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1 Camila Carneiro Leão Cavalcanti 2022.1 Retinopatia hipertensiva A retina humana é a estrutura que dá início ao processamento da informação visual antes que ela seja transmitida através do nervo óptico para o córtex visual. FISIOLOGIA DA RETINA: o olho funciona como um instrumento óptico, receptor complexo e transdutor eficaz. Os CONES e BASTONETES (fotorreceptores) encontram-se RETINA dispostos com uma maior densidade de bastonetes na periferia e cones no centro. A maior densidade central de CONES forma a MÁCULA/FÓVEA, local responsável pela BOA ACUIDADE VISUAL e VISÃO EM CORES – que, consequentemente, precisam de uma alta intensidade de luz ambiente (FOTÓPICA). Já a periferia retiniana é responsável pela VISÃO NOTURNA, MOVIMENTAÇÃO e CONTRASTE (P&B) a partir dos BASTONETES. As principais doenças que afetam a retina são: RETININTES RETINOPATIA DIABÉTICA RETINOPATIA HIPERTENSIVA DEGENERAÇÃO MACULAR RELACIONADA À IDADE RETINOPATIA HIPERTENSIVA A RETINOPATIA HIPERTENSIVA (HS) representa os ACHADOS OFTALMOLÓGICOS secundários à HAS – que causa alterações na VASCULARIZAÇÃO DA COROIDE, RETINA e PAPILA ÓPTICA, a depender da rapidez de instalação, duração da hipertensão e idade do paciente. Alterações oculares na hipertensão maligna (*aguda, súbita) podem ser mais notáveis, com edema de papila, áreas de infarto na coroide e retinopatia. As alterações da hipertensão crônica são mais sutis, afetando principalmente a vasculatura da retina. As alterações podem ser observadas tanto na oftalmoscopia quanto na angiografia. Como a hipertensão é tão prevalente, a retinopatia hipertensiva acaba sendo encontrada por todos os oftalmologistas e profissionais de saúde. Apenas a HIPERTENSÃO ESSENCIAL (PRIMÁRIA) e a HIPERTENSÃO MALIGNA são relevantes na discussão da RH. HIPERTENSÃO ARTERIAL: etiologia desconhecida. → PA > 140 mmHg (sistólica) E/OU > 90 mmHg (diastólica) HIPERTENSÃO MALIGNA: doença rara; afeta 1% da população hipertensa. → PA ≥ 200 mmHg (sistólica) E ≥ 130 mmHg (diastólica) → Quando PERSISTENTEMENTE ELEVADA, leva a um curso FATAL – insuficiência cardíaca, IAM, AVC ou insuficiência renal EPIDEMIOLOGIA Prevalência de 29% nos adultos Frequentemente ASSOCIADA OUTRAS RETINOPATIAS, como a DIABÉTICA e OCLUSÃO VENOSA → SEMPRE INVESTIGAR CASO SUSPEITA/DIAGNÓSTICO Doença comum em países industrializados (EUA – 60% em > 60 anos) Presente em medidas da PA ≥ 140 mmHg (sistólica) ou 90 mmHg (diastólica), logo, pode-se ter uma ideia de como está a HAS do paciente a partir da sua retina Maior prevalência na RAÇA NEGRA Incidência de retinopatia hipertensiva 15% - é variável; pode ser mascarada pela presença de 2 Camila Carneiro Leão Cavalcanti 2022.1 outras doenças vasculares de retina, a exemplo da retinopatia diabética O DIAGNÓSTICO É CLÍNICO ⇢ EXAME DE FUNDO DE OLHO As principais alterações oculares ocorrem na RETINA, mas também podem acometer a MUSCULATURA OCULAR EXTRÍNSECA, NERVO ÓPTICO e COROIDE A 1ª RESPOSTA é o ESTREITAMENTO ARTERIOLAR, que inicia o processo fisiopatológico da RH Mais frequente no JOVEM FISIOPATOLOGIA → A RESPOSTA PRIMÁRIA DAS ARTERÍOLAS DA RETINA à HAS é a VASOCONSTRIÇÃO → Entretanto, a intensidade do estreitamento depende da QUANTIDADE DE FIBROSE DE SUBSTITUIÇÃO existente (ESCLEROSE INVOLUCIONAL) – por isso depende da rapidez de instalação da vasoconstrição, idade do paciente e tempo que ele convive com a HAS → Por isso, o estreitamento por hipertensão só é visto em sua forma pura em indivíduos JOVENS → Nos pacientes mais velhos, a rigidez das arteríolas por causa da esclerose involucional evita o mesmo grau de estreitamento visto nos mais jovens → Na HIPERTENSÃO MANTIDA (ESSENCIAL), ocorre a RUPTURA DA BARREIA HEMATO-RETINIANA em pequenas áreas, com consequente aumento da permeabilidade vascular MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A aparência do fundo de olho na RH é determinada pelo GRAU DE ELEVAÇÃO DA PA e pelo ESTADO PRÉVIO DAS ARTÉRIOLAS RETINIANAS. Logo, depende de: → Elasticidade e resistência dos vasos, geralmente relacionadas à faixa etária → Gravidade da HAS, independente do tempo de diagnóstico → Duração da HAS, porque os danos vasculares são proporcionais ao tempo de hipertensão Na HAS leve a moderada, os sinais retinianos podem ser sutis. A retinopatia grave pode ser observada na doença renal crônica avançada, pacientes com feocromocitoma e pré- eclâmpsia/eclampsia. TODOS ESSES PACIENTES DEVEM SER SUBMETIDOS A UM EXAME CLÍNICO COMPLETO PARA IDENTIFICAR A NATUREZA DA HIPERTENSÃO. VASOCONSTRICÇÃO → Estreitamento arteriolar focal e generalizado EXTRAVASAMENTO → Hemorragia em “chama de vela”, edema difuso e exsudatos duros ARTERIOSCLEROSE → Cruzamentos arteriovenosos patológicos – INDICA CRONICIDADE EXSUDATOS ALGODONOSOS → Por causa da VASOCONSTRIÇÃO HEMORRAGIA EM “CHAMA DE VELA” → EXTRAVASAMENTO EDEMA DE PAPILA → EXTRAVASAMENTO ESTRELA MACULAR (*EXSUDATOS DUROS) → EXTRAVASAMENTO CRUZAMENTO ARTERIOVENOSOS PATOLÓGICOS → ARTERIOESCLEROSE SINAIS DE CRONICIDADE DA HAS Alterações na parede dos vasos: 3 Camila Carneiro Leão Cavalcanti 2022.1 → ESPESSAMENTO → ARTERÍOLA FIO DE COBRE, CRUZAMENTO AVP *Fio de cobre – Constrição de vaso coberto de gordura, que vai “endurecendo” e dando o aspecto “fio de cobre” → DEGENERAÇÃO HIALINA → ARTERÍOLA FIO DE PRATA MANIFESTAÇÕES DA RETINOPATIA HIPERTENSIVA CRÔNICA Geralmente ASSINTOMÁTICOS NA FUNDOSCOPIA: ACHADOS ARTERIOLARES → Estreitamento, tortuosidade e aumento do reflexo luminoso arteriolar Figura 1 Diminuição difusa do calibre arteriolar e cruzamentos arteriovenosos patológicos (SETAS) ATENÇÃO! O estreitamento ou constrição arteriolar difusa, que ocorre por causa do vasoespasmo e do aumento do tônus vascular, é a característica mais marcante e precoce da RH crônica, embora possa ocorrer uma resposta vasoespástica à hipertensão aguda. A redução no calibre vascular leva à diminuição da razão entre o calibre arteriolar e o venular, que normalmente é de 2:3. O CRUZAMENTO ARTERIOVENOSO (AV) é a MARCA REGISTRADA da RETINOPATIA HIPERTENSIVA – acontece nos locais em que a ARTERÍOLA CRUZA E COMPRIME A VÊNULA. Se o fluxo sanguíneo venoso for interrompido pela compressão arteriolar, a veia distal a este ponto se torna dilatada e tortuosa. Figura 2 Cruzamentos arteriovenosos patológicos da RH SINAIS DE ESTASE VENOSA → Veia dilatada e tortuosa, hemorragias retinianas, edema macular e manchas algodonosas (+ surgimento de colaterais compensar a redução do fluxo o fluxo) As colaterais venosas estão presentes após a resolução espontânea da obstrução venosa e representam desvio de sangue através da rafe horizontal. POSSÍVEIS COMPLICAÇÕES: DOENÇA OCLUSIVA VENOSA e MACROANEURISMAS. MANIFESTAÇÕES DA RETINOPATIA HIPERTENSIVA MALIGNA Inclui: Cefaleia Escotomas Diplopia Diminuição da acuidade visual Fotopsias (*acontece quando o humor vítreo comprime a retina e ativa os fotorreceptores, gerando os “flashes” de luz relatados pelos pacientes) 4 Camila Carneiro Leão Cavalcanti 2022.1 NA FUNDOSCOPIA: os achados são divididos em três categorias. 1) RETINOPATIA HIPERTENSIVA → Devido à obstrução das arteríolas da retina − Manchas algodonosas próximas ao nervo óptico − Exsudatos lipídicos na mácula − Hemorragias da camada de fibras nervosas próximo à papila → “HEMORRAGIA EM CHAMA DE VELA” Figura 3 RH grave - hemorragia em chama de vela, exsudatos algodonosos e estrela macular 2) COROIDOPATIA HIPERTENSIVA → Causa infarto e danos às células do EPR com transudação ocasional de líquido para o espaço sub retiniano em resposta ao aumento da pressão dos vasos coroidais.Isso leva ao aparecimento de: − MANCHAS DE EISCHNIG – por causa da oclusão focal do coriocapilar, ocorre necrose e atrofia do EPR; agudamente, são lesões pontiagudas e branco-bronzeadas que extravasam na fluoresceína e na angio de indocianina verde por causa da queda da barreira hemato- retiniana − Alterações pigmentares com atrofia dão aparência “mosqueada” na oftalmoscopia − Com o tempo, as lesões focais do EPR tornam- se confluentes e mais extensas, formando as LINHAS DE SIEGRIST, configurações lineares de pigmentação ao longo das artérias coroidais − Edema macular e descolamento seroso da retina – pelo acúmulo do líquido sub-retiniano; podem estar limitados à mácula ou podem ser bolhosos com deslocamento do líquido Figura 4 Infartos coroidais - MANCHAS DE ELSCHNIG Figura 5 Linhas de Siegrist 3) NEUROPATIA ÓPTICA HIPERTENSIVA − Edema do disco → Se grave, pode ser acompanhado de uma estrela macular de exsudatos duros (por causa da vasoconstrição das artérias ciliares posteriores, que suprem a cabeça do nervo óptico – resultante da liberação de angiotensina II e outros agentes vasoconstritores) − Pode haver isquemia do nervo óptico, levando à estase do fluxo axoplasmático – forma neuropática óptica isquêmica anterior Figura 6 Edema de disco, exsudato, hemorragia retiniana, dilatação venosa, estreitamento das arteríolas, manchas de Elschnig e linhas de Siegrist EXAME CLÍNICO FUNDOSCOPIA − Oftalmoscopia direta − Biomicroscopia de lâmpada de fenda (LF) MAPEAMENTO DE RETINA − Oftalmoscopia Binocular Indireta 5 Camila Carneiro Leão Cavalcanti 2022.1 ATENÇÃO! TESTE AUXILIAR MAIS IMPORTANTE → AFERIÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL para descartar outras doenças com quadros semelhantes ATENÇÃO! A REDUÇÃO DA ACUIDADE VISUAL na RH é explicada por causa da ATROFIA DO NERVO ÓPTICO (RH crônica) ou HEMORRAGIAS, DESCOLAMENTO DE RETINA ou OCLUSÕES VENOSAS (RH maligna). A ANGIOGRAFIA COM FLUORESCEÍNA pode ser usada, mas não é essencial para o diagnóstico. Na angiografia, as alterações da retina podem incluir não-perfusão capilar, microaneurismas com extravasamentos e bloqueio de hemorragias retinianas, atraso irregular no preenchimento coroidal seguido por extravasamento tardio dos vasos coroidais para o espaço sub-retiniano (quando coroidopatia presente). Em casos de neuropatia óptica isquêmica, observa-se extravasamento de um nervo óptico aumentado, inchado. CLASSIFICAÇÃO KEITH-WAGENER-BARKER CLASSIFICATION OF HYPERTENSIVE RETINOPATHY, 1939 GRAU 1 → LEVE ESTREITAMENTO ARTERIOLAR GENERALIZADO GRAU 2 → CONSTRIÇÃO ARTERIOLAR MAIS SEVERA. Associado a CRUZAMENTOS ARTERIOVENOSOS PATOLÓGICOS (AVP). GRAU 3 → GRAU 2 + HEMORRAGIAS RETINIANAS, EXSUDATOS DUROS E ALGODONOSOS GRAU 4 → GRAU 3 + PAPILEDEMA WONG AND MITCHELL CLASSIFICATION OF HYPERTENSIVE RETINOPATHY, 2004 LEVE → 01 ou mais dos seguintes achados: − Constrição arteriolar generalizada ou focal − Cruzamento arteriovenoso − Opacidade da parede arteriolar MODERADA → 01 ou mais dos seguintes achados: − Hemorragia retiniana − Microaneurismas − Exsudatos algodonosos e duros 6 Camila Carneiro Leão Cavalcanti 2022.1 SEVERA − Retinopatia Moderada + Papiledema TRATAMENTO A RH raramente resulta em perda significativa da visão. O tratamento da causa base pode interromper o progresso da evolução das alterações, mas o estreitamento arteriolar e o cruzamento AV são permanentes. TRATAMENTO CLÍNICO. Deve ser iniciado em ambiente monitorado sob os cuidados de um médico especialista em uso de medicamentos anti- hipertensivos. CONTROLE DA HAS → Redução LENTA e CONTROLADA da PA para minimizar as lesões na retina ATENÇÃO! A redução abrupta da HAS pode reduzir o fluxo sanguíneo necessário manutenção de órgãos vitais e causar dano isquêmico permanente, a exemplo do nervo óptico, cérebro. PACIENTES COM PAPILEDEMA – EMERGÊNCIA CONTROLE CLÍNICO DOS CASOS LEVES E MODERADOS: MAIOR RISCO DE AVC E INFARTO Do ponto de vista sistêmico, o diagnóstico de uma crise hipertensiva maligna representa uma emergência médica. Não tratada, a taxa de mortalidade é de 50% em 2 meses e 90% em 1 ano.