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S123c Sacristán, J. Gimeno Compreender e transformar o ensino / J. Gimeno Sacristán e A. I. Pérez Gómez; tradução Ernani F. da Fonseca Rosa – 4. ed. – Artmed, 1998. 400 p. ; 25 cm. ISBN 978-85-7307-374-4 1. Educação - Observações pedagógicas. I. Gómez, A.I. Pérez. II. Título CDU 37.012 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023 CAPÍTULO 1 AS FUNÇÕES SOCIAIS DA ESCOLA: DA REPRODUÇÃO À RECONSTRUÇÃO CRÍTICA DO CONHECIMENTO E DA EXPERIÊNCIA A. I. Pérez Gómez EDUCAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO A educação, num sentido amplo, cumpre uma iniludível função de socia- lização, desde que a configuração social da espécie se transforma em um fator decisivo da hominização e em especial da humanização do homem. A espécie humana, constituída biologicamente como tal, elabora instru- mentos, artefatos, costumes, normas, códigos de comunicação e convivência como mecanismos imprescindíveis para a sobrevivência dos grupos e da espé- cie. Paralelamente, e posto que as aquisições adaptativas da espécie às peculia- ridades do meio não se fixam biologicamente nem se transmitem através da herança genética, os grupos humanos põem em andamento mecanismos e sis- temas externos de transmissão para garantir a sobrevivência nas novas gera- ções de suas conquistas históricas. Este processo de aquisição por parte das novas gerações das conquistas sociais – processo de socialização – costuma de- nominar-se genericamente como processo de educação. Nos grupos humanos reduzidos e nas sociedades primitivas, a aprendiza- gem dos produtos sociais, assim como a educação dos novos membros da comuni- dade aconteceram como socialização direta da geração jovem, mediante a partici- pação cotidiana das crianças nas atividades da vida adulta. No entanto, a acelera- ção do desenvolvimento histórico das comunidades humanas, bem como a complexização das estruturas e a diversificação de funções e tarefas da vida nas sociedades, cada dia mais povoadas e complexas, torna ineficazes e insuficientes os processos de socialização direta das novas gerações nas células primárias de convi- vência: a família, o grupo de iguais, os centros ou grupos de trabalho e produção. Para suprir tais deficiências surgem desde o início e ao longo da história diferentes formas de especialização no processo de educação ou socialização secundária (tutor, preceptor, academia, escola religiosa, escola laica...), que con- duziram aos sistemas de escolarização obrigatória para todas as camadas da população nas sociedades industriais contemporâneas. Nestas sociedades a preparação das novas gerações para sua participação no mundo do trabalho e na vida pública requer a intervenção de instâncias específicas como a escola, cuja peculiar função é atender e canalizar o processo de socialização. 14 J. GIMENO SACRISTÁN E A. I. PÉREZ GÓMEZ A função da escola, concebida como instituição especificamente configu- rada para desenvolver o processo de socialização das novas gerações, aparece puramente conservadora: garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência mesma da sociedade. Por outro lado, a escola não é a única instância social que cumpre com esta função reprodutora; a família, os grupos sociais, os meios de comunicação são instâncias primárias de convivência e intercâmbios que exercem de modo dire- to o influência reprodutor da comunidade social. No entanto, a escola, ainda que cumpra esta função de forma delegada, especializa-se precisamente no exercício exclusivo e cada vez mais complexo e sutil de tal função. A escola, por seus conteúdos, por suas formas e por seus sistemas de organização, introduz nos alunos/as, paulatina, mas progressivamente, as idéias, os conhecimentos, as concepções, as disposições e os modos de conduta que a sociedade adulta requer. Dessa forma, contribui decisivamente para a interiorização das idéias, dos valores e das normas da comunidade, de maneira que mediante este pro- cesso de socialização prolongado a sociedade industrial possa substituir os me- canismos de controle externo da conduta por disposições mais ou menos acei- tas de autocontrole. De qualquer forma, como veremos ao longo deste capítulo, o processo de socialização das novas gerações nem é tão simples, nem pode ser caracterizado de modo linear ou mecânico, nem na sociedade, nem na escola. A tendência con- servadora lógica, presente em toda comunidade social para reproduzir os com- portamentos, os valores, as idéias, as instituições, os artefatos e as relações que são úteis para a própria existência do grupo humano, choca-se inevitavelmente com a tendência, também lógica, que busca modificar os caracteres desta forma- ção que se mostram especialmente desfavoráveis para alguns dos indivíduos ou grupos que compõem o complexo e conflitante tecido social. O delicado equilí- brio da convivência nas sociedades que conhecemos ao longo da história requer tanto a conservação quanto a mudança, e o mesmo ocorre com o frágil equilíbrio da estrutura social da escola como grupo humano complexo, bem como com as relações entre esta e as demais instâncias primárias da sociedade. CARÁTER PLURAL E COMPLEXO DO PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO NA ESCOLA Dentro deste complexo e dialético processo de socialização que a escola cumpre nas sociedades contemporâneas, é necessário aprofundar a análise para compreender quais são os objetivos explícitos ou latentes do processo de socialização e mediante que mecanismos e procedimentos ocorrem. Estudare- mos neste trecho os objetivos de tal processo, abordando as formas e os modos de sua realização. Parece claro para todos os autores e correntes da sociologia da educação que o objetivo básico e prioritário da socialização dos alunos/as na escola é prepará-los para sua incorporação no mundo do trabalho. Desde as correntes funcionalistas até a teoria da correspondência, passan- do pela teoria do capital humano, do enfoque credencialista ou das diferentes posições marxistas e estruturalistas, todos, ainda que com importantes matizes diferenciais, concordam em admitir que, ao menos desde o surgimento das so- ciedades industriais, a função principal que a sociedade delega e encarrega à escola é a incorporação futura ao mundo do trabalho, (uma análise detalhada dessas posições pode ser vista em Fernández Enguita, 1990b; Lerena, 1980).