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1 Disciplina: Metodologia do Ensino do Texto Literário - verso Autores: Esp. Tania Mara Aristimunho Vargas Revisão de Conteúdos: Esp. Marcelo Alvino da Silva Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso Ano: 2017 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 FICHA CATALOGRÁFICA VARGAS, Tania Mara Aristimunho. Metodologia do Ensino do Texto Literário – Verso / Tania Mara Aristimunho Vargas. – Curitiba, 2014. 80 p. Revisão de Conteúdos: Marcelo Alvino da Silva. Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso. Material didático da disciplina de Metodologia do Ensino do Texto Literário - Verso – Faculdade São Braz (FSB), 2017. 3 Metodologia do Ensino do Texto Literário - Verso ANO 2017 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Apresentação da disciplina Nesta disciplina objetiva-se fornecer elementos para análise de textos em verso a partir da teoria da versificação iniciada na literatura ocidental, ainda na Grécia Antiga. Toda a teoria está embasada na obra de Alfredo Bosi, Hernâni Cidade, Celso Cunha, Vitor Manuel de Aguiar e Silva e Hênio Tavares, por acreditar que apresentam o melhor na área de Teoria Literária e por analisarem fragmentos e/ou textos poéticos em sua total plenitude. É necessário salientar, nessa pequena apresentação, que o artista trabalha a língua, mesmo que não enquanto língua, pois ele a supera (abordando assim essa superação). 6 Aula 1 – Os Gêneros Literários Apresentação da aula 1 Nesta aula serão abordados os contextos históricos e as definições dos Gêneros Literários. 1. Os Gêneros Literários A palavra Gênero vem do latim Generu, que significa família; ou seja, agrupamento de indivíduos ou seres que têm características comuns. Portanto, os gêneros literários são agrupados por suas semelhanças. Ferreira (1986), atribui a gênero as seguintes acepções: [...] [Do lat. genus, eris.] S.m. 1. Lóg. Classe cuja extensão se divide em outras classes, as quais, em relação à primeira, são chamadas espécies. 2. P. ext. Conjunto de espécies que apresentam certo número de caracteres comuns convencionalmente estabelecidos. 3. P. ext. Qualquer agrupamento de indivíduos, objetos, fatos ideias, que tenham caracteres comuns; espécie, classe, casta, variedade, ordem, qualidade, tipo: Frequentava todo gênero de gente; Que gênero de conversa é esta? Nesta rua há todo gênero de casas. 4. Maneira, modo, estilo: Não concordo com esse gênero de vida. 5. Nas obras de um artista, de uma escola, cada uma das categorias que, por tradição, se definem e classificam segundo o estilo, a natureza ou a técnica: os gêneros literários, musicais, pictóricos. 6. Classe ou natureza do assunto abordado por um artista: gênero dramático; gênero romântico [...] (FERREIRA, 1986, p. 844). A Literatura ocidental se inicia com a poesia épica de Homero, o primeiro e, no conceito de muitos historiadores e literatos, o maior poeta da Antiguidade e de todos os tempos. Ele foi o último e o maior dos rapsodos (poetas cantores ambulantes, que memorizavam uma enorme quantidade de versos, sem que houvesse a preocupação de autoria). A Grécia ágrafa, até o tempo do tirano Psístrato (605? – 527? a.C.), época em que as obras de Homero foram coletadas e registradas pela escrita, tinha na memória dos rapsodos, considerados homens sagrados ou vates (profetas) inspirados por deusas e deuses, a memória cultural dos antepassados. Platão (~ 428 a.C. – 347 a.C.) foi o primeiro autor a se preocupar em separar as obras literárias em três gêneros– o lírico, o épico e o dramático nos livros III e X de A República. De início, o filósofo grego já distingue três divisões: a poesia 7 mimética ou dramática (que compreenderia a tragédia e a comédia); a poesia não mimética (ou lírica), representada pelos poetas ditirâmbicos, que relatam os fatos “eles mesmos”, e, por fim, a poesia mista ou épica (a epopeia de Homero, principalmente), que combinava o gênero lírico e o épico. 1.1 Gênero Lírico A palavra lírico vem do latim, que significa lira; instrumento musical usado para acompanhar as canções dos poetas da Grécia antiga, e retomado na Idade Média pelos Trovadores. O gênero lírico, portanto, em suas origens, está profundamente ligado à música e ao canto. Mesmo mais tarde, quando a poesia lírica deixa de ser composta para ser cantada e passa a ser escrita para ser lida, ainda conserva traços de sonoridade através dos elementos fônicos do poema (metros, acentos, rimas, aliterações, onomatopeias). A ligação com a música faz com que se entenda com mais intensidade a característica principal do gênero lírico, a emocionalidade. Lírico é uma explosão de sentimentos, sensações, emoções. Segundo Roman Jakobson (1941), tendo como fator fundamental da comunicação o emissor, o gênero lírico ativa intensamente a função emotiva da linguagem humana. Afirma-se, portanto, que o gênero lírico é a expressão do sentimento pessoal, afirmação reforçada por Hegel (1993), evidenciando que: [...] é a maneira como a alma, com seus juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações, toma consciência de si mesma no âmago deste conteúdo" (HEGEL, 1993, p.608). Nesse contexto a ligação do gênero lírico com a música está relacionada pela emocionalidade em questão, a qual traz e traduz o sentimento do ser humano, do poeta e do sujeito que se isola e concentra-se em seu estado de alma e mundo exterior. De fato, o poeta lírico é o indivíduo isolado que se interessa somente pelos estados da alma. É aquele que se preocupa de forma demasiada com as próprias sensações voltadas para si. O universo exterior só é considerado quando existe uma 8 identificação, ou é passível de ser interiorizado pelo poeta. Dessa forma, na maioria das vezes o poeta manifesta sua emotividade por meio de poemas curtos, uma exceção é o episódio de Inês de Castro em Os lusíadas, de Camões ou a introduçãode Iracema, de José de Alencar. O episódio de Inês de Castro ocupa as estâncias 118 a 135 do Canto III de Os Lusíadas e relata o assassinato de Inês de Castro, em 1355, pelos ministros do rei D. Afonso IV de Borgonha, pai de D. Pedro, seu amante. Inês de Castro simboliza a força e a veemência do amor em Portugal e é considerado um dos mais belos momentos do poema, é a um só tempo um episódio histórico e lírico. Os Lusiadas Fonte: https://imagens.publicocdn.com/imagens.aspx/812617?tp=UH&db=IMAGENS Antes de Camões imortalizar Inês em Os Lusíadas, Fernão Lopes, na prosa, Garcia de Resende em verso e Antônio Ferreira, no teatro, já haviam explorado a figura histórica de Inês Pires de Castro, evidenciado no enredo do episódio: Dom Pedro, Príncipe de Portugal, filho do Rei Afonso IV, era casado com D. Constança, mas se apaixonara por Inês de Castro, dama de companhia de D. Constança e filha ilegítima de um nobre português. Com a morte de D. Constança, Inês foi morar em Coimbra às margens do Rio Mondego e D. Pedro, futuro Rei de Portugal, viúvo, queria selar seu amor com Inês fazendo dela sua rainha. O Rei Afonso IV temendo pela sucessão do trono que seria de seu neto, filho de Constança e pela influência dos nobres que temiam uma influência castelhana, tenta resgatar o filho e conduzi-lo a um casamento que obedecesse não aos caprichos de cupido, mas às conveniências políticas de Portugal. Para isso, vendo como única saída, o Rei manda vir Inês para que seja executada. Os terríveis verdugos trouxeram Inês e seus filhos perante o Rei. Depois de ouvir a sentença, Inês ergueu os olhos aos céus e disse: 9 “Até mesmo as feras, cruéis de nascença, e as aves de rapina já demonstraram piedade com as crianças pequenas. O senhor, que tem o rosto e o coração humanos, deveria ao menos compadecer-se destas criancinhas, seus netos, já que não se comove com a morte de uma mulher fraca e sem força, condenada somente por ter entregue o coração a quem soube conquistá-lo. E se o senhor sabe espalhar a morte com fogo e ferro, vencendo a resistência dos mouros, deve saber também dar a vida, com clemência, a quem nenhum crime cometeu para perdê-la. Mas se devo ser punida, mesmo inocente, mande-me para o exílio perpétuo e mísero na gelada Cítia ou na ardente Líbia onde eu viva eternamente em lágrimas. Ponha-me entre os leões e tigres, onde só exista crueldade. E verei se neles posso achar a piedade que não achei entre corações humanos. E lá, com o amor e o pensamento naquele por quem fui condenada a morrer, criarei os seus filhos, que o senhor acaba de ver, e que serão o consolo de sua triste mãe.” Comovido com essas palavras, o Rei já pensava em absolver Inês, quando os verdugos, que defendiam a execução, sacaram de suas espadas e degolaram Inês. (LOPES, S/d.). Chronica del Rey D. Pedro I deste nome, e dos reys de Portugal o oitavo cognominado o Justiceiro – Fernão Dias Lopes Fonte: http://purl.pt/422/3/hg-5530-p_JPG/hg-5530-p_JPG_24-C-R0150/hg-5530-p_0002_0- rosto_t24-C-R0150.jpg Isso aconteceu em 1355 e diz a lenda que D. Pedro, inconformado, mandou vestir a noiva com roupas nupciais, sentou o cadáver no trono e fez os nobres lhe beijarem a mão, daí falar-se que "a infeliz foi rainha depois de morta". Outro exemplo clássico do lirismo é o romance indianista Iracema de José de Alencar (1829-1877), um poema em prosa em que predomina o lirismo amoroso e a exploração do vocabulário indígena no português falado no Brasil. 10 Na obra Iracema, o lirismo está presente na disposição das palavras ao longo do texto em prosa. [...] Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva Enquanto repousa, empluma das penas do guará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela As vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão. Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. [...] (ALENCAR, 1865) Iracema (1865) – José de Alencar Fonte: http://img.estadao.com.br/resources/jpg/2/7/1448891660372.jpg 11 Um exemplo de poema lírico é o poema A um passarinho de Vinícius de Moraes, no qual evidencia-se o ponto-chave da possibilidade de transitar entre os diversos sentimentos que o ser humano possui, ou seja, é compreensível verificar momentos de alegria e de tristeza na escrita, A um passarinho Para que vieste Na minha janela Meter o nariz? Se foi por um verso Não sou mais poeta Ando tão feliz! Se é para uma prosa Não sou Anchieta Nem venho de Assis. Deixa-te de histórias Some-te daqui! (MORAES, 1946) 1.2 Gênero Épico O termo Épico vem do grego Epos, narrativa ou recitação. A poesia épica nasceu no Ocidente com Homero, poeta grego autor do que seriam os primeiros modelos desse gênero as obras Ilíada e a Odisseia. Na Idade Média, principalmente entre os séculos XII à XIV, surgiram várias narrativas inspiradas em façanhas de guerra da cavalaria andante. que se afastavam dos padrões clássicos, a exceção é a Divina Comédia, de Dante Alighieri (1265-1321), que insere o maravilhoso mundo pagão (mitologia greco-romana) na perspectiva do imaginário cristão, narrando, em primeira pessoa, a sua peregrinação por inferno, purgatório e paraíso. No Renascimento, Os Lusíadas narram a grande aventura dos navegadores portugueses, com Vasco da Gama (1469-1524) no comando, na descoberta do caminho marítimo para a Índia. 12 A última grande epopeia ocidental é Paraíso Perdido, de John Milton (1608- 1674). Narra a história da criação do homem e de Adão e Eva expulsos do Jardim do Éden. Os Lusíadas (1572) é o exemplar modelo épico da modernidade e a última grande manifestação dessa poesia. A literatura brasileira também teve suas epopeias: em 1601, Bento Teixeira a Prosopopeia, imitação de Os Lusíadas; em 1769, José Basílio da Gama compõem o Uraguai, e Frei José de Santa Rita Durão lança O Caramuru em 1781. 1.3 O Gênero Dramático Gênero Dramático, originado do vocabulário grego denota o significado da ação, o qual significa um acontecimento ou situação com intensidade emocional, a qual pode ser representada. No sentido literário, falar de drama é falar de teatro. O Gênero Dramático subdivide-se em: Tragédia: é a representação de um fato trágico, apto a suscitar compaixão e terror; Comedia: é a representação de um fato inspirado na vida e no sentimento comum, de riso fácil, em geral criticando os costumes; Tragicomédia: é a mistura do trágico com o cômico; Farsa: pequena peça teatral, de caráter ridículo e caricatural, criticando a sociedade e seus costumes. Curiosidade A definição mais antiga do Gênero Dramático é Poética de Aristóteles, escrito por volta de 335 a.C, na Grécia. No poema dramático, a história é contada através das falas dos personagens. As peças de teatro escritas em verso constituem forma de poesia dramática. Morte e 13 Vida Severina, auto de natal pernambucano é um livro do escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto (1920-1999), escrito entre 1954 e 1955 e publicado em 1955. O nome do livro é uma alusão ao sofrimento enfrentado pelo personagem. O livro apresenta um poema dramático, que relata a dura trajetória de um migrante sertanejo (retirante) em busca de uma vida mais fácil e favorável na capital pernambucana. Morte e Vida Severina [...] Encontra dois homens carregando um defunto numa rede, aos gritos de “Ó irmão das almas! Irmãos das almas! Não fui eu que fui eu que matei não! — A quem estais carregando, irmãos das almas, embrulhado nessa rede? dizei que eu saiba. — A um defunto de nada, irmão das almas, que há muitas horas viaja é sua morada. — E sabeis quem era ele, irmãos das almas, sabeis como ele se chama ou se chamava? — Severino Lavrador, irmão das almas, Severino Lavrador, mas já não lavra. — E de onde que o estais trazendo, irmãos das almas, onde foi que começou vossa jornada? — Onde a Caatinga é mais seca, irmão das almas, onde uma terra que não dá nem planta brava. — E foi morrida essa morte, irmãos das almas, essa foi morte morrida ou foi matada? — Até que não foi morrida, irmão das almas, esta foi morte matada, numa emboscada. — E o que guardava a emboscada, irmão das almas, 14 e com que foi que o mataram, com faca ou bala? — Este foi morto de bala, irmão das almas, mais garantido é de bala, mais longe vara. — E quem foi que o emboscou, irmãos das almas, quem contra ele soltou essa ave-bala? — Ali é difícil dizer, irmão das almas, sempre há uma bala voando desocupada. — E o que havia ele feito, irmãos das almas, e o que havia ele feito contra a tal pássara? — Ter um hectares de terra, irmão das almas, de pedra e areia lavada que cultivava. — Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas, que podia ele plantar na pedra avara? — Nos magros lábios de areia, irmão das almas, os intervalos das pedras, plantava palha. — E era grande sua lavoura, irmãos das almas, lavoura de muitas covas, tão cobiçada? — Tinha somente dez quadros, irmão das almas, todas nos ombros da serra, nenhuma várzea. — Mas então por que o mataram, irmãos das almas, mas então por que o mataram com espingarda? — Queria mais espalhar-se, irmão das almas, queria voar mais livre essa ave-bala. — E agora o que passar? irmãos das almas, o que é que acontecerá contra a espingarda? — Mais campo tem para soltar, 15 irmão das almas, tem mais onde fazer voar as filhas-bala. — E onde o levais a enterrar, irmãos das almas, com a semente de chumbo que tem guardada? — Ao cemitério de Torres, irmão das almas, que hoje se diz Toritama, de madrugada. — E poderei ajudar, irmãos das almas? vou passar por Toritama, é minha estrada. — Bem que poderá ajudar, irmão das almas, é irmão das almas quem ouve nossa chamada. — E um de nós pode voltar, irmão das almas, pode voltar daqui mesmo para sua casa. — Vou eu, que a viagem é longa, irmãos das almas, é muito longa a viagem e a serra é alta. — Mais sorte tem o defunto, irmãos das almas, pois já não fará na volta a caminhada. — Toritama não cai longe, irmão das almas, seremos no campo santo de madrugada. — Partamos enquanto é noite, irmão das almas, que é o melhor lençol dos mortos noite fechada. [...[ (MELO NETO, 1955) 1.4 Poética Faz-se necessário ressaltar que antigamente o “modo” de fazer o poético, isto é, se ele seria feito em versos ou em prosa, não era objeto de reflexão ou estudo, porque as composições eram feitas em versos e acompanhadas de instrumentos 16 musicais. Isso porque a separação que temos hoje entre a lírica e as formas narrativas ainda não existia; e o fazer poético fosse para ser encenado, como no teatro, fosse para ser narrado era o mesmo. Os antigos gregos tinham maneiras próprias de manifestar seus sentimentos: o religioso era extravasado por meio de hinos, a disputa esportiva por epinício, a exaltação de um homem ilustre era feita por encômio, a celebração das núpcias era realizada por epitalâmio, a dor pela morte de um ente querido era expressada em treno, o gracejo obsceno era feito pelo jambo, os preceitos morais pela elegia gnômica, os sentimentos da pátria pela elegia guerreira e o amor era expressado por meio de elegia erótica. Vocabula rio Epinício é um gênero de poesia ocasional. Na Grécia Antiga, o epinício frequentemente tomava a forma de poesia lírica durante a celebração de uma vitória nos Jogos Pan-Helénicos e às vezes em honra a uma vitória na guerra. Poema ou canto com que se celebra uma vitória. Canto triunfal entre os gregos. Encômio é fala ou discurso em louvor de alguém (elogio, gabo). Epitalâmio é um cântico nupcial de natureza religiosa, destinado a reivindicar para os noivos a bênção dos deuses, em especial de Himeneu, a divindade protetora dos enlaces matrimoniais. Treno é o canto plangente, lamentação fúnebre ou elegia. Jambo são poemas com sexualidade explícita, com invectivas que vão além do gracejo engenhoso encontrado na elegia e com outros tipos de vulgaridade. Gnômica pode definir-se como sentencioso, que contém máximas ou sentenças, adagial ou aforístico. Na religião grega, em que tudo é sagrado, a memória é uma potência divina; ela é uma deusa chamada Mnemosyne, filha da grande deusa-mãe Gaia (Terra) e de Urano (o Céu). Fecundada por Zeus, Mnemosyne deu à luz nove deusas, nove irmãs chamadas “Musas”, nome que significa, na língua de Homero, “Palavras Cantadas”. O canto das Musas tem a função de preservar a memória imortal de Zeus-pai, divindade da justiça e do poder supremo. 17 Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) em sua obra Poética, concebe a mimesis ou seja, a imitação em relação ao mundo empírico, classificando o ato de “imitar” como natural aos homens e não como reprodução da realidade e estabelece uma reflexão mais aprofundada sobre os gêneros literários, detendo-se na tragédia, na comédia e na epopeia. Opiniões distintas a respeito dos gêneros surgiram ao longo do tempo e, no século XVII, os teóricos literários em “uma querela dos antigos e modernos” na qual os antigos tinham como ideal as obras greco-latinas e os modernos eram favoráveis a novas estruturas, estruturas estas que deveriam acompanhar a mudança de tempo e tudo o que sofreu modificações, tais como cultura e sociedade. Com o movimento pré-romântico Sturm und Drang, vem a tendência à valorização da interioridade do poeta, da individualidade de cada obra, da criação livre e espontânea. Isso condenou os modelos apriorísticos e normativos existentes para os gêneros literários e à defesa do hibridismo, do grotesco, como o prefácio escrito por Victor Hugo para Crowell, em 1827. No final do século XIX, Ferdinand Brunetière (1849-1906), autor influenciado diretamente pelo positivismo e pelas teorias evolucionistas da época, afirma que os gêneros nasceriam de outros gênerose se transformariam naturalmente, os “mais fortes” sobreviveriam, outros sucumbiriam. Para Benedetto Croce (1886-1952) a força motriz da criação artística é a intuição e admite que os gêneros literários possam servir como instrumento, como auxiliares na sistematização da história da literatura, mas critica a supervalorização dos gêneros literários, pois para ele os gêneros ocupavam o lugar da expressão poética e das obras dos artistas. Alberto de Oliveira (1857-1937) em seu soneto Vaso Grego, volta aos hipérbatos (rompimento da ordem direta dos termos da oração [sujeito, verbo, complementos, adjuntos] ou de nomes e seus determinantes). O poema aponta também um caráter lógico e certa racionalidade do pensamento, induzindo a uma interpretação realizada de várias maneiras de acordo com a leitura e entendimento de cada leitor. A linguagem descritiva, denotativa, voltada para o mundo externo com uma visão, na qual não traz a presença ou a sua participação emocional nesse momento. O soneto Vaso Grego, apresenta em sua primeira estrofe rimas finais ou 18 externas classificadas como alternadas ou cruzadas (A B A B), apresentando rimas consoantes e rimas pobres (na primeira e a terceira estrofe). Vaso Grego Esta de áureos relevos, trabalhada A De divas mãos, brilhante copa, um dia, B Já de aos deuses servir como cansada, A Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. B Era o poeta de Teos que a suspendia Então, e, ora repleta ora esvazada, A taça amiga aos dedos seus tinia, Toda de roxas pétalas colmada Depois… Mas o lavor da taça admira, Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa voz de Anacreonte fosse. (OLIVEIRA, 1912) Contextualizando historicamente, Platão foi o primeiro autor que preocupou- se em dividir as obras literárias, identificando-as em três gêneros distintos, sendo eles: tragédia e comédia (teatro); poesia lírica, ou ditirambo (poesia lírica que exprime entusiasmo ou delírio, sendo o ditirambo também a forma de louvor exagerado); poesia épica. Esse conceito foi adotado na civilização greco-romana, estendendo-se até o Renascimento, originando-se assim a uma supervalorização da produção da antiguidade. Platão acreditava que os gêneros preexistiam aos autores, e cada segmento possuía regras próprias que deviam ser obedecidas rigorosamente, não havendo portanto, influência de um gênero sobre o outro. 19 Portanto, no século XIX os autores românticos romperam os limites dos gêneros imutáveis, e adotaram os gêneros comunicantes, resultando na criação de novos segmentos como o drama. Resumo da aula 1 Nesta aula foram abordados os Gêneros Literários evidenciando os seus contextos históricos, conceitos e principais características. Atividade de Aprendizagem Discorra a respeito dos gêneros literários, evidenciando as suas características. Aula 2 – Elementos do Verso Apresentação da aula 2 Nesta aula serão abordadas as noções conceituais do verso, evidenciado os seus elementos, auxiliando na identificação dos itens de análise do verso. 2. Elementos do Verso A palavra é a matéria-prima da Literatura, portanto os textos literários são composições feitas de palavras, que podem se articular de dois modos: em verso e em prosa. Para que se faça distinção entre ambos, basta um olhar mais aprofundado no Soneto de Fidelidade, de autoria de Vinicius de Moraes e O Cortiço, de Aluísio Azevedo. 20 Vinicius de Moraes (1913-1980), poeta e compositor brasileiro, compôs Garota de Ipanema, em parceria com Antonio Carlos Jobim, composição a qual tornou-se um hino da música popular brasileira. Em seu poema Soneto de Fidelidade, pode-se observar o fluxo de palavras, o qual é interrompido antes que as linhas sejam preenchidas até o limite da margem direita, pertence ao gênero lírico pois está escrito em poesia em versos, com ritmo e rimas. No poema prevalece a linguagem conotativa ou denotativa, manifestando a emotividade do poeta. Soneto de Fidelidade De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure (MORAES, 1946) Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo (1857-1913), foi um crítico impiedoso da sociedade brasileira e de suas instituições. Criador do naturalismo no Brasil, influenciado por Eça de Queirós e Émile Zola. No trecho do primeiro capítulo de O Cortiço, Aluísio Azevedo (ao contrário do poema Soneto de Fidelidade, de Vinicius de Moraes), nota-se o preenchimento das linhas e seguem sempre em frente, até que o pensamento se complete, escrito em prosa. 21 O cortiço João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro. Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha. A comida arranjava-lha, mediante quatrocentos réis por dia, uma quitandeira sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade [...] (AZEVEDO, 1890) Assim sendo, reportamo-nos a uma modalidade textual ora denominada de poética, estritamente inerente ao campo literário. Trata-se de características ligadas a questões de ordem estética, ou seja, a maneira pela qual o texto é disposto. Na obra O cortiço, esteticamente em formato de um texto redigido em prosa, há os parágrafos como referencial. Todos articulados de uma forma coesa e harmoniosa, com vistas a proporcionar uma perfeita interação entre o discurso e o interlocutor com o qual se compartilha. O texto escrito por Aluísio Azevedo, sob a forma prosaica, tende a estabelecer certa linearidade na ideia apresentada, visto que se trata de uma trama ficcional e os acontecimentos vão se desenvolvendo progressivamente. O mesmo não ocorre com a maioria dos poemas, pois o objetivo desses é delineado pelo aflorar de sentimentos e emoções, todos pautados em um instinto de total subjetividade. Já no poema Soneto de Fidelidade, por sua vez, o assunto apresentado é disposto em forma de um conjunto de versos, todos distribuídos conforme a finalidade discursiva pretendida pelo autor, denominado de estrofe. Conforme a leitura é feita, detecta-se que se trata de várias linhas poéticas, assim representadas: “[...] De tudo ao meu amor serei atento/ Quero vivê-lo em cada vão momento/ E assim, quando mais tarde me procure [...] (MORAES, 1947), tais22 excertos poéticos denominam-se versos. Vale reforçar que o Soneto da Fidelidade pertence ao gênero lírico. Em latim, a palavra versus (verso) significa “voltado”. Esse vocábulo, originalmente de uso agrícola, servia para descrever o movimento do arado, que, chegando ao fim do terreno demarcado para semeadura, devia voltar em sentido contrário e abrir na terra um sulco, geralmente de mesmo tamanho, paralelo ao primeiro. Em língua portuguesa, diz-se que verso é uma linha de palavras que se interrompe após atingir um determinado número de sílabas, mesmo que o sentido não se complete e a frase fique suspensa, inconclusa, até que o sentido se perfaça com a(s) palavra(s) que abre(m) o verso seguinte. Esse fenômeno é denominado enjambement. O enjambement é fundamental para a leitura do soneto em voz alta. A essência da leitura do soneto é que o leitor leia os versos com movimento compassado ou cadenciado como se fosse um passo de dança ou uma dança. Esse "passo de dança" é garantido, durante a leitura, pelo enjambement, uma palavra de origem francesa. Por enjambement, entende-se a partição de uma frase no final de um verso ou uma estrofe, sem respeitar as fronteiras dos sintagmas, colocando um termo do sintagma no verso anterior e o restante no verso seguinte. É o enjambement que cria um efeito de coesão entre os versos, pois aquele onde começa não pode ser lido com a habitual pausa descendente no final, e sim com entonação ascendente, que indica continuação da frase, e com uma pausa mais curta ou sem pausa. Veja o exemplo no Soneto da Fidelidade: "uma paixão imortal, posto que é chama, mas infinito enquanto dura". Dizendo o mesmo, porém simplificadamente, quando um verso não finaliza juntamente com um segmento sintático, ocorre o encadeamento ou enjambement, que é a continuação do sentido de um verso no verso seguinte. Teixeira de Pascoaes (1877-1952), poeta e ensaísta, concluiu os seus primeiros estudos em Coimbra, onde também cursou Direito. Exerceu a carreira de 23 advogado, até 1908. Integrado no movimento cívico e cultural portuense "Renascença Portuguesa", é cofundador de A Águia, em 1911, foi um dos principais teorizadores do Saudosismo, movimento literário, religioso e filosófico de autoconhecimento e reconstrução nacional. Pascoaes em seu poema Canção Saudosa, a qual é parte integrante da sua obra Terra Proibida, traz exemplos claros do enjambement. Canção Saudosa A Saudade vem bater, Vem bater à minha porta, Quando o luar é de lágrimas E a terra parece morta. E a saudade bate, bate, Com tal carinho e brandura, Que nem a aurora batendo À porta da noite escura! Mas eu ouço-te, Saudade... E o silêncio é tão profundo! Ouço vozes, choros de alma, Que ninguém ouve, no mundo! Misteriosas imagens Passam, por mim, a falar... Bem entendo o que elas dizem, Bem o quisera contar! Mas -- que tragédia! -- emudeço. Caio, de mim, sobre o nada! Sou a minha própria sombra Não sei onde projectada! E entra a Saudade... Fiquei Como assombrado e sem voz! Sinto-a melhor, que senti-la É vê-la, dentro de nós. Vinha com ela a tristeza Que a tarde espalha no ar... Vinha cercada das sombras Que andam, na terra, ao luar. E vinha a sombra dos Ermos, Com os olhos rasos de água... E os segredos que a noitinha Vem dizer à nossa mágoa. Vinha a sombra do Marão Sob a lua em várias fases; 24 E, no seu rosto de bronze, Trazia um véu de lilases. Vinha a alma do Desejo, Toda a arder... Em volta dela, Giram mundos e fantasmas, Como em volta duma estrela. Tudo o que é sonho em vigília No sono da Criação; E, entre falsas aparências, É divina Aparição; Tudo vem com a Saudade, De noite, bater-me à porta, Quando o luar é de lágrimas E a terra parece morta... (PASCOAES, 1899) No poema, ao se atingir um determinado número de sílabas, passa-se à linha seguinte, voltando (versus) a contagem silábica ao ponto inicial. É importante lembrar que as sílabas poéticas são separadas de forma diferente da utilizada para separação de sílabas gramaticais. As sílabas gramaticais contam os sons, ou grupo de sons, emitidos em uma única impulsão de voz e que possam ser distinguidos em cada palavra. O poeta, por sua vez, conta os sons, ou grupos sonoros, da forma como são percebidos pelo ouvido. Sílabas Gramaticais De1/ tu2/ do3/ ao4/ meu5/ a6/ mor7/ se8/ rei9/ a10/ ten11/ to12/ Sílabas Poéticas De1/ tu2/do ao3/ meu4/ a5/mor6/ se7/rei8/ a9/ten10/to No exemplo da contagem gramatical o verso tem doze sílabas, e na poética, dez. A separação em sílabas gramaticais conta as sílabas isoladamente, uma a uma; a poética conta as sílabas como são pronunciadas dentro da frase, e são contadas até a última sílaba tônica, desprezando as sílabas átonas. A sílaba gramatical conta todas as sílabas. 25 Ao processo de separação em sílabas poéticas dá-se o nome de escansão. Lembrando que se a palavra for oxítona, conta-se até a última sílaba; se paroxítona, até a penúltima; se proparoxítona, até a antepenúltima. Quando o verso terminar em palavra oxítona, denomina-se agudo; quando terminar em paroxítona, verso grave e em proparoxítona, esdrúxulo. No Soneto da fidelidade, de Vinicius de Moraes, fica clara a identificação dos versos graves, pois as palavras são paroxítonas. “De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.” (MORAES, 1946) Para que se tenha um exemplo de versos agudos, graves e esdrúxulos em um mesmo poema, usar-se-á um excerto da obra O Escândalo da Rosa, de Vinicius de Moraes: Que anjo ou que pássaro - esdrúxulo Roubou tua cor - agudo Que ventos passaram - grave Sobre o teu pudor - agudo Os elementos do verso são: Ritmo; Metro; Estrofe; Som. Assim sendo, toda composição em verso é passível de análise em quatro estruturas: a estrutura rítmica, a métrica, a estrófica e a sônica (esse estudo será iniciado pelo ritmo). 2.1 Ritmo O ritmo é a música do verso. Para que um verso tenha ritmo, usam-se sílabas fortes e sílabas fracas, com intervalos regulares. A sequência rigorosa dessas sílabas é que dá ao verso música, harmonia e beleza. 26 O ritmo poético estuda a cadência do verso através da identificação da posição das sílabas tônicas e átonas. Pode-se dizer que é uma sucessão alternada de sons tônicos e átonos, repetidos com intervalos regulares. Os traços fortes e fracos produzem a cadência do verso, marcando os intervalos. Em relação ao ritmo, os versos podem ser de dois tipos: Versos isorrítmicos; Versos heterorrítmicos. Os versos isorrítmicos são assim denominados os versos que compõem uma estrofe que apresentam um mesmo esquema rítmico, como o que pode ser comprovado no poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias (1823-1864), poeta e teatrólogo brasileiro (lembrado como o grande poeta indianista da geração romântica e Patrono da cadeira nº 15 da Academia Brasileira de Letras). O ritmo melódico do poema I-Juca Pirama, segue o esquema: __ / __ __ /__ __ / __ __ / (2-5-8-11) No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos - cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão. São rudos, severos, sedentos de glória, Já prélios incitam, já cantam vitória, Já meigos atendem à voz do cantor: São todos Timbiras, guerreiros valentes! Seu nome lá voana boca das gentes, Condão de prodígios, de glória e terror! As tribos vizinhas, sem forças, sem brio, As armas quebrando, lançando-as ao rio, O incenso aspiraram dos seus maracás: Medrosos das guerras que os fortes acendem, Custosos tributos ignavos lá rendem, Aos duros guerreiros sujeitos na paz. (DIAS, 1998) Os versos heterorrítmicos são os versos que não apresentam o mesmo esquema rítmico. No poema Elegia do Lago Léman, de Ribeiro Couto (1898-1963), 27 fica evidente de forma magistralmente essa teoria. Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto, foi poeta, contista, cronista, ensaísta, romancista, diplomata e jornalista. No anoitecer, olhando o lago Esquema: __ __ __ / __ / __ / A paisagem me é dura e estranha Esquema: __ __ / __ __ / __ / De cousa alguma tenho o afago Esquema: __ / __ / __ / __ / _ Água, céu, floresta ou montanha. Esquema: / __ / __ / __ __ / 2.2 Metro Metro é o número de sílabas métricas, é a medida do verso, seu estudo é denominado metrificação. Escansão é a contagem dos sons dos versos, pois como já visto, as sílabas poéticas diferem das sílabas gramaticais. A seguir noções a respeito das técnicas utilizadas para separação de sílabas poéticas, algumas poderão ser repetidas para maiores esclarecimentos. Trata-se da escansão de uma estrofe do poema A tempestade, de Gonçalves Dias. As sílabas métricas só são contadas até a última sílaba tônica presente no verso. 1 2 3 Tal / a / chu / va 1 2 3 Trans / pa / re / ce 1 2 3 Quan / do / des / ce A Elisão ocorre quando, em um verso, uma palavra terminar por vogal átona e a palavra seguinte começar por vogal ou H (que não seja fonema). A elisão é comprovada nesse excerto do poema A Cruz Mutilada, de Alexandre Herculano (1810-1877), na qual pode evidenciar-se a elisão. Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo foi um escritor, historiador, jornalista e poeta português do período 28 romântico. Sua obra poética, de cunho religioso, deixava transparecer um certo grau de conflito ideológico religioso e mesmo um conflito existencial estabelecido pelos ideais da igreja e pelas ideias liberais adquiridas. “Amo-te ó cruz no vértice firmada De esplêndidas igrejas”. A sinérese é a fusão de dois sons, gramaticalmente separados, em um só dentro da mesma palavra como exemplificado no fragmento do poema Sub tegmine fagi, de Castro Alves (1847-1871), poeta da terceira geração romântica no Brasil. Lan/ça a/ poe*/si/a a flux! *A palavra poesia seria gramaticalmente separada da seguinte forma: po-e-si-a, apesar da não obrigatoriedade da separação. A diérese separa dois sons vocálicos em sílabas distintas dentro de uma mesma palavra. O contrário da sinérese. Castro Alves também utiliza-se do recurso da diérese no fragmento do poema Sub tegmine fagi, Deus/ fa/la/, quan/do a/ tur/ba es/tá/ qui/e/ta O hiato é o contrário da elisão, separa-se dois sons interverbais (a sinérese e a diérese são intraverbais; a elisão e o hiato são interverbais). Separação de duas vogais seguidas dentro da mesma palavra, formando duas sílabas diferentes. Como ocorre em no poema O Baile das Willis, de José Martins Fontes (1884-1937), poeta, médico e conferencista. E/ va/ ga Ao/ lu/ ar Se a/pa/ga No / ar. A ectlipse é a contração da última vogal de uma palavra nasal, perdendo a sua nasalidade para formar um ditongo com a vogal que inicia a palavra seguinte, não sendo obrigatório marcá-la com apóstrofo, visível no fragmento do poema O livro e a américa, de Castro Alves. “Eu quero marchar com os ventos, 29 Com os mundos... co’os firmamentos!” Eu-que-ro-mar-char-com os-ven/tos, Com os-mun-dos-co’os-fir-ma-men/tos. Os versos quando são escandidos, são classificados, quanto ao número de sílabas poéticas (métrica): Monossílabo: 1 sílaba poética; Dissílabo: 2 sílabas poéticas; Trissílabo: 3 sílabas poéticas; Tetrassílabo: 4 sílabas poéticas; Pentassílabo ou Redondilha Menor: 5 sílabas poéticas; Hexassílabo ou Heróico Quebrado: 6 sílabas poéticas; Heptassílabo ou Redondilha Maior: 7 sílabas poéticas; Octossílabo: 8 sílabas poéticas; Eneassílabo: 9 sílabas poéticas; Decassílabo: 10 sílabas poéticas; Hendecassílabo: 11 sílabas poéticas; Dodecassílabo ou Alexandrinos: 12 sílabas poéticas; Bárbaro: 13 ou mais sílabas poéticas. Os versos sem métrica constante chamam-se livres. Os versos de uma sílaba (monossílabos) são raramente usados, aparecendo geralmente com outros maiores para a criação de certos efeitos sonoros. Como exemplo será usada o poema Serenata Sintética (um poema com três estrofes de dois dísticos), de Cassiano Ricardo (1894-1974), jornalista, poeta, historiador e ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras -: “Rua torta. Lua 30 morta. Tua porta.” Os versos de duas sílabas (dissílabos) também não são muito frequentes, geralmente são utilizados em poemas que apresentam estrofes polimétricas. Será usado como exemplo o poema Saudade pretérita, de Sílvia Araújo Motta (1951- ), professora aposentada, violonista e escritora. “Amou sorriu, beijou! Traiu ? Chorou! Partiu? Chamou... Caiu. Sofreu... Ação, doeu... Gemeu! Paixão morreu.” Alguns poemas da língua portuguesa foram escritos com versos de três sílabas (trissílabos), porém esses também costumam aparecer em obras com métricas compostas, como fragmento do poema Trem de Ferro, de Manuel Bandeira (1886-1968), poeta modernista brasileiro. “[...] Agora sim Café com pão nos versos de 4 sílabas Agora sim a 4ª é sempre tônica Voa, fumaça Corre, cerca Ai seu foguista Bota fogo Na fornalha que eu preciso Muita força 31 Muita força Muita força” Ví deo Assista o vídeo onde o poema O trem de ferro, de Manuel Bandeira é musicado por Olivia Hime e Tom Jobim. Link: https://www.youtube.com/watch?v=f0kdJDOrJkg Os versos tetrassílabos (quatro sílabas) podem apresentar três distintas cadências (serão estudadas mais à frente). O exemplo de versos tetrassílabos está no fragmento do poema Música, de Cecília Meireles (1901-1964), considerada umas das maiores escritoras brasileiras, foi poetisa e jornalista. “Noites perdidas, não te lamento: embarco a vida no pensamento, busco a alvorada do sonho isento, puro e sem nada, - rosa encarnada, intacta ao vento. [...]” Os versos Pentassílabos ou redondilha menor são versos que contêm cinco sílabas poéticas. Além de ser um dos versos preferidos pala poesia popular, é também apreciado na poesia culta como na obra Os Sapos, de Manuel Bandeira (1886-1968). “Enfunando os papos, saem da penumbra, aos pulos os sapos, a luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: - ‘Meu pai foi à guerra!’ - ‘não foi!’ – ‘Foi!’ – ‘Não foi!’” 32 Os versos de seis sílabas (hexassílabo). Podem exemplificar-se no poema Noturno Mineiro, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). “Cabe pois num vagão Toda nossa viagem. Mas é cinza e carvão Amor, e sua imagem.” O verso heptassílabo ou redondilha maior são versos que contêm seis sílabas poéticas é o metro preferido das quadras e trovas populares, cantigas de roda e de desafio, com pode evidenciar-sede forma clara nos versos de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). Lira III Sucede, Marília bela, À medonha noite o dia; A estação chuvosa e fria À quente seca estação. Muda-se a sorte dos tempos; Só a minha sorte não? Os versos octossílabos são os que possuem oito sílabas métricas. O poema Futebol Brasileiro Evocado na Europa de João Cabral de Melo Neto (1920- 1999), evidencia de forma clara os versos octossílabos. A bola não é a inimiga como o touro, numa corrida; e embora seja um utensílio caseiro e que se usa sem risco, não é o utensílio impessoal, sempre manso, de gesto usual: é um utensílio semivivo, de reações próprias como bicho, e que, como bicho, é mister (mais que bicho, como mulher) usar com malícia e atenção dando aos pés astúcias de mão. Os versos Eneassílabos são versos de nove sílabas poéticas, o podem ser divididos em eneassílabo anapéstico e eneassílabo com acento marcado na 3ª e 6ª sílabas. 33 O eneassílabo anapéstico, assim denominado por possuir acentuação na 3ª, 6ª e na 9ª sílaba. Muito usado em hinos patrióticos e em poemas com absoluta regularidade em seu ritmo, como a letra de uma das estrofes do Hino à Bandeira, de Olavo Bilac (1865-1918). Contemplando o teu vulto sagrado, Compreendemos o nosso dever, E o Brasil por seus filhos amado, poderoso e feliz há de ser! O eneassílabo com acento marcado na 3ª e 6ª sílabas, podem ser observados no excerto do poema Meu Sonho, de Álvares de Azevedo (1831-1852), no qual a cadência rítmica dos versos, ao mesmo tempo em que confere a musicalidade ao poema, sugere o deslocamento do corcel. Cavaleiro das armas escuras, Onde vais pelas trevas impuras Com a espada sanguenta na mão? Por que brilham teus olhos ardentes E gemidos nos lábios frementes Vertem fogo do teu coração? O verso decassílabo (dez sílabas poéticas) é classificado em função das posições das sílabas tônicas que lhe determinam o ritmo, podendo dividir-se e, decassílabo heroico e decassílabo sáfico. O decassílabo heroico apresenta sílabas tônicas nas posições 6 e 10, obrigatoriamente, tendo mais uma ou duas sílabas tônicas complementares como nos versos iniciais do Canto I da Ilíada em decassílabos heroicos. Can/ta-me,/ó /deu/sa, /do /Pe/leio-A/qui/les A/ i/ra /te/naz, /que, /lu/tuo/sa-aos /Gre/gos, Ver/des /no-Or/co /lan/çou /mil /for/tes /al/mas, Cor/pos /de /he/róis-a /cães /e-a/bu/tres /pas/to: Lei /foi-de /Jo/ve, /em /ri/xa /ao /dis/cor/da/rem O /de-ho/mens /che/fe-e-o /Mir/mi/don /di/vi/no. Todos os 8816 versos de Os Lusíadas de Camões são decassílabos heroicos. 34 Quanto aos decassílabos sáficos, Cunha & Cintra (2001), alertam para a possibilidade de esse tipo de decassílabo (ter a 1.ª ou a 2.ª sílaba também fortes) caso que exemplificam com a seguinte estrofe do poema Amor e Medo, de Casimiro de Abreu (1837-1860). “Quan/do eu/ te/ fu/jo e/ me/ des/vi/o/ cau(to) Da/ luz /de/ fo/go/ que/ te/ cer/ca, oh/! be(la), Con/ti/go/ di/zes/, sus/pi/ran/do a/mo(res) — Meu/Deus/! que/ ge/lo/, que/ fri/e/za a/que(la)!” Assim, e tendo em conta essas observações, em relação à escansão feita dos versos que ilustram a exemplificação de versos decassílabos heroicos, Cunha & Cintra (2001), afirmam a ocorrência de quatro versos sáficos e dois heroicos: Can/ta/-me, ó/ deu/sa/, do/ Pe/lei/o A/qui(les) — sáfico A i/ra/ te/naz/, que/, lu/tu/o/sa aos/ Gre(gos), — sáfico Ver/des/ no Or/co /lan/çou/ mil/ for/tes/ al(mas), — heroico Cor/pos /de he/róis/ a/ cães/ e a/bu/tres/ pas(to): — sáfico Lei/ foi/ de/ Jo/ve, em/ ri/xa ao/ dis/cor/da(rem) — heroico O/ de ho/mens/ che/fe e o/ Mir/mi/don/ di/vi(no). — sáfico O verso de onze sílabas poéticas (hendecassílabo), também chamado de arte maior, é assim denominado por possuir, além do número de sílabas, pausas que recaem nas 2ª, 5ª e 8ª sílabas, como nos versos do poema I-Juca Pirama de Gonçalves Dias. No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos - cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão. Os versos Alexandrinos são os versos de doze sílabas poéticas (dodecassílabos) foi introduzido no século XIX e tem origem francesa. Tem pausa obrigatória na sexta sílaba. A esse respeito Cruz, afirma que: 35 Deve haver nos versos alexandrinos a separação de dois hemistíquios, isto é, deve o verso desdobrar-se em dois de 6 sílabas. O ponto de ligação do primeiro verso com o segundo chama-se cesura. (CRUZ, 1931). Quando o primeiro verso hexassilábico termina por uma palavra grave (paroxítona), sendo vogal a última letra, a primeira palavra do segundo verso deve começar, também por vogal ou consoante muda, como o h, para que haja elisão (cesura); quando a última palavra do primeiro verso é aguda (oxítona), claro que a primeira do segundo verso pode, indiferentemente, começar por qualquer letra, vogal ou consoante, não havendo, portanto, cesura. Exemplo do primeiro caso: "Manhã de junho ardente. Uma encosta escavada..." (Guerra Junqueiro) Exemplo do segundo caso: "Eu era mudo e só na rocha de granito". (Guerra Junqueiro) Os versos Bárbaros, são os versos com mais de doze sílabas poéticas, que exige cadência interna apenas na sétima sílaba. Representa a soma de duas Redondilhas Maiores Agudas como Hemistíquios, mas ao contrário dos alexandrinos Clássicos, não exigem nenhuma regra quanto à cesura. São chamados bárbaros por não figurarem na tradição da língua. Nada mais são que tentativas de imitar as fórmulas métricas da poesia grega e latina da Antiguidade. É considerado o Verso Limite para a confecção de poemas, pois, a partir das quinze sílabas inicia a Prosa. “Esta noite, os pássaros estão cantando junto das estrelas, e as árvores todas ajoelharam-se à beira dos caminhos.” (Tasso da Silveira, in Puro Canto, nº 5) O Verso Livre é o verso sem medida silábica fixa, mas como salientado por Henri Morier (1977), não se pode dizer que exista uma técnica uniforme para o verso livre, pois cada poeta procura forjar o seu próprio instrumento, como o fez Fernando Pessoa (1888-1935) no poema Ode marítima. 36 Ah, seja como for, seja por onde for, partir! Largar por aí fora, pelas ondas, pelo perigo, pelo mar, Ir para Longe, ir para Fora, para a Distância Abstrata, Indefinidamente, pelas noites misteriosas e fundas, Levado, como a poeira, plos ventos, plos vendavais! Ir, ir, ir, ir de vez! Os poemas, conforme métrica utilizada no Brasil, podem ser compostos de versos isométricos e versos polimétricos. Nos versos isométricos todos os versos da composição possuem o mesmo número de sílabas poéticas, como o poema Cantiga, composto em redondilhas maiores por Sá de Miranda (1481-1558). Comigo me desavim, Sou posto em todo perigo: Não posso viver comigo Nem posso fugir de mim. Os versos polimétricos são versos compostos de versos com mais de uma medida silábica, como se pode perceber no poema Canção de nuvem e vento de Mário Quintana (1906-1994). Canção de nuvem e vento Medo da nuvem Medo Medo Medo da nuvem que vai crescendo Que vai se abrindo Que não se sabe O que vai saindo Medo da nuvem Nuvem Nuvem Medo do vento Medo Medo Medo do vento que vai ventando Que vai falando Que não se sabe O que vai dizendo Medo do vento Vento Vento Medo do gesto Mudo Medo da fala Surda Que vai movendo Que vai dizendo 37 Que não sesabe... Que bem se sabe Que tudo é nuvem que tudo é vento Nuvem e vento Vento Vento ! (QUINTANA, 1946) Resumo da aula 2 Nesta aula foram evidenciados os elementos do verso, visando identificá-los e analisá-los. Foram analisados poemas de importantes autores brasileiros, identificando os principais elementos dos versos. Atividade de Aprendizagem Faça a escanção das estrofes do poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias: No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos - cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão. São rudos, severos, sedentos de glória, Já prélios incitam, já cantam vitória, Já meigos atendem à voz do cantor: São todos Timbiras, guerreiros valentes! Seu nome lá voa na boca das gentes, Condão de prodígios, de glória e terror! As tribos vizinhas, sem forças, sem brio, As armas quebrando, lançando-as ao rio, O incenso aspiraram dos seus maracás: Medrosos das guerras que os fortes acendem, Custosos tributos ignavos lá rendem, Aos duros guerreiros sujeitos na paz. 38 Aula 3 - Elementos da estrofe Apresentação da aula 3 Nesta aula serão abordados os elementos (e classificação) da estrofe, com a identificação dos itens de análise do verso, com ênfase nas características do ritmo. 3. Estrofe Aplica-se o conceito de estrofe ao conjunto de versos. Do latim stropha (que, por sua vez, deriva de um vocábulo grego que significa “volta”), o termo estrofe permite fazer referência a cada uma das partes que formam um poema lírico. Para a métrica, uma estrofe é um grupo de versos que se encontram unidos por critérios de extensão, rima e ritmo. As estrofes podem ser classificadas de acordo com a quantidade de versos que contêm. 3.1 Classificação das Estrofes 3.1.1 Em relação à composição ou à forma Em relação à composição, as estrofes classificam-se em: Monóstico; Dístico ou parelha; Terceto; Quarteto ou quadra; Quintilha; Sextilha; Setilha; Oitava; Nona; Décima. O monóstico é a estância em um verso. De uso bem raro, pode aparecer como na “terza rima”, em que o verso final pode ficar junto ou separado do último terceto. Um exemplo claro é o poema Tercetos, de Olavo Bilac. 39 “Sobre o teu colo deixa-me a cabeça Repousar, como há pouco repousava... Espera um pouco! Deixa que amanheça! – E ela abria-me os braços. E eu ficava.” O Dístico ou parelha separa-se em dois versos. Um exemplo de dístico aparece no poema Litania dos Pobres, de Cruz e Souza (1861-1898). “Os miseráveis, os rotos São as flores dos esgotos. São espectros implacáveis Os rotos, os miseráveis. São prantos negros de furnas Caladas, mudas, soturnas” O Terceto é a estrofe de três versos. Os tercetos são, hoje, mais utilizados na composição de sonetos. Como exemplo de tercetos serão usadas as três primeiras estrofes do poema Tercetos, de Olavo Bilac, no qual o autor criou estrofes de três versos nos quais o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo, por sua vez, rimará com o primeiro e o último da estrofe seguinte, uma característica da Terça Rima. Poema composto em versos decassílabos, apresentam as súplicas do eu lírico que insiste em não abandonar o quarto da amada, como as presentes na terceira estrofe, onde ele questiona à mulher como poderá conciliar o frio e a treva da noite com o frio e a treva que lhe invadem a alma. “Noite ainda, quando ela me pedia Entre dois beijos que me fosse embora, Eu, como os olhos em lágrimas, dizia: Espera ao menos que desponte a aurora! Tua alcova é cheirosa como um ninho… E olha que escuridão há lá por fora! Como queres que eu vá, triste e sozinho, Casando a treva e o frio de meu peito Ao frio e à treva que há pelo caminho? [...]” 40 O Quarteto ou quadra é a estrofe de quatro versos. O quarteto é a estrofe erudita de quatro versos, que podem apresentar de oito a doze sílabas, como exemplificado no poema Canto, de Mário de Sá Carneiro (1890-1916). “Caprichos de lilás, febres esguias, Enlevos de ópio - Íris - abandono Saudades de luar, timbre de Outono, Cristal de essências langues, fugidias ... O pajem débil das ternuras de cetim, O friorento das carícias magoadas; O príncipe das Ilhas transtornadas... Senhor feudal das Torres de marfim...” A Quadra, na literatura popular é a estrofe em quatro versos que não excedem o verso de redondilha maior com uma só rima, no 2º com o 4º verso. Um exemplo claro pode identificar-se em Quadras ao gosto popular de autoria de Fernando Pessoa. “Cantigas de portugueses São como barcos no mar — Vão de uma alma para outra Com riscos de naufragar. Eu tenho um colar de pérolas Enfiado para te dar: As per'las são os meus beijos, O fio é o meu penar. A terra é sem vida, e nada Vive mais que o coração... E envolve-te a terra fria E a minha saudade não!” A Quintilha é a estrofe de cinco versos. Faz-se necessário observar que a quintilha, ao lado da quadra são próprias dos versos populares mais curtos. O poema Vou-me embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira, o qual é aberto por uma quintilha; seguido por uma oitava; uma estrofe de doze versos; e duas oitavas. “Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero quintilha Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada 41 Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a Louca de Espanha oitava Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado estrofe de doze versos Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção oitava Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar oitava - Lá sou amigo do rei - Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada [...]” Ví deo Assista o vídeo no qual Manuel Bandeira declama o poema Vou-me embora pra Pasárgada. Link: https://www.youtube.com/watch?v=-wtCdCInwiY 42 A Sextilha é uma estrofe com rimas deslocadas, constituída de seis linhas, seis pés ou de seis versos de sete sílabas, nomes que têm a mesma significação. Na Sextilha, rimam as linhas pares entre si, conservando as demais em versos brancos. Talvez, por ser mais fácil, é o gênero preferido dos repentistas, principalmente no início das apresentações. Leandro Gomes de Barros (1865-1918), grande escritor da Literatura de Cordel, filho de Pombal, Estado da Paraíba, exemplifica a sextilha em seu poema O Punhal e a Palmatória. “Nós temos cinco governos O primeiro o federal O segundo o do Estado Terceiro o municipal O quarto a palmatória E o quinto o velho punhal” Batalha de Oliveiros com Ferrabraz (1913) – Leandro Gomes de Barros Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2c/Leandro_Gomes_de_Barros _obra_1913.jpg A Setilha é a estrofe de sete versos,esteve presente na poesia trovadoresca culta e ficou esquecida a partir do Renascimento. Poetas do período clássico usaram-na, como no fragmento da cantiga Descalça vai para a fonte, de Camões. “Leva na cabeça o pote, o testo nas mãos de prata, cinta de fina escarlata, sainho de chamalote; traz a vasquinha de cote, 43 mais branca que a nove pura; vai fermosa, e não segura.” Na Oitava (oitava heroica, clássica ou italiana) a estrofe empregada por Luís de Camões na epopeia Os Lusíadas, os versos são decassílabos, os seis primeiros com rima alternada (AB AB AB) e os dois últimos com rima emparelhada (CC). O ritmo é clássico, heroico, com dois hemistíquios (acento na 6a e 10a sílabas). Canto I “As armas e os Barões assinalados A Que da Ocidental praia Lusitana B Por mares nunca de antes navegados A Passaram ainda além da Taprobana, B Em perigos e guerras esforçados A Mais do que prometia a força humana, B E entre gente remota edificaram C Novo Reino, que tanto sublimaram; [...]” C Já a oitava lírica não obedece a esquematizações rígidas. Geralmente os poetas ligam, por meio de rimas, um verso da primeira metade do segundo, pode ser o 4º com o 8º, como o fez Vicente de Carvalho (1866-1924) no excerto A voz do sino. “Uma tarde cor-de-rosa... Uma vila assim modesta, Assim tristonha como esta... De pescadores, também... Sobre a planície arenosa Por onde o Jordão deriva Pousa a sombra evocativa, Das montanhas de Sichém...” A Nona caracteriza-se pela estrofe de nove versos também chamada eneagésima, foi pouco usada na literatura portuguesa. Machado de Assis a utilizou em Visio. “Eras pálida. E os cabelos, Aéreos, soltos novelos, Sobre as espáduas caíam... Os olhos meio cerrados De volúpia e de ternura Entre lágrimas luziam... 44 E os braços entrelaçados, Como cingindo a ventura, Ao teu seio me cingiam... Depois, naquele delírio, Suave, doce martírio De pouquíssimos instantes, Os teus lábios sequiosos, Frios, trêmulos, trocavam Os beijos mais delirantes, E no supremo dos gozos Ante os anjos se casavam Nossas almas palpitantes... [...]” Décima é a estrofe de dez versos apresentando esquema de rima variável. Em geral, a décima resulta da justaposição de uma quadra (ou quarteto) a uma sextilha, ou da justaposição de duas quintilhas. Exemplificando a décima, um poema de Castro Alves que apresenta intercalação de versos brancos no poema O livro e a América. “Talhado para as grandezas, Para crescer, criar, subir, O Novo Mundo nos músculos Sente a seiva do porvir. - Estatuário de colossos - Cansado doutros esboços, Disse um dia Jeová: "Vai, Colombo, abre a cortina "Da minha eterna oficina ... "Tira a América de lá.” 3.1.2 Em relação ao metro Em relação ao metro, as estrofes podem ser: Estrofes isométricas (ou simples); Heterométricas (ou compostas); Livres. São denominadas simples/isométricas as estrofes compostas por versos de uma só medida e compostas/heterométricas as estrofes estruturadas por versos maiores e menores. No excerto A Carolina, de Machado de Assis, todos os versos possuem 10 sílabas sendo que a sexta sílaba é sempre tônica. 45 “Querida, ao pé do leito derradeiro Em que descansas dessa longa vida, Aqui venho e virei, pobre querida, Trazer-te o coração do companheiro. [...]” Já no excerto A uma Senhora que me Pediu Versos, Machado de Assis utilizou-se do recurso de dois versos diferentes (um de 7 sílabas e outro de 4 sílabas). “Pensa em ti mesma, acharás Melhor poesia, Viveza, graça, alegria, Doçura e paz. [...]” Os livres são as estrofes formadas por versos de diferentes medidas, ou seja, aquelas que não seguem normas pré-fixadas, a verdadeira negação da estrofe. Os versos livres são mais difíceis de escrever. O poema Teresa de Manuel Bandeira, é um exemplo claro do emprego dos versos livres no poema. A primeira vez que vi Teresa Achei que ela tinha pernas estúpidas Achei também que a cara parecia uma perna Quando vi Teresa de novo Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse) Da terceira vez não vi mais nada Os céus se misturaram com a terra E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas. Outro exemplo da utilização do verso livre é o poema Bilhete de Mario Quintana (1906-1994), no qual o eu lírico deixa entrever, uma sensação de anonimato. Um elemento de destaque para que os poetas, autores literários e as pessoas possam expressas suas emoções, assim como a condição da alma e do pensamento é o eu lírico que tem uma visão estabelecida dentro da Literatura, sendo assim no poema é possível compreender o amor, dentro da perspectiva da necessidade de precisar ser vivenciado com cautela e com o máximo de aproveitamento, sendo repleto de emocionalidade e de certa naturalidade. 46 Bilhete Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda... (QUINTANA, S/d.) 3.1.3 Em relação ao poema Em relação ao poema, as estrofes podem ser uniforme, combinada e estíquica (ou livre). Uniforme quando o poema apresenta um só tipo de estrofe. O poema Lira, de Gonçalves Dias, apresenta estrofes uniformes. Se me queres a teus pés ajoelhado, Ufano de me ver por ti rendido, Ou já em mudas lágrimas banhado; Volve, impiedosa, Volve-me os olhos; Basta uma vez! Se me queres de rojo sobre a terra, Beijando a fímbria dos vestidos teus, Calando as queixas que meu peito encerra, Diz-me, ingrata, Diz-me: eu quero! Basta uma vez! Mas se antes folgas de me ouvir na lira Louvor singelo dos amores meus, Por que minha alma há tanto em vão suspira; Diz-me, ó bela, Diz-me: eu te amo! Basta uma vez! Combinadas, apresentam-se aos poemas que apresentam estrofes de diferentes números de versos em uma mesma composição diz-se que possuem 47 estrofes combinadas. Geralmente os poemas de formas fixas são assim classificados. A Canção do exílio, de Gonçalves Dias possui três quadras e duas sextilhas. Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; quadras As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, quadras Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; quadras Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — sextilhas Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores sextilhas Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Estíquica (ou livre), são assim denominados os poemas cuja sucessão de versos não apresentam estrofação regular como o poema Agonia, de Vinicius de Moraes. “No teu grande corpo branco depois eu fiquei. Tinhas os olhos lívidos e tive medo. Já não havia sombra em ti – eras como um grande deserto de areia Onde eu houvesse tombado após uma longa caminhada sem noites. Na minha angústia eu buscava a paisagem calma Que me havias dado tanto tempo Mas tudo era estéril e monstruoso e sem vida E teus seios eram dunas desfeitas pelo vendaval que passara. Eu estremecia agonizando e procuravame erguer 48 Mas teu ventre era como areia movediça para os meus dedos. Procurei ficar imóvel e orar, mas fui me afogando em ti mesma Desaparecendo no teu ser disperso que se contraía com a voragem. Depois foi o sono, o escuro, a morte. Quando despertei era claro e eu tinha brotado novamente Vinha cheio de pavor das tuas entranhas.” 3.1.4 Em relação ao ritmo Em relação ao ritmo, as estrofes podem ser isorrítmica e heterorrítmicos. As estrofes isorrítmicas são assim denominadas as estrofes que apresentam versos com um mesmo esquema rítmico, como o que pode ser comprovado no poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias, cujo ritmo melódico segue o esquema. __ / __ __ /__ __ / __ __ / (2-5-8-11) No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos - cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão. São rudos, severos, sedentos de glória, Já prélios incitam, já cantam vitória, Já meigos atendem à voz do cantor: São todos Timbiras, guerreiros valentes! Seu nome lá voa na boca das gentes, Condão de prodígios, de glória e terror! As tribos vizinhas, sem forças, sem brio, As armas quebrando, lançando-as ao rio, O incenso aspiraram dos seus maracás: Medrosos das guerras que os fortes acendem, Custosos tributos ignavos lá rendem, Aos duros guerreiros sujeitos na paz. Os heterorrítmicos são assim denominadas as estrofes que apresentam esquema rítmico diferentes. No poema Perfeição de Olavo Bilac, fica evidente esse esquema de apresentação rítmica. 49 Nunca entrarei jamais o teu recinto; (1-4-6-10) Na sedução e no fulgor que exalas, (4-8-10) Ficas vedada, num radiante cinto (1-4-8-10) De riquezas, de gozos e de galas. (3-6-10) Amo-te, cobiçando-te... E, faminto, (2-6-10) Adivinho o esplendor das tuas salas, (3-6-10) E todo o aroma dos teus parques sinto, (2-4-8-10) E ouço a música e o sonho em que te embalas. (1-3-6-10) Eternamente ao meu olhar pompeias, (4-8-10) E olho-te em vão, maravilhosa e bela, (2-4-8-10) Adarvada de altíssimas ameias. (3-6-10) E à noite, à luz dos astros, a horas mortas, (2-4-6-8-10) Rondo-te, e arquejo, e choro, ó cidadela! (1-4-6-10) Como um bárbaro uivando às tuas portas! (3-6-10) 3.1.5 Em relação à estrutura Em relação à estrutura, as estrofes podem ser definidas como isostrófica ou alostrófica. As estrofes isostróficas são assim denominadas que possuem igualdade na estrutura dos versos. Isso ocorre no poema Primaveras, de Casimiro de Abreu (1837-1860). A primavera é a estação dos risos, Deus fita o mundo com celeste afago, Tremem as folhas e palpita o lago Da brisa louca aos amorosos frisos. Na primavera tudo é viço e gala, Trinam as aves a canção de amores, E doce e bela no tapiz das flores Melhor perfume a violeta exala. Na primavera tudo é riso e festa, Brotam aromas do vergel florido, E o ramo verde de manhã colhido Enfeita a fronte da aldeã modesta. (ABREU, 1859) 50 As estrofes denominam-se alostrófica quando as estrofes componentes de um poema são todas de estrutura diferente. Um exemplo bem característico evidencia-se no poema A tempestade, de Gonçalves Dias. A tempestade Quem porfiar contigo... ousara Da glória o poderio; Tu que fazes gemer pendido o cedro, Turbar-se o claro rio? A. HERCULANO Um raio Fulgura No espaço Esparso, De luz; E trêmulo E puro Se aviva, S’esquiva Rutila, Seduz! Vem a aurora Pressurosa, Cor de rosa, Que se cora De carmim; A seus raios As estrelas, Que eram belas, Tem desmaios, Já por fim. O sol desponta Lá no horizonte, Doirando a fonte, E o prado e o monte E o céu e o mar; E um manto belo De vivas cores Adorna as flores, Que entre verdores Se vê brilhar. Um ponto aparece, Que o dia entristece, 51 O céu, onde cresce, De negro a tingir; Oh! vede a procela Infrene, mas bela, No ar s’encapela Já pronta a rugir! Não solta a voz canora No bosque o vate alado, Que um canto d’inspirado Tem sempre a cada aurora; É mudo quanto habita Da terra n’amplidão. A coma então luzente Se agita do arvoredo, E o vate um canto a medo Desfere lentamente, Sentindo opresso o peito De tanta inspiração. Fogem do vento que ruge As nuvens aurinevadas, Como ovelhas assustadas Dum fero lobo cerval; Estilham-se como as velas Que no alto mar apanha, Ardendo na usada sanha, Subitâneo vendaval. Bem como serpentes que o frio Em nós emaranha, — salgadas As ondas s’estanham, pesadas Batendo no frouxo areal. Disseras que viras vagando Nas furnas do céu entreabertas Que mudas fuzilam, — incertas Fantasmas do gênio do mal! E no túrgido ocaso se avista Entre a cinza que o céu apolvilha, Um clarão momentâneo que brilha, Sem das nuvens o seio rasgar; Logo um raio cintila e mais outro, Ainda outro veloz, fascinante, Qual centelha que em rápido instante Se converte d’incêndios em mar. Um som longínquo cavernoso e ouco Rouqueja, e n’amplidão do espaço morre; Eis outro inda mais perto, inda mais rouco, Que alpestres cimos mais veloz percorre, 52 Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco Do Norte ao Sul, — dum ponto a outro corre: Devorador incêndio alastra os ares, Enquanto a noite pesa sobre os mares. Nos últimos cimos dos montes erguidos Já silva, já ruge do vento o pegão; Estorcem-se os leques dos verdes palmares, Volteiam, rebramam, doudejam nos ares, Até que lascados baqueiam no chão. Remexe-se a copa dos troncos altivos, Transtorna-se, tolda, baqueia também; E o vento, que as rochas abala no cerro, Os troncos enlaça nas asas de ferro, E atira-os raivoso dos montes além. Da nuvem densa, que no espaço ondeia, Rasga-se o negro bojo carregado, E enquanto a luz do raio o sol roxeia, Onde parece à terra estar colado, Da chuva, que os sentidos nos enleia, O forte peso em turbilhão mudado, Das ruínas completa o grande estrago, Parecendo mudar a terra em lago. Inda ronca o trovão retumbante, Inda o raio fuzila no espaço, E o corisco num rápido instante Brilha, fulge, rutila, e fugiu. Mas se à terra desceu, mirra o tronco, Cega o triste que iroso ameaça, E o penedo, que as nuvens devassa, Como tronco sem viço partiu. Deixando a palhoça singela, Humilde labor da pobreza, Da nossa vaidosa grandeza, Nivela os fastígios sem dó; E os templos e as grimpas soberbas, Palácio ou mesquita preclara, Que a foice do tempo poupara, Em breves momentos é pó. Cresce a chuva, os rios crescem, Pobres regatos s’empolam, E nas turvam ondas rolam Grossos troncos a boiar! O córrego, qu’inda há pouco No torrado leito ardia, 53 É já torrente bravia, Que da praia arreda o mar. Mas ai do desditoso, Que viu crescer a enchente E desce descuidoso Ao vale, quando sente Crescer dum lado e d’outro O mar da aluvião! Os troncos arrancados Sem rumo vão boiantes; E os tetos arrasados, Inteiros, flutuantes, Dão antes crua morte, Que asilo e proteção! Porém no ocidente S’ergue de repente O arco luzente, De Deus o farol; Sucedem-se as cores, Qu’imitam as flores Que sembram primores Dum novo arrebol. Nas águas pousa; E a base viva De luz esquiva, E a curva altiva Sublima ao céu; Inda outro arqueia, Mais desbotado, Quase apagado, Como embotado De tênue véu. Tal a chuva Transparece, Quando desce E ainda vê-se O sol luzir; Como a virgem, Que numa hora Ri-se e cora, Depois chora E torna a rir. A folha Luzente Do orvalho 54 Nitente