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• A azotemia corresponde ao excesso de ureia, creatinina ou outras substâncias nitrogenadas não proteicas no sangue, plasma ou soro. • A uremia refere-se à síndrome tóxica polissistêmica, resultante de perda acentuada nas funções renais. Nos animais, ela ocorre simultaneamente com quantidades elevadas de constituintes urinários no sangue. FISIOPATOLOGIA • A azotemia pode ser causada por: 1) alta produção de substâncias nitrogenadas não proteicas 2) baixa taxa de filtração glomerular ou 3) reabsorção de urina que extravasou do trato urinário para a corrente sanguínea. A produção elevada de substâncias residuais nitrogenadas não proteicas pode se originar do alto consumo de proteínas (dieta ou sangramento gastrintestinal) ou do catabolismo acelerado de proteínas endógenas. A taxa de filtração glomerular pode diminuir pela queda na perfusão renal (azotemia pré-renal), doença renal aguda ou crônica (azotemia renal) ou obstrução urinária (azotemia pós- renal). A reabsorção de urina para a circulação sistêmica pode resultar do extravasamento de urina a partir das vias excretoras (também denominada azotemia pós-renal). • Fisiopatologia da uremia — parcialmente compreendida; pode estar relacionada com: 1) efeitos sistêmicos metabólicos e tóxicos de produtos residuais retidos por falha na função excretora dos rins; 2) desarranjo na regulação renal de líquidos e eletrólitos, bem como no equilíbrio acidobásico e 3) dano à produção e degradação renais de hormônios e outras substâncias (p. ex., eritropoietina e 1,25-diidroxicolecalciferol). SISTEMA(S) ACOMETIDO(S) • A uremia afeta praticamente qualquer sistema orgânico. • Cardiovascular — hipertensão arterial, hipertrofia do ventrículo esquerdo, sopro cardíaco, cardiomegalia, distúrbios do ritmo cardíaco. • Endócrino/metabólico — hiperparatireoidismo secundário renal, produção inadequada de 1,25- diidroxicolecalciferol e eritropoietina, hipergastrinemia, perda de peso. • Gastrintestinal — anorexia, náusea, vômito, diarreia, estomatite urêmica, xerostomia, hálito urêmico, constipação. • Sanguíneo/linfático/imune — anemia e imunodeficiência. • Neuromuscular — embotamento, entorpecimento/sonolência, letargia, fadiga, irritabilidade, tremores, desequilíbrio da marcha, flacidez muscular, mioclonia, mudanças comportamentais, demência, déficits de nervos cranianos isolados, crises convulsivas, estupor, coma, termorregulação comprometida. • Oftálmico — congestão escleral e conjuntival, retinopatia, cegueira de início agudo. • Respiratório — dispneia. • Cutâneo/exócrino — palidez, equimose, aumento na queda natural de pelos, aparência descuidada, perda do brilho normal da pelagem. SINAIS CLÍNICOS A azotemia pode ou não estar associada a anormalidades anamnésicas ou físicas. A menos que o paciente apresente uremia, os achados clínicos limitam-se à doença responsável pela azotemia. Os achados descritos aqui pertencem à uremia. Achados Anamnésicos • Perda de peso. • Diminuição do apetite (hiporexia) ou anorexia. • Nível reduzido de atividade. • Depressão. • Fadiga. • Fraqueza. • Vômito. • Diarreia. • Halitose. • Constipação. • Alterações no volume urinário (aumento ou diminuição). • Pelagem em más condições ou aparência descuidada. Achados do Exame Físico • Emaciação muscular: caquexia. • Depressão mental. • Desidratação. • Fraqueza. • Palidez. • Petéquias e equimoses. • Pelagem opaca e descuidada. • Hálito urêmico. • Estomatite urêmica. • Congestão escleral e conjuntival. • Hipotermia relativa. CAUSAS Azotemia Pré-renal • Queda na perfusão renal, em virtude de hipovolemia ou hipotensão. • Produção acelerada de produtos residuais nitrogenados, em função do catabolismo tecidual acentuado em associação com infecção, febre, traumatismo, excesso de corticosteroides ou queimaduras. • Aumento nos processos de digestão e absorção gastrintestinais de fontes proteicas (dieta ou hemorragia gastrintestinal). Azotemia Renal • Doenças renais agudas ou crônicas (nefropatia primária com acometimento de glomérulos, túbulos renais, interstício renal ou vasculatura renal) que comprometa pelo menos 75% da função renal. Azotemia Pós-renal • Obstrução urinária; ruptura das vias excretoras. FATORES DE RISCO • Condições clínicas — doença renal, hipoadrenocorticismo, baixo débito cardíaco, hipotensão, febre, sepse, poliúria, hepatopatia, piometra, hipoalbuminemia, desidratação, acidose, exposição a substâncias químicas nefrotóxicas, hemorragia gastrintestinal, urolitíase, tampões uretrais em gatos, traumatismo uretral e neoplasia. • A idade avançada pode ser um fator de risco. • Medicamentos — agentes potencialmente nefrotóxicos, AINEs, diuréticos, medicamentos anti- hipertensivos; a falha em ajustar a dosagem de agentes terapêuticos eliminados principalmente pelos rins corresponde ao declínio na função renal. • Toxinas — etilenoglicol, uvas (cães), lírios (gatos). DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL • Desidratação, má perfusão periférica, baixo débito cardíaco, histórico de perda hídrica recente, dieta rica em proteínas ou fezes hipercólicas (alcatroadas) e negras — descartar azotemia pré-renal. • Início recente de alteração no débito urinário (alto ou baixo), sinais clínicos compatíveis com uremia, exposição a possíveis agentes nefrotóxicos ou lesão renal isquêmica ou rins normais ou aumentados de volume — excluir insuficiência renal aguda. • Perda progressiva de peso, poliúria, polidipsia, rins pequenos, palidez e sinais de uremia que se desenvolveram em algumas semanas a meses — descartar insuficiência renal crônica. • Declínio abrupto no débito urinário e início dos sinais de uremia; ocasionalmente, disúria, estrangúria e hematúria; bexiga distendida ou abdome preenchido com líquido — excluir azotemia pós-renal. HEMOGRAMA/BIOQUÍMICA/ URINÁLISE Hemograma completo • Anemia arregenerativa (normocítica, normocrômica) — presença constante em casos de insuficiência renal crônica. • Hemoconcentração — ocorrência frequente em casos de azotemia pré- renal; também pode ser observada em casos de insuficiência renal aguda e azotemia pós-renal. Bioquímica • Determinações seriadas das concentrações séricas de ureia e creatinina podem ajudar a diferenciar a causa da azotemia. Em pacientes com azotemia pré-renal, uma terapia apropriada para restabelecer a perfusão renal tipicamente produz uma redução drástica na azotemia (em geral, dentro de 24-48h). A correção da obstrução ao fl uxo urinário ou a abertura nas vias excretoras tipicamente confere um declínio rápido na magnitude da azotemia. • Hipercalemia concomitante pode ser compatível com azotemia pós-renal, azotemia renal primária por insuficiência renal oligúrica ou azotemia pré-renal associada ao hiperadrenocorticismo. • O aumento na concentração sérica de albumina e globulina sugere azotemia pré-renal ou algum componente pré- renal. Urinálise • Densidade urinária ≥1,030 em cães e ≥1,035 em gatos apoia o diagnóstico de azotemia pré-renal. A fluidoterapia antes da coleta de urina pode interferir na interpretação de valores baixos na densidade urinária. • Os pacientes azotêmicos que não foram tratados com fluidos e exibem densidades urinárias <1,030 (cães) e <1,035 (gatos) tipicamente apresentam azotemia renal primária. Uma exceção notável a essa regra corresponde à glomerulopatia em cães e gatos. Essa doença glomerular caracteriza-se algumas vezes por um desequilíbrio glomerulotubular, no qual a capacidade de concentração urinária pode persistir apesar de danos glomerulares renais suficientes a ponto de causar azotemia renal primária; esses pacientes são identificados por proteinúria moderada a acentuada na ausência de hematúria e piúria. • A densidade urinária não é útil na identificação de azotemia pós-renal. OUTROS TESTESLABORATORIAIS Para confirmar a azotemia causada pela diminuição na taxa de filtração glomerular, pode-se lançar mão dos testes de depuração de creatinina, ioexol ou inulina endógenos ou exógenos ou de outros testes específicos para essa taxa de filtração. DIAGNÓSTICO POR IMAGEM • Radiografias abdominais — utilizadas para determinar o tamanho renal (rins pequenos são compatíveis com doença renal crônica; aumento de volume leve a moderado dos rins pode ser compatível com insuficiência renal aguda ou obstrução urinária) e para descartar a presença de obstrução urinária (dilatação acentuada da bexiga e densidades minerais no interior das vias excretoras). • Ultrassonografia — pode detectar alterações na ecogenicidade do parênquima renal, bem como no tamanho e no formato dos rins, que apoiem o diagnóstico de azotemia renal primária; útil para descartar azotemia pós-renal, caracterizada pela distensão das vias excretoras e existência de urólitos ou massas dentro dessas vias ou colidindo com essas vias e ainda pelo acúmulo de líquido intra- abdominal (em casos de ruptura das vias excretoras). • Urografia excretora, pielografia ou cistouretrografia — podem ajudar a estabelecer o diagnóstico de azotemia pós-renal em caso de obstrução urinária ou ruptura das vias excretoras. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS Pode-se empregar a biopsia renal para confirmar o diagnóstico de doença renal primária, diferenciar as doenças renais aguda e crônica e também tentar definir o processo mórbido subjacente responsável pela doença renal primária. TRATAMENTO • Azotemia pré-renal causada por dano à perfusão renal — a terapia visa à correção da causa subjacente de hipoperfusão renal; a intensidade do tratamento depende da gravidade da condição subjacente e da probabilidade de indução de lesão ou insuficiência renal primária por hipoperfusão renal persistente. • Azotemia renal primária e uremia associada — 1) a terapia específica visa interromper ou reverter o processo mórbido primário com envolvimento dos rins e 2) além da terapia de suporte, devem-se instituir tratamentos sintomáticos e paliativos que amenizem os sinais clínicos da uremia, minimizem o impacto clínico exercidos pelos déficits e excessos nos equilíbrios hidreletrolítico e acidobásico, reduzam os efeitos da biossíntese renal inadequada de hormônios e outras substâncias e mantenham uma nutrição adequada. • Azotemia pós-renal — visa eliminar a obstrução urinária ou reparar as rupturas nas vias excretoras; a suplementação de fluidos frequentemente é necessária para evitar a desidratação, que pode se desenvolver durante a diurese por solutos após a correção da azotemia pós-renal. • Fluidoterapia — indicada para a maioria dos pacientes azotêmicos; as escolhas preferidas de fluidos incluem o soro fisiológico a 0,9% ou a solução de Ringer lactato. Estima-se a quantidade de fluido a ser administrada com base na gravidade da desidratação ou na depleção de volume. Sem a evidência de qualquer desidratação clínica, admite-se com prudência que o paciente tenha menos de 5% de desidratação e administra-se um volume correspondente de fluido. Via de regra, 50 a 75% da reposição volêmica devem ser fornecidos durante 2-6 h, exceto em pacientes com suspeita ou manifestação de insuficiência cardíaca. • Manitol (0,5-1 g/kg IV a cada 8 h ou 0,25-0,5 mg/kg/h sob infusão em velocidade constante) pode ser utilizado em pacientes poliúricos para promover a diurese e estimular a eliminação de resíduos nitrogenados. • Tratar os pacientes em choque de forma apropriada. • Considerar o fornecimento de dietas formuladas para doença renal a fim de reduzir a magnitude de anormalidades como azotemia, hiperfosfatemia e acidose. MEDICAMENTO(S) DE ESCOLHA • Para uremia em pacientes com doença renal, pode-se indicar a terapia sintomática. • Famotidina ou outros antagonistas dos receptores histaminérgicos H2 podem ser usados para reduzir os sintomas de hiperacidez gástrica e náusea. • Antieméticos como maropitant. CONTRAINDICAÇÕES Administração de medicamentos nefrotóxicos. PRECAUÇÕES • É preciso ter cautela ao se administrar medicamentos que exijam a excreção renal. Consultar referências adequadas a respeito dos esquemas de redução das doses ou quanto aos ajustes dos intervalos de manutenção. • Ter prudência também ao se fornecer fluidos a pacientes oligúricos ou anúricos. Durante a fluidoterapia, é preciso monitorizar a taxa de produção urinária e o peso corporal para minimizar a probabilidade de indução de super-hidratação. • Ter cuidado ao se aplicar medicamentos que possam promover hipovolemia ou hipotensão (p. ex., diuréticos); monitorizar com rigor a resposta a tais medicamentos, estimando-se o estado de hidratação, a perfusão periférica e a pressão sanguínea, com avaliações seriadas dos testes de função renal. • Os corticosteroides podem agravar a azotemia por meio do aumento no catabolismo de proteínas endógenas. MONITORIZAÇÃO DO PACIENTE Mensurar as concentrações séricas de ureia e creatinina 24 h após a instituição da fluidoterapia; verificar também a produção de urina e o estado de hidratação, bem como o peso corporal. COMPLICAÇÕES POSSÍVEIS • A falha na correção da azotemia pré- renal causada por hipoperfusão renal pode resultar rapidamente em doença renal primária isquêmica. • A azotemia renal primária pode evoluir para uremia. • Em pacientes com azotemia pós- renal, o insucesso no restabelecimento do fluxo urinário normal pode culminar em danos renais progressivos ou em óbitos por hipercalemia e uremia. DISTÚRBIOS ASSOCIADOS Em gatos, pode haver uma associação entre hipocalemia e azotemia. Os achados preliminares sugerem que a hipocalemia possa estar associada a alterações renais funcionais ou estruturais, indutoras de azotemia. FATORES RELACIONADOS COM A IDADE Embora a insuficiência renal primária possa ocorrer em animais de qualquer idade, os cães e gatos geriátricos parecem exibir um risco substancialmente mais alto tanto de doença renal aguda como da crônica. Não se admite, no entanto, que a azotemia em cães e gatos geriátricos indique uma doença renal primária, já que esses pacientes também apresentam risco mais elevado de causas pré e pós-renais de azotemia. GESTAÇÃO/FERTILIDADE/ REPRODUÇÃO • Os dados a respeito de azotemia e gestação em cadelas e gatas são bastante limitados. Os seres humanos podem exibir uma tolerância satisfatória em caso de doença renal mínima durante a gestação; entretanto, a capacidade de manter a viabilidade gestacional diminui à medida que a função renal declina. • Animais azotêmicos prenhes — preferem-se os agentes farmacológicos excretados por vias não renais. TILLEY, L.P.; SMITH JR., F.W.K. Consulta veterinária em 5 minutos espécies canina e felina. 3. ed. Barueri, Manole, 2008.