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Conflito na Caxemira: disparidades religiosas no sul asiático

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Conflito na Caxemira: disparidades religiosas no sul asiático
Isadora Moreira Lara Maia[1: Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: isadoramoreiramaia@hotmail.com.]
Larissa Rocha de Souza Almeida[2: Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: larissa.rdsa@gmail.com.]
Laura Mattar Notini[3: Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: lauramattar2008@hotmail.com.]
Nagila Rodrigues Alves[4: Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: nagilarodrigues15@hotmail.com]
Yasmin Christie de Araújo[5: Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: yasminchristie92@gmail.com]
Resumo
A relação entre Índia e Paquistão tem se mostrado conflituosa desde a criação de ambos os Estados em 1947. Em um primeiro momento, os traços territoriais são notórios precedentes, já que os recursos hídricos do Vale da Caxemira são de grande importância para os arredores do local, entretanto, em uma análise teórica baseada em Robert Jervis, torna-se possível a análise das disparidades religiosas indo-paquistanesas como geradoras de uma divergência perceptiva entre tais países, acirrando, assim, a hostilidade manifesta. Com o objetivo de analisar o motivo que provocou tais diferenças religiosas a culminarem em uma tensão na região da Caxemira, será estudado, fundamentando-se na teoria do dilema de segurança de Jervis (1978), como a história dos atores envolvidos caminhou para o cenário existente nos dias de hoje.
Palavras-chave: Índia. Paquistão. Caxemira. Conflito. Religião. Teoria. Análise. Internacional. Região. Dilema de Segurança. Independência.
1 INTRODUÇÃO
As interações entre os Estados no âmbito anárquico do Sistema Internacional ocorrem de modo a buscar poder em um ambiente no qual está presente o dilema de segurança. Nessa teoria, implementada por John Herz (1950) e retrabalhada por Robert Jervis na década de 1970 (RUDZIT, 2005), um grupo preocupa-se com sua segurança, uma vez estando na iminência de ser dominado ou atacado por outro grupo. Tentando ficar seguro, é levado a obter mais poder, visando minimizar ou anular o impacto do poder alheio. Tal atitude gera incerteza no último, fazendo com que procure, também, aumentar seu poder, o que leva a um círculo vicioso (HERZ apud PICCININI, 2015).
No artigo, será abordado o conflito entre Índia e Paquistão, os quais possuem diferenças religiosas que culminaram em três guerras ao longo de sua história e ainda hoje configuram, na Caxemira, uma região de instabilidade. Em 1947, com a independência indiana da Grã-Bretanha, foi intensificada a animosidade entre Nova Deli e Islamabad. Portanto, será exposto o período que se inicia em 1947 e perdura até a atualidade.
Será inquerido, à luz da teoria do Dilema de Segurança de Robert Jervis (1978), se o conflito na Caxemira foi motivado por um anseio de maior controle da extensão territorial da região em detrimento do fator religioso entre a Índia e o Paquistão. Além disso, a hipótese que irá balizar a pesquisa é de que o conflito religioso na Caxemira foi causado por diferenças religiosas entre a Índia e o Paquistão, o que gerou uma divergência perceptiva entre esses Estados, ato que acirrou a animosidade entre eles e levou ambos à busca por ampliação de influência no cenário sul asiático, haja vista que os interesses em questão se mostram conflitantes.
Com apoio de documentos oficiais de organizações internacionais bem como teses de mestrado, livros e artigos de periódicos científicos será construído o arcabouço teórico, com o objetivo central de – tomando a hipótese como ponto de partida – analisar o motivo da diferença religiosa entre a Índia e o Paquistão ter culminado em tensões na Caxemira. Mais especificamente, busca-se demonstrar, no viés teórico escolhido e no recorte temporal selecionado, a percepção de Nova Deli e a de Islamabad e por que tal percepção guiou as relações entre esses Estados. O presente artigo é dividido em três partes: a primeira delas expõe o histórico das disputas indo-paquistanesas na Caxemira, na segunda serão abordados brevemente os aspectos econômicos de ambos os países e, por fim, há análise do conflito entre hindus e muçulmanos à luz da teoria do realista Robert Jervis (1978).
2 CONFLITO NA CAXEMIRA
Desde a independência da Índia e do Paquistão em 1947 (ARANTES JR., 2003) existem animosidades entre eles, quando ocorreu a Partição da Índia britânica em esses dois Estados soberanos, tendo como critério para essa separação primeiramente o aspecto religioso, sendo o primeiro país de maioria hindu e o último majoritariamente islâmico, e como segundo aspecto a geografia (CARDOSO; MENDES, 2016). 
O Vale da Caxemira (Jammu e Kashmir) estava sob o domínio do Marajá Hari Singh, que, tentando manter o status quo, assinou um acordo que foi aceito pelo Islamabad, porém recusado por Nova Deli (ANUNCIAÇÃO SÁ, 2013). Um mês depois, grupos de rebeldes, aproveitando-se da transição na qual os britânicos estavam em retirada do local, começaram tumultos contra o Marajá visando à independência da Caxemira (ANUNCIAÇÃO SÁ, 2013). Em 27 de outubro Hari Singh se viu obrigado a assinar o Instrumento de Acessão que tornaria a Caxemira parte do Estado indiano, que apenas depois da assinatura se dispôs a mandar tropas com o escopo de minimizar os tumultos (NEVES JR., 2010).
(...) existem outros fatores que podem ser indicados para explicar o surgimento da disputa. A que mais se destaca a reação de Índia e Paquistão à proposta de independência da Caxemira, como um Estado nacional autônomo, ideia que teria mobilizado os dois países para conquistar esta região, estratégica para ambos. Há mais ainda outra linha de argumentação que ressalta as defesas jurídicas contraditórias de cada país para a anexação da Caxemira. De acordo com esta proposição, a guerra teria sua causa em desentendimentos entre Índia e Paquistão sobre os critérios a serem utilizados para a acessão, pois no caso de outros principados, os dois países defenderam fundamentos distintos daqueles apresentados no caso da Caxemira, o que acabou com a pretendida pacificidade esperada pelas autoridades envolvidas na emancipação do subcontinente (NEVES JR. apud KHAN, 2010).
A eclosão da primeira guerra da Caxemira ocorreu com um rápido avanço de grupos paramilitares paquistaneses em meados de 1947, e em pouco tempo praticamente conseguiram atingir a capital Srinagar e foi quando o exército indiano entrou no conflito, mostrando sua superioridade ao eliminar as tropas regulares e irregulares de invasores da capital (NEVES JR., 2010). Entretanto, a guerra não foi de tudo fácil para a Índia devido aos fatores climáticos, dada a fria localidade que deu palco à guerra; após as forças enviadas por Nova Deli não houve alteração nas posições no campo de batalha (NEVES JR., 2010).
Jervis (1978) aborda a questão geográfica como determinante de obstáculos que dificultam ou impedem a penetração do inimigo em um território. No caso da Caxemira, especificamente, os fatores climáticos foram um empecilho para a Índia na primeira guerra da Caxemira, além do rio que rega o local, possuindo grande extensão e representando, também, uma barreira natural entre a Índia e o Paquistão. 
Apesar de a geografia não poder ser modificada para se conformar às fronteiras, as fronteiras podem mudar e mudam para se conformar à geografia. Fronteiras além das quais um ataque é fácil tendem a ser instáveis. Estados que vivem nelas são susceptíveis de expandir ou ser absorvidos. Guerras frequentes são quase inevitáveis uma vez que atacar geralmente parecerá ser a melhor maneira de proteger o que um possui. Esse processo vai parar, ou ao menos diminuir, quando as fronteiras do Estado atingirem – via expansão ou contração – uma linha de obstáculosnaturais (JERVIS, 1978, tradução nossa).[6: Although geography cannot be changed to conform to borders, borders can and do change to conform to geography. Borders across which an attack is easy tend to be unstable. States living within them are likely to expand or be absorbed. Frequent wars are almost inevitable since attacking will often seem the best way to protect what one has. This process will often stop, or at least slow down, when the state’s borders reach – by expansion or contraction – a line of natural obstacles (JERVIS, 1978).]
Assim ocorreu a gênese do território denominado Caxemira, com a primeira guerra indo-paquistanesa que foi terminada com um cessar-fogo monitorado pelas Nações Unidas (SAFANETA, 2003). 
Caxemira emerge desta primeira guerra dividida. Cerca de um terço da área disputada foi absorvida pelo Paquistão e repartida em duas entidades territoriais: Azad Caxemira (Caxemira Livre) e Territórios do Norte. O vale de Caxemira, a região de Jammu e parte das montanhas do Ladakh ficam sob controle indiano tomando a designação de Estado de Jammu-Caxemira, o único Estado indiano de maioria de população muçulmana (SAFANETA, 2003).
A segunda guerra indo-paquistanesa – que ocorreu em 1965 – representava para o Paquistão uma chance de vitória contra seu oponente já enfraquecido, e para a Índia, era um momento de recuperar sua autoconfiança pós-derrota para a China três anos antes (NEVES JR., 2010). O segundo conflito também foi findado com um cessar-fogo e uma delimitação territorial muito parecida com a do primeiro (NEVES JR., 2010).
Uma das causas dessa segunda guerra foi a necessidade de anexação da Caxemira ao Paquistão.
Se uma maioria muçulmana pode continuar a ser uma parte da Índia, então a raison d’être do Paquistão entra em colapso. Estas são as razões pelas quais a Índia, para continuar sua dominação de Jammu e Caxemira, desafia a opinião pública internacional e viola seus compromissos. Pelas mesmas razões, o Paquistão deve continuar, incessantemente, sua luta pelo direito à autodeterminação deste povo dominado. O Paquistão é incompleto sem Jammu e Caxemira, tanto territorial quanto ideologicamente. Seria fatal se, de pura exaustão ou de intimidação, o Paquistão abandonar esta luta; e um mau compromisso, neste caso, seria o equivalente ao abandono, que poderia, por sua vez, levar ao colapso do Paquistão. Se, no entanto, estabelecerem-se relações pacíficas com a Índia, sem uma resolução equitativa dos litígios, seria o primeiro grande passo na instauração da liderança indiana em nossa região, com o Paquistão e outros Estados vizinhos tornando-se os satélites indianos (NEVES JR., 2010).
A guerra de 1962 envolveu Índia e China que buscavam controle de uma porção da Caxemira administrada pelos indianos. A principal causa do conflito foi a iniciativa chinesa de assegurar suas possessões no Tibete, além do não reconhecimento por parte dos chineses das fronteiras desmarcadas garantidas por um acordo assinado pelo Reino Unido e o Tibete em 1914 (NEVES JR., 2010).
Já a terceira das guerras ocorreu em 1971, culminando com a independência do Paquistão Oriental (agora, Bangladesh) e ao final da qual foram assinados acordos como um que modificava o nome da fronteira que dividia o Estado para Linha de Controle, além de determinar que as disputas indo-paquistanesas seriam solucionadas em transações bilaterais e sem o uso da força (NEVES JR., 2010).
A guerra de Kargil em 1999 é a única ocasião em que ambos os países foram à guerra enquanto potências nucleares. Tropas paquistanesas em vestimentas de civis haviam infiltrado partes da Caxemira pertencente à Índia, com esperanças de cortar algumas linhas de fornecimento chave indianas ao glaciar de Siachen, o campo de batalha mais alto do mundo, aproximadamente 6.000 metros acima do nível do mar. Quando o exército indiano os afastou, exerceram um papel de restrição estratégica ao permanecerem dentro do seu lado da Linha de Controle (LoC), a disputada, temporária linha de cessar fogo. Foi a quarta guerra indo-paquistanesa, e ninguém pode dizer que será a última (VIJ, 2015, tradução nossa).[7: The Kargil war of 1999 is the only occasion when both countries went to war as nuclear powers. Pakistani troops in civilian dresses had infiltrated parts of Indian-held Kashmir, hoping to cut off some key Indian supply lines to the Siachen glacier, the world's highest battlefield, nearly 6,000 metres above sea level. As the Indian army drove them out, it exercised strategic restraint in not crossing the Line of Control (LoC), the disputed, temporary ceasefire line. It was the fourth Indo-Pakistani war, and no one can say it will be the last (VIJ, 2015).]
A conflagração entre Índia e Paquistão pode ser claramente caracterizada como uma escalada que em sua definição consiste em um aumento na intensidade do conflito como um todo (PRUITT; KIM, 2004). Ao comparar o conflito travado pelos países do sul asiático para a autonomia da região da Caxemira, consiste em um modelo da espiral de conflito, no qual a escalada em si torna-se um círculo vicioso envolvendo ação e reação, tornando-se cada vez mais mortal (PRUITT; KIM, 2004). Tomando como base a primeira, segunda e terceira guerras na região analisada pode-se perceber que cada vez mais ambos os Estados envolvidos se desenvolvem através de uma corrida armamentista envolvendo os termos do realista Jervis sobre dilema de segurança em que quando um Estado sente-se ameaçado devido à evolução que seu inimigo está tendo em questões militares, o primeiro irá tentar equiparar-se com o mesmo aparato bélico para que, caso um embate venha a ocorrer, ambos estejam preparados para tentar derrotar o inimigo (JERVIS, 1978). 
O modelo da espiral de conflito citado anteriormente é capaz de explicar como uma escalada se eleva de nível significando táticas cada vez maiores, como o armamento nuclear que os dois Estados conflitantes possuem, e é fato que tais armas não deixarão de ser usadas para no mínimo perpetuar ameaças, além de serem usadas sempre, serão evoluídas para que se tornem cada vez mais mortais intensificando e colocando mais uma vez os Estados de Índia e Paquistão dentro de um círculo vicioso que está longe de ser quebrado devido a sua intensidade (PRUITT; KIM, 2004).
Esse comportamento entre Nova Deli e Islamabad foi descrito pelo realista Robert Jervis (1976) ao discorrer sobre a heterogeneidade de percepção entre dois locais, pois afirma que a percepção está inevitavelmente ligada ao processo de tomada de decisões, ou seja, o que um Estado possui de conhecimento sobre outro – seja por vias tecnológicas, geográficas, econômicas ou militares – dita como serão feitas as decisões quando se trata do outro (JERVIS, 1976).
No entender de Jervis, há aspectos sistêmicos, como a configuração da distribuição do poder ou o nível de institucionalização, que, efetivamente, influenciam os fenômenos internacionais; mas, além desses aspectos geralmente apontados pelos analistas, argumenta que o desencadeamento de crises bem como o seu manejo dependem também de crenças e percepções dos atores sobre objetivos, valores e riscos. Ideologias especialmente aquelas calcadas sobre crenças religiosas, interesses econômicos ou disposição para correr riscos não influenciam de maneira uniforme as sociedades e as lideranças (SATO, 2003).
O conceito de percepção de Robert Jervis é diferente daquele desenvolvido pelos autores Dean Pruitt e de Sung Hee Kim (2004), os quais conceituam conflito da seguinte maneira:
O conflito existe quando Parte vê suas próprias aspirações como incompatíveis com as de Outro. Tal incompatibilidade percebida depende da extensão na qual as alternativas (opções) disponíveis parecem capazes de satisfazer tanto as aspirações de Parte quanto de Outro. Quando as alternativas disponíveis são compatíveis com essas aspirações, não ocorre nenhum conflito. Quanto mais pobre for o ajuste entre o conjunto de alternativas e aspirações disponíveis de Parte e Outro, mais severo será o conflito(PRUITT; KIM, 2004, tradução nossa).[8: Conflict exists when Party sees its own and Other’s aspirations as incompatible. Such perceived incompatibility depends on the extent to which the available alternatives (options) seem capable of satisfying the aspirations of Party and Other. When available alternatives are compatible with these aspirations, no conflict is experienced. The poorer the perceived fit between the pool of available alternatives and the aspirations of Party and Other, the more severe is the conflict (PRUITT; KIM, 2004).]
Assim, para Pruitt e Kim, o uso do conceito de percepção remete à impossibilidade de certeza acerca dos movimentos contenciosos entre as partes, ressaltando que tudo é relativo ou maleável, inclusive as aspirações de um ator internacional frente uma determinada situação e dando, assim, uma margem para evitar a contra argumentação de sua teoria.
Muitas vezes, a defesa do status quo significa mais do que apenas proteger o território físico, ou seja, a manutenção da estrutura do Sistema Internacional bem como suas normas e interesses não territoriais estão inclusos na questão (JERVIS, 1978). 
Se todas as potências de status quo concordarem com esses valores e os interpretarem de maneiras compatíveis, os problemas serão minimizados. Mas o potencial de conflito é grande, e as políticas seguidas provavelmente irão exacerbar o dilema de segurança (JERVIS, 1978, tradução nossa).[9: If all status quo powers agree on these values and interpret them in compatible ways, problems will be minimized. But the potential for conflict is great, and the policies followed are likely to exacerbate the security dilemma (JERVIS, 1978).]
Nesse sentido, a questão da Caxemira acentua o dilema de segurança na medida em que a diferença religiosa entre Paquistão e Índia causou uma divergência perceptiva entre esses Estados, que posteriormente trouxe um acirramento no conflito, por essa percepção ser crucial para determinar uma tomada de decisão. Dentro de tal conceito de percepção é difícil saber ao certo onde se encontram as percepções de um ator internacional, e mais difícil ainda saber qual delas está correta, se esse for o caso (JERVIS, 1978). 
A contextualização da Caxemira foi expressa com clareza em uma associação com o conceito difundido por Jervis de percepção no dilema de segurança, levando em conta seu conceito em que um Estado, vendo que o seu opositor está se armando primeiro, irá se ver diante de uma ameaça e consequentemente procurará aumentar seus recursos militares também; entretanto, Paquistão e Índia não travaram um conflito apenas devido a tal ameaça, mas também por causa de sua diferença religiosa, sendo o primeiro de maioria mulçumana e o segundo de maioria hindu (JERVIS, 1978).
Desde 1947, o conflito de Caxemira vem movimentando-se de uma maneira muito intensa e vem, sobretudo adquirindo grandeza no cenário internacional. O seu caráter prolongado permitiu a anexação de diversos atores e diferentes dimensões que serviram enquanto elementos catalisadores do mesmo. A luta pela Caxemira ganhou novos aspectos, deixou de ser uma luta de Estados em busca da anexação de um novo território e passou a ser expressa enquanto luta pela sobrevivência das comunidades, pela imposição da ideologia religiosa e pelas riquezas econômicas e sociais favorecidas pela região (ANUNCIAÇÃO SÁ, 2013).
3 ASPECTOS ECONÔMICOS E RECURSOS NATURAIS
A Índia, segundo país mais populoso e terceira maior economia do mundo, tem crescido significativamente desde 1947 (WORLD BANK, 2017), com um PIB que é aproximadamente 3,5 vezes maior – US$1,8 trilhão – que a soma de todos os PIBs dos demais países do sul da Ásia e o Paquistão, considerado e segunda maior economia da área, possui um PIB de US$ 225 bilhões (ALVES, 2014).
Os recursos naturais representam, também, um fator decisivo no conflito da Caxemira – acima de tudo a água, que é de suma importância para a população da região em setores como agricultura, pesca e pecuária (ANUNCIAÇÃO SÁ, 2013).
Em relação à relevância dos recursos naturais, foi verificada a importância que o Banco de Desenvolvimento Asiático (ADB), dá ao fato da água ser o principal motor da economia local paquistanesa e grande instrumento de produção no Vale da Caxemira (ANUNCIAÇÃO SÁ, 2013).
“Neste contexto [Tratado da Água], a água passou a ser um elemento de identidade tanto dos povos da Caxemira quanto nacional, tendo a sua importância atribuída a questões econômicas e sociais” (ANUNCIAÇÃO SÁ, 2013).
O Banco Mundial, interessado em investir diretamente no Vale da Caxemira, agiu como mediador entre as partes, disponibilizando empréstimos e fundos para o crescimento da região, na formulação do Tratado da Água, o qual foi considerado um sucesso e apesar das tensões existentes não houve violações no longo prazo além de ter servido como impulso econômico entre ambos os Estados (ANUNCIAÇÃO SÁ, 2013). Apesar disso, “os dois países ainda perdem em questões de investimento externo por não terem a questão da Caxemira resolvida representando incertezas para os principais investidores externos” (ANUNCIAÇÃO SÁ, 2013).
De acordo com Robert Jervis (1978), a geografia de um território influencia na manutenção ou na mudança do status quo entre os países do Sistema Internacional, uma vez que os Estados frequentemente defendem áreas fora de suas fronteiras, como é o caso do conflito presente.
Como um porta-voz francês uma vez disse em 1930: “Segurança! O termo significa mais de fato do que a manutenção do território de um povo, ou mesmo de seus territórios ultramarinos. Também significa a manutenção do respeito mundial por eles, a manutenção de seus interesses econômicos (...) que formam a grandeza, a vida em sua essência, da nação” (JERVIS, 1978, tradução nossa).[10: As a French spokesman put in 1930: “Security! The term signifies more indeed than the maintenance of a people’s homeland, or even of their territories beyond the seas. It also means the maintenance of the world’s respect for them, the maintenance of their economic interests (…) which goes to make up the grandeur, the life itself, of the nation.” (JERVIS, 1978).]
4 CONCLUSÃO
Com fundamentos na hipótese estabelecida e no referencial teórico apresentado, foi possível corroborar a hipótese de que a tensão na Caxemira foi acarretada por divergências religiosas indo-paquistanesas que, por sua vez, foram suscitadas por percepções distintas entre ambos os países. O autor Robert Jervis discorre acerca do dilema de segurança de modo a explicitar precisamente que “para protegerem a si mesmos, os Estados buscam controlar, ou ao menos neutralizar, áreas em suas fronteiras” (JERVIS, 1978)[11: In order to protect themselves, states seek to control, or at least to neutralize, areas on their borders (JERVIS, 1978).]
Além disso, apesar de não serem o foco central da pesquisa presente, os aspectos econômicos também tiveram certa relevância na eclosão da tensão entre Índia e Paquistão, haja vista que ambos buscavam o monopólio do Vale da Caxemira, dotado de ricos recursos hídricos os quais propiciariam poder àquele que os dominasse.
O dilema de segurança permite compreender que muitos dos meios pelos quais um Estado tenta garantir sua segurança inevitavelmente acaba por reduzir a segurança dos demais em sua volta e que, na política internacional, o ganho de um Estado no que diz respeito à segurança significa precisamente uma ameaça para outros (JERVIS, 1978).
Atualmente, Índia e Paquistão ainda vivem em um cenário de tensões nas quais a imprevisibilidade dos extremistas paquistaneses demonstram um verdadeiro desafio, causando preocupações com a iminência de um eventual colapso sob uma “tirania militante” (CHAK, 2015).
Abstract
The relationship between India and Pakistan has been conflicting since the creation of both states in 1947. At first, the territorial aspects are notorious precedents, since Kashmir Valley’s water resources are of great importance to its local surroundings, however,in a theoretical analysis based on Robert Jervis, it becomes possible to analyze the indo-pakistani religious disparities as originators of a perceptive divergence between these countries, stirring, thus, the hostility being. With the aim of analyzing the motives that provoked such religious differences to culminate in a tension in the Kashmir Valley, it will be studied, based on Jervis’ security dilemma theory (1978), how the history of the actors involved led to the current existing scenario.
Key words: India. Pakistan. Kashmir. Conflict. Religion. Theory. Analysis. International. Region. Security Dilemma. Independence.
REFERÊNCIAS
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