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Passado amargo
“Together Again”
Flora Kidd
Bianca Nº: 85
Copyright: FLORA KIDD
Título original: “TOGETHER AGAIN”
Publicado originalmente em 1979 pela
Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Copyright para a língua portuguesa: 1982
ABRIL SA. CULTURAL E INDUSTRIAL — São Paulo
Resumo:
Depois de três anos, Ellen foi obrigada a viajar até a Escócia e reencontrar seu marido para mais uma desilusão: ele continuava o mesmo homem prepotente, irascível e com o orgulho ferido por ter sido abandonado. Mas, mesmo assim, quando Dermid a tomava em seus braços, Ellen sentia-se arrebatada pelo calor de uma paixão louca, incontrolável, que no fundo sabia ser apenas atração física. Como poderia voltar para um homem que queria , apenas subjugá-la, quando só desejava ser amada... amada com muita ternura? 
Capítulo I
O jato subiu mais uma vez afastando-se da pista para dar outra volta sobre o mar. Nuvens cinzentas passavam pelas janelinhas ovais do avião respingando nelas pingos de chuva. Ellen Craig viu pela terceira vez, através das nuvens, as ondas do mar batendo na praia, a grama de um campo de golfe onde folhas marrons e amarelas eram levadas pelo vento. Pinheiros, sempre inclinados numa só direção, pendiam sobre o telhado de ardósia da casa do clube de golfe e pequenos canos circulavam por uma estrada estreita molhada pela chuva. Da torre de controle do aeroporto uma luz piscava forte, enquanto o avião se reclinava e se aproximava da pista. 
Era a terceira tentativa de aterrissagem do comandante. Ele já havia explicado que o vento fone do oeste, que impulsionava o avião em todo o trajeto sobre o Atlântico, do Canadá até as praias da Escócia, fazendo-o chegar antes do horário, agora dificultava o pouso; se ele não conseguisse uma aterrissagem segura naquela terceira tentativa. seguiria para Heathrow. Os passageiros que deveriam descer em Prestwick, voltariam para o aeroporto de Glasglow com a balsa da British Airway.
Ellen não queria que isso acontecesse. Ela estava viajando com Rowan, seu filho, que logo completaria quatro anos, e embora ele tivesse dormido quase toda a noite, agora havia acordado e estava inquieto, aborrecido por estar confinado em seu assento. Ela, por sua vez, estava exausta por não ter dormido um minuto sequer a noite toda; seus pés estavam inchados porque cometera a imprudência de tirar seus sapatos novos e agora não conseguia calçá-los. Qualquer mudança no roteiro da viagem seria muito desagradável.
Assim, foi com profundo alívio que viu a pista se aproximando e também os campos que rodeavam o aeroporto. Quase não sentiu o impacto quando as rodas encontraram o chão, mas Rowan levou um susto e perguntou se o avião tinha quebrado.
Depois da grandiosidade do Aeroporto Mirabel, onde ela embarcara na noite anterior, o Aeroporto Prestwick parecia pequeno e frio.
Não tinha sido uma boa escolha viajar com o conjunto de veludo preto. Ela o comprara porque sua mãe julgara necessário usar essa cor por causa da morte de Neil Craig ainda que estivesse chegando depois dos funerais. No Aeroporto Mirabel, o conjunto tinha parecido elegante; agora estava amarrotado e cheio de pelinhos da manta que a aeromoça lhe dera para cobrir Rowan. Sua blusa de seda palha também estava amarrotada. Nem pareci à equilibrada e calma entrevistadora de tevê; naquele momento dava a impressão de ser uma dona-de-casa exausta por causa de seus afazeres domésticos.
Empurrando o carrinho com suas três malas ela olhava as pessoas que tinham vindo esperar os passageiros que chegavam. Não havia nenhum conhecido. E nem sinal de James Blair, o chofer de Neil Craig. Será que ela teria de ir sozinha até Inchcullin? Mas como?
Em pé, no saguão do aeroporto, Ellen mordia o lábio inferior procurando se lembrar qual a melhor maneira de ir até Portcullin, a cidade mais próxima a Inchcullin, na costa de Kintyre. Sabia que era possível ir de carro.
E se alugasse um teria maior liberdade para se movimentar para onde quisesse.
Olhando ao redor viu as setas indicando os balcões das companhias que alugavam carros. Havia filas na frente dos balcões das três agências. Ellen escolheu a mais curta e Rowan começou a reclamar, puxando-a e gemendo que queria ir ao banheiro, segurando a virilha com a mão rechonchuda e dando a impressão de estar sentindo a maior agonia, embora ela soubesse que era impossível pois ele fora ao banheiro do avião pouco antes da primeira tentativa de aterrissagem.
Não dava para suportar mais aquela choradeira. Ela ordenou-lhe severamente que se calasse. Imediatamente ele desandou a chorar mais forte e todos que esperavam olhavam para ele com simpatia e para ela com censura. Então Ellen ferveu de irritação. Se pelo menos aquelas pessoas soubessem o que era fazer o papel de pai e mãe de uma criança, ao mesmo tempo e ainda por cima ter que trabalhar fora, olhariam-na com mais simpatia, tinha certeza.
— Rowan, por favor fique quieto! — implorou ela, abaixando-se na frente dele.
— Eu quero ir para casa. Eu quero ir para a casa da vovó!
— Mas nós não podemos ir para a casa da vovó agora. Estamos na Escócia, não em Ottawa e você só poderá ir à casa da vovó sábado que vem, quando voltarmos para nossa cidade.
— Quero ir agora.
— Não podemos. Agora temos que visitar uma outra senhora.
— Outra vovó? — ele perguntou cheio de esperança, arregalando seus olhos castanho-escuro com pontos dourados rodeados por cílios pretos e lágrimas.
— Não, não uma vovó, uma titia.
— Será que ela tem balinha? — choramingou ele.
— Espero que sim.
— Onde ela mora?
— Numa casa grande perto do mar. A casa é parecida com um castelo.
— Um castelo de verdade? — Seus olhos estavam arregalados de medo — Lá tem algum dragão?
Enquanto Ellen conversava com o filho, as pessoas na fila à sua frente já haviam requisitado seus carros e a moça da agência esperava pelo pedido dela.
— E por quanto tempo a senhora vai precisar do carro? — perguntou a jovem com o sotaque escocês, depois de preencher o formulário e examinar a carta de motorista de Ellen.
— Uma semana.
— Vai devolver o carro aqui?
— Sim.
— Ellen, o que você pensa que vai fazer?
O coração de Ellen bateu mais rápido. Vagarosamente ela se virou para olhar. Ele estava lá, apoiado no balcão; perto dela. Um homem vestido num terno de tweed cinza bem talhado, observando com os olhos castanhos semicerrados. Seu marido, Dermid Craig.
— Eu estou alugando um carro — respondeu ela friamente. — O que está fazendo aqui?
— Vim esperá-la.
— Mas eu não vi você quando desembarquei.
— Eu cheguei exatamente agora.
— Sra. Craig, poderia fazer o favor de assinar este formulário e de me dar o nome e endereço de alguém que more neste país e que poderia se responsabilizar pela sua estadia aqui? — disse a jovem atrás do balcão.
— Ela não vai precisar do carro — interrompeu Dermid com um tom tão autoritário que não permitia qualquer contra-argumento. — Venha Ellen, onde está sua bagagem? Tenho um carro esperando para nos levar à baía de Wemyss. — Enquanto se afastava com Dermid, Ellen ainda ouviu o suspiro da jovem enquanto rasgava o formulário preenchido.
— Nós não vamos para o castelo? — choramingou Rowan e rompeu em lágrimas novamente, confuso com o novo mundo cm que ele se encontrava, tão diferente daquele em que estava acostumado.
Pela primeira vez Dermid Craig olhou para seu filho.
— Igualzinho a mim quando criança — ele murmurou suavemente. Depois olhou na direção de Ellen — Castelo? — ele falou em tom irônico, parecendo não entender o que significava aquela pergunta de seu filho.
— Eu disse a ele que iríamos para um castelo — respondeu. defensivamente. — Bem, até que parece com um castelo, com aquelas torres, e foi o único jeito de fazer Rowan parar de chorar.
— Ele a esteve aborrecendo, não esteve? Você parece que esteve numa guerra — frisou ele com ironia. — Com quem esteve e combatendo durante a noite? Com ele? Ou com a sua consciência?
— Com nenhum dos dois— respondeu ela, procurando ajeitar os cabelos e a blusa. Seus dedos, em vão, procuravam tirar as penugens da manta de lá da lapela de seu casaco. Oh, por que Dermid tinha que chegar no momento em que ela estava com aspecto tão feio? — Dermid — disse Ellen com determinação —, eu não vou com você para Inchcullin.
— Não? — Ele parecia muito surpreso. — Por que não?
—Porque prefiro ir sozinha. Vou dirigindo até lá.
— E longe. Você só chegará à noite. — Olhou para seu filho que chiava. — Será desagradável para ele também, mas eu acho que você está pensando mais em você.
— Eu não me preocupo só comigo— ela explodiu.
— Eu acho que sim — respondeu ele e abaixou-se na frente de Rowan, colocando as mãos nos ombros do filho.
— Escute, rapazinho — disse ele, asperamente —, eu já estou cansado de seu choro e suas reclamações e todos por aqui também estão. Já conseguiu o que queria. Agora, cale-se!
Ellen ficou irritada pois Rowan obedeceu imediatamente e olhou pira Dermid com interesse.
— Quem é você? — Rowan perguntou.
— Sou seu pai. Você entende o que isto significa?
— Claro, meu amigo Tony tem um pai. E Bárbara Ann também — ele acrescentou, colocando o polegar na boca para chupá-lo enquanto olhava a para Dermid.
Dermid continuou abaixado alguns segundos fitando-o, depois vagarosamente endireitou-se e olhou para Ellen. Estava com uma expressão acusadora nos olhos.
— Ele troca letras e chupa o dedo — Dermid disse. — Em nome de Deus, Ellen, como você tem cuidado de nosso filho?
— O que você acha? — ela respondeu, irritada, e olhou ao seu redor. Já não havia quase ninguém por perto.
Ellen desejou nunca ter ido. Gostaria de ter ignorado a carta do advogado, dizendo que deveria estar presente em Inchcullin no dia trinta e um de outubro para a leitura dos últimos desejos e do testamento de Neil Craig e que deveria trazer Rowan consigo. Se pensasse mais em si mesma como dissera Dermid estaria em Ottawa e já teria, há muito tempo, entrado com um pedido de divorcio. Aquela simples separação não conduzira a nada. Ele continuava tão prepotente e mal-humorado como antes. E ainda perigosamente atraente, admitiu, engolindo em seco e dando-lhe uma rápida olhada.
Mas ele não estava lá. Já se encaminhava paia a porta de saída junto com Rowan. Estavam de mãos dadas e de vez em quando Rowan dava um pulinho como se estivesse muito feliz por caminhar com o homem que, mesmo sendo um estranho para ele, era seu pai. Ellen teve um sobressalto. Movendo-se mais rápido que conseguia, por causa de seus pés inchados, ela correu atrás. Lá fora o ar estava gelado. O vento desmanchou e espalhou a franja de seus cabelos loiros que chegavam quase aos ombros. Pingos de chuva fria bateram em seu rosto e ela lamentou ter guardado sua capa na mala; a chuva estragaria seu conjunto de veludo.
No instante seguinte Ellen se esqueceu daqueles contratempos vendo Rowan, encorajado por Dermid, desaparecer no banco dê trás de um carro preto estacionado ali perto. Era como se visse seu filho sendo raptado e não pudesse fazer nada para salvá-lo.
— Rowan, volte! Dermid, você não pode fazer isso!
— Não? — Ele suspendeu a manga de sua camisa de seda bege e olhou. para o relógio. — Com um pouco de sorte, conseguiremos pegar a única balsa que vai para Portcullin hoje. Quer mudar de idéia e vir junto? Ou ainda prefere dirigir até lá... sozinha, claro!
Ellen olhou para o marido, procurando alguma resposta à altura. Nada lhe ocorreu. Em vez disso surpreendeu-se por ainda o achar extremamente atraente.
— Mamãe, depressa! — A cabeça de Rowan apareceu na janelinha do carro. — Eu vou para o castelo de barco. Venha logo!
— Está bem — murmurou ela, encaminhando-se para o carro.
— E sua bagagem? — Dermid lembrou-a. — Vai deixá-la aqui?
— Que inferno! — Irritadíssima, Ellen se encaminhou para o aeroporto. Após alguns instantes voltou com o carrinho com as três malas, Dermid já estava sentado no banco de trás, conversando com Rowan, e foi o motorista quem colocou a bagagem no porta-malas.
Ellen notou que era um carro da firma e ignorando o lugar que Dermid deixara para ela, sentou-se no banco da frente ao lado do motorista; a firma era Craig & Rose, Fiandeiros de Algodão e Linha de Náilon. Robert Craig começara seu negócio no século XIX e este crescera tanto que havia filiais das indústrias Craig & Rose em vários países.
Ellen reclinou a cabeça no encosto do assento e fez um grande esforço para relaxar, enquanto o carro rodava em direção a Irvine. Ela já tinha se esquecido de como aquelas estradas eram estreitas. Os campos de tomates estavam na época da colheita e ocupavam ambos os lados da estrada, onde ainda havia algumas folhas nas sebes com frutinhas silvestres. As sorveiras, plantadas nos cantos dos campos para afastar os duendes e as bruxas, estavam com folhas douradas como os cabelos de Rowan e os cachos de frutas escarlates balançavam ao vento.
A mãe de Ellen era da família Rose antes de casar com Don Lister, um piloto da Força Aérea canadense, que estava servindo na Escócia no final da II Grande Guerra. Ela voltou com ele para o Canadá, depois da guerra, como muitas outras mulheres inglesas que casaram com canadenses. Noivas de guerra, como eram chamadas.
Ellen suspirou pensando em sua mãe. Janet Lister era particularmente orgulhosa de descender da poderosa família “Rose”, há muitos anos sócia dos Craig nos negócios têxteis. Ela insistira para que Ellen visitasse seus parentes “Rose” em sua primeira visita à Inglaterra, há cinco anos atrás.
Com vinte anos de idade, impressionada e excitada com a descoberta de suas raízes escocesas, Ellen aproveitou muito o convívio com seus primos Rose e foi na casa de um deles que conheceu Dermid Craig, de olhos negros, cabelos avermelhados e sete anos mais velho do que ela.
Um simples olhar e bastou para que Ellen se apaixonasse, porque ele parecia a personificação daqueles orgulhosos chefes de clã sobre os quais ela lera em romances escoceses da biblioteca de sua mãe.
Mas Dermid não era um chefe de clã, ele tinha assegurado a Ellen, com os olhos brilhando de divertimento, quando Ellen lhe contara aquelas impressões; ele era um técnico da indústria têxtil e pretendia, algum dia, tomar-se diretor geral da Craig & Rose. Ambicioso, forte, competente nos negócios e sabendo lidar com pessoas, ele logo me levou à submissão, pensou Ellen com outro suspiro. De modo que, assim que ele disse que queria casar com ela, Ellen concordou sem hesitação, muito apaixonada.
Mas, se Janet Lister pudesse adivinhar o futuro, será que teria insistido tanto para que eu visitasse os parentes Rose?, pensou Ellen com os olhos fechados, embalada pelo ar aquecido do carro e pelo murmúrio da voz de Dermid, que conversava com Rowan. Se Janet Lister adivinhasse que sua única filha encontraria, ia se apaixonar e casaria num espaço de três semanas com o filho de Maxwell Craig, um homem que Janet desprezava, será que teria insistido para que Ellen visitasse a família Rose? Ellen agora duvidava disso.
Sua cabeça pendeu para o lado e ela cochilou. Quando abriu os olhos, a estrada fazia uma curva ao lado de uma praia rochosa.
Surpreendentemente, as nuvens tinham desaparecido e o sol derramava seus raios sobre as ondas do estuário Clyde, tornando-o cor de violeta. Já era possível ver muitas ilhas com seus picos agudos: Arran, Cumbraes e Bute.
Enquanto o carro voltava para a estrada costeira principal e embicava no porto, o sol brilhava no céu pálido de outubro. Do outro lado do mar, de um turquesa cintilante, às vezes cor-de-malva com manchas escuras, com as sombras das nuvenzinhas brancas acima Ellen podia ver as colinas de Kintyre, convidando- ai a voltar pára aquelas areias, para ouvir o barulho do mar e o canto do vento nas árvores, viver novamente uma vida de paz e de sonhos.
Em pé no deck superior da balsa, contemplando as colinas, Ellen sentiu lágrimas de nostalgia em seus olhos, e estremeceu um pouco na brisa fria.
— Está frio aqui em cima — disseela, afastando-se da grade. — vamos descer e sentar no salão, Rowan.
— Eu quero ficar aqui.
— Você não trouxe um casaco? — perguntou Dermid, com irritação, percebendo a palidez no rosto de Ellen.
— Sim, mas está dentro da mala — murmurou ela, evitando olhar para o marido. Será que ele se lembrava de que lhe fizera a mesma pergunta, há cinco anos atrás, no mesmo deck superior da mesma balsa? Havia sido naquela mesma época do ano que ele, casado há apenas duas semanas, tinha levado a esposa a Inchcullin para conhecer seu avô. Depois ele tirara seu casaco de camurça forrado de lá de ovelha, pusera-o sobre os ombros de Ellen puxara o capuz e, segurando seu rosto com ambas as mãos, lhe dera um beijo. Agora, deu-lhe uma olhada de esguelha e não lhe ofereceu o sobretudo que colocara no carro.
— Desça você, então — ordenou ele — Eu ficarei aqui tomando conta de Rowan.
Ellen hesitou, suspeitando daquela boa vontade. Não ficaria surpresa se o marido aproveitasse todas as chances para conseguir a tutela de Rowan.
— Rowan, você parece que também está com frio. Desça com a mamãe. Lá está quentinho e você pode beber alguma coisa quente e comer bolachas de chocolate.
— Não quero beber nada, não quero bolachas. Quero ficar aqui. — Rowan virou-se rapidamente e correu em disparada pelo deck. Como não, estava acostumado com o balanço da balsa, perdeu o equilíbrio e escorregou de encontro à grade.
— Rowan! — gritou ela, precipitando-se para a frente, imaginando o corpinho de Rowan passando pelo vão entre o piso do deck e a grade, caindo na água e afundando pára sempre. Mas Dermid, movendo-se mais rapidamente do que Ellen, alcançou Rowan antes, suspendeu-o nos braços e colocou-o nos ombros, onde o menino olhou triunfante para ela.
— Depois desse pequeno susto eu acho que você é quem precisa de um bom gole de uísque. O bar deve estar aberto — disse Dermid.
— Ainda é muito cedo para um uísque — protestou Ellen, seguindo-o na direção do deck inferior. — Além disso não podemos levar Rowan ao bar.
— Está bem, você fica com ele no salão e eu pego um uísque para nós
No confortável salão na popa do barco, Ellen sentou-se perto da janela para que Rowan pudesse olhar a paisagem lá fora. Pensou em pedir um suco de laranja e biscoitos de chocolate para Rowan e uma xícara de café para ela, caso Dermid não pudesse trazer o uísque do bar.
Quando ela já estava impaciente, ele regressou com dois copos na mão. Pôs os dois sobre a mesa e sentou-se do lado oposto.
Dermid bebeu o uísque e Ellen brincava com um dos copos, observando o gelo, pensando em algo para dizer.
— Eu... eu não esperava que você viesse nos esperar — murmurou de repente. — Eu pensei que você ainda estivesse em Inchcullin.
— O enterro foi na terça-feira da semana passada. Eu voltei a Kilruddock no dia seguinte — Kilruddock era a cidade onde ficavam as fábricas e escritórios dos Craig e Rose e também a casa em que eles tinham morado no primeiro ano de casamento.
— Eu sinto muito não ter vindo para o enterro — disse. Ellen formalmente
— Você não era mesmo esperada...
— E realmente não entendo por que preciso estar presente à leitura do testamento do seu avó. Afinal, eu mal o conheci e não sou uma Craig.
— Não, você não é, mas Rowan é — ele a interrompeu, friamente. — E foi por causa dele o convite para a leitura dos últimos desejos do meu avô.
— Foi muito inconveniente para mim deixar Ottawa justamente agora.
— Oh, eu imagino — disse, sarcástico, — Walt Stewart arranjou alguém para substituí-la?
— Bem, não foi fácil — ela murmurou. 
Dermid tinha chegado bem perto da verdade e ela ainda podia ouvir a voz de Walter Stewart gritando nos seus ouvidos: 
— Está bem, tire uma semana, nem um dia a mais, e se você não tiver voltado, na próxima segunda... nem precisa voltar. Você tem feito um péssimo trabalho ultimamente... parece que perdeu a vitalidade que tinha... portanto vou aconselhá-la: Enquanto estiver lá, resolva de uma vez sua situação conjugal, certo? Peça o divórcio.
— Mas... mas... eu não tenho certeza se desejo um — ela havia Protestado.
— Essa separação não está lhe fazendo bem algum. Aquele homem não sai de seus pensamentos, garanto. Você precisa se decidir mais cedo ou mais tarde por ele ou por sua carreira. Parece que não consegue ficar com os dois. Acredite, Ellen, uma ruptura final é melhor. Eu já passei por isso, portanto sei como é péssimo agarrar-se a sonhos, e esperanças de reconciliação. Isso não passa de falso romantismo.
Durante a viagem, Ellen havia pensado muito a respeito dos conselhos de Walter e foi obrigada a admitir que ele tinha razão. Nos próximos dias ela haveria de decidir-se. Divorciar-se de Dermid ou... Ela olhou para o marido. Dermid brincava com o copo já vazio e seus olhos escuros e enigmáticos encontraram os dela.
— Foi só por causa de Rowan que eu vim, está claro?
— Quer dizer que não veio por minha causa? — respondeu ele, asperamente. — Sim, está bem claro. — Dermid pegou o copo dela.
— Quer outra dose?
— Não, não obrigada. Ainda nem acabei esta, mas se quiser vá buscar outra para você.
— Não, eu não quero. — Mas ele se levantou e se afastou para sair do salão. Ellen observou o marido caminhando e o velho ressentimento de ser deixada sozinha fez com que ficasse magoada. Bebeu outro gole do uísque.
Dermid tivera razão em ir embora depois daquele ano em que ficaram casados. E mesmo agora ela ainda odiava se lembrar claramente daquela primeira vez, depois de três meses de casados, quando ele avisou de que deveria ir para a Índia por causa de um maquinário de um moinho de fiar que a companhia tinha montado lá.
— Quando partimos? — ela havia perguntado, excitada pela idéia de passar uns tempos num país exótico.
Tinham acabado de jantar e estavam sentados no sofá, como sempre gostavam de fazer, na grande sala que ela mobiliara com tanto prazer. E como eles ainda estavam apaixonados um pelo outro, sentavam-se bem juntinhos, ela com a cabeça no ombro dele.
— Eu vou, você não — ele disse suavemente e pôs a mão por dentro da sua bata. As pontas dos dedos tocaram carinhosamente a sua barriga. — Você esqueceu de que está grávida?
— Claro que não! Como poderia esquecer se há três meses eu me sinto mal todas as manhãs?
— O enjôo passará dentro em breve, isso é normal — ele murmurara, beijando-a suavemente no pescoço.
— Como você sabe? Já teve uma mulher grávida antes?
— Não, mas eu leio os livros a respeito de maternidade que estão na biblioteca. Eu quero que seja menino, Ellen.
— Eu também. — E os dois se beijaram apaixonadamente esquecendo-se de tudo, menos de como era bom o prazer sensual de satisfazerem um os desejos do outro.
Mais tarde porém, deitada ao lado de Dermid na cama, observando o luar refletido no teto do quarto, ela se lembrou de como seria horrível ficar sem ele e não suportou ficar em silêncio.
— Você não pode ir sem mim. Eu não quero. Oh. Dermid, eu vou morrer se ficar longe de você!
— Não, não vai morrer. Eu voltarei, serão apenas seis meses. Eu voltarei para o nascimento do nosso filho. Eu voltarei tão logo seja possível. Quero estar com você quando o trabalho de parto começar. Quero ajudá-la, quero ver nosso filho nascer...
— Seis meses? — Parecia uma eternidade para ela. — O que eu vou fazer todo esse tempo nesta cidade? Ficarei louca de tédio!
— Pode visitar seus primos, você se dá tão bem com Molly MacIntyre. E também estará ocupada fazendo roupinhas de criança e assistindo às aulas do pré-natal. Haverá mil coisas para fazer. Você não vai se aborrecer.
— Mas não vai ser a mesma coisa sem você aqui — ela sussurrará, desesperada. E percebendo depois que Dermid estava quase dormindo, ela enlaçou-o e abraçou-o fortemente. — Dermid, não vá. Deixe que eles mandem outro em seu lugar. Fique comigo.
Ele ficou tenso e moveu-se para longe dela, colocando as mãos sob a nuca. Na claridade do luar seus traços pareciam esculpidos em mármore.
— Eu tenho de ir. E um trabalho que eu quero fazer.Faz parte da experiência que eu preciso adquirir se quiser um dia ser diretor da companhia.
— Você prefere realmente ir a ficar comigo? — perguntara ela, profundamente magoada.
— Ellen, a questão não é essa, eu não quero deixá-la, da mesma maneira que você não quer ficar sozinha, mas é melhor para sua saúde que fique aqui e faça um pré-natal como se deve já que está grávida.
— Se você me ama, se realmente me ama, não vá — tinha protestado, sem perceber que o marido estava preocupado com a saúde e bem-estar dela.
— E se você me ama não deve fazer uma tragédia por causa disso. Agora durma. Eu tenho que levantar cedo mesmo que você não tenha.
Sentindo que sua roupa estava molhada, Ellen voltou rapidamente do passado para o presente para constatar que entornara o copo sobre sua saia de veludo. Contrariada, ela abriu a bolsa e pegou um lenço de papel para enxugá-la. Estragaria o veludo, ela tinha certeza. Olhou para Rowan. Ainda bem que ele está calmo, pensou com um sorriso triste. Ele mastigava outro biscoito de chocolate e era melhor não perturbá-lo deixando para limpar sua boca só quando terminasse de comer.
— Igualzinho a mim quando criança — Dermid dissera no aeroporto quando encontrara Rowan. Ela achava que realmente ele deveria parecer-se com Rowan quando tinha quatro anos. Possuía a mesma determinação para escolher e seguir seu próprio caminho.
Como Dermid gostou quando Rowan nasceu. Mas ele também tinha se preocupado muito com Ellen, pois tivera um parto difícil. Jamais ela se esqueceria da ternura com a qual a tratara nas primeiras semanas depois que o bebê nascera.
Sua recuperação demorou algum tempo e, nos quarenta dias de dieta, o doutor aconselhou-a a não ter pressa em engravidar novamente; naquele mesmo dia Dermid disse a ela que deveria voltar para a Índia a fim de inspecionar o moinho, pois precisava resolver ainda alguns problemas com o maquinário.
— Mas vou voltar logo — ele a confortou. — Vou ficar fora apenas cinco semanas. Você nem vai sentir minha falta, ocupada que estará com nosso filho.
Foi quando ela se lembrou da carta que recebera de seus pais convidando-a para passar alguns dias com eles no Canadá
— Enquanto você estiver fora, eu acho que vou para casa...
— Casa? Esta não é a sua casa’?
— Eu... eu queria dizer, Ottawa — ela se corrigiu rapidamente. — Dermid, se eu for, você passará por lá quando voltar da Índia? Já é hora de conhecer os meus pais...
— Acho melhor que não — replicou ele, a boca curvando-se ironicamente.’— Posso estar errado, mas eu tenho a impressão de que eles não aprovaram o nosso casamento.
— Isto porque nós nos casamos depressa demais e eles não tiveram tempo de vir à Escócia para assistir à cerimônia — ela explicou depressa e defensivamente. A reação fria de seus pais diante do seu excitado telefonema dizendo a eles que se casara com Dermid numa rápida e alegre cerimônia civil num cartório escocês magoou-a e confundiu-a na época. — Se nós tivéssemos esperado por eles ou tivéssemos ido a Ottawa para casar, eles reagiriam de maneira diferente. 
— Você poderia esperar? — ele perguntou, inclinando-se para ela, sorrindo, o olhar dirigido sugestivamente para sua boca enquanto o braço de Dermid enlaçava. possessivamente sua cintura e seus dedos acariciavam os seus seios. — Você sabe que não poderíamos — ele sussurrou. — Você estava como um fruto maduro para ser colhido e eu ansioso pela colheita. Portanto seus pais deveriam ficar felizes por nós termos casado logo. — E seus lábios encontraram os dela num beijo cheio de paixão que expressou todo o desejo que ambos sentiam.
Mas em vez de corresponder, Ellen enrijeceu-se contra ele, enquanto um medo horrível de engravidar novamente depois do sofrimento da primeira gravidez apoderou-se dela. Empurrando-o, ela procurava se libertar daquele beijo.
— Não, não agora, não ainda. O doutor disse que eu preciso ter cuidado, que eu preciso esperar algum tempo para engravidar novamente. Ele disse que eu preciso conversar com você para nós entrarmos em acordo a respeito das precauções que precisamos tomar.
— Eu estava somente beijando você, querida — falou Dermid, roçando o nariz de encontro a sua face.
— Eu sei, mas quando você me beija é tão difícil, não... oh não Dermid, por favor, afaste-se. Não me beije e não me toque desse jeito — ela falou sem refletir, defendendo sua própria vulnerabilidade e não levou em conta os sentimentos dele... simplesmente não imaginou o quanto estava ferindo o marido.
Dermid afastou-se dela e foi sentar-se na outra ponta do sofá.
— Assim está bem? — perguntou ele, sarcasticamente — ou pretere que eu saia de casa?
— Oh, Dermid — ela tentou sorrir —, não seja bobo. Procure entender.
— Entendo muito bem — interrompeu ele asperamente. — Você não me quer por perto com medo de outra gravidez. Bem, depois desta noite, você não terá preocupações por cinco semanas, pois a distancia entre nós será bem grande, eu estando na Índia e você em Ottawa. E as precauções que o médico aconselhou não serão necessárias.
Sentindo-se ainda fraca, desejando e temendo o conforto que só ele poderia lhe dar, Ellen começou a chorar e correu para o quarto.
Chorou durante muito tempo e permaneceu acordada, atenta ao menor ruído, certa de que ele viria, se deitaria ao seu lado, iria abraçá-la e pediria desculpas por ter sido tão rude. Como ele não foi Ellen saiu da cama para procurá-lo na sala de estar do andar de baixo para tentar uma reconciliação. Mas ele não estava lá e não estava em lugar algum da casa e por alguns instantes ela entrou em pânico ao pensar que ele a abandonara. Depois o bom senso veio ajudá-la. Todas as coisas dele estavam na casa. Dificilmente teria ido embora sem levar ao menos uma maleta.
Ouvindo o bebê chorar ela subiu, amamentou-o, trocou-o colocou-o para dormir outra vez. Ellen dormiu quase em seguida e só acordou quando Rowan chorou reclamando a primeira refeição do dia. Dormira só, Dermid não dormira junto com ela.
Tentando não se perturbar, cuidou de Rowan, colocou-o no berço e voltou para seu quarto. Para sua surpresa Dermid estava lá, completamente vestido e arrumando a mala.
— Rowan está bem? — perguntou Dermid, sem ao menos olhar para ela.
— Sim. — Ela sentou-se aos pós da cama. — Dermid — e começou com hesitação, preocupada —, onde você dormiu esta noite?
— Fora — respondeu ele brevemente e começou a fechar a mala.
— Onde?
— Importa?
— Sim. Eu... eu fiquei preocupada quando descobri que você não estava.
— Fui visitar um amigo — respondeu ele bruscamente.
— Posso saber qual? — ela perguntou e mesmo contra sua vontade a voz saiu tremida.
— Se eu lhe dissesse de nada adiantaria — respondeu ele, dando de ombros. E foi para o quarto de vestir ajeitar o nó da gravata. Ele viu através do espelho que Ellen o observava e seus olhares se encontraram. — Não fique tão contrariada, Ellen, eu não dormi fora.
— Então onde você dormiu. — Ela não conseguiu disfarçar o ciúme que a estava roendo internamente,
— No quarto de hóspedes, onde mais?
— Dermid... eu... eu... eu sinto muito — murmurou ela. — Quando disse que não queria que você me tocasse, não quis dizer que não queria dormir na mesma cama, junto com você...
Ele se voltou, caminhou até ela e sentou-se ao seu lado. Banhado e barbeado há pouco, com a camisa e o temo limpos, a presença dele a atraía muito e Ellen quase se jogou em seus braços pedindo para ele não ir. Porém, o olhar frio e enigmático do marido obrigou-a a refrear esse impulso.
— Eu não poderia dormir com você na mesma cama e resistir... — disse ele numa voz baixa. — Eu não poderia. Eu... — Ele se interrompeu. — tenho que ir agora — acrescentou pegando sua mala. — Escreva-me contando quando você vai para o Canadá. Retire o dinheiro que quiser de nossa conta.
Ele se foi e Ellen, quase tropeçando no seu robe comprido, correu atrás do marido. No topo da escada ele se voltou. Seu rosto estava pálido e um músculo tremia em sua face.
— Dermid, você irá a Ottawa?Por favor! — ela sussurrou, erguendo a mão para afagar seu rosto, mas desistindo de levar o gesto adiante.
— Talvez, Dependerá do tempo que você resolver ficar lá. 
— Mas...
— Não tenho mais tempo agora — ele a interrompeu. — Escreva-me contando seus planos. — Dermid se inclinou e beijou-a na face. — Adeus, amor — murmurou ele e desceu as escadas.
— Mamãe... mamãe! — A voz estridente de Rowan trouxe-a de volta o salão da balsa, para o rumor das máquinas, para o barulho do mar e para a face de Rowan, branca como cal, suja de farelos de biscoitos de chocolate. — Mamãe, acho que vou vomitar.
— Oh, não! — gritou Ellen e olhou pela janela. O tempo mudara novamente e a balsa jogava demais. — Não aqui, Rowan, por favor. — Ela implorou, levantando e olhando à sua volta. Dermid não estava por perto. Seus lábios se apertaram. Dermid deixara claro que preferia ficar no bar do que na companhia dela e de Rowan.
Rowan teve ânsia e ela puxou-o pela mão em direção à porta. Procurava ansiosamente as placas que indicavam os toaletes.
— Posso ajudá-la, senhora? — Um tripulante vinha em sua direção.
— Meu filho está com enjôo. Ele não está acostumado com o mar. 
Nem eu, ela pensou, quando sentiu seu próprio estômago embrulhar.
O homem entendeu e abriu uma porta ao seu lado.
— E aqui, senhoras leve-o para dentro. A senhora pode se deitar no banco se quiser. Ainda demora para chegar ao porto e o tempo vai piorar mais.
Empurrando Rowan, Ellen entrou na cabine. Rowan foi ao banheiro e gritou por ela quando acabou de vomitar. Ela limpou-o, colocou-o no banco e deitou-se ao seu lado abraçando-o, acariciando seus cabelos avermelhados. Pouco a pouco, ele se acalmou e dormiu.
Como ele é bonito. Ellen pensou enquanto o olhava, com o rostinho mais calmo e aqueles cílios tão compridos. Uma criança nascida do amor, porque ela e Dermid estavam realmente apaixonados um pelo outro há seis anos atrás. O que realmente acontecera entre eles? Por que haviam se separado? De quem era a culpa? Ambos seguindo caminhos opostos e nenhum dos dois querendo ceder nunca.
Oh, Deus, ela estava cansada de pensar nisso, cansada de tentar descobrir se poderia ter agido de outra forma, cansada de viver agarrada a um sonho impossível. Cansada, cansada, cansada. Se ela pudesse dormir e nunca mais acordar!
Devagarinho ela fechou os olhos. A noite mal dormida e a tensão pela qual passara desde que se encontrara com Dermid, tinham abalado seus nervos. Exausta, ela adormeceu, um braço passado protetoramente sob a criança.
Capítulo II
Ellen percebeu que a balsa parara pois não se ouvia mais o barulho das máquinas. Sentindo frio, ela permaneceu com os olhos fechados, pensando no que acontecera... Foi quando bateram com força na porta da cabine. Abrindo os olhos ela viu Rowan. Ele ainda estava dormindo com a cabeça por cima de seu braço. Batidas mais fortes fizeram-na tirar o braço de sob a cabeça dele, correr até a porta e abri-la. O tripulante estava lá olhando-a com curiosidade.
— Nós estamos em Portcullin, senhora, o fim da linha — ele disse. — O menino está melhor?
— Sim, obrigada. Está dormindo.
— A senhora tem bagagem?
— Sim — Ellen tirou os cabelos do rosto. Ainda estava tonta de sono. Parecia que tinha dormido anos. — Eu acho que Derm... digo, meu marido, está cuidando disso.
— Sim, sim — disse o tripulante. — Então eu a ajudarei com a criança. — Ele entrou na cabine e olhou para Rowan. — É uma pena acordá-lo. Só tem esse, senhora? — Ellen concordou e ele prosseguiu.
— Eu tenho quatro. Dão muito trabalho para minha esposa. — Ele ergueu Rowan nos braços. — Vá na frente, senhora. Vire à direita no corredor e encontrará a prancha de desembarque.
Só havia tempo de pôr os sapatos e pegar a bolsa. Não dava para se preocupar com sua aparência, pentear os cabelos, ou retocar a maquiagem. Não haveria tempo para alisar sua saia ou tirar os pelinhos de lã do seu conjunto.
O barulho das gaivotas voando parecia saudá-la enquanto ela descia pela prancha de desembarque para o cais. O chuvisco parara e o sol brilhava novamente no céu azul, onde nuvens brancas passavam, brilhava sobre as paredes das construções do cais de pedra onde a balsa fora atracada e cintilava nos dois carros estacionados ali perto.
Imediatamente ela reconheceu um dos veículos. Era o Rolls Royce prateado que pertencera ao avô de Dermid e James Blair, o motorista e jardineiro, estava pondo a bagagem no porta-malas. Mas onde estava Dermid? Ela não precisou procurar muito para encontrá-lo. Ele estava ao lado do outro carro com uma mulher alta, elegante, muito bem vestida, os cabelos loiros, lisos, bem cortados, brilhavam à luz do sol. Dermid parecia muito interessado no que ela falava e nem viu quando Ellen desceu a rampa.
Ignorando-o Ellen se dirigiu a James Blair e o tripulante seguiu-a ainda carregando Rowan. A face de James Blair geralmente muito séria abriu-se num sorriso de boas-vindas e ele levantou seu boné para ela quando a viu aproximar-se.
— Bom dia, sra. Craig — ele disse na sua cantante voz escocesa.
— Como você está, James? — Ela estendeu a mão a ele e ele ficou hesitante se poderia ou não trocar apertos de mão com a mulher de seu patrão. 
— Acho que estou bem, muito bem, sra. Craig. E como vai a senhora?
— Bem, obrigada.
— Mamãe — a voz de Rowan soou ansiosa ao acordar nos braços do tripulante. — Onde nós estamos, mamãe? Onde está o barco?
— Nós já chegamos, queridos. — Ela sorriu para o tripulante e agradeceu-o enquanto ele punha Rowan no chão. Mas o olhar dela dirigiu-se para Dermid que ainda conversava com a mulher loira. Quem seria ela? Por que ele prestava tanta atenção no que ela dizia? Ellen sentiu uma pontada de ciúme mas procurou ignorá-la. O camareiro voltou para a balsa e James Blair, segurando a porta do carro aberta, sugeriu que ela e Rowan entrassem.
— Venha, Rowan. Entre. Não é um carro lindo?
— Não quero ir para o carro. Quero ir para o barco — reclamou Rowan, contrariado, recusando-se a mover-se. — Quero ficar com ele — acrescentou. apontando para Dermid. E se esquivando dela, correu para o cais.
— Rowan, Rowan, volte imediatamente. — O vento, que de tão forte desmanchava sua franja embaralhando sua visão, levou as palavras para a direção errada. Mordendo o lábio inferior, Ellen observou Rowan correr para Dermid e levantar os bracinhos para ele. Dermid abaixou-se e colocou o menino nos ombros como fizera na balsa. Mas, em vez de virar-se e voltar para o carro, continuou parado com a mulher, sem falar mas ouvindo-a com muita atenção.
— Eu estou pensando que a refeição que Bessie preparou vai esfriar demais se tivemos que esperar muito — resmungava James Blair baixinho. Depois de olhar para o chofer, Ellen notou que ele olhou para o relógio e depois observou o grupo parada perto do outro carro. Já eram doze horas e vinte cinco minutos e ela se esquecera que era domingo. Ellen se esquecera de que em Inchcullin eles sempre serviam uma refeição bem substanciosa ao meio-dia.
— Vou dizer a Dermid para se apressar — murmurou ela e caminhou até lá. Chegando ao lado dele, falou abruptamente, sabendo que estava sendo rude interrompendo a outra mulher. Mas não se importou muito porque achava que tinha direito à atenção de Dermid.
— James diz que vamos perder o almoço se não formos já para Inchcullin.
A outra mulher se calou. Ellen lançou-lhe um rápido olhar, notando a pele bonita, a face angular, os cabelos curtos, os olhos azuis profundos sob sobrancelhas bem arqueadas; uma bonita mulher, esguia, bem vestida com um suéter de lã de carneiro sob um conjunto de tweed azul-acinzentado; uma mulher de uns quarenta e cinco anos, experiente e sofisticada.
— Estarei com vocês num minuto. — A voz de Dermid era fria e autoritária enquanto ele punha Rowan em pé no chão. — Vá com sua mãe, rapaz — ordenou. — O que você estava dizendo, Ann? — ele perguntou com cortesia, voltando-se para a outra.
Com as faces pegando fogo, Ellen virou-se sentindo os dedinhos gordosde Rowan em sua mão. Como Dermid ousou tratá-la como se fosse ninguém? Como ele ousou humilhá-la diante da outra mulher? Atrás dela, Ellen ouviu uma porta de carro bater e uma partida de motor. Em poucos segundos Dermid estava ao seu lado.
— Você tinha que ser tão rude? — reclamou ele. — Não podia esperar até que Ann terminasse de falar?
— Do jeito como ela conversava, acho que teria de esperar a vida toda — Ellen respondeu. — E aparentemente o que ela dizia era muito mais importante para você do que para Rowan e eu.
A mão de Dermid agarrou seu braço e segurou-o com tanta força que parecia atingir seus ossos, forçando-a a virar-se para ele.
— Escute, sua tola ciumenta, Ann é uma velha amiga...
— Oh, eu percebi... Bem velha. Mais velha do que você pelo menos uns vinte anos. Mas é a última moda agora, não é? Mulheres mais velhas interessando-se por homens jovens.
— Cale-se — ele falou, seus olhos lampejando com raiva. — Ellen, o que há com você?
— Nada, nada — ela respondeu, afastando os cabelos loiros dos olhos. — Eu só estou dizendo o que acho, dando minha opinião, creio que tenho esse direito, não? Penso que você encontrou no bar a sua velha amiga. Aposto que ela já estava lá quando foi buscar aquele primeiro drinque e foi por isso que voltou correndo para buscar outro. Você preferiu beber com ela do que ficar comigo e Rowan.
— Acha, honestamente, que me encoraja a ficar com você? — ele respondeu asperamente. — Oh, não, bem pelo contrário. Mostra que me quer longe porque ficar comigo a aborrece, não é? Está certo, eu voltei ao bar e fiquei não porque Ann estivesse lá. Eu não tinha visto Ann até que comecei a procurar você pelo barco todo. Onde você se enfiou?
— Rowan sentiu-se mal e eu também fiquei um pouco enjoada. Um tripulante levou-nos até uma cabine e nos deitamos.
— Já estão bem agora? — Com um olhar quente ele observou a face de Ellen e olhou também para Rowan. que surpreendentemente estava quieto, de mãos dadas com ela e chupando o dedo, enquanto olhava para alguma coisa que era levada pelo vento.
— Como se você se importasse conosco...
— Deus meu, que temperamento infernal — Dermid disse, apertando fortemente seu braço. — Estou inclinado a...
— Sacudir-me — ela falou. — Vamos, faça isso. Sacuda-me na frente de James Blair, ofereça-lhe uma história emocionante para contar a Bessie, que por sua vez a contará a tia Agnes, que saberá então que nosso relacionamento não é tão agradável quanto penso que você forçou sua família a acreditar.
— Eu não forcei Agnes a acreditar em coisa alguma — ele respondeu. — Sou diferente de você, eu nunca discuti com ninguém nosso relacionamento. Eles podem acreditar no que quiserem. A forma que eu e você escolhemos para viver não é da conta de nenhum idiota.
— Dermid, olhe sua linguagem, por favor. Pense na criança. — Ela suspirou, tentando livrar o braço da mão que o agarrava. — Você está me apertando com força. Meu braço ficará machucado quando você soltá-lo. Ah, vamos, por favor! — ela gritou enquanto ele o apertava com mais força. — Você deve ter bebido muito para se comportar deste modo. Você não costumava ser espancador de mulheres.
— Onde você aprendeu a ser tão vulgar, Ellen? — ele perguntou, seu rosto tão perto do dela que ela podia sentir o cheiro da bebida na sua respiração e ver o olhar perigoso de seus olhos apertados. — Com sua mãe? Ou com o pessoal com quem você trabalha? — Ele a soltou tão bruscamente que Ellen se desequilibrou um pouco. — Vou começar a pensar no que disse — continuou ele, enfiando as mãos nos bolsos da calça. Olhou-a com insolência. — É isso o que eu deveria ter feito há anos atrás: batido em você.
— Eu o odiaria se você tivesse me batido. Eu o abandonaria.
— Não vejo a diferença — ele ironizou. — Você me odeia do mesmo jeito!
— Eu não, oh, você... — Antes de ofendê-lo com nomes impróprios ela se interrompeu, lembrando-se de Rowan. Voltando-se, ela encaminhou-se para o Rolls, puxando a criança. James Blair ainda conservava a porta aberta para ela. Entrou primeiro e foi bem para o canto. Rowan sentou-se ao seu lado e ainda chupando o polegar, recostou-se nela. Ellen esperava que Dermid se sentasse na frente com James, mas quando ela olhou ao redor, ele estava se sentando na outra ponta do banco enquanto James fechava a porta do carro.
O grande carro arrancou finalmente e num instante deixou para trás o porto, penetrando na rua principal da cidade, passando pelas lojas fechadas e pelo hotel. As pessoas nas suas roupas domingueiras encaminhavam-se para a igreja, as mulheres segurando os chapéus que o vento teimava em tirar e as mocinhas rindo enquanto tentavam segurar saias.
No topo, o carro passou rápida e suavemente pelas colinas de pedra e as ruínas do Castelo Cullin. Terminado o trajeto da colina, o carro pareceu flutuar e de lá se avistava o lindo mar turquesa-prateado, onde o sol brilhava e as nuvens deixavam suas sombras.
Virando à direita para a direção norte, o carro deslizava macio. Com a cabeça encostada no encosto do carro, Ellen sentiu que a tensão decorrente da briga com Dermid se amenizava. A ilha mais próxima. baixa e escura era Gigha, lembrava-se. E aquela verde atrás dela era Islay. E qual era o nome daquela com três montanhas? Sem pensar ela se voltou para perguntar a Dermid, mas hesitou pois ele parecia dormir, as longas pernas estendidas e a cabeça apoiada no encosto do carro.
Ellen estudou sua face. Os anos que viveram separados deixaram marcas no marido. Havia linhas ao lado da boca que não existiam antes; talvez porque ele sempre gostara muito de rir, mas também alguma coisa a mais. Amargura? Havia também alguns fios de cabelos brancos nas têmporas.
Ele sempre foi diferente, pensou ela, sempre chamou atenção, mas agora, além de distinto, ele também tem uma aparência simpática, é bonito. Ele parecia o que era, um homem de negócios cheio de sucesso, dinâmico, confiante na sua própria capacidade, consciente de sua elegância em qualquer traje e até mesmo sem nenhum.
As faces de Ellen ruborizarain-se com essa idéia e tirou os olhos dele depressa, enquanto sentia uma onda de desejo violenta tomando conta de todo seu corpo. Procurou se distrair daqueles pensamentos, olhando para o mar.
Quantas mulheres já haviam se sentido assim olhando para Dermid? Quantas mulheres ele teria tido em sua vida nesses três anos? Ela sabia de pelo menos uma. Dermid não era puritano. Abnegação não fazia parte de seu estilo de vida. Ele era um tipo realista, como o seu pai também o fora, tirando prazer onde pudesse ser encontrado. “Talvez eu me torne como ele se você não me amar o suficiente”, disse ele certa vez. E embora Dermid tivesse dito isso em tom de brincadeira ela sabia o que o marido realmente queria dizer.
Quando e por que ele dissera aquilo? Oh, ela se lembrava muito bem. Aqueles pensamentos voltavam agora para atormentá-la; aquelas lembranças que ela tanto quisera sufocar, da idílica semana que passaram juntos na casa de verão dos seus pais, nas colinas Gatineau ao norte de Ottawa. Dermid voara da Índia para encontrar-se com ela, como Ellen tinha pedido. Aquela semana fora de encantamento para os dois, de redescoberta do amor de um pelo outro, naquele chalé de madeira, no alto de uma colina, acima das águas tranqüilas de um lago.
Tinha sido lá, na última tarde, enquanto eles se amaram entre as almofadas, no tapete de pele de urso, em frente a uma lareira, que ele dissera a ela:
— Aconteça o que acontecer entre nós, já vivemos estes momentos, Ellen. Esta semana foi perfeita.
— O que pode nos afastar? — ela murmurou naquela preguiça sensual que a envolvia.
— Trabalho, pessoas — ele respondera. Dermid parara de falar e uma sombra parecia toldar sua expressão. — Sua mãe não gosta de mim...
Ellen sabia que sua mãe não gostava dele e descobrira o motivo poucos dias depois que ela voltara da Escócia para Ottawa.
— Por que você e papai não aprovaram meu casamento com Dermid? — explodiu ela, não sendo mais capaz de ignorar a friezacom que eles, principalmente a mãe, recebiam qualquer alusão a Dermid.
— Nós achamos que você se casou muito depressa — Janet Lister respondeu vagarosamente, escolhendo bem as palavras. — E isto talvez porque ele a tivesse possuído antes. — As faces de Janet subitamente ruborizaram-se ao tocar num assunto tão delicado, que ela preferia ter evitado.
— Você acredita que Dermid tenha me seduzido e por isso... — Ellen caiu na risada sem acreditar naquele absurdo. — Oh, mamãe, você sabe que não permitiria que me acontecesse uma coisa dessas.
— Algumas vezes até as mulheres mais sensatas podem ser seduzidas, especialmente quando um homem experiente e atraente se dispõe a isso — dissera Janet rigidamente.
— Então você acha Dermid atraente? — Ellen se apercebeu disso imediatamente.
— Tão atraente quanto aquele diabo de cabelos vermelhos, Maxwell Craig, o pai dele, era.
— Você conheceu Maxwell Craig? — Ellen perguntou.
— Conheci sim. Ele se casou com minha prima Bárbara Rose. Eu fui uma das damas de honra do casamento deles; e quando penso como ele a tratou logo depois porque ela não podia ter filhos, como ele transformou a vida dela num inferno, continuando a andar com aquela cigana...
— Você quer dizer a mãe de Dermid, não é? Seu nome é Kate Mackinnon agora e ela é casada com um fazendeiro. Não sabia que ela tinha sangue cigano.
— Você se encontrou com ela? Então você sabe... — Janet interrompeu-se hesitando em falar abertamente.
— Que ele nasceu ilegitimamente? Sim, eu sei. Dermid e eu não temos segredos um para o outro — ela prosseguiu, orgulhosamente.
— E penso que foi uma pena sua prima Bárbara não ter tido bom senso suficiente para divorciar-se do pai de Dermid quando viu que não poderia ficar grávida. Então, ele teria se casado com Kate e Dermid não seria filho ilegítimo.
— Oh, é fácil para você criticar Bárbara — Janet respondeu friamente. — Espere até que aconteça com você. Espere até você saber o que é ver o homem que você jurou querer e amar correr para outra mulher e ainda sofrer a afronta de saber que, no dia em que ele morreu num acidente de carro, era para a outra mulher e não para você que ele corria. Vai pensar de uma forma bem diferente.
Mas apesar de tudo, Janet e Don Lister deram boas-vindas a Dermid quando ele chegou a Ottawa. O casal fez de tudo para disfarçar a antipatia que sentiam por ele e se ofereceram para ficar com Rowan para que os dois tivessem uma semana de férias. E então Ellen defendeu sua mãe quando respondeu à insinuação de Dermid que ela não gostava dele.
— É porque ela ainda não o conhece — ela respondeu suavemente, sentando no tapete e encostando-se nele. — Mamãe pensa que você pode ser do tipo de seu pai.
Ellen falou brincando mas se surpreendeu quando as feições de Dermid se endureceram e seus olhos se apertaram perigosamente enquanto a atraía para si.
— Talvez eu me torne como ele se você não me amar o suficiente — respondeu roucamente — Seja minha agora, Ellen — ele exigiu com urgência, num sussurro. — Mostre-me que você me quer como eu a quero.
Ellen estava pronta para ser dominada, sentindo estranhas sensações percorrendo todo seu corpo, enquanto o fogo brilhava lançando luzes alaranjadas sobre seus corpos. Ela demonstrou então o quanto o amava, acrescentando outra dimensão ao ato amoroso que atingiu êxtases nunca antes conseguidos.
No dia seguinte, o ato de amor foi rudemente interrompido. Um telegrama vindo da Escócia exigia o retorno imediato de Dermid ao trabalho e ele partiu deixando Ellen e Rowan em Ottawa.
— Volte quando você se sentir preparada para deixar seus pais — ele lhe disse. — Eu reconheço que eles devem sentir saudades de você, pois foi o último filhote a deixar o ninho. Portanto dedique-lhes um pouco mais do seu tempo e do seu carinho. Eu me ausentarei novamente, provavelmente irei a Chong Kong onde estamos instalando novo maquinário, por isso, volte no começo de dezembro, eu voltarei também e passaremos nosso primeiro Natal com Rowan.
Ellen deveria ter ido com ele. Nunca deveria ter ficado em Ottawa, ela entendia agora. Mas naquela época não imaginara que quanto mais tempo ela ficasse, mais difícil seria partir. Nunca poderia imaginar que o seu pai teria um enfarte repentino, que morreria, e que sua mãe se agarraria a ela com desespero, pois era a única filha a estar presente ao trágico acontecimento.
Dermid foi maravilhoso e escreveu a ela dizendo para ficar com a mãe até que ela se sentisse mais segura. As semanas correram e de repente já era Natal. Foi impossível para Ellen deixar a mãe, e Dermid foi passar o Natal em Ottawa,
Mas não foram momentos felizes, Janet demonstrou o ressentimento que tinha para com Dermid desde que ele chegou e no Ano Novo Dermid já estava de péssimo humor.
— Não vou ficar mais aqui — ele disse a Ellen quando ficaram uns minutos a sós. — Vou para a Escócia hoje. Você vem comigo?
— Dermid, há uma coisa que estava querendo perguntar para você. Ofereceram-me um emprego aqui que eu gostaria de aceitar.
— Que espécie de emprego?
— É no estúdio local da tevê. Um dos produtores é vizinho de mamãe e ele me perguntou se eu gostaria de fazer umas entrevistas na programação da tarde. Ele acha que tenho talento para isso. — A voz dela elevou-se excitadamente enquanto lhe contava os detalhes. — E algo que eu gostaria de tentar e pode ser que eu nunca mais venha a ter uma oportunidade igual.
— Você não encontraria alguma coisa semelhante para fazer na Escócia?
— Não, eu acho que não. Quer dizer, eu não sou escocesa, sou? Não tenho nenhum contato em tevê comercial por lá.
— Sua mãe está por trás disso? — ele perguntou, com desconfiança.
— Não, mas ela acha que é uma boa idéia.
— Tenho certeza que sim — disse ele secamente. — E agora eu entendo aquela conversinha dela comigo a respeito de como as mulheres vivem mais independentes hoje em dia; de como ela queria que você não tivesse casado sem ter tido uma oportunidade para se tornar uma mulher independente. — Ele lançou-lhe um olhar furioso. — Sua mãe gostaria de que nós nos separássemos, sabia disso?
— Não gostaria não, tenho certeza que não! Ela sente um respeito muito grande pelo casamento. E eu não quero me separar. Quero continuar casada com você. — Ellen foi para junto dele e o abraçou. — Eu o amo, Dermid, mas eu quero este emprego. Quero descobrir se sou capaz de executá-lo, provar a mim mesma que consigo ser mais do que esposa e mãe.
— E Rowan? O que acontecerá com ele?
— Ele ficará bem. Depois dos seis meses uma criança não necessita mais que sua mãe fique com ela o dia todo. Eu o deixarei com mamãe. Ela já disse que adorará ficar com Rowan. Também posso encontrar alguém que cuide dele enquanto estiver fora — ela apressou-se a acrescentar quando viu a decepção que cobriu o seu rosto quando ela mencionou Janet. — Oh, você não entende, não é?
Ela suspirou quando ele foi para a sala e ficou observando da janela os flocos de neve caírem.
— Estou tentando, Deus sabe como estou tentando entender. Você quer se ver livre de mim, não é isso que está querendo me dizer?
— Só quero ter um trabalho, como você tem o seu. Você desempenha um trabalho de que gosta. Você parte e me deixa, portanto não vejo por que eu não possa fazer o mesmo.
— Você já está cansada de estar casada comigo, não é? — ele perguntou voltando-se para fitá-la.
— Talvez, Dermid. Nós podemos traçar um plano. Outros casais conseguem trabalhar em lugares diferentes e ainda assim permanecerem casados. Você poderia vir ver Rowan e eu, quando puder, posso ir vê-lo quando...
— Não! — A negativa pareceu urna bomba explodindo dentro dele.
— Por que não? 
— Eu não gosto de meias-medidas, é isto. — Houve um longo silêncio e quando ela já estava capitulando e ia dizer que voltava com ele para a Escócia, Dermid disse abruptamente: — Está bem, desempenhe seu trabalho. Fique aqui e consiga o emprego. Ficaremos separados um ano.
— Separados?
— E o que se diz quando marido e mulher não moram maisjuntos. — A voz dele estava fria e voltando ao passado. Ellen reconheceu que foi naquele momento que os sentimentos dele para com ela mudaram, — No final de um ano, no próximo Natal, nós vamos rever a situação. E a única maneira. Ellen. Eu saio da sua vida por um ano e enquanto isso você ensaia seu vôo de liberdade, se isto a faz feliz. 
Dermid fez as malas e deixou a casa da mãe. E desde então, nunca mais ela o havia visto, até aquele dia.
Vagarosamente Ellen virou a cabeça. Seu olhar dirigiu-se para as pernas longas e musculosas de Dermid, que modulavam o tweed de suas calças. Em seguida pousou os olhos em sua mão grande e bonita apoiada em um dos joelhos. Fixou-se em seguida no peito, coberto pela camisa de seda bege. Notou então que a linha de seu maxilar ainda estava firme, mas, na verdade, seu rosto parecia muito fino, as maçãs do rosto um pouco cavadas e magras...
Maldição! Dermid estava olhando para ela, com os olhos semicerrados, ávidos de desejo como se ele quisesse... Novamente ela olhou para o lado oposto, forçando-se a se concentrar na paisagem. A estrada fazia uma curva e descia em direção ao mar. A frente, um grande rochedo sobressaía contra o azul brilhante do céu. As ondas quebravam contra as rochas, espirrando espuma branquinha para cima.
— Estou com fome — anunciou Rowan de repente. — Eu “quelo” o almoço. Mamãe, eu “quelo” sanduíches de pasta de amendoim e geléia no almoço.
— Ellen, por que você não fez nada para corrigir o fato de Rowan pronunciar melhor as palavras? — falou Dermid em tom de crítica.
— Já fiz. O psicólogo disse que com o tempo ele falará direito e que é melhor a gente ignorar quando ele falar assim. Ele só faz isso para chamar atenção.
— Um psicólogo? Você o levou a um psicólogo?
Olhou-a como se ela tivesse cometido um crime.
— Sim, num hospital infantil. Você sabe, Rowan tem apresentado alguns problemas de comportamento na escola maternal...
— Com os demônios, o que vem a ser uma escola maternal? — interrompeu ele asperamente.
— Uma escola onde as mães que trabalham podem deixar os filhos pequenos durante o dia, onde as crianças são cuidadas de maneira especializada muito melhor do que se fossem cuidadas em casa, por empregadas. Rowan adora ir para lá porque há outras crianças para ele brincar.
— Se Rowan gosta, por que tem problemas de comportamento? — perguntou ele secamente.
— Não sei. Por isso eu o levei ao psicólogo.
— E ele disse o porquê? — os olhos escuros estavam menores agora.
— Bem... de alguma forma sabe. — Ellen não queria dizer a ele que o psicólogo havia dito para ela parar de trabalhar e ficar em casa com Rowan, pois o filho precisava de mais atenção. E se possível acabar com a separação de modo que a criança pudesse conhecer e receber carinho e atenção também do pai. Ainda se sentia desconfortável lembrando das criticas e da humilhação daquela entrevista.
— O que disse o psicólogo, Ellen? Eu tenho direito de saber. Rowan é tão meu quanto seu.
— Ninguém poderia acreditar nisso, considerando o tempo que esteve longe dele — respondeu ela, tendo a satisfação de vê-lo empalidecer.
— Eu fiquei longe dele, como você me acusa. Várias vezes eu lhe escrevi pedindo que trouxesse o menino para me ver. Eu gostaria de tê-lo tirado de você, queria que ele tivesse morado comigo uns tempos...
— Para alguma outra mulher cuidar dele?
— E quem está cuidando de Rowan em Ottawa? Não é outra mulher?
— Pelo menos eu o ponho na cama todas as noites e passo os fins de semana com ele. Você poderia fazer isto se ele vivesse com você? — A voz dela elevara-se. Rowan choramingou...
— Não vou discutir o assunto aqui — ele disse suavemente, — E muito menos enquanto você estiver em crise de histeria.
— Então agora eu sou histérica, não é? — Ellen ferveu de raiva. — Então, onde você quer discutir o assunto? Na frente de um advogado ou diante de um juiz?
Por um momento, eles permaneceram olhando um para o outro, por cima da cabeça da criança. Então Rowan, sentindo o problema, pulou no joelho de Ellen e pôs seus braços ao redor do pescoço da mãe.
— Mamãe, não chore...
— Não, não chore Ellen — Dermid caçoou. — Eu me sinto inclinado a confortá-la também e nós dois sabemos o que acontecerá se eu fizer isto.
Ellen lançou-lhe um olhar de desdém, mas ele já se virara e olhava pela janela. Naquele momento, o carro aproximava-se de Inchcullin, seguindo a linha da praia e ela já podia avistar as torres da casa brilhando ao sol, acima dos pinheiros.
Já fora da estrada, o carro dirigiu-se a um caminho todo ladeado por azaléias. O caminho terminava num longo pátio em frente da casa. Construída em granito cinza, com três andares, a casa possuía torres suficientes para fazer dela o cenário ideal para uma estória de romance gótico. O olhar de Rowan percorreu-a toda.
— Esse é ó castelo? — perguntou ele.
— Sim, é o castelo — respondeu Dermid enquanto descia do carro. Voltando-se, ele deu a mão a Rowan para ajudá-la a descer e o menino pegou sem hesitação a mão do pai.
— Você mora aqui? — ele perguntou olhando para o pai.
— Não, mas meu avô morava, e eu vinha aqui quando era garoto.
— Garoto como eu? — Rowan perguntou.
— Quase como você — Dermid respondeu. — Eu já era mais velho que você. — Sua voz tomou-se um murmúrio enquanto ele caminhava através do pátio coberto de folhas, em direção à entrada lateral da casa.
Eu deveria estar contente por Rowan aceitar o pai com tanta naturalidade, pensou enquanto descia do carro e os seguia. Mas que desconfiava das intenções de Dermid desconfiava. Ele faria o máximo para conquistar Rowan e se entrassem com pedido de divórcio, ele ia exigir a tutela da criança. Diria o juiz que ela não era capaz de cuidar de Rowan porque, vivendo com ela, o menino tinha adquirido um defeito de fala e o hábito de chupar o dedo.
A escada apareceu na frente dela e na ânsia de alcançar Rowan, Ellen tropeçou no segundo degrau, bateu o joelho na quina do terceiro e gemeu enquanto sentia sua meia desfiar-se. Deus, que dia desastrado aquele! Seu costume de veludo estava em péssimo estado, as meias desfiadas, os pés inchados, seu filho prestes a ser seduzido pelo pai. Os nervos de Ellen quase estouravam cada vez que olhava para Dermid ou o surpreendia olhando para ela.
Quando Ellen chegou a casa, Bessie, esposa de James e caseira de Inchcullin, estava na porta segurando Rowan nos braços, dando os gritinhos de admiração enquanto ele fitava solenemente, piscando os cílios para ela.
— Ah, que belo menino — Bessie dizia. — O senhor deve estar orgulhoso dele, sr. Craig.
— Sim — respondeu Dermid laconicamente e, passando por Bessie, desapareceu dentro de casa.
Bessie dirigiu as boas-vindas a Ellen.
— Entre, sra. Craig. Eu a levarei até seu quarto. Acho que a senhora vai querer tomar um banho e trocar de roupa antes da refeição. O garoto também parece que precisa de um bom banho.
— Isso será bom, Bessie. Haverá tempo? Nós nos demoramos no cais e James temia que a refeição fosse esfriar demais — disse Ellen, enquanto entrava.
— Não Ligue para o que ele fala — disse Bessie. — James pensava na própria fome. A srta. Agnes disse que a refeição deveria estar pronta a uma e meia, portanto a senhora tem 40 minutos para se arrumar.
A casa continua a mesma, pensou Ellen enquanto seguia Bessie pelo hall com os painéis escuros nos quais estavam pendurados quadros a óleo dos antigos moradores. O forro era alto com desenho intrincado de flores e rosas, e o chão, no qual estendiam-se tapetes persas, armadilhas para quem andasse descuidadamente, estava brilhando. Ela precisava avisar Rowan a respeito dos tapetes ou ele passaria todo o tempo tropeçando neles, como ela.
— Como está a srta. Craig? — ela perguntou a Bessie, enquanto subiam a larga escadaria. Bessie ainda segurava Rowan ao colo e julgando pela expressão do garoto ele estava adorando ser paparicado por Bessie.
— Tão bem quanto as circunstâncias o permitem — Bessie respondeu. — Por mais que estivesse prevenida,a morte do pai foi um grande choque para ela. Eles viveram juntos tanto tempo!
— Ele era um cavalheiro maravilhoso — disse Ellen. Sob sua mão o largo. corrimão estava liso e escorregadio e ela lembrou-se de como escorregara nele há cinco anos atrás, seguindo Dermid que lhe mostrava como fazê-lo e no final caindo em seus braços abertos. Como ela era tola e infantil há cinco anos atrás! Mas era feliz, oh, muito feliz!
— Ele era bondoso — Bessie suspirou acabando de subir a escada. O sol filtrava sua luz através dos vidros limpissimos da grande janela.
— Eu me lembro do dia em que ele trouxe o sr. Dermid aqui pela primeira vez. Não muito mais velho que este garoto, mas eu acho que os cabelos dele eram mais escuros, tinham um toque de marrom mais forte. — Este é o meu neto, Bessie — o sr. Craig disse e olhou-me firmemente como se esperasse que eu dissesse que não era. — Sim, senhor — eu disse. — E quanto tempo ficará aqui? — E ele respondeu: — Quanto tempo a mãe dele deixar — Ele estava muito pesaroso pela morte do sr. Maxwell, seu filho único, e foi difícil encontrar a mãe do sr. Dermid e persuadi-la que deixasse trazer o menino para cá.
Bessie chegou em frente a uma porta no primeiro andar e pôs Rowan no chão.
— Ele está pesado — ela disse ofegante. — Ou então eu estou ficando velha. — Ela olhou diretamente para Ellen e seus olhos azuis demonstravam reprovação. — Eu estou pensando que o velho homem, gostaria de ter visto seu bisneto. Foi uma pena a senhora não poder vir visitá-lo. Mas isso agora não adianta mais, não é? As famílias sempre acabam se espalhando pelos quatro cantos do mundo.
Ela sabe, pensou Ellen. Ela sabe sobre mim e Dermid. Mordendo os lábios para tentar não chorar, numa reação à reprovação de Bessie, ela entrou com a mulher no quarto. A mobília era toda de mogno no estilo vitoriano e a cama muito larga parecia poder acomodar seis adultos confortavelmente. Um tapete indiano, trabalhado em vermelho, amarelo e azul, cobria o assoalho e lindas cortinas pendiam das duas janelas compridas.
— Eu os coloquei neste quarto porque tem uma vista muito bonita do lago e do mar — disse Bessie, encaminhando-se para uma porta.
— Aqui é o quarto de vestir. — Ela abriu a porta e acenou para Ellen. — Eu acho que a criança pode dormir aqui.
Ellen seguiu-a ao quarto de vestir, que era realmente grande como um bom quarto de solteiro de uma casa moderna. Era mobiliado com um toucador, um grande guarda-roupa e um divã de estilo antigo no qual, ela imaginou, Dermid já dormira uma vez, e seu pai antes dele e talvez até seu avô. Era espaçoso o bastante para Rowan, mas será que ele vai dormir ali?, pensou ela. Ele já dormia numa cama pequena há um ano. Ela olhou para Bessie. A mulher estava parada observando-a em expectativa, obviamente esperando que ela fizesse algum gesto ou dissesse alguma coisa em aprovação.
— Parece muito confortável, Bessie. Você teve bastante trabalho.
— Não foi trabalho nenhum... — Bessie começou, mas interrompeu-Se quando um grito estridente veio do quarto. — O que foi isso?
— Rowan. — Virando-se, Ellen correu ao grande quarto e olhou ao redor. Não havia sinal de Rowan, mas seus gritos de “mamãe, mamãe”, e o barulho de sapatos batendo em madeira vinham do grande e ameaçador armário vitoriano que ocupava toda a extensão da parede do quarto.
Ellen correu para ele, segurou a maçaneta da porta com espelho puxou-a fortemente, estendendo os braços bem em tempo de segurar Rowan, enquanto ele se atirava para fora.
— Mamãe, mamãe, há um grande morcego lá dentro. Ele voou em cima de mim e tentou me morder — gritou ele, agarrando-a com o dedos, seus olhos fechados de pavor, a cabeça apoiada nos ombros da mãe, o corpinho tremendo da cabeça aos pés.
— Não era um morcego, garoto — disse Bessie, rindo gostosamente. — Era este velho chapéu que pertenceu ao seu avô, o pai do seu pai. Eu acho que o esqueci aí quando limpei o armário e tirei tudo que havia dentro dele. — Ela estava segurando um velho chapéu de tweed com proteção para as orelhas. — Olha garoto — ela acrescentou, estendendo o chapéu para mostrá-lo — foi isto que assustou você.
Rowan abriu os olhos devagar, olhou o chapéu e depois olhou para os olhos brilhantes de Bessie.
— Você tem certeza? — ele perguntou.
— Sim, tenho. Não há morcegos nem na casa nem no armário, mas você deve tornar cuidado para não ficar mais fechado lá dentro, está bem? A porta se fecha facilmente e uma vez fechada você não poderá sair. Agora venha comigo ao banheiro. Vou lhe dar um banho enquanto sua mamãe procura roupas limpas para você numa dessas malas que James trouxe. Nós não podemos ir encontrar a srta. Agnes com chocolate no cabelo e no rosto, podemos?
— Quem é a srta. Agnes? — Rowan perguntou, escorregando dos braços de Ellen, e com as feições novamente suaves.
— Bem, ela é tia do seu pai, portanto sua tia-avó, e mora aqui nesta casa.
— Isto não é casa, é castelo — corrigiu Rowan. — Mamãe me disse.
— Castelo, então — respondeu Bessie pacientemente segurando-o pela mão e levando-o na direção da porta.
— A srta. Agnes é o dragão? — perguntou Rowan e Ellen sorriu involuntariamente enquanto a porta se fechava. A gentil srta. Agnes com seus olhos sonhadores nada tem de dragão, pensou Ellen enquanto se dirigia para a mala que James trouxera e pusera sobre um suporte de madeira ao pé da cama.
Havia quatro malas não três, a quarta, de couro, e com etiquetas de várias companhias aéreas. A mala de Dermid. Ellen olhou ao redor do quarto. Bessie pensou que ela e Dermid iam partilhar um quarto, mesmo tendo ouvido comentários a respeito do casamento deles. Ou será que o erro tinha sido de James? Sim, talvez o engano fosse dele.
Ellen deu de ombros. Deixaria o problema para mais tarde. Naquele momento tinha que correr para que Rowan e ela ficassem com aparência apresentável.
Abrindo as malas, escolheu um macacão azul-marinho para Rowan. Para ela, escolheu uma saia de lã xadrez com cores de outono e uma blusa de lã com decote em V. Ela sabia muito bem que era a escolha mais apropriada porque estava frio. Trocou as meias também, escolhendo umas mais grossas e calçou mocassins de couro.
Já vestida, escovou os cabelos na frente do toucador e colocou um lindo camafeu no pescoço. Agora ela parecia bem melhor, mais controlada e havia uma centelha nos seus olhos acinzentados e um toque rosado em suas faces normalmente pálidas, como se... como se, bem, ela tinha que aceitar, como se ela quisesse lutar por Dermid outra vez.
Capítulo III
A refeição foi servida, como sempre, na grande sala de jantar. Quando Ellen chegou lá com Rowan, Dermid já estava sentado numa das cabeceiras da mesa, cuja superfície tinha um brilho avermelhado como os cabelos dele. Dermid trocara de roupa. Ellen notou isso antes de virar-se para Agnes Craig, que estava sentada na outra ponta.
Com sua face estreita, disforme e a protuberância no ombro direito. deformado no parto, mesmo assim Agnes Craig tinha uma aparência agradável. Mas as roupas escuras que ela usava no momento não ajudavam a amenizar a tristeza de seus olhos. Ela não se moveu enquanto Ellen e Rowan se aproximavam, mas observava-os com um olhar que refletia mágoa. Quando eles pararam do lado dela, Agnes olhou para Rowan por alguns segundos e de repente sua face enrijeceu-se.
— Oh, Ellen — sussurrou ela —, você deveria tê-lo trazido aqui antes... antes de papai morrer. Ele teria adorado Rowan.
Um sentimento de simpatia se despertou dentro de Ellen e se espalhou suavizando a atitude defensiva que ela tinha adotado desde que deixara o avião. Inclinando-se, ela pôs seus braços ao redor do corpo fino de Agnes e beijou-a na face.
— Eu sinto muito, Agnes, realmente sinto muito. Eu teria vindo antes, somente... — ela se interrompeu. De que adiantaria pedir desculpas? Por orgulho ela nunca trouxera Rowan para visitar seus parentes escoceses. Ela temia que Dermid concluísse que ela falhara na educação do filho e quisesse modificar sua vida e a da criança.— Nós estamos aqui agora, e talvez nossa presença traga-lhe um pouco de conforto. Rowan, esta é sua tia Agnes, Cumprimente-a e beije sua mão.
— Onde você guarda o dragão? — Rowan perguntou, olhando muito sério para Agnes enquanto estendia-lhe a mão.
— No celeiro — Agnes respondeu e um brilho cintilou no fundo dos seus olhos.
— Mesmo? — perguntou Rowan com os olhos brilhando de excitação. — Posso vê-lo?
— Não agora. Você entende, vai dormir durante todo o inverno como todos os outros animais que vivem embaixo da terra — disse Agnes. E olhou na direção de Dermid. — Ele tem o mesmo defeito de fala que você tinha, Dermid — ela acrescentou, enquanto Ellen conduzia Rowan para uma cadeira e ajudava-o a sentar-se.
— Foi o que pensei — respondeu Dermid. — E talvez pela mesma razão. Ellen, talvez a língua dele seja presa. A minha também era até que o doutor percebeu o fato. É uma operaçãozinha de nada, deve ser feita em crianças ainda novas.
— Você também chupava o dedo? — ela perguntou a Dermid, suavemente, sentando-se em frente a Rowan.
— Não, eu espero que esse vício ele tenha herdado de você — Dermid respondeu com um levantar irônico do lábio.
— Você pode deixar Ann dar uma olhadinha na língua do garoto, amanhã, se quiser, quando ela vier aplicar-me a injeção — disse Agnes, sem perceber nenhum atrito entre seu sobrinho e a esposa.
— Ann? — Ellen perguntou, desdobrando o guardanapo e colocando-o no colo, enquanto Bessie colocava uma tigela de sopa na sua frente. Era o velho caldo escocês, ela notou, grosso, com vegetais, ervas e não podia deixar de imaginar que Bessie só sabia fazer essa sopa.
— Sim, dra. Ann Menteigh. Ela é filha de um amigo meu — Agnes disse. — Ela é a única médica de toda esta região.
— Ann estava na balsa — Dermid contou. — Eu conversei um pouco com ela no cais. Como sempre estava preocupada com as crianças.
— Espero que ela possa vê-las. Seus filhos, um menino e uma menina, estão num colégio interno — Agnes explicou a Ellen. — Ela é viúva, O marido era químico e morreu quando uma experiência em que ele trabalhava resultou numa explosão.
— Eu não quero sopa — Rowan resmungou. — Eu quero sanduíche de geléia.
— Coma! — Dermid ordenou.
— Eu não gosto — disse Rowan.
— Como você sabe que não gosta? — Dermid perguntou. — Você ainda não experimentou.
— Não vou comer — Rowan murmurou.
— Está bem, mas acho que no caminho você disse que estava com fome — Dermid argumentou
— Dermid... — Ellen começou e ele dirigiu-lhe um olhar gelado.
— Cale-se — ele falou, asperamente. Ellen sentiu uma onda de raiva por ele ter falado tão rudemente com ela diante de Agnes e da criança.
— Não, não me calo. Ele é apenas um garotinho.
— Se você ficasse quieta e parasse de mimá-lo, ele comeria a sopa e ficaria contente. O que você tenta fazer? Compensar as horas que não passa com ele sendo superatenciosa quando está a seu lado, atendendo todos os caprichos dele?
— Dermid está certo, você sabe — disse Agnes calmamente. — Não é bom para uma criança ser muito mimada. Ellen, você ficou bem de franja.
A mão de Ellen foi involuntariamente para seus cabelos loiros, na altura dos ombros. Há cinco anos, ela os tinha bem curtos, quase pela nuca. Dermid, certa vez, pedira que ela os deixasse crescer.
— Há dois anos e meio uso este corte.
— Mamãe, você não me escuta? Eu quero... — A voz de Rowan soou alta, mas mesmo assim a voz de Dermid, profunda e autoritária, impediu que o garoto continuasse.
— Eu suponho que esse estilo combine com a imagem da entrevistadora feminista e liberal — ele disse. — A propósito, como está indo o emprego?
— Muito bem, obrigada — respondeu ela, enquanto Bessie veio com uma bandeja e começou a recolher os pratos de sopa. Já estava pegando o de Rowan ainda cheio quando Dermid interveio bruscamente:
— “Deixe aí”, Bessie, e não traga mais nada para ele, enquanto não terminar.
— Pois não, senhor. — A face de Bessie parecia de pedra, não deixando transparecer nada do que ela sentia enquanto se virou e foi buscar o prato seguinte.
— Apenas “bem”? — disse Dermid, encostando a cabeça no espaldar da cadeira e lançando um olhar maldoso para Ellen.
— Como qualquer emprego tem seus altos e baixos. — Preciso conservar minha calma, pensou ela, colocando as mãos nos joelhos. Não podia deixar que ele a dominasse com suas ironias.
— Realmente? Como ele estava com raiva, como a curva sardônica de sua boca se acentuara! Ela era fascinada pelo jeito dele sorrir e curvar o lábio superior. Ela adorava passar o dedo nessa curva. Meu Deus, o que ela ia fazer? Ela queria beijar aquela boca, afastar a zombaria com suaves movimentos de seus lábios, tentar aquele homem até que ele a beijasse em vez de espicaçá-la.
— Eu deveria imaginar que, para seu ego feminino, seria um trabalho emocionante encontrar todas essas pessoas excitantes, entrevistar políticos locais e celebridades, artistas e intelectuais, repartir a fama com eles.
— E isto ó que você faz, Ellen? Eu sempre imaginei... — A voz inocente de Agnes interrompeu o diálogo dos dois. — Eu acho que você deve aparecer muito bonita na televisão, querida. — A voz continuou, enquanto Bessie veio e colocou pratos com rosbife e batatas na frente deles. — Eu gosto de assistir programas de entrevista. Eu queria que seu programa passasse aqui, então eu poderia assisti-lo e dizer a todos do condado para assistirem também. Há alguma chance de ser exibido aqui?
— Não, creio que não. Só vai para a províncias do Canadá — Ellen respondeu gentilmente.
— Mas você deve gostar desse trabalho se continua a fazê-lo — insistiu Agnes. — E como Dermid diz, deve ser excitante encontrar-se e conversar com celebridades.
— Nem todas as pessoas que eu entrevisto são celebridades. Algumas são pessoas comuns que executam trabalhos simples, mas ao mesmo tempo dão alguma contribuição à comunidade. — Ellen respondeu. — Nem todos são políticos, artistas ou intelectuais — ela acrescentou, devolvendo um olhar vingativo na direção de Dermid.
— É muito importante para uma mulher ter outro interesse fora do lar, algo que não tenha nada a ver com crianças e marido — Agnes continuou. — Você não acha, Dermid?
— Oh, muito. Passar o tempo tentando obter informações de alguém que não quer dá-las em frente da tevê deve ser sempre mais gratificante do que ficar em casa o dia todo cuidando de um menino ou esperando o marido chegar do trabalho.
Agnes não percebeu a inflexão sarcástica, mas Ellen sim. Olhou para Dermid e quando ele apenas sorriu para ela, teve vontade de pegar o copo de água e jogar no rosto do marido.
— Este rosbife está delicioso, tia Agnes — Ellen disse, determinada a dirigir a conversa para outros assuntos.
— Fico feliz por você gostar, querida. Talvez o garotinho queira experimentar também, quando ele acabar a sopa. Ele come muito educadamente sozinho e é tão novo ainda.
Ellen olhou rapidamente através da mesa. Para sua alegria Rowan estava tomando sopa devagar e com dificuldade porque a colher de prata era grande demais para sua boca. Só um pouquinho escorrera pelo queixo e caíra no guardanapo.
De repente, Ellen se sentiu cansada, como que rendida ao inimigo. Rowan estava fazendo exatamente o que Dermid disse que faria: no entanto, durante meses ela e sua mãe tentaram persuadir Rowan a comer a mesma comida que elas, usando promessas e castigos, mas tudo em vão. E agora, depois de um período tão pequeno com seu pai, ele obedecia à autoridade calma e fria que Dermid sabia muito bem exercer.
A colher bateu no prato vazio, quando Rowan colocou-a lá. Olhou para Ellen e pediu:
— Quero mais.
— Agora você vai comer carne e batatas — disse Dermid antes que Ellen abrisse a boca.
— Não! Quero mais sopa. — Rowan transferiu toda sua agressividade para o pai.
— Sinto muito, carne e batatas ou nada. Pense sobre isso e depois me dê a resposta.
— Ele não entende — Ellen disse, tentando proteger Rowan.
— Oh, sim, ele entende, entende muito bem. Ele parece bastante