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QUEM TEM MEDO DA ARTE CONTEMPORÂNEA Fernando Cocchiarale 2006

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QUEM TEM 
MEDODAARTE 
CONTEMPORÂNEA? 
Fernando 
Cocchiarale 
�� 
FU NDAÇÃO 
JOAQUIM NABUCO 
E D IT O R A 
MASSANGANA 
ISBN 978-85-7019-446-6 
©2007 Fernando Cocchiarale 
Reservados todos os direitos desta edição. 
Reprodução proibida. mesmo parcialmente, sem autorização da 
Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco. 
Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana. 
Av. Dezessete de Agosto, 2187. Casa Forte. Recife. Pernambuco. Brasil. 
CEP 52061-540. 
Linha direta (81) 30736321. Vendas (81) 30736323. 
Tele fax (81) 307.36.319. 
www.fundaj.gov.br 
PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO 
)OAOUIM NABUCO 
Fernando Lyra 
DJRETOI�A DO INSTITUTO DE CULTURA 
Isabcla Cribari 
CooRDENADOR-GERAL DA EDITORA MASSANGANA 
Mário Hélio Gomes de Lima 
CooRDENADOR DE EDITORAÇÃo 
Sidney Rocha 
PROJETO GRÁFICO/CAPA 
Editora Massangana 
1 a. reimpressão 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Fundação Joaquim Nabuco) 
Quem tem medo da arte contemporânea; Fernando Cocchiarale- Recife: 
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2006. 
80 p.: il: 
ISBN 978-85-7019-44(>.6 
1. Arte contemporânea- arte 2 .. I. Cocchiaralle, Fernando. 
CDU 347.78 
Quem tem medo da arte contemporânea? 
Muitos. A maioria diz não entendê-la, por achá-la estranha 
àquilo que consideram arte. Outros, ainda que com 
conhecimento de causa, seja por conservadorismo, seja 
por preferirem a arte clássica ou por sua fidelidade teórica 
(paixão, na verdade) à arte moderna. 
Curioso é que à medida que nos aproximamos da 
atualidade a incompreensão parece crescente. A arte pré­
moderna parece ser entendida mais facilmente do que a 
moderna e esta última menos arbitrária que a produção 
contemporânea. Duvido que um leigo diga que entende a 
Mona Lisa saiba o que é sfumato, seção áurea, claro­
escuro. O que é anatomia? O que é a perspectiva? No 
entanto, essas informações não participam 
necessariamente de fruição estética. 
Uma das práticas mais generalizadas do mundo 
institucional das artes, compreendendo aí o chamado 
grande público, é a necessidade de mediação pela palavra, 
para a produção de sentido. Não me refiro aqui às teorias 
11 
da arte, tanto históricas quanto filosóficas, cuja 
generalidade e universalidade só poderiam ser produzidas 
pelo discurso. O que está em questão é a busca ansiosa 
pela explicação verbal de obras reais e concretas, como se 
sem a palavra fosse-nos impossível entendê-las. A 
explicação assassina a fruição estética, já que ao reduzir a 
obra a uma explicação mata sua riqueza polissêmica e 
ambígua, direcionando-a num sentido unívoco. 
O problema é que essas pessoas usam um único verbo: 
entender. Entender significa reduzir uma obra à esfera 
inteligível. Eu nunca ouvi ninguém dizer: eu não consegui 
sentir essa obra. Como as pessoas têm medo de sentir, elas 
entendem, reduzem sua relação ao ato inteligível e, por 
isso, esperam pelo socorro do suposto farol da opinião 
daqueles que sabem: historiadores, filósofos, críticos, 
artistas, curadores ... Quando mal feita uma visita guiada 
pode estimular esse tipo de coisas, a não ser quando o 
educador tem uma perspectiva menos formal e estimula o 
público a estabelecer suas próprias relações. O artista 
contemporâneo nos convoca para um jogo onde as regras 
não são lineares, mas desdobradas em redes de relações 
possíveis ou não de serem estabelecidas. 
Hoje em dia a formação de público tornou-se uma 
preocupação essencial. O público passou a ser visto como 
14 
algo a ser permanentemente formado, sim. Mas quando se 
fala em formação significa que se vai transmitir alguma 
coisa. Há casos e casos. Não dá pra se ter uma regra a 
priori. Então, se alguém está movido por esse tipo de idéia, 
tem que pensar muito bem se vai tratar o aluno como um 
receptáculo, ou o visitante como um receptáculo, se vai 
despejar suas idéias sobre a arte e as obras ali. Não 
devemos confundir a formação de um teórico de arte, 
historiador ou esteta com aquilo que devemos fazer com o 
público. 
Todos os museus hoje ou têm headfone ou textos plotados 
nas paredes da sala expositiva. Mas, o monitor, o 
educador ou mediador deve ser menos a pessoa que 
transmit..a conteúdos acabados e mais alguém que estimule 
o público a estabelecer algumas relações de seu próprio 
modo. 
A arte contemporânea não é um campo especializado 
como foi a arte moderna. Centradas na busca de uma arte 
autônoma em relação ao universo temático, 
particularmente aquele do naturalismo acadêmico, as 
primeiras safras de artistas modernos pretendiam proteger 
o campo da arte das infiltrações de elementos literários ou 
narrativos (temas). A partir do Impressionismo, a arte 
moderna passou a refletir e a investigar de modo crescente 
15 
No mundo contemporâneo, as noções de sujeito, de 
indivíduo, de identidade, de unidade estão visivelmente em 
crise e é possível mapear vários pontos em épocas 
diversas o prenúncio dessa crise que não começa agora, já 
que estava em gestação no século XIX e hoje tornou-se, 
em alguns casos, parte do senso comum. 
Se nós quisermos entender um pouco da arte 
contemporânea nós não podemos fazer isso do ponto de 
vista estrito do especialista (o teórico de arte: crítico, 
historiador, esteta), discutindo as obras que outros 
especialistas produziram (os artistas como especialistas nas 
linguagens que utilizam). Ambos restritos ao universo 
exclusivo da produção artística, um mundo de especialistas. 
Não que especialistas tenham desaparecido, mas sua 
autoridade e seu poder de vida e morte numa avaliação 
perderam muito espaço, já que eles estão subordinados 
atualmente à multidisciplinaridade, ou à interface. 
As identidades no mundo contemporâneo não podem mais 
ser pensadas como uma plantação (onde cada planta tem .a 
sua raiz) porque ele está em rede. E não estou falando só 
da internet. Uma rede em que a identidade migra de um 
canto para outro. Mas de todas as relações que antes 
supunham identidades estáveis em todos os níveis. Hoje 
termos n identidades, e não mais uma só. 
18 
Todas as sociedades desenvolveram noções de pessoa 
diferentes umas das outras. A nossa desenvolveu a noção 
de pessoa ligada ao conceito de indivíduo sem divisão e 
como uma unidade. Se ele é um artista, tem um estilo só 
seu, inconfundível. A idéia de estilo individual, a coerência 
como um valor do artista não é natural, mas uma invenção 
possível do início do Renascimento. 
É no Renascimento que a arte e artesanato se separam, se 
não na escala dos valores e das idéias, ao menos na 
consciência e na prática dos artistas. Quando Leonardo da 
Vinci escreveu que a "pintura é coisa mental", ele afirmava 
em primeiro lugar que sua arte não era uma arte mecânica, 
isto é, meramente manual, tal como era então classificada. 
Para ele, o uso das mãos não era suficiente para reduzi-la 
à esfera mecânica, já que a pintura, por causa da 
perspectiva, do sombreado e demais aspectos, possuía 
questões racionalmente inteligíveis que justificavam uma 
mudança de patamar. Ela devia ser pensada como uma das 
chamadas artes liberais em que o intelecto possuía um 
peso decisivo. 
A afirmação do caráter mental da pintura teve outras 
conseqüências. Ela afastava-se do artesanato 
(estritamente manual) e de seus esquemas autorais 
coletivos. Além disso, é também importantíssima porque 
19 
pode indiretamente até esclarecer certos aspectos da 
produção contemporânea, na qual o fazer (manual) deu 
lugar à invenção e à idéia. O ready-made de Mareei 
Duchamp poderia ser visto dessa forma. Se é coisa mental 
o fazer não mais integra necessariamente o trabalho do 
artista. 
A idéia que as pessoas seriam unitárias, sem fraturas ou 
divisões internas, indivisíveis qual indivíduos, está em 
crise. O que aparece no mundo contemporâneo é a 
possibilidade de uma nova noçãode pessoa, 
fragmentária. A gente pode falar disso de várias 
maneiras, mas eu gostaria de voltar a essa investigação 
do indivíduo que tem a ver com a noção de unidade que 
é absolutamente familiar a todos nós até hoje. Tenho 
certeza de que até os mais jovens quando definem uma 
pessoa como íntegra querem dizer que ela é inteira. Mas 
integridade em si não é qualidade de ninguém. 
Tradicionalmente a unidade foi pensada qual algo que 
emana, no caso da nossa condição, de dentro para fora, e 
é plasmada como personalidade ou como estilo de dentro 
para fora, alguma coisa que venha do interior para o 
exterior. Mas, no mundo das três últimas décadas, tudo o 
que aparece como unitário é fruto de um processo 
exteriorizado de montagem ou de edição. 
20 
Indissociável da noção de identidade, a noção de unidade 
presidiu todos os processos cognitivos, dos mais 
intelectuais aos éticos e políticos desenvolvidos no 
Ocidente pelo menos nos últimos 2500 anos. Na Grécia 
clássica o pensamento filosófico orientara-se para a busca 
das qualidades permanentes que especificavam um 
conjunto com o objetivo de defini-las. Imaginem o espanto 
de um homem daquele tempo ao olhar para um mundo 
onde tudo se movia e se transformava, não só as coisas 
em relação umas às outras, mas cada uma delas tomadas 
em si mesmas. 
Algumas dessas transformações são observáveis com 
facilidade como, quando, por exemplo, uma semente 
germina em quinze dias; outras necessitam de uma longa 
espera, como aquela em que percebemos as 
transformações de um bebê até a fase adulta. Além de 
todos sermos diferentes uns dos outros, também o somos 
em nós mesmos, se nos compararmos com o que já fomos 
em outros momentos de nossas vidas. 
Como se pode afirmar que para além do movimento, da 
mudança e da transformação de tudo percebida pelos 
sentidos existem traços permanentes? E essa unidade é de 
ordem conceitual ou real? São perguntas que os gregos 
faziam e que responderam de diversas maneiras. 
21 
X i I og ravu r a 
de Albert Dürer. 
Para Gilles Deleuze, por exemplo, um dos filósofos mais 
importantes do século XX, a filosofia - e eu, sem qualquer 
dúvida, poderia acrescentar a ciência também - busca 
reduzir a pluralidade à unidade; reduzir, por exemplo, essa 
pequena amostra que somos nós, tão diferentes já uns dos 
outros, a um único conceito que é o conceito de homem. 
O conceito de homem teria de abranger todos os homens 
que existiram e ainda vão existir, desde o início até o fim 
da humanidade. É um conceito que não leva em 
24 
consideração quaisquer de nossas características pessoais 
específicas, sejam elas étnicas, de aparência física, cultural, 
religiosa, social ou política. Ele é universal porque 
concentra-se apenas num traço (ou em poucos traços) 
comum a toda a nossa espécie. Por exemplo, na conhecida 
definição de Aristóteles, o homem é um animal racional. 
Definição que se aplica a todos os homens porque não se 
detém em nenhum deles. 
Insisto na idéia de que o indivíduo é uma possibilidade 
histórica. Evidentemente, o mundo do indivíduo não é um 
mundo de liberdade (isto é uma ilusão infantil quase), mas, 
no mundo em que essa noção de indivíduo se desenvolve, 
a partir da Renascença, surgem problemas em decorrência 
da concepção de pessoa como indivíduo, concepção que, 
passo a passo, ao longo de vários séculos, valoriza na vida 
sócio-cultural as tendências, gostos e opiniões individuais, 
fato inédito na história humana. Como num mundo de 
opiniões (eu acho, eu não acho ... ) ficam os conhecimentos 
teórico-científicos? 
O conhecimento não é algo que um indivíduo acha que é 
uma coisa e outro acha que é outra: o teorema de 
Pitágoras não é um problema de opinião, mas algo comum 
a todos nós, como também o são as leis físicas, ou uma 
tábua de elementos da química. 
25 
Num mundo onde cada um acha uma coisa, como é que 
ficaria a esfera universal e comum do conhecimento, 
sobretudo o da ciência? Esse problema vai se manifestar 
progressiva e agudamente a partir do Renascimento, 
quando, por exemplo, surge a função autoral com muita 
clareza. 
Hoje em dia fala-se muito da crise do sujeito. Com isto, a 
tendência é reduzirmos a nossa compreensão da crise do 
sujeito à crise do indivíduo. Mas o indivíduo é apenas uma 
das esferas do sujeito que está em crise. 
A partir de Descartes e, sobretudo depois de Kant, surge 
uma outra noção de sujeito, que não é, ao contrário do 
que possa parecer, individual, mas comum a todos nós. Ao 
lado de nossas crenças e tendências pessoais esta instância 
ou função de sujeito cognitivo permite-nos aprender física, 
química ou matemática. Portanto, ao nível filosófico, a 
noção de sujeito é diferente da idéia de indivíduo. É o 
nosso lado universal. 
Para Descartes, as ciências tinham um grau de 
desenvolvimento muito desigual, encontravam-se em níveis 
muito diferentes. Seu projeto era o de fundar uma única 
ciência - a Mathesis Universalis - que se ramificasse e se 
desdobrasse em todas as outras. Essa foi uma das 
principais tarefas de sua filosofia. Nas Meditações ele se 
26 
propõe a impugnar pela dúvida todos os tipos de 
conhecimento então vigentes, para verificar se algum deles 
resiste à sua impugnação. Inicialmente, põe em dúvida os 
sentidos, em seguida as ciências da natureza, depois as 
matemáticas, até que chega a uma primeira certeza. Se 
tudo está sendo posto em dúvida, ele tem uma primeira 
certeza: não pode duvidar que alguém duvida, e daí passa 
para a famosíssima afirmação cogito ergo sum - "penso 
logo existo". 
O penso logo existo é o primeiro passo que se dá no 
restabelecimento de uma certeza comum à humanidade 
porque o indivíduo e os valores que emanam de sua 
existência histórica (eu acho) já estão em curso. A esse 
penso cartesiano a gente chama de sujeito também e, no 
caso, não tem nada a ver com a esfera das vivências 
pessoais; ao contrário: o sujeito cartesiano funda-se na 
idéia de uma substância pensante, supra-individual, mas 
comum a todos os homens, que nos abre os caminhos para 
partilhar qualquer conhecimento objetivo. 
Cerca de 140 anos mais tarde, Kant propôs uma noção de 
sujeito não mais fundada em razões metafísicas, mas como 
uma função inerente à própria faculdade de conhecer, que 
se impõe ao mundo, reconstruindo-o. O conhecimento 
seria, pois, antes construção do que a descoberta de algo 
27 
já dado empiricamente. A noção de sujeito cognitivo 
(aquele que conhece) que predominou em grande parte das 
teorias do conhecimento posteriores é de origem kantiana. 
Assim poderíamos explicar, por exemplo, porque a 
pesquisa de um cientista não morre com ele. Quando morre 
um físico, seu pensamento e trabalho podem continuar a 
ser desenvolvidos por seus assistentes ou até mesmo por 
outros físicos porque se trataria do trabalho cognitivo de 
um sujeito e não da expressão de vivências e 
idiossincrasias pessoais. O sujeito é uma instância supra­
individual, e que torna qualquer homem, individualmente 
falando, passível de compreender qualquer coisa que seja 
da esfera de sua humana condição. 
Ora, o mundo contemporâneo não só nasce com o 
indivíduo em crise, como sujeito cognitivo, também em 
crise. Foucault, sobretudo, trabalhou criticamente a idéia 
de sujeito, tal como foi definida plenamente há 200 anos. 
O campo de trabalho de Foucault é um campo híbrido, 
uma colagem. Sem a unidade de campo de um filósofo 
tradicional. Lembro-me que, quando eu estava na 
graduação em filosofia, vários professores diziam que 
Foucault não era filósofo, mas um sociólogo, porque seu 
objeto não era propriamente filosófico. Isso mostra que 
ele é uma das expressões dessa crise do sujeito unitário 
28 
facilmente reconhecível em sua especialidade. 
Costumamos exigir de um crítico de arte imparcialidade 
para que ele seja justo. Críticavem do grego, krísis 
(separar, distinguir, escolher, julgar), origem das palavras 
crise e critério. Nisso está implícita a idéia de que alguém 
só pode criticar se não estiver envolvido com a situação a 
ser criticada ou se não tomar partido explícito. 
Entretanto, ao contrário disso, se observarmos o período 
áureo da crítica de arte, o pós-guerra (os americanos 
Clement Greeberg e Harold Rosenberg, o argentino Jorge 
Romero Brest e o brasileiro Mário Pedrosa, apenas como 
exemplos), veremos que a melhor crítica foi justamente a 
que tomou partidos e defendeu posições e tendências. Os 
melhores críticos foram todos parciais. 
Mas isso contradiz a idéia de alteridade, de separação que 
se manifestaria em todas as esferas de atuação do sujeito, 
separação que garantiria sua isenção. O sujeito tem que 
estar separado do objeto de seu conhecimento porque ele 
possui uma função ativa diversa do campo de 
conhecimento para o qual ele se volta e que ele constitui 
como objeto de suas especulações e construções. 
A idéia de coerência estilística emerge com muita força 
quando o fazer (pôr a mão na massa) desempenha na obra 
29 
um papel muito importante. Por quê? Porque aí se 
estabelece uma cadeia entre a coisa mental e o fazer e 
entre estes e os resultados (obras). 
Por exemplo, no artesanato a autoria é coletiva. 
Entendendo por autoria os esquemas e os repertórios que 
presidem certo tipo de tecelagem ou de cerâmica. Em 
Caruaru, por exemplo, embora depois de Vitalino muitos 
tivessem assumido a identidade autoral do artista plástico, 
os esquemas, os repertórios são mais ou menos comuns, 
coletivos. 
Esse caráter coletivo é compensado por um processo onde 
o fazer é quase individual, uma vez que diferentemente de 
um filme ou de uma fábrica de geladeiras, a divisão do 
trabalho é pequena ou inexistente neste tipo de produção. 
Controlados em suas etapas essenciais por um único 
artesão, os processos artesanais se definem a partir do 
exercício e do adestramento da manualidade e não ao nível 
da elaboração individual de esquemas de representação 
(Renascença) ou da invenção formal (Arte Moderna). Se 
por um lado a invenção é limitada por princípios de 
invenção coletivos, por outro, essa limitação é 
compensada por uma prática na qual o corpo de um único 
trabalhador controla todo o corpo do processo de 
produção artesanal. 
30 
Num sentido oposto, os projetistas de um carro não 
precisam participar diretamente de sua produção para 
serem considerados autores do projeto. Do mesmo modo, 
um arquiteto ou designer também não precisa executar 
com as próprias mãos aquilo que concebeu e desenhou. A 
autoria do projeto é suficiente para torná-los autores, 
ainda que nem arquiteto ou designer façam, com suas 
próprias mãos, tijolo por tijolo, peça por peça, o edifício 
ou o produto por eles projetados. 
Afastamo-nos da produção artesanal nos últimos duzentos 
e poucos anos. Isso certamente teve múltiplas 
conseqüências. E eu não falo disso numa perspectiva 
apocalíptica, ao contrário, eu acho que tudo pode ser bom 
dependendo do uso que se possa fazer dessas coisas. 
Quando o homem passou a produzir bens utilitários não 
mais a partir da habilidade da manual, mas por meio de 
máquinas-ferramentas, houve uma expansão e 
multiplicação dos produtos sem precedentes, mas não 
devemos nos esquecer de que a essa multiplicação 
correspondeu outra, não menos importante, que foi a 
multiplicação da própria espécie humana. 
Se a gente pensar no período que vai do início da 
Revolução Industrial, no século XVIII, quando foi 
inventada a primeira máquina-ferramenta, o tear hidráulico, 
31 
até agora, veremos que a população da terra, que tinha 
então algumas centenas de milhões de habitantes, 
aumentou para os seis bilhões atuais em duzentos anos. 
A industrialização também condenou o artesanato. No que 
se refere à produção de imagens, a fotografia veio 
substituir a mimesis ou a representação clássica como o 
primeiro meio não artesanal de produção de imagens, 
depois vieram o cinema e, mais recentemente, o vídeo. De 
qualquer maneira, nada do que está acontecendo, nos 
32 
A Torre Eiffel! em construção e, 
na página seguinte, 
a Torre Eiffel! construída. 
últimos quarenta anos, é como um interruptor no qual, do 
escuro, passamos para o claro num toque. 
Se é a invenção ou a idéia que qualifica a autoria (coisa 
mental) o artista não mais precisa, necessariamente, fazer sua 
obra com as mãos. Essa é uma possibilidade conquistada 
desde a apropriação duchampiana e do objet trouvé 
surrealista. Sobre o abandono do fazer e sua defesa, 
Kandinsky, em carta escrita para André Dezarrois, em 1937, 
comentava: "os construtivistas vêem geralmente sua origem 
33 
bo cubismo que empurraram até a exclusão do sentimento 
ou da intuição e que tentam chegar à arte exclusivamente 
pelo caminho da razão, do cálculo (matemático ... exemplo 
do ponto de vista: Malevitch tinha como ideal a 
possibilidade de ditar sua nona pintura por telefone ao 
pintor de paredes- medidas exat<Js, cores numeradas)" 
( Oeuvres de Vassi1y Kandinsky -1866-1944 -, p. 36). 
Não se tr<Jta de defender que a delegação do fazer a 
terceiros pelo artista seja a única possibilidade de fazer arte 
contemporânea (ainda que seja atualmente uma prática 
consagrada e muito difundida). Ambas são possibilidades 
legítimas e plausíveis. Não se trata de substituir uma pela 
outra. No fazer, na prática artesanal, há uma espécie de 
contigüidade quase física entre aquele que faz e sua obra. 
De todas essas conquistas a que mais interessa é a idéia da 
linha de montagem, na qual o produto é fruto, sem dúvida 
nenhuma, de um projeto concebido por um alguém que não 
participa da produção em nenhuma de suas etapas. 
Certamente, numa feira de uma comunidade de artesãos, 
eles sabem quais são os seus trabalhos, apesar de 
parecerem iguais aos olhos de um leigo. Entretanto, no 
pátio de uma fábrica, eu aposto que nenhum operário 
reconhece qual o carro de que ele participou da execução. 
36 
A indústria, ou seja, a produção dos objetos dos quais nós 
nos servimos na vida cotidiana, passa a ser fruto de uma 
relação anônima, coletiva de montagem. O produto ( sua 
unidade) resulta de um processo exteriorizado e não de algo 
que emana de uma expressão aliada a um fazer pessoais. 
Essa modalidade de produzir é oposta ao artesanato, Os 
produtos industriais podem ser fruto de projetos individuais 
(no artesanato são coletivos), mas sua produção é coletiva 
e fragmentada (no artesanato a produção é individual). A 
radicalidade das transformações sócio-econômicas 
introduzidas pelos processos de produção industriais se 
fizeram sentir muito fortemente na esfera da produção de 
imagens. Antes restritas à feitura manual, passaram também 
a serem produzidas a partir de tecnologias como a 
fotografia, o cinema e, décadas adiante, o vídeo. O que vai 
inventar a linguagem do cinema, isso é elementar, vai ser a 
invenção da montagem (análoga, por exemplo aos métodos 
de construção de Eiffel, à linha de montagem industrial e à 
escultura construtivista). Em sintonia com as tecnologias 
mais avançadas da informação, o vídeo é editado. 
Mas o que realmente importa é que o produto final tanto 
do filme quanto do vídeo resultam de processos 
exteriorizados (em relação ao artesanato) de montagem ou 
de edição. 
37 
Ninguém desmonta uma moringa, pois desmontá-la 
equivaleria a destmi-la, já que não foi montada, mas 
moldada. Quando um jovem nerd desmonta um 
computador, ele retorna à etapa imediatamente anterior à 
existência do mesmo, àquela antes ela montagem dos 
componentes (fragmentos) que deram origem ao produto. 
Imagens editadas, textos editados pela imprensa são 
análogos a uma nova modalidade de registro e criação ele 
imagens que é o vídeo: o vídeo é o melhorparadigma ela 
edição. São processos ele totalização exteriorizados. Se 
existe a questão da unidade no mundo contemporâneo, é 
uma coisa que se dá na chegada e não na origem. Ao mesmo 
tempo, os nossos fragmentos internos adquiriram autonomia 
e abriram outras possibilidades de invenção e criação por 
conexões, como nunca a humanidade teve anteriormente: a 
possibilidade ele celebrar a complexidade ela superfície. 
Tudo hoje em dia é articulado no mundo. Mas é importante 
caracterizar a diferença entre a montagem, típica da 
modernidade e a edição, característica da 
contemporaneidacle. Eu estou falando, respectivamente, 
de tecnologias elo século XIX (ótico-eletro-mecânicas) e 
de tecnologias das três últimas décadas do século XX 
(eletrônico-digitais). 
38 
Por exemplo, Alexandre Gustave Eiffel, um grande mestre 
ela engenharia do ferro, contribuiu para a modernização da 
arquitetura e das artes. A torre Eiffel é um volume sem 
massa (no mesmo sentido empregado pelos mssos Naum 
Gabo e Anton Pevsner, no Manifesto Realista, de 1920). 
Basta que comparemos a Torre Eiffel com a Torre de Pisa, 
na qual massa e volume estão integrados. Portanto, se a 
engenharia elo ferro pende de tecnologias siderúrgicas e 
novos métodos ele constmção do fim do século XIX, ela 
referenda também a separação de volume e massa que 
está na raiz da escultura moderna constmtivista levantada 
como uma ponte no próprio espaço. Engenharia e escultura 
se contaminaram e se nutriram desses processos ele 
montagem ou ele constmção que tem a ver com a lógica do 
produto industrial. 
Da mesma maneira, a expansão da internet, o mundo em 
rede está influenciando decisivamente a vida cultural de 
nossa época. Nós temos que pensar essas características 
do nosso cotidiano porque um dos grandes obstáculos 
para entender a arte contemporânea é o fato de ela ter-se 
tornado parecida demais com a vida. É como se, num 
processo de integração entre arte e viela, a arte tivesse 
doado tanto sangue para a estetização da vida que ela se 
desestetízou. 
39 
O crítico belga Thierry de Duve diz que a pergunta pré­
contemporânea (pré-moderna) era "isto é belo?", ou seja, 
quando alguém estava diante de um quadro sabia que era 
arte, mas não se era belo. Ele diz que no mundo atual o "isto 
é belo?" foi substituído pelo "isto é arte"? Mas, na verdade, 
essa não é uma pergunta que se faça só para a arte. 
Certa vez, eu estava num museu da Inglaterra com uma 
amiga. De repente, ela me disse: "há duas moças agarradas 
ali". Mas eram um rapaz e uma moça. O rapaz estava de 
batom e unha pintada. Isso significa o quê? Significa uma 
indefinição de papéis. A pergunta é "isso são duas 
mulheres?" ou "isto é um homem e uma mulher?" A gente 
faz essas perguntas o tempo todo porque no mundo 
contemporâneo não é mais possível estabelecer e fixar 
identidades. O verbo ser, que é o verbo da raiz, foi 
substituído pelo verbo estar, que é o da rede. 
A minha avó materna tinha os cabelos brancos, azulados 
por uma tintura. Para manter o cabelo penteado, ela 
colocava sobre a cabeça uma rede quase invisível. Sendo 
excessivo na licença poética poderia supor (ou quase 
delirar) que a cabeça da minha avó pode servir como 
exemplo de dois regimes identitários opostos: os cabelos, 
cada fio com uma raiz, pensa identidades que poderíamos 
chamar de verticais, do ser filosófico ao especialista; ou 
40 
seja, cada coisa é somente o que ela é (o princípio de 
identidade aristotélico: A é igual a A e diferente de B) e 
sua identidade se fixa porque sua raiz a fixa num único 
lugar da realidade. Mas aqueles cabelos, cada qual com 
sua raiz, não se despenteavam porque sobre eles havia 
uma rede, e isto fazia com que na superfície todos os fios 
se comunicassem entre si. O mundo contemporâneo 
permite pela primeira vez que o ocidente possa pensar a 
complexidade da superfície (rede), em lugar da superação 
da opacidade do mundo real pelo aprofundamento do 
conhecimento de suas causas profundas (raiz). 
O modelo da rede não é, como talvez muitos possam 
pensar, uma possibilidade da internet. Ao contrário, a 
internet é que foi demandada por um mundo que já estava 
em rede, no qual as pessoas assumem diversas identidades 
dependendo da conexão que elas estejam estabelecendo 
naquele momento. 
Não que isso não acontecesse no passado, mas a idéia de 
indivíduo e de identidade tinha tal força que juiz era juiz 
até no bordel. Como se classifica, por exemplo, um 
travesti, casado, pai de filhos, como o que foi noticiado na 
mídia há poucos meses? O que ele é? Difícil de definir, mas 
muito comum hoje em dia. Não se responde a essa 
pergunta. Nem faz sentido respondê-la. 
41 
Nós ocidentais pensamos sempre a corda por suas 
extremidades. Nunca definimos a corda pelo meio dela, ou 
por 2/4 ... Mas, provavelmente, no caso da arte, talvez 
uma boa definição devesse passar longe dessas 
polarizações típicas de nosso pensamento. 
No texto Leonardo e os filósofos, publicado em 1929, 
Paul V aléry diz que a experiência estética seria algo 
diferente da inteligência e, simultaneamente, diferente de 
nossas sensações comuns, isto é, essa experiência estaria 
situada em algum ponto entre a razão e a sensibilidade. 
Definir qualidades permanentes é muito fácil quando se 
pensa a noite e o dia. E o que se faz com o crepúsculo e 
com a aurora, que são tão parecidos e tão opostos? Como 
é que se define isso? Nós vivemos num mundo crepuscular 
ou boreal? Não sei. Os dois. Como é que eu dou nome? 
Como eu rotulo isso? Como é que eu chamo a isso tudo? 
Para que a gente entenda arte contemporânea, devemos 
entender dois momentos que a precederam. Primeiro: o 
momento em que a arte se torna arte, o que nós achamos 
arte, que é o Renascimento. Segundo: o momento em que 
uma outra arte, a moderna, rompe com a tradição 
mimética renascentista. E por último, ainda que 
panoramicamente, a gente pode traçar algumas diferenças 
essenciais entre a arte contemporânea e a arte moderna. 
42 
Na verdade, há uma questão que se discute pouco, na 
chamada história da arte. Aquilo que nós entendemos por 
arte - e que está deixando de ser - começa no 
Renascimento. Na verdade, falamos de arte egípcia, arte 
assíria, arte babilônica, arte indígena, mas, provavelmente 
as culturas que produziram esses objetos que nós 
chamamos de arte, não os chamariam assim. 
No texto clássico A obra de arte na época de sua 
reprodutíbílidade técnica, Walter Benjamin fala da 
mudança ocorrida na função da arte durante a Renascença. 
Da produção simbólica de objetos de culto, voltada para a 
religião e para o mito (valor de culto), chegou-se à 
contemplação estética (valor de exibição). 
De objetos de fé para a contemplação mundana, suscitada 
por sua beleza intrínseca. Com que sentimentos olhamos 
para a Píetá de Michelangelo? Mesmo um católico 
fervoroso tenderá a ver uma obra de arte e não um objeto 
de fé. A Píetá é antes uma obra de arte do que uma 
imagem, devocional. 
Em realidade, mesmo quando a temática religiosa 
permanece (segundo Walter Benjamim, lá discutindo o 
problema da aura, etc.), o que vai ocorrer é que a obra de 
arte passa a ser alguma coisa feita por um autor com o 
destino e única função de ser contemplada. Fora do 
43 
âmbito da contemplação estética ela não possui qualquer 
outro sentido. 
Mas, segundo Walter Benjamin, ela herda do passado a 
evocação ritual que vem de sua origem mágico-religiosa. 
Num museu ou num teatro, por exemplo, as pessoas falam 
baixo como falariam num templo. Porque o teatro também 
nasce de rituais mágico-religiosos. Na Grécia Clássica, 
quando se sacrificava o bode (tragos), entoavam-se 
cânticos, daí veio a tragédia e as pessoas que cantavam 
deram origem ao coro. 
Toda a arte tem origem na religião. As únicas 
manifestações simbólicas que possuem registros ancestraissão as artes plásticas. Eu não sei como um grego cantava, 
pois ainda não havia partituras, mas eu sei como um homo 
sapiens de 30 mil anos atrás via porque suas pinturas ainda 
estão lá. Nas paredes das cavernas. 
A origem da arte mistura-se com a origem da vida simbólica e 
da vida mágica ou religiosa. Um autor não muito cotado no 
Brasil é Ernst Hans Gombrich. Não sei porquê. Ele é 
excelente, mas, todo mundo prefere o Giulio Carla Argan. 
Como se gostar de um nos fosse impedir de gostar do outro. 
Os metafísicos que me desculpem, mas arte não tem 
nenhuma essência. Tudo o que é cultural é inventado, etc. 
44 
A idéia de que o homem precisa de se expressar, precisa 
de realizar-se individualmente é uma idéia histórica 
recente. Data da invenção do indivíduo, na Renascença. 
No Egito não há expressão individual. A arte egípcia foi 
praticamente a mesma durante dois mil anos. Para 
Gombrich se não existe arte em todas as culturas - no 
sentido que nós conhecemos-, pelo menos, podemos 
dizer que todas as culturas possuem artistas. Porque 
mesmo em objetos cuja função não era simplesmente 
contemplativa, eles usaram a simetria, puseram questões 
simbólicas, então, ele concorda que podemos falar de 
artistas desde a origem do homem. O que não podemos é 
falar de arte porque sua função muda, de quando em 
quando, historicamente. Portanto, ao invés de recusarmos 
a produção contemporânea em nome das teorias artísticas 
modernas, deveríamos procurar entender quais as razões 
que estão por trás de seu surgimento. 
O Gombrich é um autor que tem uma produção muito 
sofisticada. Ele é de uma genealogia teórica muito 
diferente da do Argan, que é marxista. O Gombrich tem 
origem no instituto Warburg. 
Na Alemanha, em Hamburgo, no século XIX, um banqueiro 
muito rico deixou uma fortuna e dois herdeiros. Um deles, 
que eu não sei se o mais novo ou o mais velho, chegou 
45 
uma máscara africana pode ser linda, mas ela é usada, por 
exemplo, pra adquirir poderes sobrenaturais. 
Então, a primeira função desta máscara não seria a 
contemplação. Um "Cristo morto" numa igreja, que só é 
exposto na Semana Santa, por exemplo, não é arte porque se 
arte é contemplação e ele é feito pra ficar coberto a maior 
parte do ano, então ele não é arte no mesmo sentido em que 
a entendemos e sentimos. O que se poderá então dizer das 
pinturas, das múmias e das coisas deslumbrantes do Egito, 
que eram feitas para não ser vistas por ninguém? Se elas são 
vistas hoje é por vandalismo, pela profanação de tumbas. 
Digamos que daqui a mil anos a gente pudesse visitar um 
museu e ver arte brasileira. Veríamos na sala expositiva 
uma pintura do Iberê Camargo, por exemplo, outra da 
Lígia Clark, junto com uma jarra de uma loja de design 
qualquer ao lado e uma geladeira Brastemp. Estranho não? 
Em que esse museu hipotético diferiria do Louvre que 
freqüentemente expõe ânforas gregas ao lado de 
esculturas clássicas? 
Certamente, um grego não achava uma ânfora uma obra de 
arte. Uma ânfora tinha uma função pra guardar vinho, 
azeite. Para Gombrich o que chamamos de arte tem 500 
anos e, eu diria,· está acabando, está virando outra coisa 
que chamamos de arte contemporânea. 
48 
O fato é que, entre o término da Segunda Grande Guerra 
até os primeiros anos da década de sessenta, toda 
inteligentsia das artes pensava arte como forma. A partir 
dessa época, quando surge a primeira safra de artistas 
contemporâneos, começaram, ainda que imersos na 
perplexidade e na dúvida, as primeiras críticas à 
interpretação formal. Podemos dizer que a produção 
contemporânea começa com a Pop Art? Alguns diriam que 
ela se inicia no expressionismo abstrato americano da 
década de 1950. Mas, digamos que seja na Pop o início da 
arte contemporânea. 
Teóricos modernistas como Greenberg também tinham 
medo da produção contemporânea. Recusaram-na porque 
os esquemas de interpretação de que dispunham não 
decodificavam aquela coisa esquisita que estava 
acontecendo, porque eles pensavam formalmente. 
Teorias não pairam sobre transformações históricas, por 
todos os períodos. A interpretação da obra de arte como 
forma e como linguagem foi determinada pelo tipo de 
obra que os artistas modernos fizeram ao longo das 
primeiras seis décadas do século XX. No entanto, a 
tendência de qualquer teoria é projetar os sentidos 
específicos por ela produzidos, tanto para o passado, 
quanto para o futuro. 
49 
O formalismo serviu com perfeição a Greenberg para 
produzir sentido sobre a obra dos expressionistas 
abstratos americanos, quais sejam: Pollock, Barnett 
Newman, Rothko, De Kooning etc. Hoje ela não serve 
para produzir sentido para coisa nenhuma, talvez apenas 
para o modernismo. Mesmo alguém que queira falar sobre 
expressionismo abstrato hoje vai enfatizar aspectos que 
Greenbcrg não havia enfatizado. 
No entanto, a obra do Pollock está aí c estará por muito 
tempo: porque ele é um dos gênios do período final da arte 
moderna sua obra, ao contrário, terá uma sobrevida muito 
maior do que às teorias de Greenberg a seu respeito. Não 
acreditamos mais em deuses egípcios hoje em dia, mas isso 
não faz com que nosso apreço pela arte egípcia diminua, 
só porque ela era regulada, à sua época, por normas de 
origem religiosa. 
Se assim é, as teorias caducam e as teorias da arte 
caducam mais do que qualquer obra. Nenhuma obra de 
arte se torna obsoleta. Não se pode dizer que a cabeça da 
Nefertite ficou obsoleta, mas posso dizer que a roda da 
biga que foi encontrada lá junto com a cabeça é 
absolutamente obsoleta. 
Aliás, isso que digo está no manifesto neoconcreto de 
1959. Ele afirma que se um neoconcreto tivesse de 
50 
escolher entre a teoria de Mondrian e a obra de Mondrian, 
ficaria com a obra, que está viva e fecunda porque a obra 
tem sobrevida maior do que a teoria. 
Uma leitura, uma interpretação, quer fixar significados que 
essencialmente não podem ser fixados para sempre. Ao 
surgirem novos teóricos e novas teorias, outros repertórios 
e outros olhares seus enfoques mudam e acrescentam às 
obras significados anteriormente impensáveis. Para os 
marxistas, por exemplo, a teoria explicaria tudo. O mundo 
de hoje, no qual uma empreitada intelectual de ordem 
teleológica é praticamente impossível, deve ser 
desesperador para um marxista. 
Na entrevista Os intelectuais e o poder, feita no início dos 
anos 70, Foucault e Deleuze dizem que a teoria é sempre a 
mediação entre uma prática e outra, e uma prática é 
sempre uma mediação entre uma teoria e outra. Eles 
acabam com a polarização entre teoria e prática tão cara 
aos marxistas. A teoria passa a ser não uma cosmovisão, 
mas um veículo. Se eu quero falar do barroco, eu não teria 
o menor problema em citar Wolflin, mas eu tenho que 
esquecê-lo se eu quiser falar de arte contemporânea. 
Portanto, eu não posso ser um sujeito no mesmo sentido 
que resultou do Iluminismo (Kant) já que eu não mais 
possuo um instrumento unitário, um monobloco que me 
51 
explique o sentido geral da vida. A crise do sujeito se 
manifesta aí também, ele não constitui mais uma função 
universal, uma metavisão, não é mais o produtor de um 
telas ao qual uma pessoa deva ser fiel o tempo todo. Isso 
não existe mais em nenhuma esfera. Aquela idéia de 
fragmentação e de colagem de um mundo editado se 
manifesta até aí. Também a teoria adquiriu historicidade. 
Ainda assim qualquer teoria é pra ser tratada com a 
mesma seriedade com a qual nós tratamos uma obra de 
arte. Renascentista, Moderna ou Contemporânea, não 
importa, porque elas são tão relativas ao período em que 
surgiram quanto a obra de arte, que eu diria, tem até uma 
perenidade que a teoria não pode possuir. 
Quando eu falo de teoria aqui, estou falando das teorias da 
arte, da filosofia da arte, da sociologia da arte, da 
antropologia da arte ou de psicanálise,desses campos que 
chamamos de ciências humanas e sociais dentro dos quais 
sempre coexistiram diversas interpretações. Algumas 
contraditórias entre si, sem que nenhuma das facções 
pudesse dizer "a minha é verdadeira", a não ser por 
paixão, fé ou crença. 
O campo de produção de sentido das coisas que nos 
afetam no nosso dia-a-dia, inclusive a arte, não é um 
campo com resultados unívocos, mas é um campo de 
52 
batalha entre leituras ou interpretações às vezes até 
contraditórias. 
Não se pode cobrar do século XIX mais do que ele podia. 
Como o século XX, sobretudo atualmente, mostra que a 
natureza do jogo teórico nas ciências humanas e sociais se 
dá antes pela leitura e pela interpretação do que pela 
imposição de uma verdade. Não há problema nenhum em 
dizer que essas teorias todas têm sua história, são 
passíveis de ser substituídas por outras mais interessantes. 
Curioso é que Michel Foucault, percebendo esse impasse 
teórico descobriu, em 1969, Panofsky. Foi quase uma 
revelação para ele. O conceito panofskiano de imagem 
podia servir, percebeu Foucault, poderia superar o impasse 
a que havia chegado a leitura formalista da obra de arte e 
produzir um sentido específico para a arte contemporânea. 
Uma natureza morta não é para a Iconografia (ramo 
tradicional da história da arte voltado para o tema ou 
mensagem, em contraposição à forma, segundo Panofsky), 
uma imagem. Já um cálice com uma cobra enrolada é uma 
imagem, desde que saibamos que ele é o símbolo da 
farmacologia. Mas, para que eu saiba que uma cobra 
enrolada num cálice é o símbolo da farmacologia, alguém 
tem que ter me dito isto. Porque aquilo que me é dado a 
ver reduz-se a um cálice com uma cobra. 
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iconografia. As imagens produzidas pela arte 
contemporânea desde a Pop, passando pelas mídias 
técnicas, não poderiam ser validadas como emblemas ou 
símbolos compósitos entre olhar e conceitos de trânsito 
cristalino no corpo social como as imagens de que 
falávamos. 
As imagens contemporâneas são entronizadas pela mídia, 
pela publicidade etc, como, por exemplo, a menina 
vietnamita nua correndo de braços abertos numa estrada 
após ser atingida por napalm, ou o beijo entre o marinheiro 
e a enfermeira registrados no fim da guerra por Robert 
Doisneau, ou ainda o Pato Donald e a Lindonéia de 
Gerchman. 
Foucault compreendeu ainda nos anos sessenta que as 
teorias formalistas não estavam mais aptas para capturar o 
sentido do que os novos artistas estavam produzindo. E 
para ele a iconologia pareceu-lhe então um feliz 
contraponto para a interpretação formalista. 
Wõlflin, que é um grande historiador da arte formalista, e 
viveu entre o fim do século XIX e a primeira metade do 
século XX, jamais escreveu sobre a arte moderna. A 
grande questão do Wõlflin é a passagem daquilo que nós 
chamamos de Renascimento para o Barroco, e que ele 
chama de evolução do estilo linear para o estilo pictórico. 
56 
No entanto, embora ele não fale nada a respeito da arte 
moderna, ao analisar o Renascimento como forma e o 
Barroco como forma, ele está sendo moderno do ponto de 
vista de sua perspectiva teórica. O que eu quero dizer é 
que os ismos não só se manifestam ao nível da produção, 
mas há os ismos teóricos também. Daí a perspectiva de 
interpretação formalista não ser mais pertinente para a 
compreensão da arte contemporânea. 
Alguns de nós talvez não tenhamos entendido sequer a 
diferença do espaço moderno para espaço renascentista. 
Por isso talvez tenhamos medo da arte contemporânea. 
O valor da pureza no mundo moderno engendrou 
maravilhas como os trabalhos de Theo van Doensburg ou 
de Mondrian e produziu monstros como Adolf Hitler que 
também a buscava, só que em nível étnico. O valor pureza 
informa tanto o racismo de Hitler quanto a beleza criada 
por Mondrian, Theo van Doensburg etc. 
Mas vamos seguir esse repertório essencial ao 
modernismo. No primeiro número da revista Art Concret 
lançada em Paris, no ano de 1930, Van Doesburg escreveu 
algo como: Na busca da pureza os artistas foram 
obrigados a abstrair as formas naturais que escondiam os 
elementos plásticos, a destruir as formas natureza e 
substituí-las pelas formas arte. Anos antes, Cézanne 
57 
afirmara que a "natureza deve ser vista através do cilindro, 
da esfera e do cone". Há em comum nessas afirmações 
uma idéia quase platônica que supõe que a natureza é um 
mundo de aparências que oculta uma estrutura 
geometrizada. Atingi-la seria como atingir a própria 
essência da visualidade e, portanto, da própria arte. 
Quando Gertrude Stein, poeta do início do século XX, diz: 
"uma rosa é uma rosa é uma rosa", ela nos quer dizer: "não 
há simbolismo". Uma coisa restringe-se ao que ela 
significa. 
Theo van Doesburg, no texto já mencionado, lançou idéias 
muito parecidas com as de Stein. Para ele um elemento 
pictural só significa a si próprio. Ele pretendia lançar a 
forma espírito, que vem direto da razão. Pintura Concreta, 
porque é a concretização do espírito criador, e não 
abstrata, porque não partia da natureza. Uma mulher, uma 
árvore, uma vaca seriam naturais em estado de pintura? 
Não. Uma mulher, uma árvore, uma vaca são naturais no 
mundo natural, mas em estado de pintura são abstratas, 
vagas, ilusórias, ao passo que um plano é um plano, uma 
linha é uma linha, uma cor é uma cor, nem mais nem menos. 
A própria idéia do kitsch vem associada a excessos 
decorativos que não têm a ver com a função daquele 
objeto. Portanto, ao se interessar apenas pelo mundo das 
58 
formas, em detrimento das imagens, a arte moderna está 
nos mostrando que busca um certo tipo de racionalidade e 
de funcionalidade essenciais que os devaneios simbólicos 
da arte do passado impediam que fossem alcançadas. 
Chega a ser curioso, por exemplo, ler um texto de Wõlflin 
sobre o Renascimento, porque ele reduz o Renascimento 
ao estilo linear, a uma questão perspectiva, formal, e 
suprime uma série de questões de conteúdo ou simbólicas 
que eram de alto interesse para aqueles que gostavam de 
arte no Renascimento. A forma era então somente um 
problema do métier do artista, que tinha de decidir se a 
composição era em triângulo ou em trapézio, mas a 
redução do problema da interpretação artística ao 
problema da forma é altamente conveniente para o 
modernismo. 
Na verdade, a arte tornou-se linguagem para fugir da idéia 
de uma obra sem conteúdo e só formal proposta pela arte 
abstrata. Então ela passou a ser pensada como uma 
linguagem estruturada num sistema de signos. Como ela 
voltou com muita força na arte contemporânea a ser 
imagem, eu suspeito de que ela esteja deixando de ser 
linguagem. Porque nem tudo o que comunica é linguagem. 
Enquanto os artistas plásticos, com um sentimento de 
grande orgulho, investigavam a forma pura, o 
59 
desenvolvimento tecnológico de reprodução de imagens 
fotossensíveis difundido sobretudo pelo cinema (e antes, a 
fotografia) passou a preencher o mundo de imagens que a 
arte moderna recusava produzir. 
É claro que muitos artistas sempre foram independentes. 
Um Volpi foi independente, um Milton da Costa foi 
independente, embora fossem independentes fazendo 
geometria. Porque era, digamos, o escopo da época ou a 
abstração informal, mais livre, etc. 
O modernismo do pós-guerra tornou-se uma espécie de 
fórum da alta especulação a respeito da produção formal, 
por exemplo, a gente sabe que, no momento em que a arte 
volta à figuração, com a Pop, entre a velha academia 
figurativa pré-moderna e as imagens técnicas da 
fotografia, da publicidade e do cinema, os primeiros 
artistas contemporâneos não tiveram dúvidas. 
Apropriaram-se das conquistas icônicas das tecnologias da 
imagem que a cultura moderna havia desprezado.Há poucos anos, tive um encontro que foi fundamental 
para a minha compreensão de uma nova noção de 
identidade em formação no mundo contemporâneo: eu 
tinha de escrever sobre um pintor que iria expor umas 
quarenta pinturas, todas do mesmo tamanho e 
expressionistas, mas diferentes do expressionismo histórico 
60 
e do neoexpressionismo alemães. Ele usava turquesa com 
rosa-choque, com verde limão e roxo. As telas tinham um 
cromatismo luminoso próximo à paleta sino-japonesa. Mas, 
eram quarenta e tantos rostos absolutamente, impactantes, 
se não me engano, todos masculinos, e todos se chamavam 
Doutores, Dr. Isso, Dr. Aquilo ... Eu perguntei ao jovem 
artista quem eram esses Doutores e ele, sem qualquer 
dúvida, hesitação ou ironia, disse-me que eles eram seus 
alter-ego. 
Eu pensei, então, ele tem 40 alter-ego que podem aflorar e 
que coexistem, neste momento, na parede. Estava, de 
fato, diante de uma pessoa fragmentada, o que não é 
problema se a fragmentação não tiver uma origem 
patológica. Não falo de um caso psiquiátrico, eu estou 
falando de uma pessoa produtiva, capaz de lidar e 
negociar com a fragmentação própria e com a dos outros. 
Senti então que deveria remeter essa afirmação do artista 
à reflexão sobre a unidade e a divisão, tal como vinha 
sendo formulada por pensadores como Foucault e Deleuze 
e não evidentemente do ponto de vista das disciplinas 
especializadas nesse campo, a psicanálise, por exemplo. Eu 
lembrei-me de histórias, de romances visionários para o 
século XIX, uma vez que eram metáforas do futuro, quer 
dizer que sem pretender ser predições terminaram por 
61 
antever o que está ocorrendo no mundo contemporâneo 
das últimas décadas. Lembrei-me primeiramente de 
Frankenstein ... 
Todos nós sabemos que, na interpretação antropológica 
mais corrente das pinturas mpestres, os homens pré­
históricos acreditavam que, se eles tinham o poder de 
produzir em imagem os animais que caçavam, teriam igual 
poder na caçada. Se eles podiam pintar um antílope, eles 
acreditavam que tinham a possibilidade do domínio efetivo 
do animal. 
A origem da imagem está ligada aos rituais religiosos, 
dentro dos quais nasceu a arte, tem duas pulsões muito 
fortes e contraditórias. Se examinarmos, ainda que 
rapidamente, algumas religiões, sobretudo as do Deus 
único, veremos que estas proíbem certos tipos de imagem, 
porque são tomadas como um imperdoável ultraje ao 
criador, Deus, que nos fez à sua imagem e semelhança. 
Mas em outras religiões, em certos ritos africanos, se 
alguém com raiva de uma pessoa quer feri-la, pega uma 
mecha de seu cabelo e faz um boneco de seu inimigo. Um 
vodu que lhe permitirá atingi-lo, ainda que à distância, 
causando-lhe todo tipo de mal. Ora, tanto as religiões que 
proíbem imagens, quanto as que dela lançam mão, 
partilham de um mesmo temor ou da mesma crença, só que 
62 
uma proíbe por excesso de zelo e a outra por excesso de 
licença. Há uma relação conflituosa com a capacidade de 
invenção e produção de imagens. 
O Frankenstein, no entanto, é muito mais do que eram as 
imagens para o homem pré-histórico. Ele é o primeiro 
homem constmído pelo próprio homem. Diferentemente do 
mito, ele é uma possibilidade da ciência (de ficção). A figura 
do cientista louco é absolutamente paradoxal, porque se o 
cientista é o homem da razão - do penso - ele teria de 
ocupar, numa escala do pensamento humano, uma 
extremidade oposta à do louco, que é o homem privado 
disso tudo. O Frankenstein foi o primeiro homem editado na 
história da humanidade, montado a partir de pedaços de 
outros homens. Antes da linha de montagem fordista, tem­
se um homem editado, que surge provavelmente por uma 
atitude absolutamente sacrílega do Dr. Victor Frankenstein. 
Por desrespeito ele "matou" Deus (entre aspas porque Deus 
não pode ser morto) e por isso vê seus entes mais queridos 
serem assassinados por sua criatura, o monstro que ele 
cnou .... 
Estaríamos em vias de criar éticas, estéticas e políticas 
fundadas na nossa divisão, ao ponto funcionarem como 
alternativas à ética, à estética e à política pactuadas no 
Iluminismo (século XVIII) e que nos regeram até à crise 
63 
que deu lugar à contemporaneidade lá pela passagem dos 
anos cinqüenta para os sessenta? Isso é uma coisa que 
talvez possamos já vislumbrar em nosso cotidiano, embora 
repertórios culturais do passado dificultem essa 
percepção. 
Na verdade, o mundo contemporâneo ainda não é 
propriamente um mundo de homens editados, mas isso 
está sendo prenunciado com todas as letras, primeiro com 
os transplantes, depois com certas próteses, agora com a 
clonagem, não a clonagem de corpos, mas de órgãos, as 
pesquisas sobre as células-tronco. Por outro lado, a idéia 
de que possuímos uma unidade psíquica, individual, 
esfacela-se nos inúmeros papéis (afetivos, familiares, 
profissionais, sexuais, políticos, éticos e estéticos etc.) que 
podemos nos encaixar. 
O que está em questão agora não é simplesmente o fim da 
unidade - o mundo contemporâneo não propõe o fim da 
unidade - mas uma outra noção na qual a unidade 
resultaria não de um núcleo interior profundo, mas da 
montagem, colagem ou edição de partes e fragmentos, 
análoga à unidade montada de um produto industrial, de 
um filme ou de uma ponte de ferro, ou à edição de um 
vídeo ou de um texto. 
64 
Por razões que desconheço, a literatura do século XIX 
pôde antever os sonhos do futuro em alguns romances. O 
curioso é que, para o século XIX, todos esses livros 
causavam medo. Alguns dos mais acalentados desejos do 
mundo atual têm por origens esses pesadelos literários dos 
últimos 200 anos. 
Antes mesmo da publicação de Frankenstein, escrito por 
Mary Shelley, e lançado em 1818, temos o Fausto, de 
Goethe, publicado em 1808. Sua interpretação costumeira 
soa maniqueísta. Fausto trocou sua alma, vendida ao diabo, 
pela glória mundana, ou seja, pela leitura habitual, era o 
homem que podia ser bom, mas escolheu o mal histórico. 
Mas podemos ver Fausto de uma outra maneira. Como, por 
exemplo, uma tensa possibilidade de relacionamento entre 
nossas partes, uma barganha entre elas talvez. Seria um 
outro exemplo de antevisão da contemporaneidade mais de 
um século e meio antes de sua emergência. 
O médico e o monstro (O estranho caso do Dr. Jekyll e do 
Sr. Hyde) de Robert Louis Stevenson, lançado em 1886, 
trata da dualidade, da cisão de um indivíduo, como uma 
idéia inaceitável para o mundo moderno da época (uma 
idéia aterrorizante). O tema da divisão do indivíduo 
também tem um desfecho trágico, porque um dos lados 
deve prevalecer e outro destruído para a unidade perdida 
65 
ser restaurada. Novamente, há aí uma proximidade 
perigosa entre ciência e loucura. 
Aquele que tudo faz em nome da ciência e, por isto, 
ultrapassa limites éticos, flutua num ponto indeterminado 
entre sanidade e loucura: o próprio título em inglês de O 
médico e o monstro é revelador: Dr. fekyll and Mr. Hyde. 
Se tirarmos as duas primeiras letras do nome de Dr. Jekyll, 
e lermos o que sobra, o veredicto é claro: Kíll the Hide, ou 
seja "mate o escondido". O outro deve ser eliminado 
porque eu sou um só (eu não posso ter um outro, um 
estranho, em mim). 
Finalmente, dentre essas narrativas a mais difundida é 
provavelmente Drácula, de Bram Stocker, lançada em 
1897. Drácula está contaminado, e contaminará muitos 
mais, porque o vampirismo passa por contágio. É uma 
coisa que se propaga como uma epidemia em rede, de uma 
forma rizomática. 
Portanto, a contaminação em rede (Drácula), a divisão da 
alma (O médico e o monstro) e o homem editado 
(Frankenstein) são possibilidades absolutamente cotidianas 
e até desejáveis, para nós contemporâneos, mas, no 
entanto, no século XIX, só podiam encaradas sob a rubrica 
do horror. 
66 
A contemporaneidade de uma obra estaria nos meiose nos 
suportes utilizados por um artista? Sim e não. Você tem 
obras contemporâneas realizadas com meios convencionais 
como a pintura e desastres registrados em mídias como o 
vídeo, inventado apenas há uns 43 anos. Porque uma 
pessoa que faça um vídeo de uma mulher na praia com um 
vestido de gaze branco e do outro lado um homem com 
uma calça arregaçada de linho branco e camisa branca, 
correndo em câmera lenta um em direção ao outro, é um 
dejà vu descarado. 
A arte contemporânea pode estar em vários lugares 
simultaneamente desempenhando funções diferentes. Mas, 
o principal de tudo isso são novos tipos de relação que ela 
nos faz estabelecer. O novo sujeito não será 
epistemológico como foi o intentado por Kant, mas 
estético, um híbrido de contradições, porque o homem 
contemporâneo precisa de um modelo positivo da vivência 
da contradição. 
Habituamo-nos a pensar que a arte é uma coisa muito 
diferente da vida, dela separada pela moldura e pelo 
pedestal. Aliás, a arte foi mesmo isso durante a maior 
parte de sua história, pelo menos desde a Renascença. A 
idéia de uma arte que se confunda com a vida é muito 
difícil de assimilar porque os nossos repertórios ainda são 
67 
informados por muitos traços conservadores, alguns deles 
pré-modernos. 
Eu acho que a gente precisa ter um outro modelo onde a 
contradição seja positiva e o único modelo desse tipo no 
Ocidente é o do artista. O artista junta um rabo de peixe 
com um corpo de mulher e cria uma situação 
absolutamente verdadeira: a sereia. Junta um banco com 
uma roda de bicicleta e cria uma situação verdadeira, 
como fez Duchamp. 
O único lugar em que o Ocidente conseguiu tornar positiva 
uma situação que não é lógica e que não é plausível foi no 
campo da arte e o mundo contemporâneo busca o 
transbordamento desse modelo do artista para outras 
esferas como a teoria, os valores ético-políticos e morais, 
a legislação etc. O novo sujeito tem maiores condições de 
ser artístico do que epistemológico (Kant). Daí certos 
artistas trabalharem quase como cientistas. Quando um 
Barrio, por exemplo, registra experiências que não têm 
nenhuma importância do ponto de vista teórico-científico, 
como quando imprime o corpo de um peixe numa feira em 
Lisboa, para ver o que as pessoas acham, e registra isso. 
Talvez o mundo contemporâneo seja mais constelar, 
menos estrutural. Portanto, a produção de sentido se dá 
através de processos de interpretação, e uma mesma 
68 
realidade pode suportar várias interpretações, sem que 
isso gere contradição. 
Diferentemente da arte moderna, a arte contemporânea 
não possui um campo específico especializado que nos 
facilitaria a empresa de designá-la e dominá-la por meio do 
conhecimento e da informação. Nenhuma divisão mais do 
conhecimento humano tem esse poder, isto não é um 
problema exclusivo da arte. 
Cézanne se defrontou com certas questões que se abrem 
para todos os campos da arte moderna; Duchamp faz a 
mesma coisa com a arte contemporânea, embora ele seja 
um moderno. Só podemos reconhecer a arte 
contemporânea se tivermos conhecimento de algumas 
coisas dos processos nela investidos. 
Na verdade, quando eu escrevo sobre a arte 
contemporânea eu procuro pensar no que uma obra tem, 
até porque é da natureza das coisas no mundo 
contemporâneo fugirem à classificação em modelos fixos. 
Se eu não tenho um padrão fixo para dizer arte 
contemporânea, eu tenho dezenas de critérios, alguns 
contraditórios entre si, que são combinados e que tecem 
uma malha esgarçada que caracteriza os textos 
atualmente. 
69 
Embora antiqüíssima a hermenêutica parece estar, outra 
vez, na ordem do dia. Claro está que esse retorno é muito 
diferente daquilo que era praticado na leitura das escrituras 
sagradas durante a Idade Média inteira, quando havia uma 
interpretação analógica e várias formas de interpretação 
previamente descritas e que orientavam alguém no 
momento em que se ia interpretar um texto. 
A expectativa de uma exatidão, de uma precisão, de uma 
aplicabilidade que as ciências da natureza nos trazem, 
colocou a interpretação num patamar menos aceitável do 
jogo teórico, pois perdeu as forças que tinha para uma 
noção diferente, a noção de análise, uma prática ligada ao 
laboratório. A interpretação permite a coexistência com 
outras interpretações. Claro, a interpretação nunca é algo 
que se dê na esfera do arbitrário, do "eu acho", para se 
legitimar. Mas é diferente, por exemplo, da lei de Newton, 
ou da fotossíntese, que não se restrigem à interpretação. 
O fato é que a crise das grandes teorias, a crise desses 
verdadeiros faróis teleológicos que tudo iluminavam vai 
culminar com uma redescoberta e uma revalorização, uma 
retomada em novas bases (bastante subjetivas, posto que 
baseadas na subjetividade e na erudição de quem está 
interpretando) da questão da hermenêutica, da arte de 
interpretar. Ela hoje é parte do métier crítico-curatorial. 
70 
Eu não diria mais que existe crítico de arte, a função crítico 
de arte foi substituída por uma função contemporânea, 
curador, que é diferente da do crítico, porque o crítico era 
aquele que pegava um produto recém-lançado, e às vezes 
de uma maneira arbitrária ou não, ele tinha um poder, pelo 
menos naquele momento, de dar o veredicto de vida e 
morte, se aquilo era bom, ou se não era bom, se era arte, 
ou não era arte. 
O curador não mais atua nessa esfera, num tipo de tribunal. 
Porque o crítico, sobretudo na década de 1950, época do 
grande período da crítica de arte com Mário Pedrosa e 
Ferreira Gullar, por exemplo, no Brasil; Clement Greenberg e 
Harold Rosemberg, nos Estados Unidos; Pierre Restany na 
França etc .. tinha esse poder judicante a respeito do que é 
bom e do que é mal, pois dispunham de teorias gerais que 
lhes emprestavam uma objetividade que de fato não tinham. 
Ninguém precisava de um curador no período modernista. 
A primeira exposição neoconcreta, realizada no Museu de 
Arte moderna do Rio de Janeiro, em 1969, não teve 
curador (aliás, nehuma exposição da época o tinha): todos 
os neoconcretos sabiam que o eram, por isso não 
preciavam de um curador para conceituar o evento e 
escolhê-los, pois a tarefa era de sua própria alçada. Fayga 
Ostrower, por exemplo, não era neoconcreta e, por isso, 
71 
não participou. Não somente isso. Tenho certeza de que 
ela sequer ficou chateada ou sentiu-se excluída, pois, por 
sua própria decisão não aderira ao movimento 
neoconcreto. 
O mundo contemporâneo não mais valoriza a pureza, 
inclusive estilística, buscada obcessivamente pelos artistas 
modernos em nome da interface, da multidisciplinaridade e 
logo a contaminação, a hibridização e o ecletismo. O 
mundo contemporâneo é absolutamente impuro e isto é 
para ele um valor. Porque se impureza é conviver com a 
diversidade -seja ela étnica, política, sexual etc. -ela 
tornou-se um valor positivo da contemporaneidade. 
Prefiro mil vezes a impureza que me põe convivendo com 
o diferente, à pureza que o exclui. O mundo 
contemporâneo é cheio dessas possibilidades. Mas a falta 
de um objetivo ou utopia comuns como foram o marxismo 
e a psicanálise levam a um contraponto terrível dessa 
disponibilidade para com o outro. 
Fundamentalistas de todos os teores, neonazistas, pit boys 
que saem dando cacetadas por aí querem a pureza, eles 
certamente não suportam a diferença. A Klu Klux Klan 
também não gosta. 
Considerando nossa realidade social e histórica atuais o 
que haveria de estranho quando um artista contemporâneo 
72 
faz uma instalação com materiais retirados da própria vida 
como jornais, objetos apropriados do circuito industrial (e 
mesmo artesanal) de produção de utilitários, coloca às 
vezes até produtos orgânicos, ele está dialogando com 
coisas muito mais importantes da vida do que cometendo a 
picaretagem de querer ser diferentea qualquer preço. 
Os ismos eram o ponto onde o indivíduo fazia mediação 
com a história. Se Lygia Clark é diferente de Hélio Oiticica, 
este de Lygia Pape ou de Franz Weissman e Amílcar de 
Castro, eles se inscrevem todos na história como 
neoconcretos, e a escolha de ser neoconcreto dependeu de 
sua própria escolha. 
Atualmente, a maioria dos jovens artistas supõe que sua 
obra decorre apenas de suas vivências e experiências 
pessoais. Desse ponto de vista ficaríamos aquém da 
história, já que, se ficamos na esfera individual, subjetiva, 
estaríamos autorizados a fazer, no máximo, uma psicologia 
da arte. Para que se faça história da arte, é necessária a 
inserção desse indivíduo numa coletividade mais ampla, na 
qual ele não quer ou não sabe se inserir. Eu diria que não 
quer e não sabe porque num mundo no qual o sujeito, sua 
obra e especialização estão em crise não é mais possível a 
existência de ismos tal como ocorria no mundo moderno. 
A produção contemporânea não pode mais ser agrupada 
73 
em torno da adesão a princípios plástico-formais, uma vez 
que, ao transbordar para a vida, afastou-se do campo 
plástico-formal que a especializava. 
Se a gente conversa com um artista jovem contemporâneo 
de um desses grupos veremos que não são as afinidades 
formais, plástico-formais ou estéticas (estética aqui como 
qualidade do sensível, daquilo que eu vejo, daquilo que eu 
possa tocar) que os reúnem e aglutinam. Não! Formam-se 
em torno de atitudes, de certas crenças, de certas 
convergências subjetivas. A arte contemporânea não 
produz ismos como os do modernismo, pois transbordou o 
âmbito dos meios plásticos convencionais e contaminou-se 
com todas as outras regiões da ação humana e da cultura. 
Essa dispersão manifesta-se hoje, de modo inequívoco, no 
cotidiano das artes, porque os artistas perderam parte de 
seu antigo poder de criar eventos de grupo a partir de 
critérios claros e exclusivos como ocorria na era dos ismos 
modernos. Essa tarefa migrou para a subjetividade de um 
outro agente, o curador, cuja função é a de criar temas, 
selecionar os artistas e as obras num circuito de 
exposições independentes ou institucionais. Esse novo 
agente chega em alguns casos a disputar a autoria de 
exposição onde os outros artistas são apenas 
protagonistas, porque sua obra é o conjunto da exposição. 
74 
Nós estamos diante dessa questão hoje em dia. Não é uma 
questão de vontade ou de intenção maléfica por parte dos 
curadores. Sua relação migra da esfera profissional para a 
afetiva, já que tanto ele quanto o curador trabalham num 
mundo onde a diferença entre o que é público e o que é 
privado viu-se abalada com a subjetivação das relações 
sociais em escala universal (talvez uma manifestação da 
crise do indivíduo). 
Um artista contemporâneo que trabalhe com tecido e 
bordado que tenha sido esquecido por um curador, seja 
porque não goste dele, seja porque não o conhece, numa 
exposição que tenha esse tema, entra num circuito, como é 
típicamente subjetivo. 
É claro que num país como o nosso, onde as coisas são 
muito arbitrárias e autoritárias, por enquanto, alguns 
grupos de artistas estão propondo como antídoto o 
mesmo remédio que se recusam a tomar. Propõem assim 
eventos sem qualquer seleção nos quais entra quem quiser 
(será que isso é possível?) Todos esses grupos são uma 
rejeição à subjetividade do curador. Subjetividade que eu 
acho abusiva, delirante até e, muitas vezes, comprometida 
com jogadas do mercado de arte. 
Se o curador está numa instituição existem limites éticos 
que não emanam de nenhuma regra, mas de decisões de 
75 
cada um de nós. Esse é um mundo muito mais difícil, onde 
cada um é responsável por tudo, mas é o mundo no qual a 
gente vive. Daí precisarmos editar nossa fragmentada 
existência: da interioridade (psicanalista), ao corpo 
(personal trainer), nossas casas e cidades, nossa fé (gurus) 
até nossas relações (internet) e textos (Word). 
Nesse ponto sou historicista até à raiz. Acho que isso é 
fruto de circunstâncias históricas que não foram criadas 
por nenhum de nós. Daí conclusões salvacionistas como 
restaurar a janela renascentista ainda que venha de um 
grupo de pessoas estão fadadas ao insucesso. Nem adianta 
reclamar de eventuais discriminações porque as coisas não 
aparecem ou se consagram por voluntarismo, mas por 
demandas histórico-sociais efetivas. 
Eu trabalho num museu também, sei que esse dilema é um 
dilema não só do curador, como dos museólogos, dos 
marchands, da legislação de direito autoral, porque a crise 
do sujeito, a noção de autoria é uma noção colada com a 
noção do indivíduo. 
A gente sabe que na música eletrônica, por exemplo, um 
DJ como o Dolores, de Pernambuco, o que é que ele faz? 
Ele se apropria de fragmentos de outros e faz seu 
trabalho. No entanto, pelos padrões autorais vigentes, isso 
pode gerar problemas de legislação, aliás, toda vez que a 
76 
arte se renova isso pode ocorrer. 
O sampler já é um sintoma de que a noção de arte mudou 
radicalmente O que é um autor? O Foucault tem um texto 
lindo com esse nome. O autor é um indivíduo? Se um autor 
é autor porque publica textos, então, digamos, se 
encontrarem um bilhete escrito por ele para a empregada ir 
ao supermercado, esse bilhete é uma obra, é de sua 
autoria? Claro que não. Então o autor não se delineia com 
os mesmos contornos de um indivíduo, ou da pessoa que o 
contém. 
Um artista é artista só num sentido figurado, ou de seus 
sentimentos. Mas um artista seria artista 24 horas por dia, 
quando namora, quando dá uma chinelada no filho ou sei lá 
o quê? Claro que não! A não ser que seja aquele ente que 
vive pensando que tudo é arte, tudo é maravilhoso, visão 
que não combina mais com a experiência que o nosso 
mundo fraturado nos proporciona, que é um mundo avesso 
à contemplação. 
Contemplação é, aliás, uma palavra que está fora do nosso 
roteiro. Então, é importante que tudo isso que a gente 
esteja vendo seja percebido como parte de um campo de 
tensões superficiais e complexas, e em rede. 
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