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Codigo_Processo_Penal_portugues_a_15a_al

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Paulo Saragoça da Matta 
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Principais modificações ocorridas com a 15ª alteração ao 
Código de Processo Penal ao nível dos crimes económicos 
 
 Considerações Prévias 
– A 15ª alteração ao CPP, manifestou-se politicamente – e até com respaldo 
num sector muito expressivo da Advocacia portuguesa – como uma 
muito necessária alteração à lei processual penal. 
– Apesar disso, não foi tal alteração acompanhada sequer de qualquer 
preâmbulo ou justificação de motivos, que permitisse apreender as 
efectivas e reais razões que de modo mais ou menos atabalhoado iam 
sendo aventadas como justificando a alteração. 
– Logo, torna-se hoje muito difícil perceber qual a filosofia que a reforma 
pretende implementar! Tanto mais quando, como poderemos ver adiante, 
algumas das alterações parecem direccionar o processo penal em 
determinada direcção, quando outras manifestam o desejo do legislador 
de ir em direcção oposta (v.g., redução do segredo de justiça e aumento do segredo 
no que respeita a alguns meios de prova, como é o caso das escutas telefónicas). 
– Paralelamente, detectaram-se alterações introduzidas no CPP que não 
tiveram origem, e que assim não foram motivadas, nos trabalhos da 
Unidade de Missão que preparou o projecto… o que de per si não implica 
qualquer estranheza, conquanto se consiga apurar a paternidade da 
alteração, e, do mesmo passo, a ratio que a motivou. 
– Porém, havendo alterações de pai incógnito gera-se alguma perplexidade 
óbvia na comunidade científica do direito… além de ser impensável que, 
num processo legislativo de um Estado de direito democrático, qualquer 
pessoa possa inopinadamente e infundadamente introduzir alterações 
nas leis sem que se consiga determinar em que momento e lugar, e 
concretamente quem, fez a alteração no projecto… 
– Esta 15ª alteração implica modificações em mais de 180 normativos legais, 
i.e., em mais de 1/3 do Código de Processo Penal, diploma que 
apresenta 524 artigos (claro que algumas se traduziram em alterar extensos por 
números, etc. … i.e., alterações meramente cosméticas superficiais). 
– Por outro lado, traduz a 15ª alteração ao CPP uma considerável inovação 
em questões fundamentais e estruturantes do ordenamento jurídico 
processual penal, como sejam a já referida redução quantitativa e 
qualitativa do segredo de justiça, a redução do âmbito de aplicação da 
prisão preventiva (a mais grave das medidas de coacção), alterações profundas 
em alguns momentos da efectivação prática dos meios de obtenção de 
prova (buscas nocturnas, perícias), etc. 
– Apesar do sublinhado, de modo totalmente incompreensível, seja política 
seja dogmaticamente, estipulou-se uma vacatio legis de 11 dias! Tal é, a 
todos os títulos, totalmente incompreensível e inaceitável. Com efeito, 
basta atentar que na reforma introduzida pela Lei n.º 58/98 de 25 de 
Agosto, a entrada em vigor foi fixada para 1 de Janeiro de 1999. 
– Por fim, inexistem a acompanhar a 15ª Alteração ao CPP normas especiais 
de aplicação da lei no tempo… termos em que se terá necessariamente 
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de lançar mão de critérios dogmáticos, alguns de difícil concreta 
operacionalização, para saber se uma concreta norma se aplica ou não a 
partir do dia 15 de Setembro e a que processos (aos processos que estão 
pendentes? Àqueles que se iniciarem no futuro, claramente… mas a data da prática do 
crime ser anterior ou posterior ao dia 15 de Setembro será relevante ou não? Pior: sendo 
regra geral que as normas de processo se aplicam imediatamente aos processos 
pendentes, não menos certo é que as excepções do art.º 5º já fizeram correr rios de tinta - 
normas processuais penais de conteúdo material ou direito processual penal material. Ex. 
dos problemas que poderiam ter sido resolvidos com estas normas transitórias são as 
libertações de presos preventivos a aguardarem o trânsito em julgado de decisão em 
recurso. Só ignorância ou incompetência justificam este tipo de procedimento). 
– Ponderando que parte das questões atrás respigadas será objecto de 
comunicações de outros conferencistas, circunscreveremos a nossa 
análise às questões enunciadas inicialmente. 
 
 Aspectos estruturantes da 15ª alteração ao CPP 
– A 15ª alteração ao CPP trouxe, como referido retro, considerável 
inovação em questões fundamentais e estruturantes do ordenamento 
jurídico processual penal, v.g. 
• Redução quantitativa e qualitativa do segredo de justiça; 
• Redução do âmbito de aplicação da prisão preventiva (a mais 
grave das medidas de coacção); 
• Alterações profundas em alguns momentos da efectivação 
prática dos meios de obtenção de prova (buscas nocturnas, 
perícias), etc. 
– Todavia, atenta a total falta, como também já sublinhado, de uma 
exposição de motivos que permitisse ao intérprete acompanhar o 
sentido das alterações impostas, uma análise dos aspectos 
estruturantes da alteração ao CPP será necessariamente indutiva e 
não dedutiva, i.e., uma análise construída a partir da concreta 
apreciação dos diversos institutos e momentos fulcrais do processo 
penal, tarefa essa que, a nosso ver e grosso modo, esgota os temas 
das conferências que serão proferidas até ao final do dia. 
– Com efeito, apenas uma análise dos regimes legais relativos aos 
tópicos que seguidamente se enunciam permitirá a final concluir no 
sentido de que a alteração segue neste ou naquele caminho. 
– Por outras palavras, apenas: 
• Analisando as alterações aos princípios fundamentais e aos 
regimes de aplicação das medidas de coacção e de garantia 
patrimonial; 
• Analisando as alterações introduzidas nos meios de prova e 
nos meios de obtenção de prova, bem como os concomitantes 
mecanismos de contrôle; 
• Analisando as modificações introduzidas aos métodos de 
investigação e recolha de prova; 
• Analisando a tramitação processual prevista no CPP após 
esta 15ª alteração; 
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• Se poderá saber quais os aspectos estruturantes desta 
alteração ao CPP, que o mesmo é dizer que apenas no final 
da apresentação de todas as conferências deste dia se poderá 
à guisa de balanço concluir com segurança que os aspectos 
estruturantes da “alteração” são estes ou aqueles. 
– Assim sendo, não querendo meter a foice em ceara alheia, limitar-
nos-emos a manifestar as nossas sensações relativamente ao que 
sejam esses aspectos estruturantes, com isso obviamente não 
perturbando conclusões que os Conferencistas que se nos seguem 
venham a tirar e que, inclusivamente, não sejam consentâneas com a 
opinio iuris que aqui expendemos. 
– Nestes termos, anunciemos já ser nossa sensação que os aspectos 
estruturantes da 15ª alteração ao CPP são os seguintes: 
• Preocupação em destruir o segredo de justiça em processo 
penal tal como era conhecido, substituindo o cenário legal por 
outro totalmente diverso, seja quantitativa seja 
qualitativamente, sem prejuízo de uma excepção de relevo, e, 
a nosso ver, totalmente injustificada; 
• Preocupação em satisfazer o clamor público que há largos 
anos vinha crescendo em torno da prisão preventiva, i.e., no 
sentido da redução da aplicabilidade dessa medida de 
coacção; 
• Preocupação em dificultar a outrance, de modo que 
igualmente consideramos totalmente injustificado, a aquisição 
do estatuto de Arguido; 
• Preocupação em garantir a criação de várias vias de, por 
motivos exclusivamente formais, inviabilizar a investigação 
processual penal, prejudicando a busca da verdade material e 
a justiça de mérito em benefício de uma justiça formal (diríamos, 
a criação de mecanismos de potenciação da obtenção de absolvições da 
instância em prejuízo da obtenção de absolvições do pedido e/ou de 
condenações). 
– Tudo quanto melhor se explicita subsequentemente, não sem antes 
apresentar algumas notas sobre o conceito de criminalidade 
económica, a fim de garantir utilizarmos todos a mesma linguagem. 
 
 A criminalidade económica (realidade virtualmente “indefinível”) 
– Criminalidadeeconómica é expressão de uso enraizado e 
consagrado, seja no âmbito jornalístico e sociológico, seja mesmo no 
âmbito jurídico, mau grado a quase impossibilidade da respectiva 
definição. Aliás, difícil é encontrar dois autores que se refiram à 
mesma realidade subjacente quando lançam mão de tal designação, 
tal como acontece com a utilização da expressão, de raiz 
criminológica, crime de colarinho branco, criando-se assim uma 
profunda confusão dogmática seja ao nível jurídico, seja ao nível da 
criminologia, sempre que se utilizam tais significantes. 
– Assim que com a expressão criminalidade económica possa querer 
referir-se realidades muito distintas (a este respeito cfr. o nosso A 
responsabilidade penal dos "Quadros" das Instituições no domínio da criminalidade 
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económica, Dissertação de Mestrado, Biblioteca da Faculdade de Direito da 
Universidade de Lisboa, 1997, Capítulo I, pp. 18 e ss.). 
– Para efeitos desta conferência, e na linha do que vimos defendendo 
na fonte bibliográfica citada, “consideram-se como crimes económicos 
apenas aqueles comportamentos ou actividades económicas que são 
por lei considerados crimes, tipicamente. Com amargura, contudo, se 
depara com nova problematicidade, pois mesmo cingindo-nos à 
classe de comportamentos que são legalmente tipificados como crime 
não se encontra unanimidade quanto a saber quais desses 
comportamentos é que verdadeiramente são crimes económicos. É 
que um direito penal económico pressupõe, para individualização dos 
respectivos tipos de crime, um modelo ou estrutura social e um 
qualquer grau de desenvolvimento económico, tudo dados altamente 
variáveis no espaço e no tempo. Assim, qualquer definição de direito 
penal económico será necessariamente conformada pela estrutura 
económica da sociedade e pelas concepções de Estado e de Direito, 
de igual característica se revestindo os crimes respectivos1.” 
– “Assim que a doutrina parta em regra da definição de Direito da 
Economia (…) numa tentativa de conformar através deste o âmbito do 
paralelo Direito penal económico. Com semelhante metodologia 
desemboca-se numa definição de Direito penal económico como 
conjunto das normas jurídico-penais que protegem a ordem 
económica, sendo esta a regulamentação jurídica do 
intervencionismo estatal na economia. Como bem salienta Mourullo, 
será então o Direito penal económico uma "parcela do denominado 
Direito económico, ou seja, do Direito da Economia dirigida pelo 
Estado."2. Mas logo emergem observações críticas, compreensíveis. 
É que se é certo que o Direito penal económico, como atrás se disse, 
acompanha a estrutura social e o grau de evolução económica de 
cada momento histórico, então existirá um Direito penal económico 
próprio de cada época, que será aquele que tutela os valores 
económicos desse momento. Sendo assim, como logicamente parece 
ser, não será difícil encontrar, nos Códigos Penais vigentes na 
maioria dos Estados, normas que outrora tutelavam (e se calhar ainda 
hoje tutelam) precisamente esses valores económicos considerados 
essenciais ao longo da nossa caminhada civilizacional. E realmente, 
sob títulos ou capítulos de extensão variável, encontramos crimes 
contra o património ou contra a propriedade, que noutros tempos 
eram seguramente o mais longe que o Estado intervinha no seio da 
vida económica 3/4.” 
 
1 Gonzalo Rodriguez Mourullo, Consideraciones político-criminales..., in ADPCP, cit., p. 680 escreve: 
"... cada sistema económico genera su propia delincuencia económica, sucediendo por ello que lo que 
se considera delito en una economía dirigida no lo es en una economía de libre mercado, y a la 
inversa". 
2 Gonzalo Rodriguez Mourullo, Consideraciones político-criminales..., in ADPCP, cit., p. 679. Em igual 
sentido, M.Bajo Fernández, Derecho Penal económico ..., cit., 1978, p. 37. 
3 Tais crimes contra o património, ou contra a propriedade, claramente de ascendência Romanística, 
visam, também e ainda hoje, a protecção da "ordem económica", ou melhor, de um certo aspecto da 
ordem económica, nomeadamente daquela que erige a propriedade num valor fundamental da 
colectividade. Sobre tal filiação cfr. J. Mª. Rodríguez Devesa, Consideraciones generales sobre los 
delitos contra la propiedad, in ADPCP, 1960, p. 39. É interessante a apresentação comparativa feita por 
este autor entre os actuais tipos penais e os seus antepassados Romanos, demonstrando que o furto 
radica no furtum, o roubo na rapina, a usurpação de imóveis na invasio, a burla no stellionatus, a usura 
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– “Por outro lado, muitos dos tipos penais desenhados em múltiplos 
diplomas legais demonstram que lhes subjaz uma ideia de economia 
ainda muito rudimentar, ou individualizada. São comuns os tipos 
penais que radicam em concepções medievais de comerciante (…). E 
não se julgue que esta compreensão de empresário e de comerciante 
foi já esquecida pelos sistemas jurídicos contemporâneos. Que assim 
não é demonstram-no muitos dos tipos penais em matéria falimentar. 
Por tudo isto não será de espantar o surgimento de um conceito de 
Direito penal económico em sentido amplo, que engloba, para além 
do núcleo de criminalidade atrás delimitado (o Direito penal 
económico em sentido restrito), os velhos crimes de conteúdo 
económico-patrimonial, como a usura, a burla, a usurpação de 
imóveis e mesmo o roubo e o furto. Ou seja: usando este conceito 
lato de Direito penal económico pretender-se-ia abranger não só os 
comportamentos que violam a regulamentação da intervenção do 
Estado na economia mas também outros tipos de comportamentos, 
que lesando imediatamente interesses patrimoniais particulares só 
reflexamente atingiriam a ordem económica de determinado 
Estado5.” 
– “Assim se justifica historicamente o surgimento dos dois 
entendimentos paralelos do Direito penal económico. Mas 
indubitavelmente que a simples existência destes dois conceitos é 
suficiente para gerar algumas perplexidades6, as quais por seu lado 
serão responsáveis pela menor credibilidade e aceitação da 
autonomia científica deste ramo do direito. Na linha de circunscrição 
que se tem vindo a adoptar resultará evidente que o conceito amplo 
de nada nos pode servir. A abrangência aqui gera inadmissibilidade 
dogmática, uma vez que não cabe unificar sob um mesmo conceito 
realidades de conteúdo muito díspar, que lesam bens jurídicos de 
natureza distinta, mesmo que em última análise impliquem sempre 
uma qualquer lesão da ordem económica. Como é referido por muita 
doutrina, reflexos económicos ou patrimoniais e efeitos sobre a ordem 
económica podem surgir de todo o tipo de comportamento, podendo 
mesmo tal comportamento ser exclusivamente de ordem privatística 
ou implicar o preenchimento de tipos penais ditos clássicos, que nada 
têm que ver com a criminalidade económica7.” 
– “Há pois que lançar mão do conceito restrito de Direito penal 
económico atrás delineado, mas mesmo aqui com a advertência de 
que nunca se conseguiu, o que será porventura uma inescapável 
fatalidade, elaborar um conceito indiscutível8 e com potencialidades 
 
no dardanariatus, o dano no damnun iniuria datum, etc. 
4 Lê-se no nº 9 do Preâmbulo do D.-L. n.º 28/84 de 20 de Janeiro a seguinte afirmação do legislador: 
"Não se desconhecendo, embora, a proximidade material entre os crimes contra a economia e os 
crimes contra o património (...) não pode ignorar-se a natureza eminentemente supra-individual dos 
bens jurídico-económicos para o efeito da determinação das sanções a aplicar às condutas que com 
eles contendem. " 
5 Exemplos deste tipo de comportamentos seriam as falências fraudulentas, a concorrência desleal, 
eventualmente o crime de emissão de cheques sem provisão, etc. 
6 U. Balestrino, I problemi dei reati societari,Milano, 1978, p. 12. 
7 Rodriguez Mourullo, Consideraciones político-criminales..., in ADPCP, cit., p. 680 exemplifica com o 
suicídio de um banqueiro, com o assassinato de um empresário e com ofensas ao bom-nome de uma 
empresa. 
8 Precisamente a volatilidade do conceito de Direito penal económico, potenciada pela variabilidade 
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que ultrapassem a mera enumeração descritiva. Julga-se, assim, ser 
possível afirmar que o Direito penal económico é o conjunto das 
normas jurídico-penais que protegem e regulamentam o 
intervencionismo estatal na Economia, devendo tal critério ser 
casuisticamente completado com a ponderação do conteúdo 
essencial do tipo cuja subsunção na referida categoria se pretende. E 
para tal ponderação há que averiguar, na falta de outro critério, o bem 
jurídico que com o comportamento incriminado é necessária e 
directamente ofendido. Não cabe, pois, aqui, utilizar um critério 
ampliativo, como seria o caso se se desse relevância a todos os 
interesses que resultariam violados, mesmo mediatamente, pela 
conduta típica. Munidos deste conceito podemos avançar, com a 
certeza, porém, de que a todo o momento se podem alterar as 
fronteiras do nosso Universo, bastando para tanto que se altere o 
grau, intensidade ou profundidade do referido intervencionismo, ou 
que se modifique a perspectiva Estatal sobre a via de tutela dos 
comportamentos concretamente visados9. Todavia, tal flutuabilidade 
não deve ser de molde a fazer-nos desencorajar. Uma vez mais 
socorrendo-nos da autoridade e expressividade de Mourullo, conclui-
se que "lo importante en esta hora no es determinar si este o aquel 
hecho deben considerarse o no como delitos contra el orden 
económico y si éste puede o no considerarse desde el punto de vista 
dogmático como un específico bien jurídico, sino si, para el buen 
desarrollo de la vida económica, es necesario que este o aquel hecho 
se configuren como delito"10.” 
– “Não obstante, e sem querer cair na tentação enumerativa (…), 
sempre se julga ser possível afirmar que o Direito penal económico se 
desdobra hoje por diversas áreas, v.g. o ambiente, a actividade 
bancária, cambial e de bolsa, o branqueamento de capitais, os 
processos falimentares, a indústria e a tecnologia, o trabalho, as 
sociedades comerciais, a fiscalidade, a regulamentação urbanística, 
as questões da produção, comércio e consumo de bens e serviços, a 
saúde pública, os subsídios e subvenções e as disposições 
comunitárias em todas estas matérias11”. 
 
 Alterações processuais com impacto na criminalidade económica 
– Em face da definição tendencial apresentada de criminalidade 
económica, e ponderando aqueles que atrás considerámos serem os 
 
espácio-temporal das realidades merecedoras de tutela e de intervenção estatal, é que leva muitos 
autores a preferir regulamentar esta matéria com recurso a figurinos não penais, ou seja, recorrendo 
àquilo a que os Anglo-saxónicos chamam de regulatory offenses, e que os continentais, sob diversas 
capas, identificam como sendo os mala prohibita, as contra-ordenações, o direito administrativo-
punitivo, etc... 
9 Klaus Tiedemann, Wirtschaftsstrafrecht im Ausland, in GA, 1969, p. 320, salienta também a 
instabilidade e dinamicidade do Direito penal económico. 
10 Rodriguez Mourullo, Consideraciones político-criminales..., in ADPCP, cit., p. 681. Igual posição, 
aliás, sustenta Bajo Fernández, Derecho penal económico, cit., p. 51. 
11 Sem querer daí retirar qualquer argumento, confira-se, por exemplo, o índice de matérias da 
RTDPE, editada pelas Edizioni Cedam, no qual se encontra o seguinte elenco: problemáticas gerais do 
Direito penal da economia, Comunidade Europeia, Direito penal do ambiente, Direito penal bancário, 
Direito penal falimentar, Direito penal industrial, Direito penal do trabalho, Direito penal societário, 
Direito penal tributário, Direito penal urbanístico, Produção, Comércio e Consumo, Crimes contra a 
saúde pública e Crimes contra a administração pública. 
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aspectos estruturantes da 15ª alteração ao CPP, analisem-se então 
os impactos que as alterações respigadas podem ter na investigação 
e julgamento dos crimes susceptíveis de integrar a categoria 
identificada. 
 
• A “destruição” e a “subversão” do segredo de justiça 
– Distingue-se tradicionalmente na doutrina, e nas legislações, o 
segredo de justiça interno do segredo de justiça externo. O CPP, até 
15 de Setembro de 2007, consagrava um regime de estrito segredo 
de justiça interno e externo até ao termo da fase do Inquérito, e um 
regime, quase que excepcional, de segredo de justiça externo até ao 
termo da fase da Instrução, verificados certos pressupostos. Em 
julgamento o processo era, sob pena de nulidade, público. 
– Ora, como atrás referido, detecta-se nesta 15ª alteração ao CPP a 
preocupação de extinguir o segredo de justiça, o que aliás constituiu 
resposta consentânea com pressões mediáticas permanentes que 
nos últimos 4 ou 5 anos vinham sendo apresentadas por alguns 
sectores políticos e mesmo alguns dos operadores judiciários (maxime 
a advocacia). 
– Com efeito, profundamente molestados com os incómodos, injustiças 
e abusos de poder que resultavam da realização de primeiros 
interrogatórios de arguidos detidos em que estes se encontravam 
totalmente desconhecedores do objecto do processo e mesmo dos 
factos de que eram acusados, os Advogados, no papel de 
Defensores, pugnaram durante longos anos por uma mudança do 
regime legal que lhes permitisse, e aos seus constituintes, enfrentar 
as ditas diligências judiciais em situação que não fosse de ignorância 
absoluta. Pretensão, sublinhe-se, perfeitamente legítima. 
– O fim pretendido pelos ditos Defensores, repita-se, era um e único: 
garantir que nos primeiros interrogatórios de arguidos detidos estes 
não fossem conduzidos a uma situação de material ausência de 
defesa, mercê da total ignorância de quais os factos de que eram 
acusados. 
– Sublinhe-se que tal situação material de ausência de defesa não era, 
manifestamente, admitida pelo espírito subjacente ao CPP, nem, 
muito menos, pela Constituição da República, maxime do art.º 32º do 
diploma fundamental. 
– Porém, como a maioria dos procuradores da república titulares de 
inquéritos e dos juízes de instrução criminal não davam cumprimento 
aos princípios enformadores do regime legal traçado, obviamente que 
ao arguido detido nada era esclarecido, capciosa e insidiosamente se 
tentando que um Arguido vendado se desviasse dos escolhos 
processuais existentes, tentando-se que o mesmo inadvertidamente 
acabasse por, por ignorância, entrar em contradições e acabasse por 
se auto-incriminar (muitas vezes até por lapsos formais, naturais ou induzidos). 
– O sistema era, obviamente, insustentável, como insustentável ainda é 
o confrangedor cenário em que hoje em dia se desenrolam as 
instruções criminais e que o legislador não curou de inverter (questão a 
que abaixo se regressará). 
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– Para obviar a tal cenário foi proferida pelo Tribunal Constitucional, 
cobrindo aliás jurisprudência do STJ, jurisprudência obrigatória que 
determinava o inequívoco direito do arguido detido de ser informado 
dos factos de que era acusado, para que desse modo não estivesse 
numa situação de nem sequer saber em rigor de quê é que se 
defendia. 
– Porém, não satisfeito com a solução doutamente fixada pela 
jurisprudência – e que era mais do que suficiente para evitar os 
fenómenos de indefesa referidos –, nem sequer com a tradução de tal 
jurisprudência na letra da lei12, o legislador de 2007 entendeu por 
bem estabelecer o regime regra de que o processo criminal, em todas 
as suas fases, será público sob pena de nulidade. 
– Afirmam alguns que tal se deveu ao facto de igualmente prejudicaros 
direitos de defesa a ignorância pelo Arguido do conteúdo do inquérito, 
o que de modo algum podemos aceitar em termos de justiça e 
equilíbrio do processo penal, como abaixo melhor se verá. 
– Ao erradicar, por regra, o segredo de justiça do processo penal, 
mesmo do inquérito, o legislador, contudo, foi muito mais além do que 
aquilo que seria esperável (pelos Advogados), defensável (pela 
doutrina) e admissível (por todos os cultores e aplicadores do 
processo penal). 
– Com efeito, olvidando a distinção entre segredo de justiça interno e 
externo, o legislador fulminou com a nulidade os inquérito em que 
haja segredo, tout court (ressalvada excepção a que adiante se 
alude), assim eliminando não só o segredo de justiça interno (que 
impedia “as partes” de conhecerem o teor dos autos, e, assim, de 
estarem em situação material de impossibilidade de defesa), mas 
também o externo. 
– Veja-se, portanto, o art.º 86º – Para existir segredo de justiça em 
inquérito, de duas, uma: 
• ou o MP por despacho determina a aplicação de segredo de 
justiça, tendo o JIC de validar tal decisão em 72 horas (!) – 
(mais um caso em que o processo tem de ser remetido ao JIC, perdendo-se 
agilidade da investigação) –; 
• ou o arguido, o assistente ou o ofendido o requerem ao JIC, 
que ouvindo o MP decidirá se há ou não segredo conforme a 
publicidade prejudique ou não, a seu ver, os direitos dos ditos 
requerentes… atente-se no dano que pode causar a todos os 
Arguidos mediáticos o facto de o processo ser público desde o 
inquérito, mesmo contra a decisão do MP… 
 
12 Art.º 61º n.º 1 al. c) – Uma boa alteração: o Arguido tem direito de ser informado dos factos que lhe são 
imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade – com esta norma consagra-se em letra 
de Lei a última jurisprudência tirada pelos Tribunais Superiores no Caso Casa Pia… Afigura-se ser uma boa 
mudança, posto que o Arguido deixa de estar às cegas, como até hoje estava quando prestava declarações 
(v.g. em primeiro interrogatório judicial de arguido detido). Mas se é uma boa alteração, há que ter cuidado. 
Uma coisa é informar os factos que são imputados ao visado, outra coisa comunicar-lhe os meios de prova 
que existem contra si… (como foi anunciado e como fora discutido em casos judiciais recentes)… tal 
comunicação dos meios de prova poderia por em perigo a própria investigação. Felizmente não consta do art.º 
61º n.º 1 al. c)… veremos o que decidirão os Tribunais em futuras situações em que a questão venha a ser 
suscitada. 
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– Ora, como se sabe, o responsável único pelo inquérito é o MP, é ele o 
responsável pela investigação, e ele melhor que ninguém sabe se a 
estratégia investigatória implique ou mesmo impõe o segredo… outro 
sujeito, que nenhuma responsabilidade tem sobre a investigação, é 
que decide… o JIC, juiz das liberdades, chamado a decidir do 
segredo e, assim, da sorte de toda a investigação! Parece-me 
incoerente e incorrecto. 
– Mais: a publicidade pressupõe a possibilidade de assistência pelo 
público em geral à realização dos actos processuais (86º n.º 6)… 
pergunta-se: o público em geral pode entrar no gabinete do 
magistrado para assistir ao interrogatório do arguido? 
– Com esta alteração abriu-se a caixa de pandora! Tanto mais que o 
segredo de justiça, mesmo quando excepcionalmente exista, tem em 
inquérito a duração prevista no art.º 276º CPP (6 meses ou 8 meses, 
em regra, ou 8, 10 ou 12 meses excepcionalmente)… 
– A partir de 15 de Setembro de 2007, portanto, ao inquérito podem 
aceder (e assistir aos respectivos actos, bem como pedir cópias, extractos, 
certidões, etc.) quaisquer pessoas, e não só o Arguido e seu Defensor e 
o Assistente e seu Advogado. 
– Este regime regra apenas será excepcionado na eventualidade de o 
Ministério Público determinar, fundamentadamente e com 
confirmação judicial no prazo de 72 horas, a subordinação do 
processo ao regime do segredo de justiça, e ainda aqui apenas 
durante os limitados períodos de duração do inquérito. 
– Ultrapassados os prazos legais de duração de inquérito sem que o 
inquérito esteja encerrado, independentemente do dano que tal possa 
causar à investigação, ao Arguido e/ou ao Assistente, desaparece o 
segredo de justiça imposto ao processo, quer internamente, quer 
externamente. 
– Quanto à instrução, a mesma será sempre, e sem excepção, fase tão 
pública como já era o julgamento anteriormente. 
– A admissibilidade e bondade do regime são, a nosso ver, totalmente 
indefensáveis, em geral, e particularmente no que respeita à 
chamada criminalidade económica, atentas as particularidades, 
especificidades e dificuldades investigatórias que caracterizam esse 
tipo de criminalidade, maxime quando a mesma se manifesta nos 
seus níveis mais perigosos e socialmente danosos, a saber: a 
criminalidade transnacional, especialmente complexa atentos os 
meios de comissão do crime ou a área da economia em que se 
verificam, a criminalidade altamente organizada, etc. 
– Dir-se-á: mas nesses tipos de criminalidade os prazos de duração dos 
inquéritos são mais latos do que na criminalidade normal, termos em 
que os prazos de duração de inquérito já são mais latos, 
consequentemente beneficiando o investigador da possibilidade de 
manter os autos secretos muito mais tempo. 
– Convirá, contudo, recordar algo que o legislador, na ânsia de proteger 
os arguidos (ou pelo menos alguns Arguidos cuja protecção não terá deixado de 
ser ponderada), que o segredo de justiça NUNCA protegeu apenas o 
sucesso da investigação e o trabalho do Ministério Público. Ao invés, 
e contra a errada corrente jurisprudencial quase que uniforme dos 
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Tribunais portugueses, o segredo de justiça tinha múltiplas funções, 
apontadas pela melhor doutrina, nomeadamente, e ao lado da 
garantia do sucesso da investigação, a protecção do Arguido (da sua 
honra, bom-nome, crédito, e mesmo integridade física), e do Assistente (idem). 
– Ora, ao criar um regime inultrapassável de publicidade, regra, do 
inquérito, o legislador nem sequer permitiu que o processo se 
mantenha secreto a requerimento do próprio Arguido e/ou do 
Assistente. Este é um caso em que, como nos ensina sabiamente o 
povo, “o diabo tanto quis à mãe que lhe tirou um olho”… 
– Uma certeza, porém, nos fica: havendo a correcta motivação, gerada 
por um ou outro caso mais mediático, e de sopetão surgirá uma nova 
alteração legislativa a permitir a criação de algo que o regime já devia 
consagrar, a saber: uma válvula de segurança que autorize o Juiz de 
Instrução Criminal a prorrogar, para além dos prazos legais, o regime 
do segredo de justiça. 
– E quanto se diz para o inquérito vale, sobremaneira, para a fase 
instrutória: recorde-se que até aqui a Instrução poderia ser secreta se, 
tendo a mesma sido requerida pelo Arguido, este requeresse a 
manutenção do segredo. Pergunta-se: porque seria esse o regime? 
Precisamente porque o segredo, na fase de instrução, poderia ser a 
via única para garantir a tutela dos bens jurídicos pessoais do 
Arguido, e até para garantir que a instrução era feita pacífica e 
serenamente sem a constante pressão de estranhos (que nenhum 
interesse poderão ter, seja a que título for, na realização da justiça, mas apenas na 
mediatização de um ou outro caso, mercê de um excessivo endeusamento de 
liberdades de imprensa ou outras, que hoje em dia tudo justificam, 
independentemente da magnitude dos interesses por essa liberdade violados). 
– A partir de 15 de Setembro, portanto, mesmo que todos os sujeitos 
processuais estejam de acordo na manutenção do segredo, mesmo 
que os bens jurídicos do Arguido e do Assistente impusessem a 
manutenção do segredo, mesmo que a justiça apenas se pudesse 
realizar através de uma investigação secreta, o processo será 
público, sob pena de nulidade. 
– É, pois, manifesta a total falta de fundamento e de bondadedo regime 
instituído. Quisera o legislador tutelar os fins que parece ter querido 
tutelar, e ter-se-ia limitado a estabelecer exclusivamente como regra 
sem excepção um segredo de justiça externo durante o inquérito, e 
como excepção, verificados certos pressupostos, o segredo de justiça 
externo durante a instrução. 
– Ademais, a tutela dos direitos de defesa que a publicidade garante 
era suficientemente atingida pela publicidade do julgamento. Tanto 
mais que nenhum direito à defesa pode ser levado a um extremo tal 
que impeça material e objectivamente a realização das investigações 
criminais em segredo de justiça na fase embrionária. 
– Com efeito, a nosso ver os direitos de defesa do Arguido, os direitos 
do Assistente e o fim da boa realização da justiça criminal seriam 
muito melhor tutelados e de modo muito mais equilibrado, após a 
prolação da jurisprudência constitucional atrás referida, se se 
garantisse um inquérito secreto (totalmente, i.e., interna e externamente), 
com a única excepção das informações a prestar ao Arguido nos 
limites jurisprudencialmente fixados. 
Paulo Saragoça da Matta 
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– Apenas assim se garantiria a prossecução de um outro fim tão digno 
e tão constitucionalmente protegido como o direito de defesa, i.e., o 
da boa administração da justiça (garantir que o sistema tem meios efectivos 
de combate à criminalidade e de defesa do todo social). Se é certo que todos 
os arguidos se presumem inocentes, não menos certo é que só há 
condenados que tenham sido arguidos, o que bem mostra que a 
tutela dos princípios não pode ser cega à realidade e ao fim último 
que todo o Direito visa assegurar: a defesa da sociedade. 
– Todavia, caso assim se não entendesse, e se se quisesse 
desproteger a investigação criminal a bem dos direitos de defesa, 
então consagrar-se-ia um segredo de justiça externo como regra 
durante o inquérito (com as excepções anteriormente existentes no CPP). E aí 
menores teriam sido os danos causados pelo legislador ao processo 
penal português e, em geral, à defesa da vida em sociedade. 
– Com tudo isto, como é patente, será muitíssimo danoso o impacto 
que a 15ª alteração ao CPP terá na perseguição, detecção, 
investigação e julgamento de alguma criminalidade económica, posto 
que a regra da publicidade do inquérito esvaziará de conteúdo muitas 
investigações, tornando aliás impossível uma verdadeira investigação 
a partir do momento em que os agentes se apercebam da existência 
e conteúdo das investigações. 
– Por outro lado, a validação por um Juiz de Instrução Criminal do 
segredo de justiça excepcionalmente decretado pelo Ministério 
Público traz ainda outro problema: o de que passa a ser o JIC, um 
terceiro imparcial que deveria funcionar exclusivamente como um Juiz 
das Garantias do Arguido, a poder conformar radical e profundamente 
a própria investigação e respectivo sucesso. O JIC passa a ter um 
papel determinante nas opções estratégicas que no nosso sistema 
não podem deixar de caber ao dominus do inquérito. Passa assim o 
JIC a intervir demasiadamente na estratégia investigatória, e até a 
participar do sucesso ou insucesso respectivo, de alguma forma 
podendo até limitar o exercício pelo M.ºP.º das suas competências 
constitucionalmente consagradas. 
– Mas não só! Se por um lado a 15ª alteração do CPP extinguiu o 
segredo de justiça, nos termos vistos, numa lógica de publicidade 
dificilmente compreensível nas fases liminares do processo, tecendo 
laudas a uma filosofia de sentido oposto, veio a consagrar um novo e 
inaudito, e injustificável diga-se, segredo de justiça que atravessa o 
inquérito, a instrução e o julgamento, permanecendo mesmo para 
além do trânsito em julgado da decisão condenatória. 
– Por outras palavras, incompreensivelmente, as escutas nunca 
poderão ser difundidas / publicitadas na comunicação social13 
Pergunta-se: porquê só as escutas (conversações ou comunicações)? 
Intercepção de imagens também? Porquê é que a proibição de 
publicação não se restringe, como as demais do n.º 2 e do n.º 3, ao 
momento anterior à sentença de 1ª instância? Porquê é que é o único 
caso em que se exige o consentimento dos intervenientes para a 
publicação?... A ser boa esta solução, que não é, outros meios de 
prova não deveriam ter o mesmo regime? (v.g., simples documentos 
 
13 Esta a alteração à Lei que não constava do projecto da unidade de missão e que ninguém agora 
confessa tê-la introduzido! 
Paulo Saragoça da Matta 
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escritos… manuscritos por alguém ou subscritos por alguém, como um diário 
íntimo…). 
– Ou seja, manter-se-ão em segredo de justiça as ditas escutas 
telefónicas não só durante o próprio julgamento, mas mesmo após a 
extinção do processo… 
– Qual a lógica deste super segredo de justiça numa fase processual 
que sempre tinha sido pública sob pena de nulidade é algo que se 
desconhece (aliás, o carácter público dos julgamentos penais é mesmo 
considerado um reduto último das garantias de defesa dos arguidos e a pedra de 
toque da democraticidade dos regimes políticos). 
– A motivação parece só poder uma: garantir que o que constar dos 
autos a título de escutas nunca seja do conhecimento de ninguém 
fora do processo, protegendo todos aqueles que foram escutados, 
fossem o próprio Arguido, ou terceiros. 
– Porém, como é bom de ver, uma decisão penal, condenatória ou 
absolutória, é, sob pena de nulidade, obrigatoriamente fundamentada. 
E fundamentação pressupõe uma valoração de todos os meios de 
prova, incluindo escutas telefónicas. Ora, a valoração pressupõe uma 
discussão crítica do julgador consigo mesmo sobre os meios de 
prova, e assim também sobre o teor das escutas telefónicas. 
Pergunta-se: como pode um acórdão ser publicado, se na 
fundamentação os Juízes discutem na fundamentação da decisão, 
v.g., o teor de escutas telefónicas? Riscar-se-á para publicação as 
partes transcritas? E então como será a decisão perceptível pela 
comunidade? 
– Claramente que o legislador nunca equacionou todas questões, 
consagrando um regime legal que, além de totalmente infundado (seja 
porque razões forem), é totalmente inoperativo, sendo inclusivamente 
violador de uma das regras sacrossantas de qualquer processo penal 
justo, a saber: a da insofismável e completa fundamentação das 
decisões penais. 
– Como escrevemos noutro lugar14: “Daí a afirmação de que toda a 
decisão do poder tem de ser fundamentada, i.e., justificada e 
esclarecida, sob pena de o órgão do Estado, ou o respectivo titular (o 
que na perspectiva do destinatário da decisão será o mesmo), estar a 
exorbitar o próprio mandato que recebeu do Soberano. Razão pela 
qual também as decisões jurisdicionais o deverão ser (terão de ser), 
e, dentro destas, e por maioria de razão, as decisões que têm por 
consequência a violação ou compressão dos direitos fundamentais 
dos cidadãos15. Dito de outro modo, filiamos inequivocamente o 
dever de fundamentação das decisões jus-penais no núcleo essencial 
dos direitos fundamentais, mais precisamente dos chamados direitos, 
liberdades e garantias16. Nos Estados de Direito é a própria 
Constituição que exige, portanto, a fundamentação / motivação das 
 
14 Paulo Saragoça da Matta, A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação das sentenças, 
in Jornadas de Direito Processual Penal – FDUL – 5 de Novembro de 2003, Almedina, Coimbra, 2004, 
pp. … . 
15 Aliás, nesse sentido se orienta o entendimento, tendencialmente uniforme, do Tribunal Supremo 
espanhol. 
16 Atendendo aos Direitos, Liberdades e Garantias comprimidos ou limitados com a decisão, e isto 
relacionado com o disposto no art.º 18 CRP. 
Paulo Saragoça da Matta 
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decisões jurisdicionais, maxime, das decisões penais – diga-o ou não 
o texto formalizado daquela. Com a doutrina tradicional podemos 
concluir, aliás no sentido do que já no capítulo anterior ficou escrito, 
que a finalidadeda fundamentação das decisões é tríplice: “lograr 
uma maior confiança do cidadão na Justiça, o autocontrolo das 
autoridades judiciárias e o direito de defesa a exercer através dos 
recursos”17.” 
– E mais: “A Lei ordinária portuguesa expressamente consagra o dever 
de fundamentação das decisões finais, sentenças e acórdãos – art.º 
374 n.º 2 –, outrotanto erigindo a fundamentação como requisito 
essencial na apreciação da prova produzida em audiência – art.º 365 
n.º 2 –, e na escolha e determinação da pedida da sanção a aplicar 
ao arguido – art.º 375 n.º 118. Fá-lo, aliás, na sequência do texto do 
art.º 205 n.º 1 da CRP19. Questão diversa é determinar em quê que a 
motivação das sentenças se consubstancia. Quanto a nós, pensamos 
que a fundamentação das sentenças consistirá: (a) num elenco das 
provas carreadas para o processo; (b) numa análise crítica e racional 
dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas 
e a negar importância a outras; (c) numa concatenação racional e 
lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que 
permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos 
provados e não provados); e, (d) numa apreciação dos factos 
considerados assentes à luz do direito vigente.” 
– “Diga-se, com rigor absoluto, que apenas desse modo se garante 
uma tutela judicial efectiva. Com efeito, só assim o decisor justifica, 
 
17 G. Marques da Silva, op. cit., p. 112. Segue o citado Autor: “A primeira das finalidades indicadas 
ajuda à compreensão da decisão e, consequentemente, à sua aceitação, facilitando a necessária 
confiança dos cidadãos nas autoridades judiciárias. O autocontrolo que a exigência de motivação 
representa manifesta-se a níveis diferentes: por um lado obsta à comissão de possíveis erros 
judiciários, evitáveis precisamente pela necessidade de justificar a decisão; por outro lado, implica a 
necessidade de utilização por parte das autoridades judiciárias de um critério racional de valoração da 
prova, já que se a convicção se formou através de meras conjecturas ou suspeitas, a fundamentação 
será impossível. Assim, a motivação actua como garantia de apreciação racional da prova. Finalmente, 
a motivação é absolutamente imprescindível para efeitos de recurso, sobretudo quando tenha por 
fundamento o erro na valoração da prova; o conhecimento dos meios de prova e do processo dedutivo 
são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correcção da decisão sobre a prova dos 
factos, pois só conhecendo o processo de formação da convicção do julgador se poderá avaliar da sua 
legalidade” (p. 113). 
18 No art.º 374 n.º 2, dispõe o legislador: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da 
enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível 
completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com 
indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”. Já o art.º 365 
n.º 3 estatui: “Cada juiz e cada jurado enunciam as razões da sua opinião, indicando, sempre que 
possível, os meios de prova que serviram para formar a sua convicção, e votam sobre cada uma das 
questões, independentemente do sentido de voto que tenham expresso sobre outras. Não é admissível 
a abstenção”. Por último, e quanto à escolha e medida da sanção, rege o art.º 375 n.º 1: “A sentença 
condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, 
indicando nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres 
que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação 
social”. Quanto à sentença absolutória a mesma está isenta, por vontade do legislador, de qualquer 
fundamentação, como decorre do cotejo entre a citada disposição do art.º 375 n.º 1 e o regime 
constante dos n.ºs 1 e 3 do art.º 376. A tal respeito, em especial sobre a influência que na questão tem 
o princípio da presunção de inocência, confira-se a Declaração de voto da Conselheira Fernanda 
Palma, anexa ao Acórdão n.º 55/97 (processo n.º 330/94). Em sentido não coincidente, a Declaração 
de voto do Conselheiro Bravo Serra. 
19 Art.º 205 n.º 1 CRP – “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são 
fundamentadas na forma prevista na lei”. 
Paulo Saragoça da Matta 
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perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio 
permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional 
pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva 
comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando 
garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não 
só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de 
acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer). Assim 
que baste que apenas um dos referidos passos do juízo devido seja 
omitido, para que se esteja a prejudicar a tutela judicial efectiva que 
tem de ser garantida como patamar básico da convivência social, 
impossibilitando ou diminuindo a justificação e compreensibilidade do 
decidido. 
– Ora, fundamentação alguma realmente existirá se um meio de prova 
devidamente ponderado na sentença não puder ser conhecido pela 
colectividade, como motivadora da decisão, completamente analisado 
e escalpelizado. E não será difícil imaginar casos em que o grosso da 
prova subjacente à condenação, pelo menos a prova mais clara e 
determinante dos demais juízos de inferência probatória, sejam 
escutas telefónicas, maxime neste tipo de criminalidade económica… 
as quais por graça do legislador de 2007 passaram a ter de ser 
escondidas perpetuamente, sob a capa do segredo de justiça 
imposto. 
– Acresce ainda que, conforme dispõe o art.º 187º, Escutas telefónicas 
só serão admissíveis durante o inquérito… não as pode haver nas 
fases subsequentes à acusação… e ainda assim apenas contra 
suspeito, arguido, intermediário ou vítima (este último com consentimento 
expresso ou presumido). 
 
• A redução do alcance da prisão preventiva 
– Estabelecia o art.º 202º que poderia ser determinada a aplicação da 
medida de coacção de prisão preventiva quando, para além de outros 
requisitos, o processo criminal tivesse por objecto “crime doloso 
punível com pena de prisão de máxima superior a três anos”. 
– Após esta alteração ao CPP, tal requisito passou a referir “crime 
doloso punível com pena de prisão de máxima superior a 5 anos”, 
admitindo-se, contudo, que se a criminalidade for “altamente 
organizada” basta “crime doloso (…) punível com pena de prisão de 
máxima superior a 3 anos”. 
– Da Lei n.º 28/84 de 20 de Janeiro (infracções anti-económicas e 
contra a saúde pública), deixam de admitir prisão preventiva: 
• art.º 36º: fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, 
excepto nos casos “particularmente graves” (n.º 2); 
• art.º 38º: fraude na obtenção de crédito 
• Os crimes de corrupção dos art.ºs 41º-B e 41º-C já não 
admitiam anteriormente mercê da moldura penal 
 
– Do Código Penal deixam de admitir prisão preventiva: 
• art.º 205º: abuso de confiança, salvo para quantias 
consideravelmente elevadas; 
• art.º 218º n.º 1: a burla qualificada (apenas a hiper-qualificada 
mantém) 
Paulo Saragoça da Matta 
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• art.º 219º n.º 1: a burla relativa a seguros qualificada (apenas 
a hiper-qualificada mantém) 
• art.º 221º: a burla informática e nas comunicações qualificada 
(apenas a hiper-qualificada mantém) 
• art.º 222º: a burla relativa a trabalho ou emprego (apenas a 
qualificada mantém) 
• art.º 223º: a extorsão (excepto a do n.º 3) 
• art.º 224º: a infidelidade já não admitia e assim se manteve 
• art.º 225º: o abuso de cartão de garantia ou crédito (excepto a 
do n.º 5, al. b) 
• art.º 226º: a usura deixou de admitir em qualquer modalidade 
• art.º 227º: a insolvência dolosa; 
• art.º 231º: a receptação; 
• Em suma, todos os crimes contra direitos 
patrimoniaisdo CP – 227º a 233º são crimes 
que não admitem prisão preventiva 
• Os crimes contra o sector público ou 
cooperativo 234º e 235º também não admitirão 
por regra prisão preventiva 
• art.º 256º: falsificação ou contrafacção de documento; 
• art.º 257º: falsificação praticada por funcionário público; 
• art.º 269º: contrafacção de selos, cunhos, marcas ou 
chancelas; 
• art.º 272º: incêndios, explosões ou outras condutas 
especialmente perigosas praticadas por negligência 
• art.º 374º: corrupção activa; 
• art.º 377º: participação económica em negócio. 
 
– De referir ainda que o sistema legal anterior previa que: 
• Os danos contra a natureza, a poluição, a poluição com perigo 
comum, o perigo relativo a animais ou vegetais, a recusa de 
médico, o atentado à segurança de transporte rodoviário, 
todos os crimes eleitorais, a falsidade de depoimento ou 
declaração, de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, 
o suborno, o favorecimento pessoal, o favorecimento pessoal 
praticado por funcionário, a corrupção passiva para acto lícito, 
o peculato de uso, a concussão, etc., tudo são crimes que não 
admitem prisão preventiva; 
• O crime de associação criminosa praticado por quem 
promover ou fundar grupo ou associação cuja finalidade ou 
actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes 
também parece não admitir prisão preventiva (299º CP – apenas 
as chefias ou direcções desses grupos poderão, nos termos do n.º 3, ser 
presos preventivamente)… mas há o 202º, n.º 1 al. b) CPP (!!!). 
 
• A dificuldade de constituir Arguido 
– Art.º 58º – a constituição de Arguido, que era automática por qualquer 
autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal (sendo esforço da 
doutrina que tal constituição acontecesse o mais cedo possível para 
proteger os visados), passou a estar dependente de validação 
judiciária (MP ou JIC). 
– i.e., se a Polícia constituir alguém como arguido, comunica em 10 
dias ao MP ou ao JIC, e passa a ser exigível uma intervenção deste 
Paulo Saragoça da Matta 
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MP ou JIC, em 10 dias, para validar ou não tal constituição como 
arguido; 
– Pressupõe-se, assim, que se o MP ou JIC nada disserem (o que será 
a maior parte dos casos, porque objectivamente não há tempo para 
estes formalismos todos), se aplica a sanção do n.º 5: omissão das 
formalidades leva a que as declarações dessa pessoa não possam 
ser usadas como prova… 
– Estipula-se, assim, a sanção máxima para uma violação de 
formalidade, que, sinceramente, não parece ter qualquer utilidade 
nem fundamento… 
– Com efeito, não esqueçamos que o conceito e estatuto jurídico de 
arguido não é negativo, é protector, pelo que é incompreensível que o 
argumento social ou mediático de que ser arguido “é mau” leve o 
legislador a alterar incongruentemente o sistema. 
– Atente-se no seguinte: todos estes formalismos (que considero 
completamente infundados e desnecessários), entorpecem muito mais o 
processo do que aquilo que tradicionalmente costuma apontar-se 
como sendo causa dos atrasos dos processos (v.g., recursos, outras 
medidas processuais consideradas garantísticas, etc.). 
– Por seu turno, no art.º 58º.º 1 al. d) estabelece-se a obrigatoriedade 
de constituição de arguido quando for levantado “auto de notícia” que 
“dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for 
comunicado, salvo se a notícia for manifestamente infundada” (!)… 
não compreendo; 
– Ora, lançando mão do 243º constata-se que autos de notícia são 
documento que apenas é levantado se e quando “uma autoridade 
judiciárias, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial 
presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória”… 
– Pergunta-se: sendo a entidade que levanta ou manda levantar um 
auto de notícia uma entidade dotada de especiais conhecimentos 
sobre processo penal, e se se está em face de um crime de denúncia 
obrigatória (que para alguma doutrina, que não acompanhamos, considera tratar-
se apenas de crimes públicos), em que caso poderia a notícia ser 
manifestamente infundada? Em casos de total inabilidade ou 
incompetência dessa mesma autoridade? 
– Mais: como se conjuga isto tudo com a constituição a pedido do 
visado? Pode ser-lhe recusada a constituição porque o MP acha que 
é infundada a notícia, apesar de o visado dar importância e 
credibilidade a tal notícia? Como pode o visado defender-se disso? 
 
 
 O que estranhamente se não fez 
– A – A fase da instrução encontra-se regulada nos art.ºs 286º a 310º 
CPP. No que concerne ao conteúdo da instrução são de particular 
importância os art.ºs 289º e 291º 
– A experiência dos últimos 20 anos (i.e., desde a entrada em vigor do 
CPP), permite concluir que a instrução é, na grande maioria dos 
casos, uma fase totalmente inútil, porque desprovida de conteúdo 
Paulo Saragoça da Matta 
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efectivo… estamos em face de uma fase quase que exclusivamente 
de papel, que de conteúdo instrutório propriamente dito pouco tem. 
– Ora, permitir que a instrução tenha conteúdo útil, deixando de ser 
uma fase formal totalmente inútil na maior parte dos casos, dados os 
poderes verdadeiramente arbitrários do JIC no que respeita à 
apreciação da prova e à necessidade da prova, impunha-se quando 
se afirma que se pretende reformar o processo penal num sentido 
garantístico e de maior aproximação entre o processo e as 
necessidades de investigação… 
– Nada se fez neste aspecto, nomeadamente no sentido de limitar os 
poderes totalmente arbitrários conferidos ao JIC nos identificados 
normativos. 
– B – O estatuto do Assistente – Igualmente não foi garantido nesta 
alteração ao CPP o alargamento do estatuto de Assistente, 
profundamente debatido na doutrina, garantindo maior 
democraticidade do processo penal e maior possibilidade de 
fiscalização por parte dos cidadãos em relação à investigação, seu 
curso e sucesso (v.g. violação de segredo de justiça ou de processo para-penal) 
– C – Alteração substancial de factos – 1º n.º 1 al. f), 303º, 358º e 
359º - No regime da alteração substancial de factos não só se 
consagrou uma posição doutrinal que nem por sombras era 
homogeneamente aceite na doutrina, como por outro lado se 
esqueceu o legislador de uniformizar as soluções previstas em sede 
de julgamento e em sede de decisão instrutória… se houve energia 
reformista para uma parte da questão, como é que ela faleceu quanto 
à outra parte da questão é situação totalmente incompreensível. 
 
 
 
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2008 
 
Paulo Saragoça da Matta