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AULA 3. A Era Axial: a grande transformação religiosa do mundo antigo. 
 Conceitos fundamentais: Era Axial, Transcendentalidade, Renascimento, História universal. 
 
 
 a) Karl Jaspers e a Era Axial 
 
 À noção de Antiguidade corresponde uma de Renascimento. Se os humanistas italianos do 
séc. XV puderam interessar-se pelo passado distante – os historiadores gregos e romanos, como 
supramencionado, só interessavam-se pelo passado mais ou menos imediato – foi por que a distância 
dos antigos era tal que sua arte e instituições pudessem ser dadas como perdidas mas não tanta que 
não reclamassem uma restauração no presente. 
 A perda do caráter exemplar da civilização greco-romana, que no século XX, foi deixando de 
ser uma antiguidade para tornar-se um passado distante, significou, ao mesmo tempo, o fim do 
renascimento. O fim do renascimento significa, por sua vez, o fim do sentido de missão que embalara 
os estudiosos do passado greco-romano desde o século XV. A ideia de Paul Veyne de que o sentido 
último do que fora um dia a história clássica é o mero “inventário das diferenças” entre as sociedades, 
desprovida de qualquer finalidade civilizacional mais alta, é fraco consolo para uma ciência que foi 
o primeiro penhor de autoridade das elites letradas seculares, desde o tempo que estas se afirmaram 
perante autoridade da Igreja. 
 Uma das maneiras de interpretar o significado histórico-cultural da descoberta, no século XX, 
de um novo período da história da humanidade, a chamada Era Axial, é tomá-lo como uma 
compensação pela perda da Antiguidade clássica. De berço da nossa civilização, esta transformou-se, 
graças ao incurso da perspectiva própria das ciências sociais em seu campo de estudos, em uma 
sociedade entre outras, todas igualmente distantes da nossa própria sociedade, só dignas do interesse 
desinteressado dos antiquários. Era preciso que uma outra antiguidade fosse descoberta, que 
encarnasse as aspirações civilizacionais próprias do século XX (cujo horizonte ultrapassou os limites 
da Europa passou a abarcar toda a história mundial), e cujo estudo histórico significasse algo mais 
que o estudo do passado por ele mesmo. Assim foi descoberta a Era Axial. 
 Embora a ideia em si tenha sido aventada aqui e acolá entre historiadores do século XIX, o 
termo e o primeiro desenvolvimento do tema são obra do filósofo existencialista alemão Karl Jaspers, 
que lançou o tema em sua obra Origem e sentido da história, de 1949. A ideia de uma Era Axial 
consiste essencialmente na observação de que a história da humanidade, que se desenrolou por 
centenas de milhares anos conheceu um – relativamente curtíssimo – período de inflexão entre os 
anos 800 a C e 200 d. c durante qual foram gestadas as grandes tradições filosóficas e espirituais que 
terminaram por transformá-la em outra história. 
 Neste intervalo de tempo, foram “contemporâneos” Confúcio, o profeta Isaias, Sidarta 
Gautama, Heráclito, Sócrates, Jesus de Nazaré – com abstração da cronologia – Maomé. Dos 
ensinamentos destes mestres espirituais foram edificadas as grandes civilizações cuja esfera de 
influência cobrem até hoje a maior parte do globo, e tem fornecido, desde então, sentido da vida de 
milhões de seres humanos. Não menos importante, os motivos de todos os movimentos políticos da 
modernidade, que não são que reelaborações das ideias centrais do pensamento desta época. Se algum 
evento houve que mereça dividir a história humana em um antes e um depois, não é o nascimento do 
Cristo, nem a modernidade mas a Era Axial. É o período clássico da civilização humana, o qual 
merece ser restaurado no presente, em um novo renascimento. 
 
 b) A transcendentalidade do divino. 
 
 Sua principal característica é a descoberta da transcendentalidade do divino. Tanto o 
ensinamento moral de Confúcio, a religião de Israel (e seus derivados, o cristianismo e o islã), o 
budismo, a filosofia grega, representam uma crítica da experiência religiosa primitiva centrada no 
mito e no rito. 
 É verdade que o teor da crítica e a linguagem em que são expressas são enormemente 
diferentes. No caso da religião de Israel, a crítica da idolatria presente no livro Isaías, por exemplo, 
está ao lado das prescrições rituais alimentares do Levítico e das narrativas miológicas do livro do 
Gênesis. A lógica interna do cânon deixa entender que não se trata de experiências distintas mas 
complementares do divino. A ideia mais transcendental que o profeta faz de Deus integra-se na 
tradição como uma nova experiência religiosa não como um outro tipo de experiência. 
 O rompimento com as narrativas míticas e com o passado religioso é, por sua vez, formulado 
desde o princípio da história da filosofia. Os fisiólogos jônicos e, depois destes, os sofistas, declaram 
provocativamente, um divórcio entre seu ensinamento e o ensinamento do mito. 
 A descoberta da transcendentalidade do religioso por Sidarta Gautama no século V a C. Ocupa 
uma espécie de meio caminho entre a filosofia grega e a experiência judaica. Como os primeiros, o 
príncipe “iluminado” tornou-se um professor itinerante no interior de uma civilização constituída em 
torno da autoridade do mito e do rito, e não o fundador de uma nova civilização. Como o dos 
segundos, sua mensagem foi transmitida através de um discurso simbólico, não totalmente discernível 
do mito, e não através do discurso demonstrativo e público próprio da filosofia. Desta ambiguidade 
resulta que, do ponto de vista ocidental, o “budismo” ora parece uma religião; ora uma filosofia. 
 Os ensinamentos éticos de Confúcio apresentam talvez o caso mais singular. A doutrina dos 
Analectos procura, por um lado, harmonizar-se com a experiência religiosa arcaica, à diferença da 
tradição grega, hebraica e mesmo indiana. A tal ponto que sua inclusão entre as descobertas espirituais 
da era axial pode parecer contestável. Ele não questiona a validade racional dos mitos e inclui, ao 
lado do estudo das letras, o estudo dos ritos em seu programa pedagógico, o que soaria estranho em 
Platão e em qualquer escola helênica. Por outro, sua humanidade, o caráter exclusivamente cívico de 
suas preocupações e a desconcertante secularidade de sua autoridade – o Mestre não se apresenta 
nunca como um enviado de Deus, e nem mesmo de uma realidade transcendente mas como um 
simples professor e reformador político, como os sofistas atenienses – o coloca sem sombra de dúvida 
como um representante da Era Axial. Talvez mais do que no caso do “budismo”, a categorização do 
“confucionismo” - em ambos os casos, a apensão de um ismo à palavra foi obra de burocratas 
coloniais, e não existia na língua original – como “religião” ou uma “crença” exemplifique o 
provincianismo do humanismo vitoriano, que só enxergava o inquérito racional na tradição helênica. 
 Em que pesem as diferenças de contexto, de linguagem e de consequência histórica, todavia, 
é inegável, vistas as coisas contra o pano de fundo da erudição histórica do século XX, que analogia 
apontada por Jaspers nos anos quarenta se sustenta. Não é mais possível tratar como o mesmo tipo de 
fenômeno a religião de Israel e as religiões mítico-rituais que a precederam e, na verdade, ainda vivas 
como força histórica em lugares como a Índia atual. A distinção entre esta e a filosofia – que, por sua 
vez, deu origem à ciência – é menor do que imaginava o humanismo. O rompimento desta última 
com a experiência religiosa arcaica é muito menos drástico do que parece à primeira vista. O projeto 
dos grandes pensadores gregos como Platão e Aristóteles é antes o de salvar e purificar a sabedoria 
dos mitos que superá-la como no caso dos redatores da Torá (projeto que o Alcorão, quase mil anos 
depois das primeiras revoluções axiais, levará às últimas consequências). 
 Contrapostas uma a outra, a filosofia e a religião de Israel parecem como formas opostas de 
experiência humana, a ciência e a religião; a razão ea fé, a inteligência e a emoção. É difícil evitar 
este contraste quando tudo o que se conhece são as duas. Não por acaso ele foi um constante tema na 
tradição intelectual cristã, que procurou conciliar as duas. Mas é um modo estreito, e falso, de 
enxergar sua relação. Vistas contra o pano de fundo da experiência religiosa arcaica que dominou a 
história da humanidade durante noventa e nove por cento de sua existência – e ainda em comparação 
com outras tradições espirituais só agora melhor conhecidas – não apenas as semelhanças exsurgem 
como sendo realmente aquilo que importa mas a experiência religiosa de Israel aparece como mais 
esclarecida com relação ao religioso arcaico que a experiência filosófica. 
 
 c) Um Renascimento para o Século XX? 
 
 Reiteremos mais uma vez a ideia de que, do ponto de vista historiográfico, a Era axial é uma 
espécie de nova “Antiguidade”, apta, talvez, a servir um novo Renascimento. 
 Como a Antiguidade dos humanistas, a Era axial é um período remoto da história da 
humanidade cujos valores foram – julga-se – perdidos, e precisam, e podem, ser restaurados. Como 
a antiga antiguidade, a nova é mais universal que o presente, uma espécie de Idade Dourada do 
espírito do qual a humanidade teria decaído em uma “Idade Média”. Como a Idade Média dos velhos 
humanistas, a dos novos representa uma ossificação das iluminações espirituais Antiguidade. Estes 
teriam sido traídos quando uma nova elite, formada por eles mas sem conseguir atingir sua altura 
espiritual, converteu-os na ortodoxia de uma nova ordem política. 
 O que diferencia o novo esquema tripartite do velho é abrangência cronológica e geográfica 
da história que ele conta, em acordo com o estágio da pesquisa histórica no século XX. Quem faz as 
vezes de antiguidade não é mais a civilização greco-romana mas o conjunto das civilizações 
universais tais como estas surgiram entre os anos 800 aC – 200 d. C, do qual esta não é que um caso. 
A idade Média não é Cristandade Europeia mas as ordens políticas universais o império chinês, Israel, 
a Umma muçulmana, que à semelhança desta, e com diferentes graus de sucesso, edificaram-se sobre 
princípios universais descobertos pelos filósofos e profetas da Era Axial.

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