Buscar

Prévia do material em texto

Curitiba
2013
Filosofia da 
Educa o
Carlos Euclides Marques e 
Dante Carvalho Targa
FED.indb 1 25/02/2016 14:39:56
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501
Marques, Carlos Euclides
M357f Filosofia da educação / Carlos Euclides Marques, Dante Carvalho Targa. – 
Curitiba: Fael, 2013.
x p.: il.
ISBN 978-85-8287-056-3
1. Filosofia da educação I. Targa, Dante Carvalho II. Título
 CDD 370.1
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
Editora faEl
Gerente Editorial Denise Gassenferth
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Design Instrucional Francine Canto
revisão Claudia Helena Carvalho Wigert
diagramação Thiago Felipe Victorino 
Rafael de Queiroz Oliveira 
Katia Cristina Santos Mendes
Capa Sandro Niemicz
FED.indb 2 25/02/2016 14:39:56
Sumário
 Apresentação | 5
1 O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação | 7
2 O pensamento moderno e a Filosofia da Educação | 59
3 Novas imagens do homem | 93
4 A formação do pensamento pedagógico brasileiro | 137
 Referências | 165
FED.indb 3 25/02/2016 14:39:57
– 4 –
Filosofia da Educação
FED.indb 4 25/02/2016 14:39:57
Apresentação
Segundo Edgar Morin, em sua obra Os sete saberes neces-
sários à educação do futuro, uma das crescentes imposições de 
nossa era é a de lidar com os desafios da complexidade. A complexi-
dade não representa simplesmente uma dificuldade a ser superada. 
Mas, como indica o dicionário Houaiss, sua etimologia é latina: 
“complexus, a, um part. pas. de complecti ‘cercar, abarcar, compreen-
der’”, dando, assim, a ideia de algo “que foi tecido junto”. É disso 
que falamos quando indicamos ser a Filosofia da Educação uma dis-
ciplina complexa, pois se trata de vislumbrarmos uma série de pers-
pectivas que foram construídas ao longo de muito tempo por um 
vasto conjunto de pensadores. Não deve ser entendida, contudo, 
como uma disciplina impossível de ser trilhada. Mais trabalhosa, 
talvez, mas não impossível!
FED.indb 5 25/02/2016 14:39:57
– 6 –
Filosofia da Educação
Educar é uma tarefa que os seres humanos têm desempenhado intuiti-
vamente desde os primórdios da civilização. A transmissão de uma cultura, 
de valores e da própria linguagem ocorre naturalmente na relação entre as 
gerações mais antigas e as novas gerações. Todavia, ao que parece, ao nascer da 
mentalidade ocidental, com a Filosofia, por volta do século VI a.C., homens e 
mulheres voltaram a atenção para o ato de educar, seus métodos e conteúdos, 
dando origem à pedagogia. Na Modernidade, mais claramente, passamos a 
nos dar conta de que o ato de educar envolve não só a transmissão de uma 
cultura, mas revela também toda a visão de mundo que sustenta tal cultura, 
em suas dimensões epistemológica (do conhecimento), humana e política; eis 
o campo da Filosofia da Educação.
Com este livro didático você é convidado a adentrar esse vasto campo, 
onde a história do pensamento, as teorias do conhecimento e a reflexão filosófica 
e sociopolítica confluem, formando um interessante leque de possibilidades. 
Vamos lá?
Carlos Euclides Marques1 e Dante Carvalho Targa2
1 Graduado em Filosofia (UFSC, 1991) e em Artes Plásticas (Udesc, 2011), mestre em Litera-
tura (UFSC, 1997). Professor da Unisul. Experiência na área de Filosofia, focado em Filosofia 
Antiga, Filosofia da Educação, Antropologia Filosófica e Discurso Filosófico. Autor de mate-
riais didáticos ‒ livros, web aulas e objetos de aprendizagem ‒ para o curso de Filosofia (EaD) 
da Unisul Virtual.
2 Professor e pesquisador graduado em Filosofia (UFSC, 2005) e mestre em Filosofia (UFSC, 
2009). Professor da Unisul e da rede pública do Estado de Santa Catarina ‒ Ensino Médio. 
Estudos paralelos em Pensamento Oriental (Filosofia Védica/Hinduísmo) e Filosofia da Edu-
cação. Autor de materiais didáticos ‒ livros e web aulas ‒ para o curso de Filosofia (EaD) da 
Unisul Virtual.
FED.indb 6 25/02/2016 14:39:57
1
O homem e sua 
relação com o mundo: 
Filosofia e Educação
Estamos iniciando uma viagem que passará por diversas 
abordagens da vertente essencialista ou metafísica da pedagogia. 
Veremos mais detalhadamente o significado desta terminologia: 
“essencialista” ou “metafísica”. Por ora, basta indicarmos que 
são abordagens focadas em concepções filosóficas que buscam a 
essência do ser humano e das coisas no mundo. Para chegarmos 
a tais abordagens, primeiramente, explicitaremos o que é Filo-
sofia e o que é Educação, termos que compõem o nome desta 
disciplina: Filosofia da Educação. Veremos, também, como 
Educação e Cultura se relacionam a certas formas de Educação 
não-formais. Avançando no assunto, entraremos no mundo da 
Antiguidade Grega, inicialmente, tratando das tradições míticas 
de Homero e Hesíodo. Esta primeira incursão no mundo grego 
será o mote para abordarmos a passagem do Mito à Filosofia, 
apresentando alguns pensadores originários: os pré-socráticos. 
FED.indb 7 25/02/2016 14:39:58
Filosofia da Educação
– 8 –
Daí em diante, veremos com mais detalhes a abordagem dos sofistas, a 
de Sócrates e de Platão, que se confundem, e a de Aristóteles. Depois de 
um rápido apontar para o período Helenístico, vislumbraremos a menta-
lidade medieval e caracterizaremos a Patrística e a Escolástica, centrando, 
um pouco mais, em um expoente de cada corrente, respectivmente, Santo 
Agostinho e São Tomás de Aquino.
Em todo este trajeto temos por objetivo caracterizar, principalmente, 
os diferentes enfoques da abordagem essencialista ou metafísica, que, ainda 
hoje, está por trás de certos discursos e práticas pedagógicas.
Então, preparados(as)? 
1.1 Para início de conversa
Ao começar uma disciplina de Filosofia da Educação, uma primeira per-
gunta que pode vir à mente é: “O que é Filosofia da Educação?”. Eis uma 
questão de difícil resposta. Mas, para não deixarmos nossa caminhada sem 
pontos de partida, vamos apontar algumas possibilidades de resposta. Pri-
meiro, reforçando que os caminhos adotados são alguns dos muitos possíveis 
para dar conta de uma resposta a esta pergunta.
Numa olhada rápida, vemos dois termos centrais: Filosofia e Educação. 
Uma estratégia é, primeiro, tomarmos cada um separadamente. Então, defi-
nimos Filosofia e depois Educação. Isso, entretanto, não torna a tarefa mais 
simples. Mas vamos seguir neste caminho.
1.2 Definindo a Filosofia
Talvez em razão do advento da obrigatoriedade da Filosofia no currí-
culo do Ensino Médio, a partir da Lei no 11.684, de 2 de junho de 2008, 
alguns já tenham algum contato com a Filosofia como disciplina. Nessa 
perspectiva, podemos partir de abordagens comuns em manuais de Filoso-
fia destinados ao Ensino Médio. Estes, geralmente, indicam que há muitas 
definições possíveis para o termo Filosofia. E começam diferenciando o uso 
coloquial do termo de seu uso técnico, mais acadêmico. Assim, certamente 
FED.indb 8 25/02/2016 14:39:58
– 9 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
não é o sentido de filosofia como “estratégia de atuação” ou “sabedoria de 
vida” ou “visão de mundo”, preenchimentos que encontramos no senso 
comum1, que queremos aqui. 
Mais uma entre as estratégias adotadas por esses manuais é recuperar 
a etimologia do termo Filosofia. Nesta, encontramos dois radicais gregos: 
philos e sophia. O primeiro podemos traduzir por amigo, apaixonado; o 
segundo, por sabedoria. Assim, a Filosofia seria a amizade pela sabedoria, 
a paixão pela sabedoria. Isso remete à busca pelo saber. Entretanto, assim 
como as definições do senso comum, esta não dá conta, propriamente, de 
uma definiçãomais técnica do termo Filosofia, pois um cientista ou mesmo 
um religioso podem ser apaixonados por determinado saber e buscar, cons-
tantemente, meios para dar conta desse saber, seja este a explicação de um 
fenômeno natural, seja em relação ao sagrado.
Também encontramos, nos livros didáticos de Filosofia, esta estraté-
gia que a toma como uma atitude, uma reflexão sobre o mundo, sobre a 
realidade. É partindo desta perspectiva que Dermeval Saviani, num texto 
originariamente escrito para estudantes da disciplina de Filosofia da Edu-
cação I do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São 
Paulo (PUC-SP) em 1973 e, mais tarde, publicado como primeiro capí-
tulo de seu livro Educação: do senso comum à consciência filosófica, 
apresenta uma definição de Filosofia. Atentemos para ela: 
Com efeito, se a filosofia é realmente uma reflexão sobre os proble-
mas que a realidade apresenta, entretanto ela não é qualquer tipo de 
reflexão. Para que uma reflexão possa ser adjetivada de filosófica, é 
preciso que se satisfaça uma série de exigências que vou resumir em 
apenas três requisitos: a radicalidade, o rigor e a globalidade. Quero 
dizer, em suma, que a reflexão filosófica, para ser tal, deve ser radi-
cal, rigorosa e de conjunto. 
Radical:
Em primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em 
termos radicais, entendida a palavra radical no seu sentido mais 
1 Conhecimento adquirido pela tradição e acrescido pela experiência do dia a dia; conjunto de 
ideias, preceitos, técnicas que permitem a interpretação da realidade; conhecimento espontâ-
neo, por vezes, pouco sistematizado e contraditório.
FED.indb 9 25/02/2016 14:39:58
Filosofia da Educação
– 10 –
próprio e imediato. Quer dizer, é preciso que se vá até às raízes da 
questão, até seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se que se 
opere uma reflexão em profundidade. 
Rigorosa:
Em segundo lugar e como que para garantir a primeira exigência, 
deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo 
métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões 
da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência 
pode ensejar. 
De conjunto:
Em terceiro lugar, o problema não pode ser examinado de modo 
parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o 
aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que 
está inserido. É neste ponto que a filosofia se distingue da ciência 
de um modo mais marcante. Com efeito, ao contrário da ciência, 
a filosofia não tem objeto determinado; ela dirige-se a qualquer 
aspecto da realidade, desde que seja problemático; seu campo de 
ação é o problema, esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo 
de ação é o problema enquanto não se sabe ainda onde ele está; 
por isso se diz que a filosofia é busca. [...] Além disso, enquanto a 
ciência isola o seu aspecto do contexto e o analisa separadamente, 
a filosofia, embora dirigindo-se às vezes apenas a uma parcela da 
realidade, insere-a no contexto e a examina em função do conjunto. 
(SAVIANI, 2007, p. 20- 21).
Reforça ainda o autor que esses termos – radical, rigorosa, de 
conjunto – não podem ser vistos em separado para definir Filosofia. 
Dessa forma, nem todo tipo de reflexão é filosófica, assim como nem toda 
avaliação rigorosa ou de conjunto o é. Se ficarmos com essa definição 
de Saviani, veremos que Filosofia da Educação é “uma reflexão radical, 
rigorosa e de conjunto sobre a Educação”. Resta, então, pensarmos a noção 
de Educação.
Todos nós temos um sentido para este termo: Educação. Alguns o 
tomam como sinônimo de instrução; outros, de postura moral; outros, ainda, 
como a transmissão do legado de uma tradição. 
FED.indb 10 25/02/2016 14:39:58
– 11 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
Fonte: REMBRANDT, Harmensz van Rijn. Filósofo meditando, 1632. Louvre, 
Paris, França.
 
Num sentido mais amplo, Educação se apro-
xima de certo sentido do termo Cultura, pois, assim 
como este, é um diferenciador do ser humano 
em relação aos outros seres não humanos.
Admite-se, geralmente, que o ser humano se caracteriza não 
só por responder aos estímulos do meio a sua volta, mas 
também por alterar este meio e transmitir suas experiências 
às gerações seguintes. O conjunto de técnicas, práticas, 
teorias, instituições, preceitos morais e intelectuais é visto 
pela Antropologia como Cultura. Entendendo Cultura 
neste sentido é que podemos ver o ser humano como um 
produtor de Cultura e, consequentemente, de Educação.
 
FED.indb 11 25/02/2016 14:39:58
Filosofia da Educação
– 12 –
Nossa caminhada, doravante, deve ter em vista esta breve apresentação 
das noções de Filosofia e Educação. Ao longo dos próximos capítulos, vere-
mos, de forma mais detalhada, diferentes abordagens, predominantemente as 
filosóficas, sobre a Educação, passando por aspectos práticos e teóricos.
Vamos em frente? 
1.3 A cultura antiga e a Educação
Se olharmos para história da humanidade, veremos uma diversidade de 
culturas e modos de vida: divisão de trabalho; tratos sociais; hábitos alimen-
tares e de vestuário; valores; manifestações artísticas. Cada cultura tem formas 
específicas de transmitir seu legado. Essas “formas de transmissão“ do legado 
cultural podemos chamar “educação”. É bom lembrar, entretanto, que este 
vocabulário não se restringe a algo formalmente institucionalizado. 
De fato, por milhares de anos, o ser humano transmitiu seu legado cul-
tural de modo mais espontâneo. Não existiam profissionais especializados, 
escolas, teorias educacionais ou leis – no sentido jurídico – específicas para dar 
conta de processos que consideramos, hoje, partes de nossas vidas. O “educar” 
poderia ser: um adestramento para uma atividade que era passada de pai para 
filho; um conjunto de preceitos religiosos-morais aglutinadores de terminados 
grupos. Esse aspecto do educar, alguns autores denominam “educação difusa”; 
outros “educação não formal” ou “informal”, em oposição à educação for-
mal, mais característica nas sociedades letradas que estabeleceram instituições, 
como a escola, para transmitir o legado cultural sistematizado. 
Pensar a educação sistematicamente, teorizando seus fundamentos e suas 
práticas, não é algo que encontramos desde os primórdios da humanidade. 
Na realidade, se tomarmos a história da humanidade, tal perspectiva é tardia, 
ou seja, muito mais próxima, cronologicamente, de nós do que pensamos. 
Diante da diversidade cultural, mencionada anteriormente, precisamos ter 
muito cuidado com a temática que temos pela frente. 
O ato de educar é produto de cada concepção de mundo que predomina 
em determinado tempo, lugar e cultura. Esse ato assume distintas formas, 
produzindo diferentes pedagogias. Cabe esclarecer que a Pedagogia, enten-
dida como área de conhecimento, já é uma forma sistemática e teorizada 
FED.indb 12 25/02/2016 14:39:58
– 13 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
do ato educacional, uma Ciência da Educação. As diferentes pedagogias só 
podem ser bem compreendidas se analisadas à luz de determinado momento 
histórico, ideias e valores que a fundamentam. Se desprezarmos esses aspectos 
em nossa reflexão, estaremos fadados a julgar uma cultura a partir de outra 
e a cometer algum tipo de preconceito. O que implicaria não entendermos 
adequadamente nosso objeto de estudo.
 
Aliando essas ideias às da Introdução, vislumbra-
mos uma tarefa para a Filosofia da Educação, a saber: 
compreender ideias, fundamentos e princípios que 
sustentam as variadas concepções pedagógicas.
 
Encontramos a “educação difusa” ou “não formal” nas sociedades tri-
bais, nas práticas de trabalho menos especializadas, nas brincadeiras infantis, 
nas relações familiares e entre amigos, na transmissão das regras de compor-
tamentosmorais e em outros tratos sociais2. É bom frisar que, mesmo no 
espaço acadêmico, encontramos essa forma de “educação”.
Em geral, esse modo do ato de educar, principalmente nas sociedades 
tribais e nas civilizações da Antiguidade, tem maior teor de transmissão do 
legado cultural, de adestramento, e gera poucas modificações ao longo do 
tempo. Tal tipo de “educação” é mais estável, mais estático. Contudo, isso não 
significa que, também aqui, ao longo da história, não encontremos mudan-
ças, apenas que tais mudanças são mais demoradas e sutis. 
Esse aspecto de maior estabilidade, como já foi apontado, encontramos 
em certos procedimentos educacionais de algumas das grandes civilizações 
antigas. Nas sociedades do Antigo Oriente, por exemplo, temos o predomí-
nio de um tradicionalismo pedagógico. Mas o que é isto? O tradicionalismo 
pedagógico consiste na transmissão de uma doutrina sagrada; uma sabedo-
ria conquistada pela prática, objetivando conduzir o indivíduo à virtude e à 
felicidade. Aqui, a educação se caracteriza pela busca da perfeição espiritual, 
2 Refere-se a normas de conduta, comportamentos normativos não morais ou legais (Direito) 
relacionados à forma de se portar à mesa, de se dirigir a outrem, de se vestir; à pontualidade etc.
FED.indb 13 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 14 –
que, por sua vez, é identificada como único caminho para a virtude e a vida 
feliz. Temos, nessas culturas, o mestre ou preceptor como figura exemplar, ou 
seja, que os discípulos e a própria sociedade devem tomar com modelo. Essa 
prática se liga à visão mítica do mundo, que perpassa, ainda hoje, a Religião.
Seguindo as ideias anteriores, podemos traçar pontes entre Mito e Edu-
cação. Lembrando que a perspectiva mítica é anterior à perspectiva filosófica 
e mais ainda à perspectiva científica, podemos compreender a perspectiva 
mítica não como algo falso ou uma construção mirabolante, mas como uma 
forma de conhecimento, uma visão de mundo, um conjunto de práticas e 
valores que agregam certos grupos humanos. É característica da tradição 
mítica a transmissão do legado cultural por artifícios mnemônicos, ou seja, 
por meio de técnicas de memorização, que privilegiam aspectos sonoros, por 
vezes, aliados a aspectos gestuais e imagéticos3. Dessa forma, há um privi-
légio da memória sonora e gestual-visual aliada a esta. Até porque a maior 
parte dos membros dessas sociedades não dominam sistemas de escrita. Não 
é à toa que, predominantemente, se manifestam por meio de poemas recita-
dos musicalmente, não raro acompanhados por certos tipos de instrumentos 
musicais. Exemplos disso são os mantras, as leituras repetidas de textos sagra-
dos, os cânticos e a liturgia nas missas, as epopeias, as narrativas dos bardos4 
e trovadores. De forma similar, poderíamos incluir as cantigas de trabalho, as 
canções que transmitem valores sobre as relações amorosas etc.
Para entendermos um pouco mais a mentalidade mítica, devemos perguntar: 
Qual o papel (função) do mito? Como o mito funciona (suas características)? 
Primeiramente, como toda forma de conhecimento (modos de ver o 
mundo), o homem, ao produzir mitos, ou seja, a consciência mítica, procura:
 2 dar sentido à vida; ordenar as relações entre si e o Universo, geral-
mente sacralizado (divinizado), e entre os fenômenos deste; 
 2 justificar e consolidar práticas sociais (relações de trabalho, casa-
mento, condutas e posições sociais etc.);
 2 “explicar” as origens do Universo, dos seres vivos e de práticas 
sociais estabelecidas. 
3 Relativo à imagem; que se revela pela imagem.
4 Nas sociedades celta e gaulesa eram os recitadores dos poemas épicos.
FED.indb 14 25/02/2016 14:39:59
– 15 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
Desse modo, o ser humano se sente mais seguro no mundo. O que 
difere o pensamento mítico das outras formas de conhecimento é como este 
se organiza, suas bases, seus instrumentos.
Para reforçar o que já foi dito e complementar, tomemos o que diz Chaui 
(1996, p. 161-163), baseada no antropólogo Claude Lévi-Strauss: 
O mito possui três características gerais:
1. Função explicativa: o presente é explicado por al guma ação passada 
cujos efeitos permaneceram no tempo. [...]; 
2. Função organizativa: o mito organiza as relações sociais (de paren-
tesco, de alianças, de trocas, de sexo, de idade, de poder etc.) de modo a 
legitimar e garantir a permanên cia de um sistema complexo de proibições 
e permissões. [...];
3. Função compensatória: o mito narra uma situação passada, que é 
a negação do presente e que serve tanto para compensar os humanos 
de alguma perda como para garantir-lhes que um erro passado foi 
corrigido no presente, de modo a oferecer uma visão estabilizada e 
re gularizada da Natureza e da vida comunitária.
Podemos perceber que a narrativa mítica não é uma falsificação do real, 
uma mentira ou mera alegoria ‒ no sentido de figura de retórica ‒, mas uma 
mentalidade, uma visão de mundo, uma consciência que encontramos, ainda 
hoje, arraigada em nossas vidas.
 Dica de Leitura
Para aprofundar um pouco mais essa visão sobre o Mito, uma 
leitura recomendável é Mito e realidade, de Mircea Eliade.
Quando pensamos a passagem do Mito à Filosofa, por volta do século 
VI a.C., na Grécia Antiga, começamos refletindo sobre esta tradição, a mítica, 
já apontado para aspectos característicos do filosofar. Eis por que partimos 
dos poemas homéricos.
Os poemas atribuídos a Homero (século IX a.C. aproximadamente) 
constituíram a fonte primária da educação grega desde os primórdios da 
formação da mentalidade grega. O papel dessas narrativas era transmitir a 
FED.indb 15 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 16 –
história, a cultura e a relação dos seres humanos com o sagrado por meio da 
perspectiva mítica. A Ilíada cantava os feitos heroicos dos gregos contra os 
povos do Oriente e a Odisseia evocava a força das tradições familiares e dos 
costumes domésticos.
Os mitos, sejam das sociedades tribais, sejam dos povos da Antiguidade, 
têm a função de revelar a faceta intuitiva da compreensão da realidade e de 
transmitir valores e ensinamentos por meio de imagens, personagens e de 
narrativas carregadas de grandes façanhas heroicas.
Nisso os chamados poemas homéricos foram exemplares dentro da socie-
dade grega, desde a suas recônditas origens até os tempos de decadência da men-
talidade grega antiga, no período Helenístico. Mesmo Platão, filósofo do período 
Clássico, que por diversas vezes apresenta posições contrárias à paideia5 homérica, 
em alguns momentos reconhece Homero como “mestre da Hélade6”.
 Saiba mais
Homero, para os estudiosos, é uma figura de procedência discu-
tida. A ele são atribuídas a Ilíada e a Odisseia, que, aceitando 
a vertente interpretativa mais difundida hoje quanto à questão da 
gênesis das obras homéricas, não foram escritas por um único 
homem, mas são – a Ilíada e a Odisseia – construções coletivas 
de longos anos de compilações e rearranjos de narrativas orais. 
Logo, obra construída por séculos para chegar à forma “defini-
tiva”, que conhecemos até hoje.
Outro expoente importante da cultura mítica grega é Hesíodo, que 
escreveu Os trabalhos e os dias e Teogonia. Parte do que temos da gênesis 
5 Palavra grega que pode ser traduzida por Educação. Mas, conforme Jaeger (1989, p. 1), tem 
uma conotação muito mais complexa para o mundo grego, na Antiguidade: “Paidéia, não é 
apenas um nome simbólico; é a única designação exacta do tema histórico nela estudado. Este 
tema é, de facto, difícil de definir: como outros conceitos de grande amplidão (por exemplo os 
de filosofia ou cultura) [...]. O seu conteúdo e significado só se nos revelam plenamente quando 
lemos a sua história e lhes seguimos o esforço para conseguirem plasmar-se na realidade.” 
6 Refere-se à Grécia,donde seu derivado heleno como sinônimo de grego.
FED.indb 16 25/02/2016 14:39:59
– 17 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
dos deuses gregos vem dos escritos desse poeta, que viveu por volta do século 
VIII a.C., na região da Beócia. Enquanto Homero retrata o ambiente aris-
tocrático, Hesíodo retrata o ambiente do campo, a vida dura do agricultor. 
Nas obras do primeiro, os valores transmitidos são os dos guerreiros e de seu 
ambiente: o vigor físico, o preparo para a batalha, a coragem e a inteligência 
para estratégias bélicas. Já nas obras de Hesíodo, são os valores do campo: 
a perseverança no trabalhos do dia a dia, mesmo diante das intempéries, a 
esperança. Isso quanto ao universo masculino. Também quanto ao universo 
feminino encontramos diferenças entre ambos. Nas narrativas do primeiro, 
vemos a mulher bela e prendada, com seus dotes domésticos, fiel ao marido 
e que administra a casa e cuida dos filhos. Nos escritos de Hesíodo, ela apa-
rece como um castigo dos deuses, mais uma boca a ser alimentada, o ser que 
levará os homens à perdição. De um lado temos a figura de Penélope, esposa 
de Odisseu ou Ulisses; de outro, Pandora, aquela mandada pelos deuses como 
castigo, que, ao abrir uma jarra ‒ variantes da narrativa dizem caixa ‒, deixa 
escapar todos os males da humanidade.
 Saiba mais
Como nosso foco não é principalmente a “educação difusa” ou 
“informal” e a mentalidade mítica, o que por ora foi apresentado 
é suficiente para se ter uma ideia desses aspectos. Para um maior 
aprofundamento recomendamos a leitura dos tópicos “Cultura e 
Educação da nobreza homérica”, “Homero como educador” e 
“Hesíodo e a vida do campo”, da obra de Werner Jaeger, Pai-
deia: a formação do homem grego. Imagens contemporâneas 
sobre as narrativas homéricas encontramos no cinema, por exem-
plo, nos filmes: Odisseia (1997); Helena de Tróia: paixão e 
guerra (2003); Tróia (2004).
Já que estamos nos pautando na Filosofia da Educação, é o 
nascimento da filosofia grega que nos interessa mais, pois é a Filosofia que 
trará à Educação, até a nossa época, características fundamentais para o 
desenvolvimento de concepções pedagógicas ao longo do desenvolvimento 
da civilização ocidental.
FED.indb 17 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 18 –
Tomando por foco, no próximo tópico, a filosofia grega na Antiguidade 
e seus principais expoentes, vamos identificar os traços fundamentais das cha-
madas pedagogias essencialistas ou metafísicas. 
Mas, antes de avançarmos, é preciso explicitar o que caracteriza as peda-
gogias essencialistas ou metafísicas. Para tanto, tomemos algumas passagens 
do livro Filosofia da Educação, de Maria Lúcia de Arruda Aranha:
Na tradição filosófica em que predomina a concepção essencialista ou 
metafísica, herdada dos gregos ‒ e que ainda hoje persiste em algumas 
teorias pedagógicas ‒ busca-se a unidade na multiplicidade dos seres, 
ou seja, a essência que caracteriza cada coisa. Também o conceito de 
humanidade é compreendido a partir de uma natureza imutável: ape-
sar de constatadas diferenças entre os seres humanos, existiria uma 
essência humana, um modelo a ser atingido.
[...]
Essas pedagogias tinham como característica o enfoque metafísico 
próprio da filosofia antiga, que acentuava a atitude teórica de aná-
lise dos conceitos universais. Segundo essa perspectiva, educar seria 
desenvolver as potencialidades da natureza humana, fazendo cada um 
tender para a perfeição, para aquilo que pode vir a ser. (ARANHA, 
2006, p. 150-151).
1.4 Do nascimento da Filosofia 
à tradição socrática
Foi com os pensadores originais ou pré-socráticos, que nasceu a Filoso-
fia como um modo de buscar a sabedoria através de uma reflexão orientada 
pela razão. Esses pensadores buscavam um princípio fundamental, conforme 
interpretação aristotélica, para a existência de todos as coisas. 
Aqui, antes de avançarmos, cabe esclarecer como entendemos a noção 
de princípio fundamental. O termo grego que pode ser traduzido por prin-
cípio é arkhé. Conforme explica Marilena Chaui, em Introdução à história 
da filosofia:
Esta palavra possui dois grandes significados principais: 1) o que está 
à frente e por isso é o começo ou o princípio de tudo; 2) o que está 
à frente e por isso o comando de todo o restante. No primeiro sigi-
nificado, arkhé é fundamento, origem, princípio, o que está no prin-
FED.indb 18 25/02/2016 14:39:59
– 19 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
cípio ou na origem, o que está no começo de modo absoluto, ponto 
de partida de um caminho; fundamento das ações e ponto final a 
que elas chegam ou retornam. No segundo caso, arkhé é comando, 
poder, autoridade, magistratura; coletivamente significa: o governo, 
por extensão, reino, império. [...] Os dois sentidos estão fundidos na 
cosmologia e, posteriormente, na metafísica de Aristóteles. É o princí-
pio absoluto, eterno, idêntico e incorruptível de todas as coisas e que 
governa/comanda a realidade. (2002, p. 495-496).
Percebemos, no significado de arkhé, uma conotação essencialista ou 
metafísica. Entretanto, cabe uma ressalva: esses termos ‒ essencialista e meta-
física ‒ não são empregados no período da Filosofia nascente e mesmo no 
período Clássico para identificar tais concepções. 
Voltemos aos pensadores originários. Ao buscarem um princípio não 
divinizado e usarem a reflexão orientada pela razão, rompem com as expli-
cações míticas sobre o universo. Mas essa ruptura não é imediata, pois, se 
analisarmos melhor, veremos certo parentesco entre algumas respostas dos 
pensadores da Filosofia nascente e as narrativas míticas. Talvez, um dos aspec-
tos mais gritantes seja o fato de, em sua maioria, aquilo que nos restou dos 
escritos desses pensadores ‒ os fragmentos e as doxografias ‒ estão em poesia. 
Ainda assim, cabe indicar que a questão das semelhanças e diferenças entre 
as narrativas da mitologia grega e as hipóteses defendidas pelos pensadores da 
Filosofia nascente não é questão fechada e encontramos posições divergentes 
sobre o tema. Porém, tal digressão não é nosso foco. 
É pensando a passagem do Mito à Filosofia como algo lento e gradual 
que vislumbramos a substituição do mýthos ‒ termo grego que traduzimos 
por: ação de recitar; palavra; discurso; mensagem; mito ‒ pela afirmação do 
lógos ‒ termo grego que podemos traduzir por: palavra; discurso, razão ‒ e, 
com isso, o nascer da mentalidade Ocidental. Notadamente, esses dois ter-
mos gregos carregam a possibilidade de serem traduzidos por palavra, dis-
curso. Entretanto, são discursos com modos diferentes de operar. Enquanto 
o primeiro tem um caráter mais intuitivo, mas “fechado”, o segundo é mais 
racional, aberto às críticas. 
Um exemplo claro dessa “abertura às críticas” é a sequência de hipóte-
ses apresentadas pelos três primeiros filósofos, todos da cidade de Mileto. Para 
Tales, “Tudo é água”. Já Anaximandro, o filósofo na sequência de Tales, estabe-
FED.indb 19 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 20 –
lece uma arkhé mais abstrata se comparada à água: o ápeiron ‒ termo grego que 
traduzimos por: ilimitado, indeterminado. Parecendo fazer uma mediana entre 
seus antecessores, Anaxímenes diz ser o ar o princípio de tudo. Notemos que há 
uma passagem de um princípio mais concreto ‒ a água ‒ para um mais abstrato 
‒ o ápeiron ‒, caracterizando um primeiro movimento da “abertura às críticas”. 
Por fim, numa segunda passagem, temos o ar como elemento primordial, que 
não é tão concreto como a água nem tão abstrato como o ápeiron. 
Assim, comparando a mentalidade mítica e a filosófica nascente, o que 
temos são duas formas de conhecimento, cada qual pautada em fundamentos 
diferentes mesmo que encontremos algumas similaridades entre elas. É esse 
aspecto próprio da filosofia nascente, a reflexão racional,que conduz, já na 
tradição filosófica grega, ao aparecimento da pedagogia num sentido mais 
técnico, como Ciência da Educação.
Há em alguns fragmentos dos pensadores originários elementos que são 
indicativos de uma tradição que começa a tentar se colocar no lugar da paideia 
homérica e hesiódica. Típico disso são as críticas de Heráclito de Éfeso (cerca de 
540-470 a.C.) às tradições que o precederam. Vejamos um fragmento:
Estão iludidos os homens quanto ao conhecimento das coisas visí-
veis, mais ou menos como Homero, que foi o homem mais sábio que 
todos os helenos. Pois enganaram-no meninos que matando piolhos 
lhe disseram: o que vimos e pegamos é o que largamos, e o que não 
vimos nem pegamos é o que trazemos conosco. (HIPÓLITO, Refu-
tações, fragmento 56, IX, 9). 
 Alguns desses filósofos pré-socráticos foram líderes de movimentos 
políticos que propagavam ideais transformadores para as sociedades da 
época. Exemplos destes são Pitágoras e os pitagóricos que viam a harmonia 
cósmica como modelo para encontrarmos a harmonia nas relações humanas. 
A origem de tudo estava nos números, diziam eles. Entendendo por números, 
principalmente, as relações de proporções. Assim, para os pitagóricos, descobrir 
a harmonia constitutiva do cosmo possibilitaria traçar, na concordância com 
essa harmonia cósmica, regras para a vida individual e política. Há aí um 
entendimento de que o macro (cosmo) se reflete no micro (vida humana).
Embora predomine, nos fragmentos dos pensadores originários, a 
temática da cosmologia e da busca de um princípio natural, não divino, 
encontramos em alguns deles conselhos para uma vida regrada e comedida; 
FED.indb 20 25/02/2016 14:39:59
– 21 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
regras para a convivência social e política harmoniosas e mesmo orientações 
alimentares. Entretanto, essas temáticas mais antropológicas são mais 
características do período seguinte, denominado, na História da Filosofia, 
Socrático ou Antropológico, que corresponde, geralmente, ao período 
Clássico da historiografia tradicional.
É bom entendermos melhor aquilo que tomamos por princípios naturais 
como uma remissão a outra noção muito importante para compreendermos o 
pensamento da Filosofia nascente que é a de phýsis ‒ natureza. Para esclarecer 
melhor essa noção, tomemos uma passagem de Chaui (2002, p. 509): 
Possui três sentidos principais: 1) processo de nascimento, surgi-
mento, crescimento de um ser [...]; 2) disposição espontânea e natu-
reza própria de um ser; características naturais e essenciais de um ser 
[...]; 3) força originária criadora de todos os seres, responsável pelo 
surgimento, transformação e perecimento deles. A phýsis é o fundo 
inesgotável de onde vem o kósmos; e é o fundo perene para onde 
regressam todas as coisas, a realidade primeira e última de todas as 
coisas. Opõe-se a nómos [regra, lei, norma]. 
Com a retomada do comércio, a invenção da escrita alfabética, o 
advento de leis escritas, culminando com o aparecimento e desenvolvimento 
da cidade-estado (pólis) como estrutura predominante na organização 
sociopolítica do mundo grego ‒ fatores que ocorreram ao longo do período 
Arcaico (aproximadamente do século VIII ao VI a.C.) ‒, novas preocupações 
apareceram. Isso levou alguns estudiosos contemporâneos a afirmarem que: 
“A filosofia é filha da pólis”. Esse mote se torna muito mais significativo no 
período Clássico (entre os séculos V e IV a. C.), no qual Atenas floresce como 
uma pujante pólis. 
1.4.1 Sofistas: os primeiros professores 
Depois da vitória dos gregos sobre os persas, fechando as Guerras Médi-
cas (entre 490 e 479 a.C.), a acrópole de Atenas é reconstruída no comando 
de Péricles ‒ grande general e, consequentemente, estrategista7. Reformas 
políticas, aos poucos, levam ao aparecimento da democracia. Esses fatos, 
além de propiciarem a ascensão de outras classes sociais atenienses que não a 
aristocracia, atraem, para Atenas, uma diversidade de pessoas: comerciantes, 
7 Lembrar que a palavra estrategista vem do grego estrategos.
FED.indb 21 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 22 –
músicos, escultores, pintores, arquitetos e pensadores de diferentes matizes. 
Entre estes estão os sofistas. Mas quem foram esses homens e qual a impor-
tância deles para o desenvolvimento da pedagogia?
 
Os sofistas foram pensadores itinerantes, conhecidos, 
principalmente, como mestres de Retórica e Oratória, 
que cobravam por seus ensinamentos, aspecto que os 
coloca como os primeiros professores particulares.
 
Em sua grande maioria os sofistas não são atenienses. Diferentemente 
dos pensadores originários, os sofistas estabeleceram uma cisão entre as leis 
da natureza (phýsis) e as leis do universo humano (nómos). Para eles, as leis 
do universo humano não são a priori nem se mantêm sempre as mesmas. Ao 
contrário das leis cósmicas, as do universo humano são arbitrárias, conforme 
a sofística. Dessa forma, não há para os sofistas, no universo humano, valores 
universalmente válidos. Aquilo que um determinado grupo social vê como 
bom, justo ou belo pode ser, para outro grupo social, ruim, injusto ou feio. 
O que faz uma dada sociedade assumir determinados valores são convenções 
estabelecidas por estratégias de convencimento e o valor atribuído por certa 
sociedade para isso ou aquilo não é, no fundo, melhor ou pior que os atribu-
ídos por outra sociedade. Tal visão expressa dois princípios: o relativismo e o 
humanismo, ou antropocentrismo. 
Apesar do relativismo e do antropocentrismo, há quem veja na sofística 
aspectos da pedagogia essencialista ou metafísica, como indica esta passagem 
de Aranha (2006, p. 150): 
Os filósofos sofistas (século V a.C.) eram educadores, mas, quando ensi-
navam retórica, a arte de bem falar, na verdade estavam voltados para a 
formação do homem público, capaz de defender com argumentos suas 
idéias - e convencer os demais - na assembléia democrática. 
No mundo da Atenas democrática, tais princípios ‒ relativismo e huma-
nismo ‒ combinam com os da própria democracia: a isonomia e a isegoria. 
Para entender melhor essas noções e a de nómos, já utilizada, tomemos o glos-
sário de termos gregos, apresentado por Chauí (2002, p. 503-506): 
FED.indb 22 25/02/2016 14:39:59
– 23 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
Nómos: Regra, lei, norma. O primeiro sentido desta palavra é aquilo 
que se possui por partilha, aquilo que se usa porque atribuído por 
uma partilha; por extensão: uso, costume conforme ao uso ou ao cos-
tume. Esta conformidade ao costume passa a significar a norma ou 
regra costumeira de um comportamento de um grupo, as conven-
ções sociais que o grupo estabelece para seus membros. Mais adiante: 
opinião geral, máxima geral, regra de conduta. [...] Nómos opõe-se 
a physis: o nómos é o que é por convenção, por acordo e decisão dos 
humanos, enquanto physis é o que é por natureza, por si mesmo inde-
pendentemente da decisão ou vontade dos homens. Os sofistas dirão 
que tudo é pelo nómos, tudo é por convenção.
Isegoría: Palavra composta de dois elementos: ise-, que vem de isos 
(igual, igual em número e em força; igualmente repartido, ter parte 
igual; justo, equitável, equilibrado, nivelado), e -goria, derivada do 
verbo agoreúo (falar em público, falar numa assembléia, discursar em 
público). É o direito de cada cidadão de dizer sua opinião na assem-
bléia democrática. É a liberdade de expressão que cada um possui e de 
que todos os cidadãos desfrutam.
Isonomía: Palavra composta por ise- (ver isegoría) e -nomia, vinda de 
nómos (ver nómos). Inicialmente, significa repartição igual; a seguir, 
significa igualdade de direitos perante a lei no regime democrático. 
O regime democrático se pauta pelos debates na assembleia, que envol-
vem todos os cidadãos atenienses, que devemter habilidades próprias da 
Retórica e da Oratória. Logo, essas, para o regime democrático, são de fun-
damental importância.
Entre os grandes sofistas se destacam Protágoras de Abdera e Górgias de 
Leontinos. 
O primeiro afirma que: “O homem é a medida de todas as coisas, das 
que são como são e das que não são como não são”. O que Protágoras está 
afirmando é que o ser humano é quem atribui valores a todas as coisas e diz 
que as coisas são dessa ou daquela forma, pois, se há uma essência das coisas, 
tal essência não é passível de ser conhecida pelo ser humano. Por que o ser 
humano não tem conhecimento da essência das coisas? Porque, segundo a 
sofística, das coisas o ser humano só tem aquilo que lhe aparece, ou seja, o 
fenômeno. Ainda há o fato de ser a partir da linguagem que os seres humanos 
tentam dizer o que são as coisas. E a linguagem não é a coisa em si. Dizer 
“casa” não é sentir, essencialmente, uma casa. 
FED.indb 23 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 24 –
O segunda afirma: “Nada existe que possa ser conhecido; se pudesse 
ser conhecido não poderia ser comunicado; se pudesse ser comunicado 
não poderia ser compreendido”. Górgias é mais radical que Protágoras; ele 
apresenta a impossibilidade do conhecimento, prenunciando o ceticismo do 
período Helenístico.
Notemos que ambos os fragmentos nos colocam perante problemas rela-
tivos à possibilidade do conhecimento e a função da linguagem humana no 
processo de comunicação da experiência sobre o mundo. Ou seja, questões 
ligadas à pedagogia. Não bastasse isso, os sofistas foram os primeiros a elaborar 
uma educação intelectual desligada da educação do corpo. Lembremos que 
até então a educação grega combinava a educação do corpo com a educação 
da alma: para a primeira a ginástica; para a segunda, a música ‒ aqui, sinô-
nimo de poesia. E, como atenta Aranha (1996, p. 43), os sofistas alargam a 
noção de paideia, que inicialmente se referia à educação da criança, passando, 
como os sofistas, a se referir, também, à educação continuada do adulto. 
 
Os sofistas foram os primeiros a sistematizar um currículo 
educacional, composto de gramática, retórica e dialética; 
e, na linha dos pitagóricos, aritmética, geometria, astrono-
mia e música. Tal proposta é a precursora da tradicional 
divisão das Sete Artes Liberais, que, na Idade Média, será 
a base o currículo escolar, dividido em Trivium e Qua-
drivium, dos quais voltaremos a falar mais à frente.
 
A sofística não foi muito bem-vista pelos filósofos do período Clássico: 
Sócrates, Platão e Aristóteles. A impressão que a tríade deixou sobre a 
sofística foi de tal forma negativa que a imagem predominante por muito 
tempo na História da Filosofia leva a crer que os sofistas foram apenas 
um bando de charlatões, preocupados apenas em enriquecer. O prejuízo 
decorrente dessa imagem foi, em parte, a perda das obras atribuídas a 
esses pensadores, restando de suas hipóteses esparsos fragmentos e alusões 
nos textos de seus opositores, como encontramos, por exemplo, nos 
Diálogos de Platão.
FED.indb 24 25/02/2016 14:39:59
– 25 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
O próprio termo sofista e seu derivado passaram a ter conotações 
pejorativas. Embora, por vezes, esqueçamos que o termo sofisticado venha 
de sophisés, que traduzimos por sofista, e também, numa tradição anterior ao 
advento da sofística, que significava sábio, excelente em uma arte ou técnica, 
sensato, prudente.
1.4.2 A questão socrática
Como vimos, um dos opositores da sofística foi Sócrates. Mas quem foi 
esse filósofo e que legado nos deixou?
De Sócrates não temos nada escrito, pois este, seguindo à risca a sua 
visão sobre o texto escrito ‒ para ele, uma imitação da palavra falada e, como 
tal, algo menor, que não contribuía muito para a busca do saber ‒, nada 
escreveu. O que temos a repeito de Sócrates nos foi deixado, predominante-
mente, por seu mais ilustre discípulo, Platão. Mas também temos os relatos 
de Xenofontes. Ambos, Platão e Xenofontes, por perspectivas e estilos dife-
rentes, dão-nos um Sócrates sábio e modelar. Platão chega mesmo a dizer que 
Sócrates foi o homem mais justo que ele conheceu. Muito diferente dessa 
imagem é a que nos deixou Aristófanes, um comediógrafo, contemporâneo 
de Sócrates. A partir dele, temos um Sócrates malvestido, pobre, que vivia 
nas nuvens e se utilizava de artifícios retóricos (aqui, no sentido pejorativo). 
Tais registros divergentes e, provavelmente, não isentos de valores ‒ derivados 
sejam da excessiva admiração ou da função ridicularizante, típica da comédia 
clássica ‒ colocam Sócrates muito mais como um personagem. Disso deriva o 
que os estudiosos chamam de “a questão socrática”.
Mesmo assim, sabemos que Sócrates jamais saiu de Atenas e que morreu 
em 399 a.C., durante o regime democrático. Morte que fez dele uma espécie 
de mártir da Filosofia. Lembramos que a maior parte dos textos que falam de 
Sócrates são posteriores a sua morte. Sabemos, também, que ele vivia na ágora 
‒ praça pública ‒ e nos ginásios questionando figuras ilustres e quem mais se 
aproximasse das rodas de debates promovidas por sua estratégia dialogal. Em 
razão disso, muitos jovens o seguiam. E uma das acusações que o levaram a 
julgamento foi corromper os jovens; a outra, não crer nos deuses.
 Saiba mais
Para saber mais sobre Sócrates assista ao filme Sócrates (1971).
FED.indb 25 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 26 –
Conta-se que, em certa ocasião, um amigo de infância e membro do par-
tido democrático de Sócrates, Querefonte, indo a Delfos, cidade grega onde 
ficava o mais célebre oráculo da Antiguidade, teria consultado o Oráculo, 
perguntando se havia homem mais sábio que Sócrates. Recebeu a resposta de 
que não havia ninguém mais sábio que Sócrates. Ora, Sócrates vivia dizendo 
que nada sabia. Como interpretar esse aparente contrassenso?
O próprio Sócrates, personagem de Platão, na Defesa de Sócrates (21b-e), 
responde:
Quando soube daquele oráculo, pus-me a refletir assim: “Que que-
rerá dizer o deus? Que sentido oculto pôs na resposta? Eu cá não 
tenho consciência de ser nem muito sábio nem pouco; que quererá 
ele, então, significar declarando-me o mais sábio? Naturalmente, 
não está mentindo, porque isso lhe é impossível.” Por longo tempo 
fiquei nessa incerteza sobre o sentido; por fim, muito contra meu 
gosto, decidi-me por uma investigação, que passo a expor. Fui ter 
com um dos que passam por sábios, porquanto, se havia lugar, era 
ali que, para rebater o oráculo, mostraria ao deus: “Eis aqui um mais 
sábio que eu, quando tu disseste que eu o era!” Submeti a exame essa 
pessoa ‒ [...]Eis, Atenienses, a impressão que me ficou do exame e 
da conversa que tive com ele; achei que ele passava por sábio aos 
olhos de muita gente, principalmente aos seus próprios, mas não 
o era. Meti-me, então, a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas 
não o era. A conseqüência foi tornar-me odiado dele e de muitos 
dos circunstantes.
Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: “Mais sábio do 
que esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de nós saiba 
nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto 
eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha 
mais sábio que ele exatamente em não supor que saiba o que não sei.”
Tal fragmento é indicativo de que Sócrates era um filósofo no sentido 
mais etimológico do termo: não um sábio, mas um amigo da sabedoria, ou 
seja, alguém que busca a sabedoria. Mas como se dá essa busca?
 
Sócrates costumava dizer que nada ensinava, mas 
procurava ajudar as pessoas a buscarem no interior 
de si mesmas o conhecimento que tinham. 
Tal perspectiva é claramente essencialista ou metafísica, pois
FED.indb 26 25/02/2016 14:39:59
– 27 –
O homem e sua relação com omundo: Filosofia e Educação
 revela uma concepção inatista do conhecimento: de alguma 
forma nossa alma já traz – antes mesmo de nosso nascimento, 
que corresponde ao estabelecimento de uma relação corpo-
alma, matéria-espírito – o conhecimento do Bem, do 
Justo e do Belo. Entretanto, tal conhecimento se encontra 
adormecido. Assim, segundo Sócrates, o que ele fazia era 
ajudar as pessoas a recuperar esse conhecimento que estava 
dentro de si. Para tanto, Sócrates inquiria seus interlocutores.
 
O depoimento de Sócrates, no fragmento da Defesa de Sócrates, 
apresentado anteriormente, aponta para o método socrático que possuía 
duas etapas:
 2 primeira, a ironia ‒ do grego eironia ‒, perguntar, fingindo igno-
rância ‒ que tem um caráter negativo, pois desconstrói a opinião 
(dóxa) apresentada pelo interlocutor sobre algo;
 2 segunda, a maiêutica ‒ maieutiké, relativo ao parto8 ‒, mais posi-
tiva, pois consistia em, a partir de outras perguntas, dar à luz as 
ideias que cada um tem dentro de si.
Para Sócrates, conhecer era relembrar (anámnesis). Mas, para enten-
dermos tal concepção, devemos aceitar um fundamento religioso no pensa-
mento socrático e sua concepção de alma (psykhé). Ao final da parte Vida e 
obra do volume Sócrates da coleção Os pensadores, José Américo Motta 
Pessanha esclarece: 
Na verdade, Sócrates criou uma nova concepção de alma (piquê), 
que passou a dominar a tradição ocidental. Antes, como em 
Homero, a psiquê era o “duplo” que podia se desprender provi-
soriamente durante o sono ou definitivamente, com a morte, mas 
que nada tinha a ver com a vida mental ou as “faculdades” da 
pessoa. [...] É a partir de Sócrates – ou pelo menos é na literatura 
8 Sócrates revela (Platão, Teeteto, 148e-151a) que age como as parteiras, mas, enquanto estas 
trazem ao mundo corpos, ele traz ideias. Sócrates reforça que, assim como as parteiras, ela ape-
nas ajuda no nascimento, não faz nascer. Lembremos que Sócrates era filho de uma parteira, 
Fenárete. 
FED.indb 27 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 28 –
referente a ele e que se seguiu à sua morte – que surge a concepção 
de alma como sede da consciência normal e do caráter, a alma 
que no cotidiano de cada um é aquela realidade interior que se 
manifesta mediante palavras e ações, podendo ter conhecimento 
ou ignorância, bondade ou maldade. E que, por isso, deveria ser 
o objeto principal da preocupação e dos cuidados do homem. 
(1987, p. XXI). 
É essa concepção de alma que costura a relação entre conhecimento e 
atitudes, fundamentando um “já-saber”. É porque outrora a alma vislum-
brou a perfeição e depois caiu, agarrando-se à matéria ou bebendo no rio do 
esquecimento, que a alma participa das ideias, esquecendo-as posteriormente. 
Cabendo ao mestre provocar no discípulo o desejo de autoconhecimento. 
Sócrates tomou para si uma máxima que encontramos no Oráculo de Delfos: 
“Conhece-te a ti mesmo”. Dessa forma, é preciso pensar bem para viver bem. 
Outra máxima atribuída a ele: “Uma vida sem reflexão não vale a pena ser 
vivida”. A ética de Sócrates parte da ideia de que a ação moral está intima-
mente ligada ao grau de conhecimento do bem. Conhecer o bem, de forma 
racional, implica agir bem. Ter conhecimento racional (epistéme) é ser virtu-
oso. Esta, para ele, é uma relação direta. 
Assim como os sofistas, Sócrates não se preocupa com a questão cos-
mológica pelo arkhé; traz a reflexão filosófica para um domínio centrado no 
homem e em suas questões. Questionar sobre a natureza do bom, do belo e 
do justo envolve o agir humano, tanto no aspecto individual (ética) como 
no coletivo (política). Em oposição às tradições orientais, o homem ocupa 
o centro do pensamento na cultura ateniense do período Clássico, eis por 
que podemos falar num humanismo entre os gregos.
Mesmo sendo complicado estabelecer um limite, na obra platô-
nica, entre o que é de Sócrates e o que é de Platão, muitos estudiosos, 
ao classificar as obras de Platão, denominam os Diálogos da juventude 
como “socráticos” ou “aporéticos”. Para esses estudiosos, os Diálogos da 
juventude estão mais próximos do que seria o pensamento de Sócrates; 
já os posteriores a esta fase começariam a apresentar ideias propriamente 
de Platão. Outra característica dos Diálogos da juventude de Platão é 
serem inconclusos, ou seja, há uma pergunta que inquieta os persona-
gens, conduzidos por Sócrates. Eles procuram uma definição para deter-
minado objeto de estudo, mas não a encontram, descobrindo, apenas, 
FED.indb 28 25/02/2016 14:39:59
– 29 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
que as certezas que tinham sobre o objeto são apenas opiniões parciais, 
que não servem para definir universalmente o objeto de estudo. A esse 
questionamento que fica sem resposta chamamos aporia. Eis o porquê da 
denominação aporético.
Vamos agora ao pensamento de Platão.
1.5 Platão: uma utopia, a 
educação dos governantes
Platão nasceu em Atenas9 por volta de 428 a.C. e morreu em cerca de 
348 a.C. Assim, viveu entre o apogeu e o declínio de Atenas e foi contempo-
râneo do enfraquecimento de Esparta, duas das mais importantes pólei (plural 
de pólis) da época e que eram inimigas. É significativo que, dez anos após a 
morte de Platão, Filipe da Macedônia domine a Grécia, perdendo, esta, para 
sempre, sua autonomia. 
Platão era de família influente e, por sua origem, tendia para a vida polí-
tica. Entretanto, a Grécia vivia em guerra; após o domínio de Esparta sobre 
as cidades gregas, instaurou-se, em Atenas, um regime tirânico, denominado 
o Governo dos Trinta, do qual participavam parentes e amigos de Platão. 
Esse governo impopular foi derrubado pela democracia. Mas, ao que parece, 
mesmo essa democracia recuperada não tinha a pujança da democracia dos 
tempos de Péricles. Foi durante essa retomada da democracia que Platão pre-
senciou o julgamento, a condenação e a morte de seu mestre: Sócrates. Todas 
essas circunstâncias levaram Platão a desacreditar da carreira política, o que 
deixa claro na Carta VII (325c-326b): 
A mim, que observava essas coisas e os homens que faziam polí-
tica, quanto mais examinava as leis e os costumes e avançava 
em idade, tanto mais me parecia difícil ser correto o dedicar-me 
 à política.
Pois, sem amigos e companheiros fiéis, não é possível agir. – Ora, 
não era fácil achar quem tomasse a iniciativa, uma vez que nossa 
cidade não era administrada mais nos costumes e usos dos ances-
trais, e não era possível conseguir com facilidade outros novos 
9 Há quem diga que tenha nascido em Égina, uma pequena ilha do mar Egeu que se tornou 
possessão de Atenas.
FED.indb 29 25/02/2016 14:39:59
Filosofia da Educação
– 30 –
amigos e companheiros. – A corrupção dos artigos das leis e dos 
costumes alastrava tão espantosamente, que eu, que de início estava 
pleno de ímpeto para realizar o bem comum, olhando para eles e 
vendo-os sendo completamente levados de qualquer modo, acabei 
em vertigem. Não deixei, contudo, de esperar um momento ade-
quado, se, na verdade, a situação e todo o governo melhorassem, 
para ainda aproveitar qualquer ocasião de realizar o bem comum. 
Acabei por entender que todas as cidades de agora são mal gover-
nadas, pois têm legislação quase incurável, e falta uma preparação 
extraordinária aliada à fortuna. Fui obrigado a dizer, louvando a 
verdadeira filosofia, que a ela cabe discernir o politicamente justo 
em tudo dos indivíduos, e que a espécie dos homens não renunciará 
aos males antes que a espécie dos que filosofam correta e verdadeira-
mente chegue ao poder político, ou a espécie dos que têm soberania 
nas cidades, por alguma graça divina, filosofe realmente. 
Após a morte de Sócrates, Platão deixou Atenas, fez diversas viagens; 
cogita-se que tenha ido ao Egito, à Ásia Menor, a Creta, ao Sul da Itália e 
à Sicília.Numa dessas viagens é provável que tenha encontrado Arquitas, 
governador de Tarento, da escola pitagórica. Voltando a Atenas, em torno 
de 387 a.C., fundou a Academia – para alguns a primeira escola superior do 
Ocidente – com o objetivo de formar o autêntico filósofo, através dos estudos 
científicos. Mais ou menos nessa época teria escrito a maior parte de seu mais 
conhecido Diálogo A república.
Fonte: SANZIO, Rafael. Escola de Atenas, pintado de 1508 a 1511. Afresco. 
Stanza della Segnatura, Vaticano.
Em A república, Platão construiu uma cidade ideal como contraponto 
à cidade real, corrompida. Nessa cidade idealizada o filósofo é o governante. 
Mas, para que este chegue a governar, tem de passar por uma longa etapa de 
FED.indb 30 25/02/2016 14:40:00
– 31 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
educação. Educação essa que servirá para pôr os olhos na direção correta, 
evitando que a alma seja corrompida. Sabemos que por, ao menos três ocasiões, 
Platão tentou implantar tal proposta. Em todas elas se saiu malogrado. Algo 
que leva alguns estudiosos a compararem esta obra do período intermediário 
da produção platônica com outra da velhice, que, ao que parece, ficou 
inacabada: As leis.
Vamos contextualizar um pouco a Educação da época. Esparta e Atenas 
eram as cidades modelares também nesse campo. Na primeira predominava 
uma rígida educação militar: aos sete anos os jovens eram tirados de suas 
famílias, entregues ao Estado; havia treinamento atlético militar rigoroso, 
com a finalidade de modelar os espíritos à coragem; os educandos viviam 
em comunidade e passavam por diversas provas, semelhantes, ou piores, às 
militares de hoje. A segunda seguia um modelo mais privado, onde a edução 
ficava sobre a responsabilidade da família; além de aspectos tradicionais da 
paideia aristocrática – ginástica e música –, devido à ascensão de outras classes 
sociais, Retórica e Oratória se tornaram partes do “currículo escolar”. 
Para saber um pouco mais sobre a educação ateniense, tomemos uma 
passagem do livro História da Educação, de Maria Lúcia de Arruda Aranha:
Vimos que, passado o período heróico, a educação ainda é aristo-
crática e uma incumbência da família. No final do século VI a.C., já 
terminando o período arcaico, aparecem formas simples de escolas. 
Embora o Estado demonstre al gum interesse, o ensino não se torna 
nem obriga tório nem gratuito e continua predominantemente sob 
a iniciativa particular.
A educação se inicia aos sete anos. Se a crian ça é do sexo feminino, 
permanece no gineceu, parte da casa onde as mulheres se dedicam 
aos afazeres domésticos, pouco importantes em um mundo essen-
cialmente masculino. Se é menino, desliga-se da autoridade materna 
e inicia a alfabetização e a educação física e musical.
Acompanhado por um escravo, o pedagogo, o menino dirige-se à 
palestra [lugar para exercícios de luta], onde pratica exercícios físicos. 
Sob a orientação do pedó triba (instrutor físico), é iniciado em corrida, 
salto, lançamento de disco, de dardo e em luta, as cinco modalidades 
do pentatlo, competição famosa de jogos. Aprende assim a fortalecer 
o corpo e a exercer domínio sobre si próprio, já que a educação física 
nunca se reduz à mera destreza corporal, mas vem acompanhada pela 
orientação moral e estética.
FED.indb 31 25/02/2016 14:40:00
Filosofia da Educação
– 32 –
Além do preparo físico, a educação musical é extremamente valo-
rizada, e por isso o pedagogo também leva a criança ao citarista, 
ou professor de cítara. Os gregos eram amantes da música (a arte 
das musas), de significado muito amplo, abrangendo a educação 
artística em ge ral. Assim, qualquer jovem bem-educado aprende a 
tocar lira ou outros instrumentos, como cítara e flauta. É cultivado 
o canto, sobre tudo coral, bem como a declamação de poesias, geral-
mente acompanhada por instrumento mu sical. A dança é expressão 
abrangente que in clui o exercício físico e a música.
[...]
O ensino elementar de leitura e escrita, durante muito tempo, merece 
menor atenção e cuidado do que as práticas esportivas e musicais já 
referi das. O mestre é geralmente uma pessoa humilde, mal paga e sem 
o prestígio do instrutor físico. Com o tempo, à medida que aumenta a 
exigência de melhor formação intelectual, delineiam-se três níveis de 
educação: elementar, secundária e superior.
O gramático (grammata, literalmente “le tra”), também chamado 
didáscalo (didasko, “eu ensino”), costuma reunir, em qualquer canto 
– sala, tenda, esquina ou praça pública – um grupo de alunos para 
ensinar-lhes leitura e escrita. Usa métodos que dificultam a apren-
dizagem, em que é acentuado o recurso da silabação, repetição, 
memo rização e declamação. Geralmente as crianças apren dem de cor 
os poe mas de Homero, de Hesíodo, as fá bulas de Esopo e de outros 
autores. Escrevem em tabuinhas enceradas e fazem os cálculos com o 
auxílio dos dedos e do ábaco, instrumento de contar constituído de 
pequenas bolas.
A educação elementar completa-se por volta dos 13 anos. As crianças 
mais pobres saem então em busca de um ofício, enquanto as de famí-
lia rica continuam os estudos, sendo encaminhadas ao ginásio, pala-
vra com diversos sentidos. Inicialmente designa o local para a cultura 
física onde, com freqüência, os gregos se apresentam despidos (daí 
sua origem etimológica: gimno. “nu”). Com o tempo, as atividades 
musicais as direcionam para discussões literárias, abrindo espaço para 
o estudo de assuntos gerais com matemática, geometria e astronomia, 
sobretudo sob a influência dos filósofos. Com a criação de bibliotecas 
e salas de estudo, o ginásio adquire feição mais próxima do conceito 
de local de educação secundária.
Dos 16 aos 18 anos, a educação adquire uma dimensão cívica de pre-
paração militar, instituição que se desenvolve por volta do século IV 
a.C. e é conhecida como efebia (efebo significa jo vem). Após a aboli-
ção do serviço militar em Atenas, a efebia passa a constituir a escola 
em que se ensina filosofia e literatura.
FED.indb 32 25/02/2016 14:40:00
– 33 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
Apenas com os sofistas se inicia uma espécie de educação superior. 
Eles também se dedicam à profissionalização dos mestres e à didática, 
cuidando inclusive da ampliação das disciplinas de estudo.
[...]
Como se vê por este relato, a educação for mal atende aos filhos da 
elite, excluindo os demais. Segundo o legislador Sólon, “as crianças 
devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler; em seguida, os pobres 
devem exercitar-se na agricultura ou em uma indústria qualquer, ao 
passo que os ricos devem se preocupar com a música e a equitação, e 
entregar-se à filosofia, à caça e à freqüência aos ginásios”.
Isso significa também que não há preocupação com o ensino profis-
sional, pois os ofícios são aprendidos no próprio mundo do trabalho. 
Uma exceção é a medicina, profissão al tamente considerada entre os 
gregos. Os ensinamentos de Hipócrates (460-377 a.C.) são acrescidos 
de inúmeras observações, que tor nam a medicina parte integrante da 
cultura geral grega, ao lado de considerações éticas e regras de conduta. 
Segundo o helenista Werner Jaeger, esta posição de prestígio decorre 
da sua relação com a paidéia, ou seja, o médico é co locado ao lado do 
pedótriba (professor de ginástica), do músico e do poeta. Se o homem 
sadio é um ideal grego, é preciso entender que ginastas e médicos con-
cebem a cultura física na sua dimensão espiritual. (1996, p. 52-53).
Com elementos da paideia espartana e da padeia ateniense, Platão com-
pôs sua paideia, que transparece, principalmente, no Diálogo A república. 
Vemos, nesta obra platônica, elementos da velha paideia, como a ginástica e 
a música. Entretanto, Platão expulsa de sua cidade ideal algumas artes como 
certos tipos de pintura e de poesia. Hávasta literatura sobre a censura a essas 
artes imitativas. Partamos da fala do próprio texto platônico:
Logo, devemos começar por vigiar os autores de fábulas, e selecio-
nar as que forem boas, e proscrever as más. As que forem escolhidas, 
persuadiremos as amas e as mães a contá-las às crianças, e a moldar 
as suas almas por meio das fábulas, com muito mais cuidado do que 
os corpos com as mãos. Das que agora se contam, a maioria deve 
rejeitar-se. (PLATÃO, A república, II, 377c).
O que está por trás disso? 
Tentando responder ao dilema entre o mobilismo – o ser é constante trans-
formação – e o monismo – o ser é uno e sempre o mesmo – que vem da tradição 
pré-socrática, do debate entre a Escola de Eléia e Heráclito de Éfeso, Platão estabe-
lece a separação entre dois mundos: o dos sentidos, mobista; e o das Ideias, imutá-
FED.indb 33 25/02/2016 14:40:00
Filosofia da Educação
– 34 –
vel. Partindo dessa perspectiva, formula, também uma teoria do conhecimento10, 
que trata as coisas do mundo sensorial como imitações das ideias. E, dessa forma, 
considera o “conhecimento” gerado pelos sentidos como ilusórios, frutos da dóxa 
(opinião). Tal concepção é sintetizada na chamada Alegoria da Caverna, à qual 
votaremos mais à frente. As artes imitativas – particularmente a poesia homérica, 
as tragédias e a pintura – são, então, para Platão, imitações de imitações. Dessa 
forma, estão muito distantes dos modelos dados pelas Ideias. E são tais modelos – 
essências – que devem ser buscados, no processo de conhecimento.
Além disso, Platão pretendia uma reforma nas bases morais e tendia a 
defender uma concepção religiosa monoteísta, aspectos que se chocam com 
as características da tradição homérica e das representações dela derivadas na 
tragédia e na pintura. Muitos estudiosos de Platão defendem que, no fundo, 
sua crítica à paideia homérica é mais ética do que epistêmica, ou seja, refere-se 
mais aos aspectos éticos e de conhecimento. Assim, deuses, como os descritos 
pela tradição homérica, que mudam de forma, são vingativos, têm raiva e 
outras paixões humanas, não servem como modelo ético para o agir humano. 
Platão, assim como Sócrates, não tinha grande apreço pela escrita, pois esta 
era imitação da linguagem oral. No entanto, Platão, diferentemente de Sócra-
tes, deixou-nos obras escritas. Mas optou por um estilo literário que se mostra o 
mais próximo possível às conversas que tinha na Academia; por isso, escreveu em 
forma de diálogo. Eis um claro exemplo de pensador que reflete, na sua própria 
forma de escrever, princípios de seu método, do qual falaremos à frente.
1.6 A dialética: muito mais que um método
O método platônico toma por base as etapas do método socrático, já 
apresentado. O procedimento dialógico adotado por Sócrates serve para fazer 
com que os interlocutores descubram a debilidade de suas opiniões (argu-
mentos). No entanto, Platão – e o Diálogo A república é um bom exemplo 
10 Na realidade, esta é uma terminologia mais adequada para a Modernidade. Em vista disso, 
para alguns estudiosos, não haveria, propriamente, entre os filósofos gregos, uma preocupação 
sobre se podemos ou não conhecer e como conhecemos o objeto, mas partiria de um pressu-
posto de que esse objeto já é um dado. Logo, não podemos duvidar da possibilidade do conhe-
cimento. Tal abordagem é controversa. Mesmo assim, em Platão, seria mais adequado dizer 
uma Teorias das Ideias que tem reverberações na questão sobre o conhecimento.
FED.indb 34 25/02/2016 14:40:00
– 35 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
disso – não mantém essa característica na totalidade em seu método, indo 
além no processo de definição conceitual. Assim o processo proposto por Pla-
tão vai das opiniões (dóxa – escuridão) às essências (luzes, ideias – epistéme). 
Este caminhar prático/teórico é a dialética; para Platão, a única forma em que 
podemos filosofar. 
O método da dialéctica é o único que procede, por meio da destrui-
ção das hipóteses, a caminho do autêntico princípio, a fim de tornar 
seguros os seus resultados, e que realmente arrasta aos poucos os olhos 
da alma da espécie do lodo bárbaro em que está atolada e eleva-os às 
alturas […]. (Platão, A república, VII, 533c-d).
O falar está muito ligado ao raciocínio, à construção dos conceitos, ao 
ser como essência. O homem é o único animal que fala, tem uma linguagem, 
produz conceitos, juízos.
Assim, Platão aposta que o homem consegue se aproximar das coisas em 
si, ir além das opiniões. Também crê na possibilidade humana de se chegar – 
ou ao menos se aproximar – a algo irrecusável e seguro para todos enquanto 
todos são racionais. E, se há essa possibilidade, também é possível, pensa 
Platão, alcançar o Bem, o Justo e o Belo. Uma etapa para esse processo é o 
procedimento dialogal, o cuidado com as definições conceituais no debate. 
Entretanto, o cuidado com a linguagem, a tentativa de não se colocar em 
contradição e o polimento na definição conceitual ainda não são suficientes, 
pois estão no âmbito da linguagem. E Platão não discorda dos sofistas quanto 
a ver na linguagem um dizer algo que esta não é. Eis porque os procedimentos 
dialogais apenas prenunciam uma intuição de conhecimento. E, no fundo, 
para Platão é essa intuição intelectual que leva o ser humano ao reconheci-
mento das essências (Ideias).
[...] a dialética é o instrumento próprio para chegar ao conhecimento 
dos objetos do pensamento – as Idéias puras – e, finalmente, ao seu 
objeto último, a Idéia do Bem. Podemos chamar a dialética de lógica 
e metafísica, ou simplesmente de filosofia; mas, qualquer que seja 
denominação, ela é não apenas o estudo de objetos percebidos pela 
mente (mathémata); mas o exame dos primeiros princípios do ser, e 
sobretudo daquele que é o primeiro e o último, a Idéia do Bem, causa 
do ser e objeto final do conhecimento. (BARKER, 1978, p. 194).
A dialética é o estágio mais elevado da caminhada que vai da dóxa à epis-
téme, ocupando, na “grade curricular” estabelecida em A república, o último 
FED.indb 35 25/02/2016 14:40:00
Filosofia da Educação
– 36 –
nível, a educação superior. Depois da música, artes e ginástica, matemática e 
ciências afins, vem a dialética. Esta dará ao guardião a condição de ver além, 
de conseguir ver a Justiça, o Bem, as Ideias e tornar-se o verdadeiro Filósofo. 
Sir Ernest Baker (1978, p. 13-184) atualiza este procedimento, explicando-o:
[...] o professor “extrai” do aluno o que ele tem de melhor; na 
verdade, seria mais próprio dizer que este “melhor” aparece por 
si, reagindo à presença de certos fatores externos, e que a arte do 
professor consiste justamente em expor tais fatos diante do aluno.
No próprio caminhar de A república vemos isso: o “professor”, aqui, 
Sócrates, faz seus alunos descobrirem, ou reconhecerem, o que seja a Justiça 
em sua essência. Dando estímulos que os desvelarão ao que está escondido 
no seu “interior”. E aí conhecer-se a si mesmo equivale a conhecer o mundo, 
as ideias.
Em complemento a uma estratégia mais racional e de uso do raciocínio 
lógico, o texto platônico recorre a vários Mitos, ou melhor, Alegorias. Mas 
por que isso? Segundo Platão, há certas coisas muito difíceis de explicar. 
E mais, há pessoas que não acompanham muito bem uma linguagem 
lógico-argumentativa. Assim, o recurso aos Mitos ou Alegorias facilitam a 
compreensão, pois têm uma linguagem poética, sem distorções como as de 
Homero e outros poetas, e que anima o espírito, provocando a imaginação.
Dessa forma o mito completa o diálogo, como nos esclarece François 
Châtelet no volume 1. A filosofia pagã, de História da filosofia: ideias 
e doutrinas:
O método platônico é demonstrativo e seu instrumento é a 
“arte” dialética. Entretanto, freqüentemente, o discurso lógico 
busca apoio em imagens ou alegorias, freqüentemente também 
desembocaem narrações míticas. Às técnicas indutiva e dedutiva 
ajuntam-se, pois, procedimentos que repousam sobre o valor 
expressivo da analogia ou da metáfora. […] Nos dois casos, a 
linguagem do saber é, ela também, parcialmente inapta para dizer 
o que é. Duplamente inapta: demasiado envolvida no sensível, 
ela não consegue dizer completamente a mais alta realidade; 
demasiado desligada dela, tem dificuldade em fazer entender 
o que, “lá em cima”, aprendeu. A imagem, o mito compensam 
essa insuficiência; compensam-na mas num sentido positivo, se se 
pode dizer: a narração lendária enriquece a dialética, aumenta seu 
FED.indb 36 25/02/2016 14:40:00
– 37 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
vigor, acrescenta uma lógica metafórica à lógica da demonstração. 
(1981, p. 113).
Ao aliar várias estratégias em seus escritos, Platão pretende não só fis-
gar um leitor ou, para sua época, também, um ouvinte especializado, mas 
qualquer um que se dispusesse a trilhar a via para fora da caverna.
Na Alegoria da caverna, o personagem Sócrates solicita a seus 
interlocutores que imaginem uma série de seres humanos acorrentados no 
fundo de uma caverna. Esses seres humanos só podem olhar para o fundo da 
caverna. Entre eles e uma fogueira, há uma mureta, por trás da qual passam 
vários viajantes, muitos deles carregando objetos na cabeça. O reflexo desses 
objetos projeta, no fundo da caverna, sombras, que os prisioneiros acreditam 
ser a realidade. Alguns até identificam certa regularidade nas sombras e 
advinham o que virá. Mas eis que um desses prisioneiros é arrastado do 
fundo da caverna para o lado de fora. Sócrates continua conjecturando 
que provavelmente tal prisioneiro resistirá e terá dificuldades, no lado de 
fora da caverna, de olhar para a luz durante o dia, ficando mais à vontade, 
inicialmente, durante a noite. Mas aos poucos seus olhos se acostumarão à 
luz e ele poderá, por fim, olhar brevemente para o sol. Esse prisioneiro, ao 
voltar à caverna para contar a seus colegas o que realmente é a verdade, será 
visto como um louco. E, em razão de sua insistência em mostrar a verdade, 
poderá ser morto por seus antigos colegas. Eis um resumo da Alegoria da 
caverna que você encontra nas primeiras páginas do Livro VII, do Diálogo 
A república de Platão. 
Certamente, uma das interpretações possíveis dessa alegoria nos remete 
ao processo educacional e à função daqueles que buscam tirar outros de sua 
ignorância. Algo que, não raramente, pode incomodar aqueles que desejam 
manter o status quo, gerando a morte dos Sócrates que encontramos na 
vida. Há aí também um caráter soteriológico em relação ao educador, 
ou seja, uma visão deste como aquele que tem a missão de salvador. No 
fundo, aquele a quem Platão aponta como o salvador (soter) é o verdadeiro 
Filósofo, que, apesar de tudo, se dispõe à difícil tarefa de administrar uma 
cidade. Mas, para Platão, apenas a este cabe o papel de administrador ou 
de conselheiro do administrado por ser ele o que tem uma alma que mais 
se recorda da ideias, das essências e modelos do mundo. Fica claro, então, o 
teor essencialista ou metafísico da proposta platônica.
FED.indb 37 25/02/2016 14:40:00
Filosofia da Educação
– 38 –
Na linha das diferenciações entre Sócrates e Platão – aceitando a 
possibilidade de estabelecer um limite entre um e outro – é bom lembra-
mos, antes de passarmos para o pensamento de Aristóteles, que, enquanto 
Sócrates se dedica apenas a questões antropológicas – afastando-se do 
foco naturalista e cosmológico dos pensadores originários –, Platão alarga 
seus estudos, estabelecendo relações entre cosmologia e antropologia. 
Dessa forma, ele também retoma temáticas típicas dos pré-socráticos. A 
ordem cósmica11 é tomada como modelo para a ordem política, que deve 
ser modelo para a autorregulação do indivíduo. Aliam-se, então, teologia, 
cosmologia, ética e política.
Essa retomada também fará parte do pensamento de Aristóteles.
Vamos a ele?
1.7 Do realismo aristotélico à 
mentalidade medieval 
Aristóteles nasceu em Estagira12 em 384 a.C. Seu pai, Nicômaco, que 
morreu quando Aristóteles tinha uns sete anos, foi médico do rei macedônio 
Amintos, como apuramos em Chaui (2002, p. 334). Mesmo que educado 
por seu tio, Aristóteles se manteve no ambiente da formação médica. Eis algo 
que, para muitos comentadores, influenciou sua tendência, mais tarde, aos 
estudos da natureza e da biologia. 
Aos dezoito anos Aristóteles vai para Atenas e ingressa na Academia de 
Platão. É interessante notar que, na faixada de entrada da Academia, estava 
escrito: “Aqui só entra matemático”. Mas Aristóteles estava mais ligado à 
biologia. Talvez em razão disso corre uma anedota de que o estagirita tenha 
entrado pela janela da Academia. Jocosidades à parte, a situação reflete a 
oposição entre a mentalidade platônica e a aristotélica. Isso, entretanto, não 
indica que o estagirita foi desafeto de Platão. Muito pelo contrário, ambos 
tecem elogios entre si. 
11 Que, se pensarmos etimologicamente, é um pleonasmo, pois kósmos, em grego, significa: 
ordenado; ornado.
12 Cidade fundada por gregos, onde se falava grego, mas nos domínios dos macedônios. Algo 
que fazia com que alguns gregos não vissem os estagiritas como gregos. 
FED.indb 38 25/02/2016 14:40:00
– 39 –
O homem e sua relação com o mundo: Filosofia e Educação
Depois de um tempo na Academia, Aristóteles funda, em 335 a.C., o 
Liceu. Este ficava num bosque dedicado às Musas e a Apolo Lício. Com-
punham o Liceu: uma edificação, na qual encontramos a primeira biblio-
teca e um museu ligados diretamente ao ensino; um jardim; e uma área 
de passeio. 
 
O termo grego para passeio é perípatos; a ação de passear, 
peripatéô. Termos formados por um prefixo perí-, que indica: 
a volta de, em torno, sobre ou em vista de; e patéô, que 
significa: pisar, marchar, caminhar, percorrer; conforme apu-
ramos em Chaui (2002, p. 508). Sabemos que no Liceu as 
lições, por vezes, eram dadas em caminhadas. Dessa forma, 
Aristóteles e os estudantes, transitando pelo passeio do jar-
dim liceísta, debatiam animadamente filosofia. Eis o porquê 
da denominação peripatéticos para os membros da escola 
aristotélica. A dar conta de alguns relatos, o Liceu alcançou 
prestígio grandioso, reunindo cerca de dois mil alunos.
Diversas fontes atestam que, a partir dos quatorze anos, Alexandre, o 
Grande, teve como seu preceptor – um tipo de professor particular – Aris-
tóteles. Os registros de que o estagirita teria ensinado ao futuro imperador 
são escassos. Entretanto, como aponta Chaui (2002, p. 335-336): 
Pelos escritos políticos aristotélicos, porém, podemos inferir que, 
pelo menos, duas ideias foram transmitidas a Alexandre: a de que a 
Grécia não sobreviveria dividida em cidades rivais, mas precisava ser 
pacificada sem recorrer a um governo central; e a de que a Macedô-
nia era mais grega do que oriental, que havia diferenças profundas 
entre os gregos e os “bárbaros” e que não era possível unificá-los, 
pois os primeiros estavam, por natureza e por costume, habituados à 
liberdade enquanto os segundos eram, por natureza e por costume, 
afeitos ao despotismo.
Pelo que sabemos da história, Alexandre não levou em consideração 
nenhum desses ensinamentos.
FED.indb 39 25/02/2016 14:40:00
Filosofia da Educação
– 40 –
 Dica de filme
Para ter em mente um pouco das atitudes de Alexandre em relação 
a suas conquistas, recomendamos assistir ao filme Alexandre, o 
Grande (2004). Nesse mesmo filme, encontramos uma sequên-
cia onde aparece Aristóteles dando aulas ao jovem Alexandre.
Alguns atenienses começaram a ver Aristóteles com desconfiança por 
diversos fatores: ele ser de Estagira; ter sido preceptor de Alexandre – muitos 
gregos não gostaram das investidas, por vezes, violentas do imperador macedô-
nio na

Mais conteúdos dessa disciplina