes, uma vez incor-
porados, narram o mundo através da poesia, reinventando a vida enquanto 
possibilidade. assim, ato meu ponto: a problemática do saber é imanente à 
vida, às existências em sua diversidade (rufino, 2019, p. 9).
 em outras palavras, as dinâmicas que vão definir os saberes hegemônicos e 
as epistemologias dominantes também vão definir quem vive e quem morre; quais 
literaturas e corporeidades serão encaradas como passíveis de legitimação. o autor 
sugere que o conhecimento possui uma dimensão transcendente e poderosa, e que 
pode se manifestar em nossas vidas como entidades que “montam” em nossos cor-
pos, assim como os orixás “montam” em seus cavalos de santo. ao enfatizar que 
os conhecimentos “narram o mundo através da poesia”, ele destaca a capacidade 
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161| 157
Epistemologias dissidentes acuierlombadas: “lundu,” de Tatiana Nascimento
REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
dos saberes incorporados de contar histórias e interpretar a realidade de manei-
ra poética. essa narrativa do mundo pode ser vista como forma de reinventar a 
própria vida, de criar novos espaços epistemológicos e horizontes enunciativos, 
na contramão dos preceitos traçados pelas normatividades brancas, que pautam a 
valorização da razão e de um suposto “saber iluminado”, em detrimento do sen-
tir, da intuição e da experiência. rufino (2019) então ressalta que a incorporação 
dos conhecimentos em nossas vidas não necessariamente precisa estar relacionada 
unicamente a uma formação intelectual normativa, mas, sim, às forças transfor-
madoras que nos permitam enxergar o mundo de maneira menos binária e mais 
ampla. os saberes incorporados se tornam parte de nós, influenciando o modo 
como interagimos com as realidades.
 a discussão sobre epistemologia é indissociável às interdições fabricadas pela 
modernidade ocidental, visto que “os saberes que cruzam a esfera do tempo, prati-
cando nas frestas a invenção de um mundo novo, são aqueles que encarnam na pre-
sença de seres produzidos como outros” (rufino, 2019, p. 12). assim, compreende-se 
que essa outremização (morrison, 2019) se dá como consequência da mirada colo-
nial, que nos outremiza enquanto específicos e diferentes (como se eles também não 
fossem). rufino (2019) nos provoca a pensar sobre como os problemas que envolvem 
o conhecimento estão profundamente entrelaçados às questões étnico-raciais, pois 
as epistemologias elaboradas pelas modernidades ocidentais, e que por muito tempo 
foram assimiladas como inquestionáveis, foram responsáveis por moldar as nossas 
percepções, decisões e a própria compreensão da complexidade do conhecimento. 
ainda de acordo com ele, a narrativa inventora do mundo na modernidade ocidental 
enfatiza uma espécie de presença em detrimento do esquecimento:
a narrativa inventora do mundo, a partir do advento da modernidade oci-
dental, produz presença em detrimento do esquecimento. se engana quem 
pensa que a história é uma faculdade que se atém somente àquilo que deve 
ser lembrado, a história, como um ofício de tecer narrativas, investe forte-
mente sobre o esquecimento. assim, é na perspectiva da produção da não 
presença da diversidade que se institui uma compreensão universalista 
sobre as existências. somos “oficialmente” paridos para o mundo a partir 
da empreitada colonial, do projeto de dominação exercido pelo ocidente 
europeu (rufino, 2019, p. 14).
 ao problematizar a narrativa histórica ocidental e as suas consequências, 
o autor sugere que a história, tal como é construída e tramitada na modernidade 
ocidental, não apenas registra fatos, mas seleciona quais eventos serão lembrados 
e quais serão esquecidos. e essa seleção é quase sempre intencional e instituída, 
pois negligencia e apaga experiências e culturas que não se encaixam nos padrões 
dominantes, bem como escamoteia as histórias tidas como secundárias, as verda-
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
Matheus Messias Santos e Alexandre de Oliveira Fernandes
| 158REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
des por trás dos fatos que encobrem as violências produzidas por nações europeias 
durante o período de colonização, e que ainda reverberam na contemporaneidade. 
o “ofício de tecer narrativas” revela a natureza tendenciosa da história, e demons-
tra que a interpretação dos eventos é influenciada por intenções específicas, isto é, 
pela definição branca do que é importante ser narrado e compreendido enquanto 
verdade. afinal, é importante a questão: quem narra a história?
 a história narrada pela perspectiva ocidental europeia desenvolveu uma 
noção limitada de universalismo, que apagou a riqueza cultural e histórica de 
comunidades negras e indígenas. o projeto colonial foi responsável por legitimar 
a perpetuação das estruturas de poder, inclusive se apropriando dos corpos das 
dissidências ao longo dos séculos. essa apropriação ocorreu por meio de práticas 
como a escravização e evangelização dos negros traficados de áfrica, da catequiza-
ção forçada de indígenas, bem como das imposições de sistemas políticos e econô-
micos que beneficiavam as potências coloniais. em seu livro “intolerância religio-
sa” (2020), o intelectual negro sidnei barreto nogueira ressalta como a hegemonia 
branca buscou, a todo custo, enquadrar sujeitos da dissidência numa normatização 
branca, europeia e cristã:
ocorre que a hegemonia deseja corpos (femininos, pretos, indígenas e lgbtq+) 
marginalizados, oprimidos, reagrupados e organizados de acordo com uma 
normatização branca, europeia e cristã, de maneira que eles não se pensem 
a partir de outra origem e de outro modo de entendimento de si. o próprio 
reconhecimento de uma origem diferente da europeia é, por si só, uma trans-
gressão. uma violação ao poder branco hegemônico (nogueira, 2020, p. 62).
 a hegemonia das dinâmicas de poder buscou manter controle e domínio 
sobre os corpos da dissidência, deslegitimando qualquer tentativa de afirmação 
de suas existências e epistemes. a colonização europeia, especialmente entre os sé-
culos xv a xix, resultou na sobreposição de narrativas eurocêntricas que retratam, 
até os dias atuais, as culturas de povos indígenas e africanos como primitivas e 
inferiores, bem como as vivências femininas, lésbicas, gays, travestis, transsexuais, 
cuír entre outras, como pecaminosas. tais narrativas foram utilizadas para justi-
ficar a exploração e apropriação de terras e recursos naturais do nosso povo, bem 
como para defender violências como o racismo, a homofobia e a transfobia.
 é por esta razão que tatiana nascimento propõe a recontação e a recria-
ção das histórias negras, de modo a desmantelar a estrutura binária sobreposta 
em nossas tradições. ao denunciar as heranças coloniais como ameaças ao nosso 
lastro histórico diaspórico, percebe-se que o parâmetro sexual e de gênero branco 
não cabe em nossas realidades negras. ao estabelecer novos rumos às poéticas e 
corporeidades negras, a poeta destaca que passou a se reencontrar com a ances-
tralidade a partir da leitura de lésbicas negras (nascimento, 2019, p. 14). ora, nada 
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
| 159
Epistemologias dissidentes acuierlombadas: “lundu,” de Tatiana Nascimento
REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
muito diferente do que discutimos até aqui: epistemologias dissidentes acuierlom-
badas podem ser chaves de leitura libertadoras! e é desse modo que se propõe o 
acuierlombamento literário: como possibilidade epistemológica na valorização de 
trajetórias negro-sexual dissidentes. o remontar e o recriar sugeridos pela autora 
buscam estabelecer novas dinâmicas de funcionamento para o texto literário, de 
modo a considerar a nossa força, beleza e potência poética.
considerações: uma poética epistêmica acuierlombada
 tatiana nascimento oferece uma perspectiva dissidente no modo com que 
(des)organiza a sua poética na obra “lundu,” (2018), bem como desafia as estru-
turas epistemológicas tradicionais enraizadas pelo ocidente ao preferir não rimar 
memória y dor. desse modo, a sua expressão poética eleva aspectos caros à tradição 
afro-brasileira a um patamar nobre: ebó literário e devaneigros como elementos 
que podem resgatar o amor próprio e questionar as normas estabelecidas pela tra-
dição literária, promovendo a ressemantização de narrativas culturais, já que os 
saberes das tradições ancestrais são quase sempre silenciados. desse modo, além de 
subverter as normas literárias, a poeta também desafia as estruturasde poder que 
marginalizaram a dissidência.
 atrelada à epistemologia na encruzilhada, a força poética de tatiana nas-
cimento representa mudanças de paradigmas epistemológicos, um processo de 
ruptura com o pensamento moderno ocidental e de valorização das epistemes dis-
sidentes; desafia as normas estabelecidas e abre espaço para a celebração da pluri-
diversidade de saberes e narrativas que enriquecem o panorama cultural e intelec-
tual, contribuindo para a construção de uma literatura mais inclusiva e sensível às 
experiências daqueles que, há muito tempo, são excluídos de possibilidades auto 
enunciativas. nesse sentido, compreende-se que produzir epistemologia está para 
além de uma sistematização científica, como dita a filosofia ocidental, e pode des-
locar a hegemonia das políticas europeias como único saber válido, legitimando 
outras formas de se pensar e produzir conhecimento, como, por exemplo, a produ-
ção literária de sujeitos dissidentes, assentados em uma poética acuierlombada.
 diante o exposto, é inegável que os poemas “exhibit b, v.6:” e “diz/faço qual-
quer trabalho (y (m)eu amor de volta todo dia”, presentes no “lundu,” (2018), sur-
gem na encruzilhada, como ponto de confluência, horizonte epistemológico para 
se repensar a produção literária negra, que não está distanciada de um projeto epis-
têmico negro-sexual-dissidente (nascimento, 2019). logo, ler o mundo por lentes 
negras é válvula para se projetar um futuro insustentável ao racismo colonial, longe 
das expectativas brancas heterocissexualizantes. na mirada cuierlombista, a poéti-
ca negra não se resume unicamente a ser um dispositivo programado para resistir 
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
Matheus Messias Santos e Alexandre de Oliveira Fernandes
| 160REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
e combater o racismo. aqui, tomamos poesia, também, como episteme, que transita 
num percurso que é mais complexo do que a mera noção de conhecimento, mas 
como ferramenta que não se dissipa do corpo e da existência de quem a produz.
Referências
AFFONSO-ROCHA, Rick. Saudosismo literário: a destruição imaginária da “literatura”. 
Em: MOURA, Iago (et. al). Cutucando o cu do cânone: insubmissões teóricas. Salvador, 
BA: Devires, 2022.
BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Tradução: Sérgio 
Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Editora Civilização Brasileira. 
Rio de Janeiro. 2017.
COUTINHO, Eduardo. Literatura Comparada na América Latina: Ensaios. Rio de Janei-
ro: EDUERJ, 2003, p. 130.
EVARISTO, Conceição. Gênero e Etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: Moreira, N. 
M. de B.; Schneider, L. (orgs.). Mulheres no Mundo: Etnia, Marginalidade e Diáspora. João 
Pessoa: Ideia; Editora Universitária UFPB, 2005, p. 202-206.
FERNANDES, Alexandre de Oliveira. Axé: apontamentos para uma a-tese sobre Exu que 
jamais (se) escreverá. Tese (Doutorado) – UFRJ, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Gra-
duação em Ciência da Literatura (Literatura Comparada), 343 p., 2015.
FREITAS, Henrique. Pilhagem Epistêmica. Em: Matos, Doris Cristina Vicente da Silva; 
Sousa, Cristiane Maria Campelo Lopes Landulfo de (orgs.). Suleando conceitos e lingua-
gens: Decolonialidades e Epistemologias Outras. Campinas, SP: Pontes Editoras, 2022, p. 
305-312.
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: 
racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. So-
ciedade e Estado. V.31, no.1, p. 25-49, Brasília Jan./Apr. 2016.
GUIMARÃES, R. S. Pedagogia micropolítica decolonial na Universidade: reflexões sobre 
modos de re-sentir. Revista Espaço Acadêmico, v. 18. n. 207, p. 29-36, agosto de 2018.
LORDE, Audre. Não Existe Hierarquia de Opressão. Em: Lorde, Audre. Sou Sua Irmã: 
Escritos Reunidos. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
NASCIMENTO, Tatiana. A nossa escrita é um reflexo, é um recorte, é um pedaço: uma con-
versa com tatiana nascimento. Entrevista concedida a Matheus Messias. Abatirá – Revista 
de Ciências Humanas e Linguagens, v. 3. n.6. p. 135-147, 2023.
NASCIMENTO, Tatiana. Lundu. Brasília: Padê Editorial, 2018.
NOGUEIRA, Sidnei. Intolerância Religiosa. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.
NASCIMENTO, Tatiana. Cuírlombismo literário. poesia negra lgbtqi desorbitando o pa-
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
| 161
Epistemologias dissidentes acuierlombadas: “lundu,” de Tatiana Nascimento
REVISTA FÓRUM IDENTIDADES | Itabaiana-SE, Universidade Federal de Sergipe, v. 38, nº 1, p. 147-161, jul-dez de 2023.
10.47250/forident.v38n1.p147-161
radigma da dor. São Paulo: n-1 edições. 2019. Disponível em: https://palavrapreta.wordpress.
com/2018/03/12/cuierlombismo. Acesso: 16 de fevereiro de 2024.
POLESSO, Natalia Borges. Geografias Lésbicas: literatura e gênero. Revista Criação & Crí-
tica, n. 20, p. 3-19, 2018.
RUFINO, Luiz. Epistemologia na encruzilhada: política do conhecimento por Exu. Abatirá 
– Revista de Ciências Humanas e Linguagem, vol. 2, n. 4, pp. 19-30, 2021. Disponível em 
https://www.revistas.uneb.br/index.php/abatira/article/view/13339. Acesso em 16/05/23.
RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019.
SILVA, Cidinha da. Exuzilhar. São Paulo: Kuanza, 2010.
SILVA, Fabiana Carneiro da. Por uma fala: o negro corpo do discurso. Opiniães. São Paulo, 
n. 10, p. 58-70, jun. 2017.
https://doi.org/10.47250/forident.v38n1.p147-161
	CAPA
	Folha de rosto
	Técnico
	Sumário
	Apresentação
	Por que escrevem as mulheres e as representações do corpo-mulher
	Do cordão umbilical à loucura na obra de Ariana Harwicz – Jocelaine Oliveira dos Santos
	Uma conversa sobre a maternidade em Entrada de Serviço, de Lúcia Benedetti – Viviane da Silva Vieira
	Descriminalização do aborto na ficção de Rachel de Queiroz e Lygia Fagundes Telles – Daiane de Moura
	As lesbianidades espiraladas em ‘Vó, a senhora é lésbica?’ – Micaela Sá da Silveira
	Perdendo a mãe África: histórias de retornos na literatura contemporânea – Rafaella Cristina Alves T
	A construção de uma personagem travesti em Eliane Alves Cruz – José Veranildo Lopes da Costa Junior
	(De)colonialidade em Troia: uma leitura de Luiza Romão – Jorge Miguel Arcanju Pereira e Thays Keylla
	Tropical sol da liberdade: o valor-memória na narrativa de mulheres no pós-ditadura – Theresa Katari
	“O país do futuro / tem um imenso passado pela frente”: a ecoescrevivência na literatura de autoria 
	Epistemologias dissidentes acuierlombadas: “lundu,” de Tatiana Nascimento – Matheus Messias Santos e
	Corpo, Gênero e Sexualidade na Ficção de Arundhati Roy – Anna Beatriz Paula
	Maternidade entre culturas em As alegrias da Maternidade, de Buchi Emecheta – Tiago Silva
	Seção Livre
	Luz negra nos caminhos: uma análise do corpo/subjetividade em poemas de Conceição Evaristo – Adriana
	A leitura do conto “Olhos d’água”, em uma perspectiva ético-estético-discursiva – José Ricardo Carva
	Resistência e empoderamento feminino em Jussara Salazar – Silvana Cattelan e Claudio Mello
	Na escrita romântica de Maria Firmina dos Reis, os primórdios de um feminismo negro brasileiro – Mar
	Dinâmicas de acolhimento na Veneza de Thomas Mann – Ronaldo Leites Diaz e Luciane Todeschini Ferrei
	As relações de poder e dominação em Antonio Carlos Viana – Raquel Pereira de Lima e Regina Simon da

Mais conteúdos dessa disciplina