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1 P1 1. Entender como ocorre o envelhecimento celular e suas alterações fisiológicas Os múltiplos aspectos que caracterizam o processo de envelhecimento clamam para a necessidade de propiciar à pessoa idosa atenção abrangente à saúde, colocando em prática o preconizado pela Organização Mundial da Saúde. Busca-se com isso não somente o controle das doenças, mas, e principalmente, bem- estar físico, psíquico e social, ou seja, em última análise, a melhora da qualidade de vida. A atenção passa a ser prioritariamente multidimensional e, portanto, para atender a essa diretriz é importante a participação de outros profissionais da saúde, além do médico que, em conjunto, respeitando-se a especificidade de cada área e de cada caso, definirão a melhor conduta a ser seguida. A gerontologia social, que aborda os aspectos não orgânicos, e a geriatria e a gerontologia biomédica, que se atêm aos aspectos orgânicos, são subdivididas de acordo com as especialidades que as compõem. Assim, a primeira compreende os aspectos antropológicos, psicológicos, legais, sociais, ambientais, econômicos, éticos e políticas de saúde. A Geriatria tem sob seus domínios os aspectos curativos e preventivos da atenção à saúde e, para realizar este mister, tem uma relação estreita com disciplinas da área médica, como neurologia, cardiologia, psiquiatria... A gerontologia biomédica tem como eixo principal o estudo do fenômeno do envelhecimento, do ponto de vista molecular e celular (biogerontologia), enveredando pelos caminhos de estudos populacionais e de prevenção de doenças associadas. Busca-se a geração de conhecimentos para que se possa entender as alterações progressivas não patológicas, biológicas e fisiológicas observadas no envelhecimento e como elas influenciam o status funcional do indivíduo. Idades biológica e cronológica O limite de idade entre o indivíduo adulto e o idoso é 65 anos para as nações desenvolvidas e 60 anos para os países em desenvolvimento. Embora as manifestações da velhice sejam bem evidenciáveis, o mesmo não se pode afirmar a respeito de elas serem exclusivamente dependentes do envelhecimento primário ou senescência, ou se seriam resultantes de outros fatores, que, em seu conjunto, tornam difícil a mensuração da idade biológica. Gênero, classe social, saúde, educação, fatores de personalidade, história passada e contexto socioeconômico são importantes elementos que se mesclam com a idade cronológica para determinar as diferenças entre idosos, de 60 a 100 anos É importante assinalar o conceito de idade funcional, que possui estreita relação com a idade biológica, e que pode ser definida como grau de conservação do nível de capacidade adaptativa em comparação com a idade cronológica. A esse respeito são oportunas algumas considerações sobre envelhecimento funcional. Segundo Veras (1996), em decorrência das precárias condições de vida nos países em desenvolvimento, o envelhecimento funcional precede o cronológico, fato que é mais evidente nas populações mais carentes. Senescência A distinção entre senescência ou senectude, que resulta do somatório de alterações orgânicas, funcionais e psicológicas próprias do envelhecimento normal, e senilidade, que é caracterizada por modificações determinadas por afecções que frequentemente acometem a pessoa idosa, é, por vezes, extremamente difícil. O exato limite entre esses dois estados não é preciso e caracteristicamente apresenta zonas de transição frequentes, o que dificulta discriminar cada um deles. Outro fato que merece ser destacado é que, diferentemente das pessoas mais jovens, nos idosos portadores de doenças, que frequentemente são múltiplas, somam-se os efeitos das alterações fisiológicas próprias do envelhecimento normal e os decorrentes de modificações funcionais produzidas pela presença de doenças concomitantes. Não se pode desconhecer que os efeitos da primeira podem atuar sobre os da última, induzindo graus variáveis de interação, a ponto de produzir ação deletéria muito acentuada. No envelhecimento normal, é observada uma alteração direta da entropia – degradação da matéria e energia -, que leva a célula a um estado último de uniformidade inerte. Suas manifestações se expressam de maneiras diversas: • Ocorrem em qualquer animal que alcança a vida adulta • Dão-se após a maturação sexual • Aumentam a vulnerabilidade à morte • Ultrapassam virtualmente as barreiras entre as espécies, ocorrendo de maneira diversificada, porém constante e com uma trajetória demarcada, para cada espécie Durante a senescência ocorre uma redução da massa muscular total, assim como da massa óssea. Inúmeros marcadores a nível celular expressam um funcionamento inadequado, como transcrição genética, síntese proteica, processos de glicação e oxidação, 2 causando disfunções na habilidade peptídica e traduzindo-se em funcionamento inadequado da célula, que pode ser observado por meio de marcadores de lesão de DNA – gama-H2AX e 53BP1. Tanto estudos longitudinais quanto cortes transversais são claros em demonstrar os declínios fisiológicos observados na espécie humana marcadamente a partir da terceira década. Todavia, a taxa de tal declínio é extremamente heterogênea quando são analisados órgão a órgão e até mesmo quando estes indivíduos são comparados entre si. Atualmente, a identificação de uma única causa para o envelhecimento deu lugar à identificação de inúmeros processos que se coadunam somatória e mutuamente de maneira muito complexa. O envelhecimento pode ser visto como um holograma multifatorial que se dá por diversos processos, com variações inúmeras, até mesmo para uma única espécie, amplamente suscetível a influências ambientais e também submetido a polimorfismos genéticos e variações da expressão gênica (Cunha, 2011). Hoje, além desses fatores, até mesmo a ação das diversas tecnologias oriundas das conquistas da sociedade interfere diretamente na resposta fisiológica do organismo humano, alterando, de fato, sua sobrevida. Assim, o envelhecimento não pode ser visto somente como um único processo, mas sim como uma coleção de incontáveis processos complexos para cada espécie (Figura 2.1) (Miller, 2009). 2. Discorrer sobre a senilidade e suas alterações patológicas Senilidade é caracterizada por modificações determinadas por afecções que frequentemente acometem a pessoa idosa. O envelhecimento patológico ocorre quando danos fisiológicos se derem em uma intensidade muito maior, levando a deficiências funcionais marcantes e, seguramente, a alterações das funções do SNC, principalmente ao relacionar a capacidade intelectual do indivíduo (atenção, memória, raciocínio e juízo crítico, fala, comunicação etc.). • Espiral negativa de declínio funcional • Afecções que acometem o idoso O mecanismo patogênico é proposto como um ciclo decrescente de energia cujas manifestações clínicas aumentariam a medida que a fragilidade se agrava 3. Citar as principais teorias sobre o envelhecimento Em 1961, Hayflick e Moorhead descobriram, in vitro, que células humanas somente poderiam se dividir em um número finito. Esse fenômeno, conhecido como senescência replicativa, foi estudado por anos. Uma hipótese da Biogerontologia é que em todo organismo existem células que saem do ciclo celular habitual e se tornam senescentes. Há um corpo de evidências pontuando que há depósitos de células senescentes que se acumulam em alguns tecidos. Além disso, em alguns tipos de célula, a teoria da senescência replicativa é causada pelo “desligar” de alguns segmentos cromossômicos, os telômeros. As teorias formuladas para explicar o processo do envelhecimento são agrupadas em inúmeras formas e categorias. De modo geral, todas tentam cobrir os aspectos genéticos, bioquímicos e fisiológicos de um organismo. As teorias genéticas apresentam especulações e evidências sobre a identidade de genes responsáveis pelo envelhecimento,acumulações de erros na estruturação genética, senescência programada e telômeros. As teorias bioquímicas estão focadas no metabolismo energético, na geração de radicais livres e na taxa de sobrevida associada à saúde mitocondrial. As teorias fisiológicas apresentam explicações para a senescência associadas 3 ao sistema endócrino e o papel dos hormônios na regulação da taxa de envelhecimento celular. De modo bastante amplo, quando são analisados os mecanismos moleculares de dano e limitações celulares, existem três grandes processos pelos quais tais moléculas sofrem comprometimento, causando senescência ou doenças. O primeiro é secundário a reações químicas intracelulares, seja como consequência do surgimento de espécies tóxicas de oxigênio, os radicais livres, seja por agentes exógenos como poluentes ou radiação. Uma segunda causa está associada a subprodutos de componentes da glicose e seus metabólitos; por fim, a presença de erros espontâneos nos processos bioquímicos, como a duplicação de DNA, modificações nos processos de transcrição, pós-transcrição, translação e pós- translação no âmago celular. Muitas das teorias que serão descritas encontram-se envolvidas em um desses três processos, e algumas delas, em todos eles. Teorias estocásticas do envelhecimento A segunda lei da termodinâmica afirma que, do ponto de vista da mecânica estatística, os processos físicos e químicos tendem a um aumento da desordem ou de sua entropia. Assim como qualquer outra estrutura física, todas as células estão submetidas às leis da termodinâmica. De maneira semelhante a uma gota de soluto em um solvente, a tendência natural é a gota difundir-se no meio. Ao se espalhar no solvente, ela não pode mais se organizar, aumentando a desordem do sistema e fazendo com que a entropia da solução aumente. As estruturas celulares são capazes de transformar a energia absorvida do ambiente e, em seguida, modificar este meio distribuindo calor e outras formas de energia. Todas as células, guardadas as devidas proporções, são instáveis do ponto de vista termodinâmico. Sua organização intrínseca está submetida a um contínuo e ininterrupto processo de diversos “ataques” aleatórios – estocásticos – que podem causar, em cada unidade, uma degradação. As teorias de cunho estocástico sugerem que fenômenos diversos oriundos dessa desordem promoveriam erros em diversos segmentos orgânicos, provocando um declínio fisiológico e estrutural progressivo. Teoria do uso e desgaste Quanto mais desgaste sofre uma célula, maior é o comprometimento em sua habilidade de sobrevida. Ao longo do envelhecimento celular são observados inúmeros agravos que promovem uma limitada capacidade de reparação, a qual, com o passar do tempo, é cada vez menor. Essa constatação é parte integrante da percepção dessa teoria (Arking, 2008). Tão antiga quanto o nascimento da Geriatria, deu origem a hipóteses sugerindo que o desgaste gradual das células somáticas era resultado exclusivo de seu uso contínuo e ininterrupto, ou seja, que a causa principal do envelhecimento era sua incessante replicação, provocando, consequentemente, um desgaste. Hoje, entretanto, essa teoria é totalmente discordante das observações práticas. Um primeiro item que merece destaque e que fez com que a mesma permanecesse como ponto de reflexão é a observação de que mesmo animais que estão protegidos de lesões ambientais ou patologias secundárias não apenas envelhecem, como também falham em exibir qualquer melhora no tempo máximo de vida. Outra questão relevante é que muitos dos danos supostos pelo uso e desgaste são mudanças que dependem apenas do tempo e não podem ser os elementos causais do envelhecimento por si sós. Perder um dente não desencadeia o início do envelhecimento, assim como fraturar um membro ou outras lesões repetidas. Apesar desses elementos somarem limitações para a sobrevida, não representam o gatilho inicial para o envelhecimento. Como teoria, encontra-se falha na definição de seus conceitos. Ademais, sob a ótica da nova biologia celular, a teoria do uso e desgaste não é uma teoria em si, mas sim, um dos componentes envolvidos nas inúmeras teorias, como será visto a seguir (Cunha, 2011). Teoria das modificações proteicas A complexidade do funcionamento celular é algo ainda não completamente compreendido. Hoje, com a evolução tecnológica, a ciência consegue apresentar evidências mais claras de sua organização e estrutura. A interação entre as organelas citoplasmáticas e seus respectivos eventos bioquímicos estão em constante funcionamento flutuando em um equilíbrio dinâmico, habilitando a manutenção do que é conhecido como homeostase. A produção de proteínas ocorre em duas fases: transcrição do gene que envolve a produção de RNA mensageiro (mRNA), seguido de translação da mensagem para a produção de proteína. Para aquelas células que estão em replicação, dividindo-se há um terceiro passo, a replicação do DNA, que precede as duas etapas anteriores. Erros podem ocorrem em qualquer uma dessas etapas. Quando eles ocorrem, genes defeituosos, mRNA e proteínas são produzidos de modo inadequado e/ou defeituosos. Champion (1942) postulou que modificações pós-traducionais poderiam ser disseminadas e, assim, esse fenômeno ser um 4 mecanismo plausível de envelhecimento. A “falha na reparação” é a sugestão de que o acúmulo de modificações químicas irreparáveis em macromoléculas importantes poderia impedir o funcionamento adequado de algumas células. A hipótese é que as moléculas de longa vida, com baixo turn-over, e que residem na célula por longa data sofram uma desnaturação tênue no ambiente citoplasmático. Animais mais velhos têm propriedades imunológicas e estabilidade termal alteradas. Uma das hipóteses é que existiriam modificações oxidativas nas estruturas proteicas e que um novo tipo de ligações cruzadas promoveria alterações na conformação da célula e seu respectivo tecido. Exemplos de proteínas que apresentam algumas das alterações sugeridas são o colágeno e a elastina. Constituintes essenciais do tecido conjuntivo e de suma importância para os mamíferos, elas sofrem um declínio gradual de suas funções, trazendo diversas repercussões na habilidade funcional desses organismos. Na pele, é observada redução do tônus e maleabilidade; no aparelho cardiovascular, alterações nas camadas arteriais, traduzindo-se, ao envelhecimento, no aumento da pressão sistólica. Outra importante observação é que a atividade proteica parece ficar mais lenta com o envelhecimento. As vias citoplasmáticas de degradação expressam um processamento inadequado de proteínas. Estas proteínas pós-tradução tornam-se anormais e se acumulam, e, com o passar do tempo, sua taxa de degradação diminui. Teoria da mutação somática e do dano ao DNA Nesta teoria a ideia principal é que fatores orgânicos poderiam causar alterações específicas na composição do DNA e nas células somáticas. Falha na reparação ou anomalias existentes promoveriam “golpes” aleatórios que comprometeriam a expressão de grandes regiões cromossômicas ou mesmo cromossomos inteiros (Arking, 2008). Como consequência, a expressão inadequada de suas funções promoveria o envelhecimento celular. Inúmeros estudos apontam a importância do reparo do DNA na velocidade do envelhecimento. O DNA pode sofrer dois tipos diferentes de agressões: mutações e danos. Diferentes entre si, o primeiro refere-se a mudanças nas sequências de polinucleotídios, em que as bases nitrogenadas sofrem deleções, acréscimos, substituições ou rearranjos. O exemplo clássico é a anemia falciforme. O dano de DNA, por outro lado, refere-se a qualquer uma das muitas alterações químicas dentro da estrutura bi-helicoidal da molécula. Pode ser causado tanto por fontes exógenas como endógenas, com alterações que modificam ou quebram a dupla-hélice ao produzirem irregularidades estruturais no DNA. Os dois poderiam interferir na expressãogênica e foram postulados também como possíveis mecanismos do envelhecimento, uma vez que existem correlações significativas entre a taxa de reparação de DNA e o tempo de vida em diversos organismos (Cunha, 2011). Teoria do erro catastrófico A teoria do erro catastrófico apresenta que, ao longo dos anos, erros aleatórios e constantes poderiam construir alterações drásticas nas atividades enzimáticas, levando à limitação do funcionamento celular e, em nível macro, de todo o organismo. Hoje, a não observação de alterações teoricamente esperadas é mais bem compreendida. Devido a sua alta habilidade de adaptação, as células são capazes de se reorganizar, construindo e destruindo elementos constituintes para uma melhor nutrição e respostas diante de agentes estressores. Assim, se uma proteína defeituosa é produzida, rapidamente é clivada e substituída por uma cópia saudável. A teoria inicialmente se baseou na identificação de possíveis erros fundamentados nos peptídios. Na teoria do erro catastrófico, o funcionamento incorreto de elementos da síntese proteica foi proposto como modelo de observação. Um dos exemplos é a ação da enzima aminoacil-tRNA sintetase (aaRS), que tem como papel precípuo catalisar a esterificação de um aminoácido específico em um dos possíveis tRNA correspondentes durante a síntese proteica (McDonald, 2014). Erros aleatórios cumulativos podem ocorrer nesta estrutura, comprometendo-a drasticamente e induzindo a gênese imprópria de proteínas e um processo de feedback com autoamplificação. Seu funcionamento incorreto promoveria uma catástrofe na origem de novas proteínas e, em consequência, danos graves à célula e desfechos incompatíveis com a vida. Desdiferenciação Esta teoria baseia-se no conceito de que as células diferenciadas têm a habilidade de repressão seletiva da atividade de genes desnecessários para a sobrevivência. Nessa hipótese, o envelhecimento normal ocorreria pelo fato de essas células desviarem-se de seu processo de diferenciação. Mecanismos estocásticos promoveriam ativação ou repressão gênica, causando síntese inadequada de proteínas ou mesmo a síntese de proteínas desnecessárias, que, com o tempo, diminuiriam a atividade celular e, em consequência, causariam a morte. A suposição é que modificações aleatórias poderiam ocorrer no aparato de regulação gênica, resultando em mudanças na sua expressão. Dano oxidativo e radicais livres Evolutivamente, os organismos aeróbicos dependem do oxigênio para produção de energia. Em última instância, a utilização da glicose produz energia na forma de trifosfato de adenosina (ATP). Entretanto, apesar de essencial para a manutenção da vida aeróbica, o oxigênio é capaz de causar danos por oxidação, ou seja, retirar elétrons de substâncias inorgânicas ou mesmo de moléculas 5 orgânicas como DNA, proteínas e lipídios, causando instabilidade celular. As espécies reativas de oxigênio são geradas de forma fisiológica, e aproximadamente 90% delas são produzidas por mitocôndrias no processo de fosforilação oxidativa. Em situações em que há falta de mecanismos contrarreguladores, a célula entra em desequilíbrio. A teoria postula que o envelhecimento seria consequente aos efeitos deletérios das espécies reativas de oxigênio nas organelas citoplasmáticas. Entre as enzimas antioxidantes, estão superóxido desmutase (SOD) e catalase (CAT), que são responsáveis pela degradação do radical superóxido e do H2O2 , respectivamente. Pode-se postular que, se determinado organismo possui abundância de tais enzimas, em teoria, seria mais longevo. Contudo, isso não é observado em algumas situações na espécie humana. Apesar de possuírem uma cópia extra do gene da SOD, e essa cópia ser capaz de duplicar a degradação do radical superóxido, os portadores da síndrome de Down não têm sobrevida maior. A teoria de radicais livres é também dividida em hipóteses associadas, especialmente no papel desempenhado por algumas organelas citoplasmáticas e nos tipos de danos sob algumas moléculas durante o envelhecimento. Mutações no DNA mitocondrial acelerariam as lesões oriundas dos radicais livres através da introdução de componentes enzimáticos na cadeia de transporte de elétrons na crista mitocondrial. Hipóteses também sugerem que os radicais livres promovem oxidação de proteínas que se acumulam nas células e, uma vez que elas têm reduzida capacidade de degradação, causam, a longo prazo, disfunções moleculares e falência da célula. Essa teoria recebe particular atenção por parte da ciência devido a seu alto potencial de intervenção. Inúmeras patologias estão associadas a elevadas taxas de oxidação. Investigação com idosos frágeis mostra que a redução de moléculas antioxidantes nesses organismos está diretamente associada a um risco mais elevado da condição. Teorias sistêmicas do envelhecimento As teorias sistêmicas tentam, de certa forma, agrupar o processo de envelhecimento de maneira encadeada e organizada. Para este conjunto de teorias, o envelhecimento estaria relacionado com o declínio dos sistemas orgânicos desencadeado pela inabilidade de comunicação e adaptação inter e intracelular do ser vivente com o ambiente em que ele vive. Para o Homo sapiens, assim como para a maioria das espécies, todos os sistemas orgânicos são considerados indispensáveis para a sobrevivência. Entretanto, alguns, como o nervoso, o endócrino e o imunológico, desempenham um papel fundamental na coordenação de todos os outros sistemas e sua forma de interagir uns com os outros, além de terem significativo papel na defesa contra agentes estressores internos ou externos. O papel do DNA na determinação das funções celulares e na criação de células por si só é de capital importância na orquestra celular. Alguns autores propuseram que lesões nessas estruturas poderiam ser a causa do envelhecimento, pontuando um determinismo assertivo sobre sua causa. Entretanto, como observa Cunha (2011), nas palavras de Arking (2008): “as teorias sistêmicas não são puramente deterministas, uma vez que todas admitem, em diferentes graus, a modulação ambiental do envelhecimento e da longevidade.” Teorias metabólicas E m seus primórdios, as teorias metabólicas envolveram um perfil prático da observação cotidiana. Animais de grande porte possuem, geralmente, maior sobrevida que animais pequenos. Juntamente às teorias de restrição calórica e de consumo energético, em observações inicialmente feitas no século 19, a premissa pontuada foi que a taxa metabólica de um organismo era inversamente proporcional a seu peso corporal. Desse modo, longevidade e metabolismo estariam ligados por um nexo causal em que taxas metabólicas elevadas promoveriam ou estariam associadas a um tempo de vida curto. A evidência científica experimental aponta que alterações na taxa metabólica podem modificar o tempo de vida em alguns animais. Observações em pecilotérmicos demonstram que esses animais têm uma longevidade maior quando em baixas temperaturas do que em mais altas. Estudos na espécie humana apontam que níveis reduzidos de glicemia, menor temperatura corporal e lento declínio de alguns hormônios estariam associados a um tempo de vida mais longo quando comparados com aqueles que não possuíam estas características. Ademais, alguns trabalhos apontam que ocorre uma redução da taxa metabólica basal com o envelhecimento, que é ainda mais acelerada nas idades mais avançadas. Enquanto altas taxas metabólicas estão diretamente associadas à mortalidade, seu alentecimento, em contrapartida, é observado nos organismos com maior longevidade (Ruggiero et al., 2008; Arking, 2008; Cunha, 2011; McDonald, 2014). Sabe-se que a taxa metabólica basal é algo muito individual. Apesar de apresentar métrica ordinal média para determinada espécie, os fatores associados à sua elevação ou diminuição são inúmeros. Duas teorias dentro das teorias metabólicas tentam explicar o fenômeno metabólico.A primeira, teoria da taxa de vida, afirma que a longevidade seria inversamente proporcional à taxa metabólica. A segunda, teoria de dano mitocondrial, explicita que danos oriundos das espécies tóxicas de oxigênio sobre a mitocôndria promoveriam um declínio das funções celulares durante o envelhecimento. As mitocôndrias são organelas intracitoplasmáticas, autorreplicantes, com um DNA próprio (mtDNA) e responsáveis pelo transporte de elétrons na cadeia oxidativa. Estima-se que, de todo o oxigênio consumido, 4% é convertido em subprodutos de peroxidação. Um possível dano no mtDNA é 10 vezes maior que o dano no DNA 6 celular, dada sua proximidade ao processo de produção de energia. Enquanto envelhecemos, esses danos específicos parecem acumular-se exponencialmente na mitocôndria, causando mutações somáticas em mtDNA de humanos. Esta expressão é mais comumente observada em células diferenciadas que apresentam uma baixa taxa de turnover em comparação a células diferenciadas que se dividem rapidamente. As mitocôndrias com mtDNAs mutagênicos e defeituosos apresentariam menores danos causados pelos subprodutos do oxigênio quando comparadas a mitocôndrias normais. Sem essa ação, sua chance de sobrevivência seria maior que a de uma célula normal. Entretanto, o organismo necessita do oxigênio para produção de energia. Se este dano mitocondrial ocorrer em uma célula não divisível, ela rapidamente destruirá toda capacidade respiratória desta célula. Uma vez que ocorra mutação em mtDNA, outros mtDNAs funcionais serão ativados e, com isso, haverá uma sobrecarga de outras mitocôndrias, propiciando ainda maior produção de radicais livres com evidente incremento do metabolismo energético basal. Esta hipótese é a sobrevivência do mais lento, que ainda não foi comprovada em organismos multicelulares. Porém, seu constructo apresenta razoável plausibilidade lógica. Há um número imenso de publicações a favor e outras, de igual número, contradizendo tal hipótese. Como se pode observar e reforçando a discussão do início do capítulo, as teorias se misturam, e nosso conhecimento a respeito desta intrincada questão ainda é incipiente (McDonald, 2014; Arking, 2008; Panno, 2005). Teorias genéticas As teorias genéticas afirmam que modificações na expressão gênica seriam responsáveis pelas alterações observadas nas células senescentes. Nas últimas décadas, achados contundentes mostraram que nossos genes têm um papel crucial no tempo que uma célula poderá viver (Panno, 2005). O papel da Biogerontologia é tentar compreender como esses genes interagem com os fenômenos ambientais, emocionais e alimentares, bem com o estilo de vida, determinando aumento ou diminuição da velocidade do envelhecimento celular. O avanço no conhecimento dos fatores genéticos e sua associação com envelhecimento são, em grande parte, oriundos de estudos com Caenorhabditis elegans, Drosophila e roedores. A mutação em alguns genes de C. elegans – age-1, daf-2, daf-16 – trouxeram aumento da longevidade de 65 a 110% para esta espécie. As proteínas codificadas por estes genes estão envolvidas diretamente na regulação do uso energético e na proteção celular contra espécies tóxicas de oxigênio e outros elementos estressantes. A análise genética concluiu que alguns desses alelos mutagênicos promovem uma regulação da SOD e desencadeiam uma grande proteção antioxidante. Alterações no gene daf-2 trouxeram para estes animais uma longevidade 3 vezes maior que em animais sem essa modificação. Da mesma forma, mutações no age-1 estão diretamente associadas a uma menor taxa de acúmulo de deleções de mtDNA, reforçando o constructo de outras teorias. Estes mesmos genes estão associados à codificação de proteínas associadas à sinalização de insulina no metabolismo de animal. A inibição desta cascata trouxe uma expansão da expectativa de vida do mesmo e permitiu sua sobrevida quando submetido a dietas restritas (Abdulla, 2012; McDonald, 2014). Estes achados promovem grandes expectativas quando analisados dessa forma. Entretanto, o fenômeno da longevidade prolongada é muito mais complexo. Do ponto de vista genético, é estimado que este pequeno número de genes que são experimentalmente testados fique muito aquém das centenas e milhares de loci possíveis para a longevidade. Segundo McAdams e Shapiro (1995), estamos lidando com redes genéticas – conjunto de genes e rotas de sinais unidos dentro de um circuito gênico que é análogo a um circuito elétrico de realimentação. Isso é extremamente válido para a espécie humana. Cálculos baseados em fatores hereditários apontam que apenas 15 a 20% da variação de nossa expectativa de vida pode ser atribuída a fatores genéticos (Miller, 2009). Alternativas como o mapeamento de todo o genoma de populações longevas e a análise dos milhares de variações genéticas estão começando a produzir dados, em especial o reconhecimento de alelos que supostamente estariam associados à determinação do envelhecimento (McDonald, 2014). Cunha (2011), a partir dos modelos propostos por Arking (2008), sintetiza o foco da abordagem da teoria genética em três mecanismos básicos: defesa antioxidante, sistemas de controle da síntese proteica e mudanças na expressão gênica induzidas pela restrição calórica. Os dois primeiros somam-se às teorias previamente apresentadas, sendo que, neste contexto genético, os sinalizadores efetivos para os mecanismos de controle, os genes, sofreriam alterações ao longo do tempo, reduzindo os mecanismos protetores (antioxidantes). Essas modificações trariam também alterações dos segmentos genéticos responsáveis pela transcrição gênica, transformando a eucromatina em heterocromatina e causando compactação da estrutura genética e comprometimento de suas funções. A restrição calórica é um método interessante de retardar a taxa de envelhecimento e aumentar a longevidade, particularmente em mamíferos. Hipoteticamente, ela alteraria os padrões de atividades gênicas ao mesmo tempo que prolonga o tempo de vida, ensejando uma ideia de relação causal direta entre os dois eventos (Arking, 2008). É definida como redução da ingestão calórica abaixo do ad libitum, sem desnutrição. Níveis de proteína, mRNA e taxa de transcrição nuclear são significativamente acentuados nos animais sob restrição em comparação com animais de controle com idades similares. Entretanto, na espécie humana, ainda não é claro como e de que forma a restrição calórica poderia aumentar a expectativa de vida. Dada nossa complexidade biológica e existencial, os fatores que influenciam esta determinação são muito amplos. Estudos como Biosfera II (Fontana et al., 2004), Caloric Restriction Society 7 (Fontana et al., 2006) e CALERIE (Racette et al., 2006) apresentam resultados interessantes como redução de fatores de risco cardiometabólico (perfil lipídico, pressão sanguínea) e índice de massa corporal (IMC); entretanto, demostram também uma redução representativa da massa mineral óssea (Genaro et al., 2009). Experimentos com animais apresentam a restrição calórica diretamente associada a uma menor incidência de condições comumente relacionadas com a idade, como câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. Apesar de seu mecanismo biológico ainda não ser conhecido, existem duas principais hipóteses ligadas à restrição calórica: a primeira associa o aumento da longevidade à redução de gordura e, consequentemente, à redução da sinalização da via da insulina; a segunda baseia-se na hipótese de menor dano oxidativo, tanto nas células, em sua estrutura genética, quanto em suas organelas citoplasmáticas (Genaro et al., 2009). A redução de glicose oriunda da dieta promove um menor estímulo das células betapancreáticas e, consequentemente, redução do tecido adiposo. Além de estocar energia, algumas células do tecido adiposo exercem funções endócrinas como a produção de fator de necrose tumoral (TNF), resistina, adiponectina e leptina. A reduçãodessas substâncias, por sua vez, aumentaria a sensibilidade periférica à insulina, resultando em mudanças cardiometabólicas responsáveis pelo aumento da expectativa de vida (Bjorntorp, 1991). Quanto às espécies tóxicas de oxigênio, uma das hipóteses é que ocorreria uma redução da produção de um fator pró-inflamatório denominado NF-B, que é responsável pela transcrição de proteínas pró-inflamatórias como as interleucinas e o TNF. Esses fatores, juntamente com a melhora do sistema de reparação de DNA, estão entre as questões a serem estudadas (Cunha, 2011; Arking, 2008; Mcdonald, 2014). Uma das teorias genéticas amplamente estudadas é a teoria dos telômeros – complexos de DNAproteína identificados nas extremidades cromossômicas. É observado que o tamanho dos telômeros é cada vez menor ao longo das replicações celulares e, quando chegam a um tamanho mínimo, a proliferação celular é interrompida. Esta análise formulou a hipótese de que a estrutura funcionaria como um determinante da replicação celular, um relógio genético responsável pela senescência. Com a descoberta da enzima responsável pela catalisação da formação de DNA telomérico, a telomerase, acreditou-se que esta enzima poderia modular o relógio telomérico (de Lange, 1998). Em culturas de células de C. elegans, o uso da telomerase consegue prevenir as células humanas de envelhecer e ainda demostra que, em animais com longa estrutura telomérica, há longevidade acentuada (Joeng et al., 2004). O real papel destes elementos em seres humanos ainda necessita de maiores estudos e está, também no cerne da moderna biogerontologia (McDonald, 2014). Teorias neuroendócrinas e imunológicas O postulado das teorias neuroendrócrinas é que o envelhecimento seria decorrente de alterações ocorridas nas funções neurais e endócrinas, notadamente no sistema hipotálamo-hipófise-adrenal. Este sistema alterado limitaria a integração das funções orgânicas específicas, levando à degradação das funções homeostáticas. A hipótese de alguns autores é que o envelhecimento seria o resultado da redução da habilidade adaptativa do organismo ao estresse por uma queda da resposta simpática. Seja pela diminuição dos receptores de catecolaminas, pelo declínio de proteínas responsáveis pela resistência ao estresse (heat shock proteins) ou mesmo pela diminuição da habilidade das catecolaminas como indutoras de formação proteica, traduziriam-se, com o envelhecimento, em mecanismos de contrarresposta inadequada do eixo central e periférico, apresentando inúmeras limitações nos feedbacks e causando, com isso, a senescência. Os fenômenos inflamatórios crônicos tão observados no envelhecimento tendem a aumentar algumas substâncias como o cortisol, que contribuem diretamente para resistência à insulina e suas nefastas complicações. Em contrapartida, estudos realizados em indivíduos muito idosos – acima de 100 anos – denotam que eles apresentam níveis elevados de hormônio adrenocorticotrófico e mesmo de cortisol. Em teoria, é presumível que esta observação seria um indicador potencial da ativação do eixo neuroendócrino frente aos fenômenos inflamatórios sistêmicos que ocorrem com a idade (Cunha, 2011; McDonald, 2014). Teixeira e Guariento (2010), analisando os trabalhos de Weinert e Timiras (2003), observam que a interação entre os sistemas neuroendócrino e imunológico é muito próxima. Talvez o imunológico, na espécie humana, seja um dos sistemas mais complexos e que se coaduna com quase todas as teorias biológicas do envelhecimento. Desde o componente genético até as expressões ambientais, o sistema imune tem um dos mais largos alcances no envelhecimento. Sua relação com o sistema neuroendócrino é de mutualidade cooperativa. A comunicação entre esses sistemas é realizada através de neuropeptídios e citocinas (interleucina 1 [IL-1], interleucina 6 [IL-6]); hormônios hipofisários como prolactina, adrenocorticotrofina e hormônio do crescimento, que controlam funções; e elementos imunes como IL-1 atuando como ativadores da liberação hormonal (Panno, 2005; McDonald, 2014). Epigenética A epigenética é conceituada como um conjunto de modificações no genoma que são herdadas pelas gerações subsequentes, mas que não alteraram a sequência do DNA. De forma bastante interessante a ciência tem apresentado que variações não genéticas (ou epigenéticas) apresentadas por determinado organismo ao longo de sua vida podem ser passadas aos seus descendentes. Hábitos de vida e até mesmo o ambiente social podem modificar o funcionamento celular. Esses efeitos são secundários a determinadas modificações pós-transcricionais do DNA (Arking, 2008). 8 As histonas são proteínas nucleares capazes de “empacotar” o DNA para que ele caiba no núcleo da célula e se agrupe como um “carretel”. De forma bastante didática, Fantappie (2013) faz a seguinte analogia: o DNA (linha do carretel) é composto por genes, que precisam ser expressos para que sejam decodificadas suas sequências na formação de proteínas e outros elementos moleculares. As histonas (elementos proteicos) têm o papel de agrupar este DNA (carretel). Quando há necessidade de expressão de tais segmentos genéticos por estímulos hormonais, ambientais ou físicos (epigenéticos), ocorre o remodelamento dos cromossomos, ou cromatina. Esse constante remodelamento ocorre tanto no “carretel” quanto na “linha” (McDonald, 2014). Reações químicas como metilação, acetilação, ubiquitilação ou fosforilação ocorrem nestas estruturas, promovendo inibição ou ativação da codificação gênica com inúmeras implicações para o funcionamento celular. Estudos apontam que a análise dos padrões de metilação e modificações de histonas globais de segmentos específicos do genoma humano em gêmeos monozigóticos sofrem influência do ambiente não compartilhado, ou seja, apesar de terem o mesmo código genético, expressões fenotípicas diferentes são observadas de acordo com estímulos ambientais diversos. Ambientes intrauterinos anormais estão diretamente associados à regulação epigenética negativa, em especial de constituintes de DNA responsáveis pela expressão das funções das células betapancreáticas e pela produção de insulina, causando, com isso, metilação no DNA dos filhos (Cunha, 2011). Experiências com camundongos amarelos, que apresentam hipometilação do gene agouti e têm alto risco de obesidade, câncer, diabetes e reduzida longevidade, mostraram que eles, após sua alimentação com suplementos dietéticos ricos em metil durante a gestação, passaram à sua prole um baixo risco das mesmas condições e, ainda, maior longevidade (Cooney et al., 2002). Muito ainda há que se discutir sobre o tema. Compreender como o ambiente molda nossos genes e vice-versa são questionamentos importantes a serem realizados. Maturana e Varella (2011) propõem que a todo instante o ser humano é influenciado e modificado pelas experiências vividas. Na visão de Brunet e Berger (2014), o potencial das modificações epigenéticas estão na agenda principal de pesquisa para compreensão da trajetória das doenças associadas ao envelhecimento e à senescência em si. De modo geral, há uma concordância de que os fatores que causam um suposto silenciamento genético sejam preferíveis à uma ativação genética desenfreada como observada em alguns tipos de câncer (Cunha, 2011). Apoptose N o final da década de 1990, pesquisadores investigavam o desenvolvimento do C. elegans e, na observação desse organismo foram identificadas células que morriam em momentos bem demarcados ao longo de seu curso de vida. Mais especificamente, 131 células feneciam de forma planejada, trazendo para o mesmo benefícios biológicos (Horvitz, 1999). Tais constatações, pelas observações atuais, beneficiam não somente tal nematódeo, mas também outras espécies. A apoptose, ou morte celular programada, desempenha um papel essencial no remodelamento celular e na manutenção da vida, sendo considerada um componente vital de váriosprocessos orgânicos, como: desenvolvimento e funcionamento do sistema imune, desenvolvimento embrionário, turnover celular, entre outros. A apoptose ocorre normalmente durante o desenvolvimento dos organismos, assim como na manutenção da homeostase de tecidos e células (Elmore, 2007). Diferentemente do processo de necrose, sem envolvimento de gasto de energia, a apoptose envolve uma cascata de eventos moleculares bastante complexos caracterizada por alterações bioquímicas e morfológicas, como condensação e fragmentação nuclear, perda das moléculas de adesão da membrana ou mesmo da matriz extracelular (Nishida et al., 2008). De acordo com Arking (2008), todas as células de organismos multicelulares carregam dentro de si condições necessárias para causar a própria destruição. Entretanto, isso somente se dá a partir de sinais fisiológicos e desenvolvimentos específicos que são extremamente plurais, atuando diretamente sobre um alvo, o gene, que, por sua vez, ativa o programa de apoptose celular. Apesar de serem reconhecidas duas rotas principais que explicam o mecanismo de apoptose – extrínseca e intrínseca –, é cada vez maior o corpo de evidências que apresentam a sobreposição de ambas e mecanismos que associam citotoxicidade mediada por células T (Elmore, 2007). A partir das observações de Renehan et al. (2001), é constatado que, para um ser humano adulto, cerca de 10 bilhões de células são concebidas diariamente apenas para reposição daquelas que sofreram apoptose para manutenção da homeostase. Apesar de a apoptose desempenhar um papel reconhecido no envelhecimento, excluindo células nocivas, modulando potenciais células tumorais ou mesmo executando aquelas com morfologia alterada pelo papel do tempo, sua relação com o envelhecimento humano é ainda pouco clara. A taxa de apoptose é alta em células senescentes do cérebro e dos sistemas cardiovascular, gastrintestinal, endócrino e imune (Higami e Shimokaia, 2000). Genes como p53 e da família caspase (Casp3, Casp8, Casp9) diminuem a expressão de apoptose com o envelhecimento. Gupta (2005) observa que mudanças na sinalização da apoptose têm consequências diretas no envelhecimento. Se existir uma grande ativação da cascata de apoptose, há como consequência uma degeneração do tecido; pouca apoptose permite a permanência de células disfuncionais que podem contribuir para o envelhecimento ou mesmo doenças degenerativas e câncer. Entretanto, análises de fibroblastos humanos demostraram maior resistência de células longevas a insultos apoptóticos (Lu et al., 2012). Camundongos com mutação no gene que codifica a proteína p66 shc apresentam uma extensão de vida de quase 30%. A ausência dessa proteína está 9 diretamente relacionada com uma resistência aumentada à apoptose que se segue ao estresse oxidativo. Apesar dessa observação, seu mecanismo intrínseco é ainda pouco compreendido, e assertivas sobre esta vinculação são ainda difíceis de realizar (Cunha, 2011; McDonald, 2014). 4. Explicar a semiologia do idoso e a avaliação geriátrica ampla (comunicação) A avaliação gerontológica multidimensional pode ser definida como um processo diagnóstico multidimensional, frequentemente interdisciplinar, planejado para abordagem de problemas médicos, psicossociais e funcionais da pessoa idosa, com objetivo de desenvolver um plano amplo de tratamento e acompanhamento a longo prazo. Acrescente-se que hoje é opinião consensual que a avaliação deverá ser multidimensional, visando, prioritariamente, à capacidade funcional, que tem sido ultimamente a chave. Princípios básicos: • A idade cronológica guarda pouca relação com as condições clínicas e com o prognóstico do paciente • Quanto maior a idade, maior o risco de fragilidade e incapacidade. Contudo isso varia de acordo com o estilo de vida do paciente • Retirar qualquer tipo de preconceito que se possa ter antes de iniciar a avaliação com o idoso (poliqueixosos, pessimistas, ranzinzas, pouco comunicativos etc.). Pensamentos que geralmente são consequência de uma doença base, orgânica ou psíquica, e não do envelhecimento. • Relevar a importância dos menores sintomas que o idoso possa sentir, haja vista que, na maioria das vezes este ignora alguns sintomas ao relacioná-lo com o envelhecimento. • Envelhecer não é tornar-se criança novamente. Não se deve infantilizar o idoso (prejudica a comunicação). Lembrar-se de respeitar o idoso e sua independência. • Deve-se entender que o processo de envelhecimento (perda progressiva da reserva funcional) pode torná-lo mais propenso a doenças crônicas. • Normalmente os sintomas são manifestações de múltiplas doenças atuando em conjunto. • Ao apresentar o plano terapêutico, o médico deve incluir um familiar ou cuidador, respeitando a vontade do paciente quanto ao tratamento. Assim, o pré-requisito mais importante para o bom atendimento aos idosos é acreditar que mesmo o mais longevo e frágil deles poderá beneficiar-se com as habilidades de um médico bem-preparado, desde que se estabeleça como objetivo principal a melhora da qualidade de vida e a recuperação da independência. A relação médico-paciente é de suma importância para o cuidado do paciente idoso, prestando importância a todos os aspectos que confortem o paciente, como (barreiras de linguagem, conforto do ambiente, considerar deficiência auditiva em alguns idosos, falar em tons graves, falar diretamente com o paciente, evitar distratores). Ademais, outro mecanismo que ajuda na consulta do paciente idoso é a visita domiciliar que auxilia principalmente pacientes acamados ou que possuem alguma dificuldade ao marchar, além de verificar o andamento do tratamento. Há também aspectos importantes na anamnese que se deve prestar atenção como: • A entrevista possui um caráter terapêutico por si só; • Avaliar problemas que podem dificultar a anamnese do paciente como pacientes que informam pouco sobre a doença; apresentação atípica da doença; apresentação inespecífica das doenças agudas; barreiras comunicacionais; história extensa e queixas mal caracterizadas; • Ao recolher a história do paciente deve-se assegurar da sua credibilidade (problemas de memória e cognição); • Lembrar que a diminuição da memória e alterações cognitivas podem não estar associada ao envelhecimento; • Observar no paciente se há distúrbios de comportamento e deambulação compulsiva; • Observar possíveis riscos de quedas (tontura, alteração de marcha, perdas sensoriais) • Considerar possibilidade de perda auditiva no paciente (presbiacusia) • Verificar o peso (andamento = ganho ou diminuição) e aspectos relacionados (dentição, problemas intestinais etc.) • Saber que o idoso sofre modificações do sono sendo comum as queixas de insônia e sonolência, lembrando que a duração do sono não diminui, mas o padrão se altera (vários despertares, inversão do dia e noite); • Considerar a fragilidade de que esses pacientes adquiram ansiedade ou depressão por diversos fatores (perda, solidão, incontinência urinária/fecal, isolamento social); • Respeitar o idoso como uma pessoa sexuada (podendo ter uma vida sexual ativa), mesmo que haja uma diminuição da mesma (depressão, perda da libido etc.); • Avaliar e analisar os antecedentes e hábitos de vida; No exame físico deve-se ter em mente os seguintes aspectos: • Postura e marcha • Fáscie • Peso e altura • Hidratação e pele • Pressão arterial (Sistólica elevada) 10 • Exame de cabeça e pescoço (alterações ósseas como a da doença de Paget) (avaliar a tireoide e linfonodos) • Examinar as mamas nas mulheres • Próstata nos homens • Lembrar que idosos são mais propensos a ter modificações na ausculta das bulhas, miocardiopatias e arritmias • No abdome pesquisar dilatações, estenose, toque retal, analisar a bexiga • Exame das extremidades verifica-se doenças osteoarticulares, deformidades ósseas, nódulos, pulsoe edemas • Exame neurológico avalia-se independente da queixa do paciente, verificando a função mental, nervos cranianos, movimentação ocular, irritação meníngea, reflexos. Ainda na semiologia do idoso existe a avaliação geriátrica ampla (AGA) que é utilizada para determinar as deficiências, incapacidades e desvantagens apresentadas pelos pacientes idosos, visando o planejamento do cuidado e seu seguimento. Seus objetivos são melhorar a acurácia diagnóstica, verificar a capacidade funcional do paciente, orientar e auxiliar a conduta terapêutica. Ela tem como vantagens: • Diminuição da mortalidade e incapacidade funcional; • Diminuição da hospitalização e do consumo de medicamentos • Diminuição da institucionalização e maior utilização de recursos comunitários • Redução dos acidentes envolvendo idosos Entretanto, deve-se considerar que a AGA sofre influência da escolarização do paciente, uma vez que, utiliza de questionários para a sua realização. Sendo ela utilizada em idosos que apresentam idade superior a 80 anos; vivam sozinhos; tem deficiência cognitiva; sofrem quedas frequentes; tem incontinência; sofreram perdas recentes. Ademais, dentro da AGA é realizado um miniexame do estado mental (MEEM) que avalia os seguintes pontos: • Orientação temporal (dia/mês/ano) • Orientação espacial (local/cidade/estado) • Memória imediata • Atenção e cálculo • Memória de evocação • Linguagem (fluência verbal) Ainda dentro destes testes são realizadas várias outras escalas que auxiliam esse processo. 5. Conhecer as principais políticas públicas relacionadas ao idoso e ao envelhecimento saudável Atenção Primária à saúde amiga do idoso: Com o objetivo de buscar respostas às necessidades de sensibilizar e capacitar equipes de saúde e os diferentes níveis de atenção do próprio sistema de saúde, frente ao desafio que requer prestar serviços, atenção e cuidado a uma população crescente de adultos mais velhos. Plano de ação sobre a saúde dos idosos e envelhecimento ativo e saudável (OPAS): Se compromissou com a saúde da população idosa da América Latina e Caribe recomendando a manutenção da funcionalidade dos idosos como objeto dos programas de saúde, especialmente dirigidos a esse grupo, priorizando a formação dos profissionais e a necessidade da combinação de subsídios econômicos, alimentação e intervenções de saúde para alcançar melhores resultados das políticas. No Brasil, os marcos das políticas de direitos à pessoa idosa foram: a Política Nacional do Idoso – Lei n o 8.842/1994, que prevê a garantia dos direitos sociais à pessoa idosa – e o Estatuto do Idoso – Lei n o 10.741/2003, em especial no que concerne ao Capítulo IV – Do Direito à Saúde. No âmbito da saúde a atual política nacional de saúde da pessoa idosa foi definida pela Portaria n.o 2.528/2006 e traz como importante paradigma a capacidade funcional. Importante considerar ainda o plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil (2011- 2022), em especial no que se refere à estratégia 12, eixo II, promoção da saúde e o Decreto n o 8.114/2013, que estabelece o compromisso nacional para o envelhecimento ativo. São diretrizes da política nacional de saúde da pessoa idosa (Brasil, 2006): • promoção do envelhecimento ativo e saudável; • manutenção e recuperação da capacidade funcional; • atenção integral, integrada à saúde da pessoa idosa; • estímulo às ações intersetoriais, visando à integralidade da atenção; implantação de serviços de atenção domiciliar; • acolhimento preferencial em unidades de saúde, respeitado o critério de risco; • provimento de recursos capazes de assegurar qualidade da atenção à saúde da pessoa idosa; • estímulo à participação e ao fortalecimento do controle social; • formação e educação permanente dos profissionais de saúde do SUS na área de saúde da pessoa idosa; • divulgação e informação sobre a política nacional de saúde da pessoa idosa para profissionais de saúde, gestores e usuários; 11 • promoção de cooperação nacional e internacional das experiências na atenção à saúde da pessoa idosa; • apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas.