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A REFORMA DO CÓDIGO PENAL E OS CRIMES ENVOLVENDO A 
PROSTITUIÇÃO1 
 
Victor Sugamosto Romfeld 
 
Categoria: Direito Penal e Criminologia 
 
Resumo: o projeto de lei nº 236/2012, conhecido como “reforma do código penal”, é 
um assunto em voga, que ensejou debates e controvérsias entre juristas. Embora sua 
função declarada seja a proteção de bens jurídicos, entendemos que a instituição de um 
novo Código Penal está alinhada a uma ideologia conservadora e também às demandas 
midiáticas por maior repressão, típicas de movimentos de “lei e ordem”. No que diz 
respeito aos crimes envolvendo a prostituição, o projeto de reforma apresenta avanços, 
mas ainda assim, os eventuais méritos do referido projeto não compensam os seus 
defeitos. Neste contexto, o direito penal mínimo deve ser uma estratégia utilizada para a 
superação dos problemas do sistema penal brasileiro, facilitando a transição, a longo 
prazo, para o abolicionismo. 
Palavras-chave: reforma do código penal; sistemas jurídicos de enquadramento da 
prostituição; direito penal mínimo. 
 
1. Introdução 
 
 O novo Anteprojeto do Código Penal foi elaborado por uma comissão de juristas 
presidida pelo Ministro Gilson Dipp, do STJ, e instituída no âmbito do Senado Federal 
em atenção ao Requerimento nº 756/2011, do Senador Pedro Taques (PDT/MT). 
Ademais, o anteprojeto mencionado foi automaticamente convertido no Projeto de Lei 
nº 236/2012, por iniciativa do Senador José Sarney.2 
 Ainda que a reforma do Código Penal seja um acontecimento recente, ela 
ensejou diversos debates entre juristas e operadores do direito. Inclusive, o anteprojeto 
de reforma foi adjetivado de modo semelhante por renomados penalistas brasileiros: 
 
1 Este artigo foi classificado em 1º lugar no Concurso promovido pelo Centro Acadêmico Hugo Simas 
(CAHS) em 2014, na categoria “Direito Penal e Criminologia”. Sendo assim, foi publicado na Revista 
Jurídica Thêmis no referido ano (nº 25). 
2 Informações constantes no endereço eletrônico do Senado Federal: 
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404>. Acesso em: 
17/12/2013. 
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404
para Luís Greco, uma “piada de mau gosto”3; para Juarez Cirino dos Santos, um 
“monstrengo”4; para Paulo Cesar Busato, um “desastre”5; ou ainda, nos termos 
utilizados pelo ex-relator da parte geral do projeto, um “frankenstein”.6 
 Existe um setor do Direito Penal brasileiro que, por algum (ou alguns) 
motivo(s), encontra-se constantemente marginalizado nas discussões. Trata-se dos 
crimes envolvendo a prostituição, atualmente localizados no Título VI, Capítulo V, do 
Código Penal. Nosso intuito com o presente artigo é analisar, especificamente, a nova 
configuração desses crimes, conferida pelo projeto de reforma. Além disso, 
pretendemos avaliar em que medida ela representa um avanço ou um retrocesso, 
comparativamente ao modelo do Código Penal vigente. 
 Para tanto, iniciamos com a investigação dos objetivos que embasaram a criação 
de um novo Código Penal, bem como os seus fundamentos ideológicos, declarados e 
não-declarados. 
 
2. Projeto de Lei nº 236/2012: uma reforma para que(m)?7 
 
Em meio a tanto sofrimento e descaso, me vejo impossibilitado de 
ajudar o meu próximo, sentindo fortes dores pelo corpo em uma 
delegacia superlotada. Em condições muito precárias. Me sinto 
morto, enterrado vivo. Aqui nesta delegacia, dividindo um espaço 
que caberia uma criança de 7 anos. Vejo que é impossível um 
homem retornar ao convívio social pelas condições que vive aqui 
dentro. Pessoas doentes na alma, doentes no corpo. Por fata de 
apoio, amor ao próximo. O sistema prisional é um câncer 
maligno, sem condições de tratamento. Tira-se o pouco que se 
tem, e deixa o nada. Seres humanos vivendo como bichos no 
tempo da pré-história. Dentro do sistema falido prisional, tiram 
de você a liberdade, mas o pior de tudo: tira-se a vida e o tempo. 
 
3 GRECO, Luís. Princípios fundamentais e tipo no novo Projeto de Código Penal (Projeto de Lei 
236/2012 do Senado Federal). In: Revista Liberdades – Edição Especial – Reforma do Código Penal, p. 
55. 
4 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A Ideologia da Reforma Penal. In: Revista da EMERJ, v. 15, n. 60, 
out-dez 2012, p. 14. 
5 Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/08/texto-da-reforma-do-codigo-penal-e-um-
desastre-diz-paulo-cesar-busato.html>. Acesso em: 17/12/2013. 
6 O ex-relator é o jurista paranaense René Ariel Dotti, que se afastou da comissão. Disponível em: 
<http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/rene-dotti-reforma-do-codigo-penal-e-um-
%E2%80%9Cfrankenstein%E2%80%9D/>. Acesso em: 17/12/2013. 
7 Cumpre destacar que recentemente (17/12/2013), a comissão especial do Senado Federal criada para 
atualizar o Código Penal brasileiro aprovou o novo Código Penal. Disponível em: 
<http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/comissao-do-senado-aprova-novo-codigo-penal>. Acesso em: 
17/12/2013. 
http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/08/texto-da-reforma-do-codigo-penal-e-um-desastre-diz-paulo-cesar-busato.html
http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/08/texto-da-reforma-do-codigo-penal-e-um-desastre-diz-paulo-cesar-busato.html
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/rene-dotti-reforma-do-codigo-penal-e-um-%E2%80%9Cfrankenstein%E2%80%9D/
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/rene-dotti-reforma-do-codigo-penal-e-um-%E2%80%9Cfrankenstein%E2%80%9D/
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/comissao-do-senado-aprova-novo-codigo-penal
As marcas do sofrimento ficam no corpo. Dores que os remédios 
não conseguem curar.8 
 
 Tecer comentários acerca do Projeto de Lei nº 236/2012 certamente significa 
pontuar, ainda que brevemente, alguns dos significados políticos do Direito Penal, eis 
que o projeto mencionado tem como mote não apenas uma “reforma”, mas a instituição 
de um “novo” Código Penal. 
 Sendo assim, parece imprescindível identificarmos o Direito Penal como um 
ponto estratégico de controle social nas sociedades contemporâneas.9 O surgimento 
deste setor do ordenamento jurídico não se deu ao acaso, pois está intimamente 
relacionado ao cumprimento de “(...) funções concretas dentro de e para uma sociedade 
que concretamente se organizou de determinada maneira”.10 Isto significa que a justiça 
penal opera em consonância com o modo de produção capitalista, evidenciando funções 
seletivas e classistas, ao reproduzir as relações sociais e manter a estrutura social 
hierarquizada em desfavor de classes subalternas. Nas palavras de Baratta: 
 
“No que se refere ao direito penal abstrato (isto é, a 
criminalização primária), isto tem a ver com os conteúdos, mas 
também com os “não conteúdos” da lei penal. O sistema de 
valores que neles se exprime reflete, predominantemente, o 
universo moral próprio de uma cultura burguesa-individualista, 
dando a máxima ênfase à proteção do patrimônio privado e 
orientando-se, predominantemente, para atingir as formas de 
desvio típicas dos grupos socialmente mais débeis e 
marginalizados. Basta pensar na enorme incidência de delitos 
contra o patrimônio na massa da criminalidade, tal como resulta 
estatística judiciária (...)”.11 
 
 Na contramão do raciocínio exposto, poderíamos apontar um suposto 
reducionismo das correntes criminológicas marxistas12, que, ao apostarem em uma 
 
8 Este trecho foi retirado de um documento intitulado “Carta de um presidiário”, que integrava os autos de 
ação penal analisados pelo autor do artigo, durante o período em que foi estagiário na Defensoria Pública 
do Estado do Paraná (Maio de 2012 até Fevereiro de 2014). 
9 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal – Parte Geral. 4. ed. rev. e ampl. Florianópolis: 
Conceito Editorial, 2010, p. 6. 
10 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direitopenal brasileiro. 12ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: 
Revan, 2011, p. 19. 
11 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do 
direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 176. 
12 Sobre a influência do marxismo na criminologia, fundamental destacar as observações de Vera 
Malaguti Batista: “O direito penal, nessa linha, vai aparecer como um discurso de classe que pretende 
legitimar a hegemonia do capital. De certa forma, é isso o que dizem Lemert e Schur quando falam de 
criminalização primária. Apesar das acusações de reducionismos e determinismos econômicos, foi o 
perspectiva macrossociológica, se distanciariam da realidade, da concretude das 
relações sociais. No entanto, a análise de estatísticas recentes parece demonstrar 
justamente o contrário. 
 De acordo com o Sistema de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça 
(Infopen 2011), a taxa de encarceramento no Brasil triplicou nos últimos 15 anos e a 
população carcerária já ultrapassa meio milhão de pessoas (513.802) – um universo em 
que 93% são homens e 48% são pessoas com menos de 30 anos de idade. Ainda 
segundo os dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN/MJ), os presos são 
em grande maioria negros ou pardos, analfabetos ou com baixa escolaridade.13 
 Os criminólogos Massimo Pavarini e Vera Malaguti Batista – no âmbito global e 
nacional, respectivamente – também denunciam a referida tendência, voltada ao 
encarceramento em massa: 
 
“Em geral, nos países desenvolvidos, a elevação dos índices de 
encarceramento nos últimos quinze anos é atestada em torno de 
45%: nas Américas o fenômeno tem sido mais radical (nos seis 
países mais populosos, o crescimento tem sido sempre superior a 
80%); na Europa, mais contido, apenas metade dos países tem 
conhecido incrementos superiores a 40%. Mas, se tomamos em 
consideração os países em via de desenvolvimento (...) devemos 
registrar crescimento médio que se coloca além de 100%”.14 
 
“Se os Estados Unidos são os maiores carcereiros do mundo, o 
Brasil passou a ocupar um lugar importante: em 1994 (quando 
FHC aprofunda o que Collor havia tentado) o Brasil tinha 
110.000 prisioneiros. Em 2005, já eram 380.000 e hoje estamos 
com cerca de 500.000 presos e 600.000 nas penas 
alternativas”.15 
 
 Diante dos dados ora expostos, termos como “seletividade do direito penal” e 
“função classista da justiça penal” assumem uma importância que não se restringe ao 
âmbito acadêmico. Para além de abstrações teóricas, entendemos que existe uma 
 
marxismo que repolitizou a questão criminal. Os “operadores” do sistema penal seriam intelectuais 
orgânicos do processo de acumulação do capital. É a partir desse olhar que a criminologia começa a ser 
lida como ciência do controle social, com a utilização dos conceitos de hegemonia, dominação e, 
principalmente, de luta de classes”. In: BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia 
brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 80. 
13 Dados constantes no relatório publicado pela Associação Nacional dos Defensores Públicos 
(ANADEP). In: BRASIL, Governo Federal. Defensores Públicos: pelo direito de recomeçar. Brasília, 
2013, p. 11. 
14 PAVARINI, Massimo. Punir os inimigos: criminalidade, exclusão e insegurança. Curitiba: LedZe 
Editora, 2012, p. 69. 
15 BATISTA, Vera Malaguti. Obra citada, p. 100. 
correlação entre os acúmulos da criminologia crítica e a realidade catastrófica do 
sistema penal brasileiro, especialmente quando observamos que nosso país possui a 3ª 
maior população carcerária do mundo16, e qual é o perfil da “clientela” desse sistema. 
 Considerando as premissas elencadas, podemos retornar à questão que faz parte 
do título deste tópico: qual é o objetivo da reforma do Código Penal? A quais pessoas 
(ou grupos) ela se destina? 
 Segundo a justificativa do anteprojeto do novo código, foram observados os 
seguintes pressupostos: a) necessidade de adequação às normas da Constituição de 1988 
e aos tratados e convenções internacionais; b) intervenção penal adequada e conforme 
entre a conduta e a resposta de natureza penal por parte do Estado; c) seleção dos bens 
jurídicos imprescindíveis à paz social, em harmonia com a Constituição; d) 
criminalização de fatos concretamente ofensivos aos bens jurídicos tutelados; e) 
criminalização da conduta apenas quando os outros ramos do direito não puderem 
fornecer resposta suficiente; f) relevância social dos tipos penais; g) necessidade e 
proporcionalidade da pena. 
 Esses são os chamados “objetivos declarados” do Direito Penal, que envolvem 
basicamente a proteção de bens jurídicos selecionados por critérios político-criminais.17 
No entanto, as condições de tramitação do projeto – a “toque de caixa”, diga-se de 
passagem18 – e as críticas posteriores, realizadas por juristas e operadores do direito19, 
demonstram muito mais a satisfação de anseios dos movimentos de “lei e ordem” do 
que a efetiva modernização do Direito Penal brasileiro. 
 Dentre as diversas falhas apontadas, destacamos aquelas que consideramos mais 
relevantes: i) a falta de ampla discussão popular, tendo em vista a urgência da 
 
16 Segundo pesquisa recente realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Disponível em: 
<http://www.cnj.jus.br/portal/noticias/9874-brasil-tem-terceira-maior-populacao-carceraria-do-mundo>. 
Acesso em: 22/02/2014. 
17 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Obra citada, p. 4-5. 
18 Este aspecto foi destacado pelo próprio ex-relator da comissão, René Ariel Dotti: “Com efeito, não se 
concebe que o parlamento nacional, intensa e extensamente comprometido com a prática do discurso 
político do crime e sensibilizado com a voz das ruas em período eleitoral, dispusesse de tempo e reflexão 
suficientes para a concepção e gestação de um novo e aprimorado modelo de Código Penal”. DOTTI, 
René Ariel. O Projeto Sarney de Código Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Editora Revista 
dos Tribunais. Ano 20, vol. 99, nov-dez 2012, p. 55. 
19 Nesse sentido, dois grandes manifestos de oposição podem ser mencionados: um deles elaborado após 
o XVIII Seminário Internacional de Direito Penal, realizado na cidade de São Paulo, de 28/08/12 a 
31/08/12, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Outro movimento de resistência 
ocorreu durante a realização do Seminário Crítico da Reforma Penal, organizado pela Escola da 
Magistratura do Rio de Janeiro entre os dias 11/09/12 e 13/09/12. 
http://www.cnj.jus.br/portal/noticias/9874-brasil-tem-terceira-maior-populacao-carceraria-do-mundo
tramitação20; ii) a ausência de um método científico para a sistematização do código21; 
iii) excesso de artigos22; e iv) o viés punitivista23, em detrimento de penas alternativas à 
pena privativa de liberdade. 
 Não obstante as finalidades citadas pela comissão de juristas responsáveis pela 
elaboração do “novo” Código Penal, constata-se o “mais do mesmo”: a crença de que 
um novo código, com novos tipos penais e penas mais elevadas, será capaz não só de 
desestimular e/ou evitar a prática de delitos, mas também de conter a “onda de 
criminalidade”. Com maestria, Maria Lúcia Karam mostra a falibilidade deste 
argumento: 
 
“A história demonstra que a função de prevenção geral negativa 
nunca funcionou: a ameaça, mediante normas penais, não evita a 
prática de delitos ou a formação de conflitos; ao contrário, eles 
se multiplicaram e se sofisticaram. O efeito dissuasório não se 
comprovou, estando, ao contrário, demonstrado que a aparição 
do delito não está relacionada com o número de pessoas punidas, 
ou com a intensidade das penas impostas”.24 
 
 Este panorama é sabiamente explorado pela grande mídia, que espalha um clima 
de pânico geral com o intuitode legitimar sua demanda por mais repressão, 
devidamente mascarado pela suposta proteção de bens jurídicos. Porém, numa 
sociedade capitalista, é inegável o caráter de classe da categoria “bem jurídico”, como já 
destacou, oportunamente, Nilo Batista: 
 
“Podemos, assim, ao ouvirmos dizer que a missão do direito 
penal é a proteção de bens jurídicos, através da cominação, 
 
20 “O intolerável açodamento se traduziu também na urgência da tramitação imposta pelo autor do 
projeto, que se vale de sua condição de presidente da Casa Legislativa. (...) nenhum projeto de reforma 
do Código Penal teve tramitação com a urgência-urgentíssima igual a do Projeto Sarney”. DOTTI, René 
Ariel. Obra citada, p. 56. 
21 “Quanto ao mérito, o Projeto Sarney desnuda a ausência de um método científico para o simples 
traslado de centenas de normas penais das leis extravagantes para a Parte Especial do Código Penal 
resultando num aglomerado de disposições sistematicamente desordenadas, muitas vezes com a 
formulação dos tipos penais piorada. Entre seus muitos vícios está a falta de proporcionalidade entre 
crimes e penas”. DOTTI, René Ariel. Obra citada, p. 57. 
22 “Temos 543 artigos, mas que na realidade são muito mais. Na Itália, fizeram um levantamento e 
constataram que havia 6 mil tipos de crimes. Aqui nós fizemos um estudo que constatou 2,6 mil tipos de 
crimes e cada um se desdobra em três crimes diferentes e isso vai dar mais do que 6 mil crimes 
tipificados na Itália”. CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Somos o país que mais pune no mundo. Folha de 
Londrina. Londrina, 15 de Julho de 2012, p. 3. 
23 “Em geral o projeto é punitivo, é mais repressivo que o anterior. É um projeto que acredita na pena 
como forma de combate à criminalidade, quando ninguém mais em criminologia acredita nisso”. 
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Obra citada, p. 3. 
24 KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias. Niterói: Luam Ed., 1991, p. 175. 
aplicação e execução da pena, retrucar que numa sociedade 
dividida em classes o direito penal estará protegendo relações 
sociais (ou “interesses” ou “estados gerais” ou “valores”) 
escolhidos pela classe dominante, ainda que aparentem certa 
universalidade, e contribuindo para a reprodução daquelas 
relações”.25 
 
 Diante do exposto, entendemos que restam evidentes os objetivos reais da 
reforma do Código Penal: totalmente alinhada com a ideologia punitivista e com a 
tendência de expansão do direito penal26, o seu escopo consiste em agradar a opinião 
pública, regida pela máxima “bandido bom é bandido morto”. Não por um acaso que o 
projeto tramita com prazos extremamente exíguos, na contramão dos próprios limites 
impostos pelo Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, o projeto apresenta 
objetivos populistas – pois aposta na repressão através da privação de liberdade, em 
consonância com a ideologia das classes dominantes – acobertados por um viés 
demagógico – ou seja, a “proteção da sociedade” e de bens jurídicos tidos como 
fundamentais. 
 Se os objetivos da reforma do Código Penal são esses, então o segundo 
questionamento – quem são seus destinatários? – já tem uma resposta definida. 
Conforme os dados do DEPEN e do Ministério da Justiça, já mencionados neste tópico, 
o sistema penal brasileiro tem uma clientela determinada: pobres (em sua maioria, 
negros) condenados, majoritariamente, por crimes contra o patrimônio ou por tráfico de 
drogas. Nas palavras de Juarez Cirino dos Santos: 
 
“Assim, através das definições legais de crimes e de penas, o 
legislador protege interesses e necessidades das classes e 
categorias sociais hegemônicas da formação social, 
incriminando condutas lesivas das relações de produção e de 
circulação da riqueza material, concentradas na criminalidade 
patrimonial comum, característica das classes e categorias 
sociais subalternas, privadas de meios materiais de subsistência 
animal: as definições de crimes fundadas em bens jurídicos 
 
25 BATISTA, Nilo. Obra citada, p. 113. 
26 Esse termo é muito bem explicado por Jesus-María Silva Sánchez: “(...) não é nada difícil constatar a 
existência de uma tendência claramente dominante em todas as legislações no sentido da introdução de 
novos tipos penais, assim como o agravamento dos já existentes, que se pode encaixar no marco geral da 
restrição, ou a “reinterpretação” das garantias clássicas do Direito Penal substantivo e do Direito 
Processual Penal. Criação de novos “bens jurídico-penais”, ampliação dos espaços de riscos jurídico-
penalmente relevantes, flexibilização das regras de imputação e relativização dos princípios político-
criminais de garantia não seriam mais do que aspectos dessa tendência geral, à qual cabe referir-se com 
o termo ‘expansão’”. In: SÁNCHEZ, Jesus-Maria Silva. A Expansão do Direito Penal: aspectos da 
política criminal nas sociedades pós-industriais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 28. 
próprios das elites econômicas e políticas da formação social 
garantem os interesses e as condições necessárias à existência e 
reprodução dessas classes sociais. Em consequência, a proteção 
penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais 
hegemônicos pré-seleciona os sujeitos estigmatizáveis pela 
sanção penal – os indivíduos pertencentes às classes e grupos 
sociais subalternos, especialmente os contingentes 
marginalizados pelo mercado de trabalho e do consumo social, 
como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e sociais 
protegidos na lei penal”.27 
 
 Nesse contexto de mudanças na legislação penal, é curioso notar que a urgência 
para concluir um projeto de reforma não é a mesma urgência que deveria ser 
direcionada a problemas gravíssimos no sistema penal brasileiro, como as condições nas 
penitenciárias, o número assustador de presos provisórios, a “aberração jurídica” 
chamada RDD (regime disciplinar diferenciado) e as violações cotidianas de direitos 
humanos nas prisões, para citar apenas alguns exemplos. Ao invés de propor 
verdadeiras transformações na realidade do sistema prisional, a reforma do Código 
Penal representa a “(...) fantasia de uma falsa solução”.28 
 
3. Um breve panorama acerca do enquadramento jurídico da prostituição no 
Brasil 
 
 Antes de ingressarmos no mérito do presente artigo, isto é, nos crimes 
envolvendo a prostituição – referentes ao projeto de reforma já mencionado – algumas 
considerações preliminares devem ser feitas. Em linhas gerais, existem três 
possibilidades de enquadramento jurídico da prostituição: sistema proibicionista, 
sistema abolicionista e sistema regulador, cada um deles permeado por vertentes do 
pensamento criminológico.29 
 O sistema proibicionista, em sua forma original, criminaliza praticamente todas 
as manifestações da prostituição: a prostituta, o “cafetão” e o cliente. Este modelo existe 
 
27 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal – Parte Geral. 4. ed. rev. e ampl. Florianópolis: 
Conceito Editorial, 2010, p. 11. 
28 KARAM, Maria Lúcia. Obra citada, p. 207. 
29 ROMFELD, Victor Sugamosto. Uma análise criminológica dos sistemas jurídicos de enquadramento 
da prostituição feminina. Monografia de Graduação em Direito. Universidade Federal do Paraná, 2013. 
nos Estados Unidos, na China, em Malta, na Eslovênia e em outros países do Leste 
Europeu30, defendidos por setores mais conservadores da sociedade. 
 O sistema de descriminalização (também conhecido como sistema abolicionista) 
é aquele em que a prestação de serviços sexuais não é objeto de sanção pelo direito 
penal.31 No entanto, pode ser criminalizado o cliente e/ou aquele que vive da 
prostituição alheia, com o intuito de atacar a demanda existente pelo serviço sexual. 
 Por fim, o sistema de legalização (também chamado de sistema regulador) 
encara a prostituição como um fenômeno socialnão erradicável; a prostituta, nesta 
perspectiva, é vista como uma prestadora de serviços. 
 
3.1 As recentes propostas de legalização da prostituição 
 
 Embora o Brasil tenha como modelo vigente o sistema abolicionista, 
recentemente, algumas iniciativas de legalização da prostituição merecem destaque. 
Assumindo uma posição de defesa dos direitos das prostitutas, o deputado federal 
Fernando Gabeira propôs a aprovação do Projeto de Lei nº 98 de 2003, que dispõe sobre 
a exigibilidade de pagamento por serviço sexual, além da supressão dos arts. 228, 229 e 
231 do Código Penal. 
 No ano de 2004, o deputado Eduardo Valverde propôs o Projeto de Lei nº 
4.244/04, que institui a profissão de “trabalhadores da sexualidade”. Para sua atuação, 
aquele ou aquela trabalhadora do sexo deveria possuir registro expedido pela Delegacia 
Regional do Trabalho (DRT), revalidado anualmente mediante apresentação da 
inscrição como segurado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e do atestado 
de saúde sexual, emitido pela autoridade de saúde pública. Entretanto, no ano seguinte, 
o próprio autor solicitou o arquivamento do projeto de lei mencionado. 
 Na sequência, em outubro de 2007, a Comissão de Constituição e Justiça e de 
Cidadania da Câmara dos Deputados rejeitou o projeto de Gabeira, proposto em 2003. 
 Recentemente, no ano de 2012, o deputado federal Jean Wyllys apresentou o 
Projeto de Lei nº 4.211/12, representando uma nova tentativa de legalização da 
prestação de serviços sexuais. O projeto – conhecido como Lei Gabriela Leite – além de 
 
30 TAVARES, Manuela. Prostituição: diferentes posicionamentos no movimento feminista. Disponível 
em: <http://barricadasabremcaminhos.files.wordpress.com/2010/06/prostituicaomantavares.pdf>. Acesso 
em: 06/12/2013, p. 3. 
31 DITMORE, Melissa Hope. Prostitution and sex work. Greenwood Press, 2011, p. 32. 
http://barricadasabremcaminhos.files.wordpress.com/2010/06/prostituicaomantavares.pdf
propor algumas alterações nos tipos legais dos arts. 228, 229, 230, 231 e 231-A do 
Código Penal, estabelece alguns direitos dessa categoria de profissionais.32 
 
3.2 O sistema abolicionista atualmente vigente 
 
 Conforme já dissemos, o modelo adotado no Brasil é o sistema abolicionista, 
localizado no Título VI (Dos crimes contra a dignidade sexual), Capítulo V, do Código 
Penal. Neste sistema, a prostituta não é criminalizada, mas sim os fenômenos no 
entorno da prostituição. 
 Discordamos quanto à manutenção desse modelo em nosso país, uma vez que 
durante anos de vigência, pouco ou nada fez quanto à proteção da dignidade sexual e 
integridade física das prostitutas, muito menos em relação ao combate daquilo que 
considera como crime. 
 Não podemos perder de vista que no sistema já mencionado o comportamento da 
prostituta continua sendo encarado como desviante em relação àquilo que se considera 
“normal”. Apesar da descriminalização do meretrício, o estigma permanece. Seja qual 
for o status que o direito confere à prostituição, esta ainda é uma temática delicada, 
repleta de preconceitos e tabus por parte da sociedade em geral. Neste sentido, a 
feminista norte-americana Melissa Farley ataca um dos principais fundamentos do 
sistema abolicionista: 
 
Advocates of decriminalization argue that the health of those in 
prostitution will be improved by decriminalization because 
otherwise women will not have access to health care. It is 
assumed that women will seek health care as soon as the stigma 
of arrest is removed from prostitution. If the stigma is removed, 
advocates argue, women will then file a complaint whenever they 
are abused, raped, or assaulted in prostitution. They assume that 
the complaint will be followed with a police response that treats 
women in prostitution with dignity and as ordinary citizens. 
Unfortunately, health care workers and police too often share the 
same contempt toward those in prostitution than others do.33 
 
 
32 Sobre o projeto de lei “Gabriela Leite” e a legalização da prostituição, ver: ROMFELD, Victor 
Sugamosto; TABUCHI, Mariana Garcia. À margem da sociedade, ao centro do capital: o mercado 
barato de mulheres – apontamentos acerca do Projeto de Lei Gabriela Leite. In: Anais da XV Jornada de 
Iniciação Científica da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. 
33 FARLEY, Melissa. “Bad for the Body, Bad for the Heart”: Prostitution harms women even if legalize 
or decriminalized. In: Violence Against Women, vol. 10, n. 10. October, 2004, p. 1093. 
 Outra crítica corresponde à “cifra negra” da criminalidade – temática abordada 
por diversos pensadores da criminologia crítica34 – que está umbilicalmente ligada aos 
crimes envolvendo prostituição. No sistema abolicionista brasileiro, são criminalizados, 
em linhas gerais: a manutenção de casas de prostituição, o rufianismo (atividade de 
exploração sexual exercida pelo “cafetão”) e o tráfico de pessoas. No entanto, isto não 
significa que as condutas mencionadas sejam efetivamente punidas. 
O relatório de gestão do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná aponta 
justamente nesse sentido: em toda população carcerária paranaense, não existe sequer 
uma pessoa presa pelo crime de casa de prostituição (art. 229, CP) nem pelo crime de 
rufianismo (art. 230, CP).35 Observa-se, quanto aos crimes referentes à prostituição, 
somente 2 (duas) pessoas presas por tráfico internacional de pessoas (art. 231, CP) e 1 
(uma) pessoa presa por tráfico interno de pessoas (art. 231-A, CP). 
A mesma tendência é verificada no âmbito nacional. Segundo o relatório 
estatístico realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) em Dezembro 
de 2012, não há pessoas presas e/ou condenadas pelos delitos dos arts. 229 e 230 do 
Código Penal.36 No que diz respeito ao tráfico de pessoas (interno e internacional), 
existem somente 38 (trinta e oito) pessoas encarceradas.37 
Os dados referentes ao delito de tráfico de pessoas (arts. 231 e 231-A do Código 
Penal) são, no mínimo, surpreendentes, considerando que as estatísticas oficiais não 
representam a totalidade de crimes praticados. A pequena quantidade de indivíduos 
presos é, certamente, um indicativo da “cifra oculta” desse tipo de criminalidade, ainda 
mais quando observamos que o lucro com o tráfico de seres humanos só perde para o 
tráfico de drogas e de armas.38 
 
34 RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 
270. 
35 Disponível em: <http://www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/relges20082011.pdf>. Acesso em: 
27/02/2014, p. 15. 
36 Disponível em: <http://portal.mj.gov.br>. Acesso em: 28/02/2014. 
37 É curioso observar que nos relatórios do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná e do 
Departamento Penitenciário Nacional, os crimes envolvendo prostituição estão agrupados, 
equivocadamente, no grupo “Crimes contra os costumes”. No entanto, desde 2009, essa terminologia foi 
revogada, com o advento da Lei nº 12.015. Assim, o Título VI do Código Penal brasileiro passou a se 
chamar “Dos crimes contra a dignidade sexual”. A manutenção da nomenclatura antiga talvez indique a 
concepção que os órgãos públicos ainda têm sobre a prostituição como um todo. 
38 ELUF, Luiza Nagib. Tráfico de Pessoas. In: Folha de S. Paulo. São Paulo, 28 de fevereiro de 2013, 
Caderno Opinião. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/96072-trafico-de-
pessoas.shtml>. Acesso em: 28/02/2014. 
http://www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/relges20082011.pdf
http://portal.mj.gov.br/
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/96072-trafico-de-pessoas.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/96072-trafico-de-pessoas.shtml
 Em relação às casas de prostituição e à atividade de “cafetinagem”39, nota-se que 
existem em nosso país diversos locaiscuja destinação é o “mercado do sexo”, que 
envolve strip teases e a prestação de outros serviços sexuais. Contudo, seja por conta 
das “vistas grossas” feitas pela polícia, seja pelo disfarce que assumem40 (com o intuito 
de escapar da intervenção estatal), as casas noturnas que se encontram no perímetro 
urbano dificilmente são fechadas. 
 Isto ocorre, possivelmente, pela limitada perseguição desse tipo de criminalidade 
e pelo prestígio social de que gozam os donos dos referidos estabelecimentos 
(consequentemente, autores do crime previsto no art. 229 do Código Penal). Não é à toa 
que as casas de prostituição de luxo das grandes metrópoles continuam funcionando, 
sem qualquer tipo de óbice, sendo frequentadas por homens solteiros e casados, 
oriundos das classes dominantes (empresários, políticos, celebridades, entre outros). 
 Por todos os argumentos expostos, que indicam a falência do sistema 
abolicionista adotado no Brasil, alternativas ao referido sistema devem ser apontadas, 
com o intuito de proteção dos indivíduos atualmente chamados de “profissionais do 
sexo”. Partimos da premissa de que a prostituição não é um assunto que merece a tutela 
do Direito Penal. Seguindo esta tendência, percebe-se que o projeto de lei nº 236/2012 
extinguiu o sistema abolicionista, conforme será abordado na sequência. 
 
3.3 As mudanças decorrentes da reforma do Código Penal 
 
 O projeto de reforma propõe mudanças significativas quanto aos crimes 
envolvendo a prostituição, as quais são didaticamente expostas pelo penalista Paulo 
Queiroz: 
 
“O projeto propõe, ao meu ver, corretamente, a abolição dos 
seguintes tipos penais: 1) posse sexual mediante fraude (CP, art. 
215); 2) mediação para servir à lascívia de outrem (art. 227); 3) 
favorecimento da prostituição (art. 228); 4) casa de prostituição 
(art. 229); rufianismo (art. 230); 6) tráfico internacional e 
interno de pessoas para fins de exploração sexual (arts. 231 e 
231-A) (...). Nalguns casos, houve abolição apenas parcial, 
porque certos tipos ou sofreram simples reformulação ou 
migraram para outros tipos penais. Exemplo disso é o tráfico de 
pessoas (art. 469) que, além de passar a constituir crime contra 
 
39 Tecnicamente, o Código Penal brasileiro denomina essa atividade como rufianismo. 
40 Enquanto danceterias, boates, casas de massagem, bares ou casas de shows. 
os direitos humanos, com o projeto, só configura crime se houver 
emprego de ameaça, violência, coação, fraude ou abuso”.41 
 
 Não obstante o projeto nº 236/2012 seja merecedor de severas críticas, as 
alterações mencionadas merecem destaque, por diversos motivos. Em primeiro lugar, 
porque pretendem revogar os crimes do capítulo V (título VI) do Código Penal atual, 
extinguindo o sistema abolicionista, tendo em vista as suas insuficiências, já elencadas 
neste artigo. Em segundo lugar, porque propõem deslocar o delito de tráfico de pessoas 
para o grupo dos crimes contra os direitos humanos. 
 Em relação ao “tráfico de pessoas”, houve um avanço significativo, pois a 
redação atual dos dispositivos do Código Penal (arts. 231 e 231-A) reforça a associação 
direta entre o tráfico e a prostituição. Ao que parece, o projeto incorporou dispositivos 
de tratados internacionais, que separam o “joio do trigo”, ou seja, que distinguem a 
prostituição (exercida livremente por indivíduos maiores de 18 anos) da exploração 
sexual.42 
 Em suma, verifica-se que o projeto tem como proposta a revogação dos tipos 
penais do sistema abolicionista – atualmente vigente no Código Penal brasileiro –, bem 
como o deslocamento do crime de tráfico de pessoas para o grupo “dos crimes contra os 
direitos humanos”. Além disso, o referido delito teve sua redação aprimorada, 
separando a prostituição do tráfico de pessoas, cuja finalidade é a exploração sexual. 
 Diante disso, descriminalizar as condutas que estão no entorno da prostituição 
parece ser o caminho mais adequado, com o intuito de “desafogar” o sistema penal, em 
consonância com a doutrina do “direito penal mínimo”. 
 
 
41 QUEIROZ, Paulo. Projeto de Reforma do Código Penal: Crimes Contra a Dignidade Sexual (Título 
IV, Capítulos I e II). In: Revista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro – EMERJ, v. 15, n. 60, out-
dez 2012, p. 220-221. 
42 Nesse sentido, o Protocolo de Parlermo caracteriza, no seu art. 3º, o que seria exploração sexual. “Para 
efeitos do presente Protocolo: a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o 
transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da 
força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de 
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de 
uma pessoa que tem autoridade sobre outra para fins de exploração, A exploração incluirá, no mínimo, a 
exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços 
forçados, escravatura ou práticas similares a escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; b) O 
consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito 
na alínea a) do presente artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios 
referidos na alínea a); c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de 
uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam 
nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente artigo; d) 0 termo "criança" significa qualquer 
pessoa com idade inferior a dezoito anos” – grifo nosso. 
4. Conclusão: por um direito penal mínimo 
 
 A realidade do sistema penal brasileiro é catastrófica e incontestável: 
catastrófica porque a população carcerária cresce num ritmo preocupante, agravando o 
fenômeno da superlotação e a consequente violação de direitos humanos. Incontestável 
porque existe um determinado perfil socio-econômico que é alvo do encarceramento: 
oriundos de classes subalternas, 75% dos indivíduos foram presos ou por crimes contra 
o patrimônio ou por tráfico de drogas.43 
 Sendo assim, a lógica do sistema penal não atua aleatoriamente, mas sim de 
maneira seletiva: aqueles que pertencem a estratos sociais inferiores estão, certamente, 
muito mais vulneráveis ao controle social realizado pelo Estado penal. Isto significa que 
o marxismo está “na ordem do dia”, uma vez que há um recorte de classe quando 
analisamos a questão criminal – mais especificamente, o perfil dos presos – no Brasil.44 
 A reforma do Código Penal não será capaz de mudar esse contexto, pois reforça 
a tendência punitivista dos movimentos de “lei e ordem”. A multiplicidade de tipos 
penais poderá aumentar o número de presos, fazendo com que a situação dos presídios 
brasileiros fique ainda mais precária. Desse modo, motivos de diversas ordens – 
devidamente expostos neste artigo – nos conduzem inevitavelmente à rejeição do 
projeto, conforme argumenta Juarez Cirino dos Santos: 
 
“O exame do Projeto de Código Penal (PL 236/2012 do Senado 
Federal) mostra uma ideologia conservadora e repressiva: 
conservadora, porque assume os valores dominantes da formação 
social capitalista globalizada; repressiva, porque acredita na 
pena criminal como mecanismo de solução de conflitos em 
sociedades desiguais. (...) Argumentos científicos e razões de 
política criminal parecem aconselhar a rejeição do Projeto. A 
natureza e a extensão dos defeitos são maiores do que eventuais 
méritos, tornando o Projeto imprestável: é impossível emendar, 
retificar ou corrigir”.45 
 
 Quando observamos os crimes envolvendo a prostituição, podemos constatar 
alguns avanços, principalmente no que diz respeito à extinção do sistema abolicionista.43 Segundo os dados constantes no relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Dezembro, 2012). 
44 Não somente um recorte de classe, mas também um recorte racial, considerando que, segundo dados do 
DEPEN, 60% da população carcerária é negra. 
45 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A reforma penal: crítica da disciplina legal do crime. Disponível em: 
<http://www.tribunavirtualibccrim.org.br/artigo/6-A-reforma-penal:-critica-da-disciplina-legal-do-
crime>. Acesso em: 16/08/2013. 
http://www.tribunavirtualibccrim.org.br/artigo/6-A-reforma-penal:-critica-da-disciplina-legal-do-crime
http://www.tribunavirtualibccrim.org.br/artigo/6-A-reforma-penal:-critica-da-disciplina-legal-do-crime
Este modelo de enquadramento jurídico da prostituição mostra-se totalmente ineficaz 
para combater aquilo que considera como crime e para proteger a dignidade sexual 
daquelas e daqueles que se prostituem. O projeto de reforma apresenta um avanço 
pontual, que poderia muito bem ensejar uma reforma parcial no Código Penal vigente, 
sem a necessidade de instituir um novo diploma legislativo. 
 Partimos da premissa de que a prostituição não é um assunto a ser tratado pelo 
Direito Penal, justamente pela diferença que existe entre o meretrício (exercido 
“livremente” por indivíduos maiores de 18 anos) e as situações de exploração sexual. 
Isto significa que assumimos uma postura favorável ao direito penal mínimo. 
 Também conhecido como “minimalismo”, esta perspectiva teórica é dotada de 
profunda heterogeneidade, visando a limitação da violência punitiva com a máxima 
contração do sistema penal. Diante da diversidade de minimalismos, entendemos que é 
necessário delimitar qual deles estamos defendendo. 
 Em contraposição ao minimalismo como um fim em si mesmo, apostamos no 
minimalismo como meio para o abolicionismo. Sobre esta corrente de pensamento, nos 
valemos da explicação de Vera Andrade: 
 
“Os primeiros são os modelos que, partindo da aceitação da 
deslegitimação do sistema penal concebida como uma crise 
estrutural irreversível, assumem a razão e a utopia 
abolicionistas, porque não veem possibilidade de relegitimação 
do sistema penal, nem no presente nem no futuro. São 
minimalismos como meio, ou seja, metodologias e táticas de 
curto e médio prazos, de transição para o abolicionismo.”46 
 
 Como a própria criminóloga afirma, o sistema penal encontra-se em uma crise 
estrutural irreversível: não é possível, segundo o nosso entendimento, melhorá-lo para 
que, um dia, seja plenamente eficaz e justo. Por isso, para combater esse sistema, 
elegemos a via do direito penal mínimo, estratégia que passa por medidas de 
descriminalização e despenalização.47 
 
46 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da 
(des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan, 2012, p. 265. 
47 “Argumentos humanitários (crítica científica aos inconvenientes da prisão), técnicos (uso de drogas 
psicoativas) e economicistas (crise fiscal) dos anos 70 explicam o fenômeno como política do Estado de 
fechamento das prisões, reformatórios e asilos, em um processo de desinstitucionalização caracterizado 
pela expulsão física dos internos, com a redução geral da população carcerária por cortes 
orçamentários, reclassificação de detentos, descriminalização, ampliação do poder discricionário do 
juiz, da polícia, etc. – cujo pressuposto material é a existência de uma infra-estrutura de assistência 
 A superação desse modelo de controle social – responsável por gerar dor e 
sofrimento – somente ocorrerá com transformações profundas na sociedade capitalista. 
Para que isto ocorra, como já disse Alessandro Baratta, não precisamos de um direito 
penal alternativo, mas sim de uma alternativa ao direito penal. 
 
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