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20. BEM DE FAMÍLIA 20. BEM DE FAMÍLIA 0 20. BEM DE FAMÍLIA SUMÁRIO: 20.1 Tentativa conceitual – 20.2 Mínimo vital – 20.3 Espécies de impenhorabilidade – 20.4 Convencional: 20.4.1 Instituição; 20.4.2 Extinção – 20.5 Legal – 20.6 Beneficiários – 20.7 Rural – 20.8 Dívida alimentar – 20.9 Aspectos processuais – Leitura complementar. Referências legais: CF 5.º XI, XXVI e 6.º; CC 1.711 a 1.722; L 8.009/90; CPC 649 e 650; L 6.015/73 (Lei de Registros Públicos – LRP) 167 I 1, 260 a 265. 20.1 Tentativa conceitual O Estado assegura especial proteção à família (CF 226). O direito à moradia é reconhecido como um direito social (CF 6.º) e a casa, o asilo inviolável do indivíduo (CF 5.º XI). O direito à moradia é considerado um dos direitos da personalidade inerente à pessoa humana, quer como pressuposto do direito à integridade física, quer como elemento da estrutura moral da pessoa. A moradia é tutelada como objeto de direito, tratando-se de um direito subjetivo, representando um poder da vontade e que implica no dever jurídico de respeito daquele mesmo poder por parte dos outros.1 Para dar efetividade ao comando constitucional, a lei cria ferramentas mais eficazes em defesa da entidade familiar e do lugar em que a família reside. Afinal, como diz Álvaro Villaça, a violação do lar é a quebra da última proteção humana; o aniquilamento de uma família é a incineração do próprio amor: amor da casa, amor da rua, amor de um semelhante por outro; em uma palavra: amor.2 Daí a instituição do bem de família, que gera a impenhorabilidade de um bem determinado e se transforma em verdadeiro patrimônio, num sentido protetivo do núcleo familiar.3 É possível dizer que se trata de uma qualidade que se agrega a um bem imóvel e seus móveis, imunizando-os em relação a credores, como forma de proteger a família que nele reside. Mesmo que a Constituição assegure especial proteção à família, sua maior responsabilidade é com o cidadão. O enfoque central do ordenamento jurídico é o ser humano. Apesar de a expressão “bem de família” dar a entender que o instituto se destina à proteção da entidade familiar, passou a Justiça a reconhecer que é um instrumento de proteção à pessoa do devedor, tendo ele ou não família, morando ou não sozinho. O objetivo é garantir a cada indivíduo – quando nada tem – um teto onde morar, mesmo que em detrimento dos credores. Em outras palavras, ninguém tem o direito de “jogar quem quer que seja na rua” para satisfazer um crédito. Por isso o imóvel residencial é considerado impenhorável.4 Fere o princípio da igualdade deixar à margem da lei – e, por consequência, ao relento – o indivíduo que, por contingência ou opção, vive só e não constitui uma família. O conceito de entidade familiar abriga estruturas de convívio das mais diversas, é conceito amplíssimo, que alberga tanto a união estável, constituída pelo homem e pela mulher e sua prole, quanto aquelas outras manifestações de afetividade recíproca e de ajuda mútua, como a união do homem e da mulher com os filhos das uniões anteriores de cada um, a união do pai com seus filhos, do pai com os filhos de sua companheira, dos avós com os netos, da mãe solteira com seu filho. O sentido e o alcance da norma vêm se modificando, em grande parte por obra da jurisprudência, que percebeu a mudança de finalidade da lei ao deparar com casos que refletiam grandes injustiças, como o de pessoas viúvas, separadas e mesmo solteiras que perdiam sua única moradia porque, tecnicamente, não poderiam ser equiparadas à família.5 O STJ6 acabou por sumular a matéria, reconhecendo a impenhorabilidade do imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. Este rol esqueceu de incluir as uniões homoafetivas, que, em decorrência de decisão do STF,7 foram reconhecidas como união estável no âmbito do direito das famílias e do direito sucessório. 20.2 Mínimo vital Os novos valores a serem protegidos pelo bem de família podem ser resumidos na noção de mínimo vital, que visa a preservar as bases de dignidade do devedor para que possa recomeçar a vida, mantendo íntegra a sua personalidade.8 O princípio da dignidade humana leva o Estado a garantir o mínimo existencial para cada ser humano em seu território.9 A tendência é encontrar instrumentos hábeis que preservem o devedor e que, ao mesmo tempo, não frustrem a garantia do credor. Nesse sentido, o Brasil lidera verdadeira revolução silenciosa, impulsionada pelos tribunais, que vêm realizando o direito em sua concretude e atribuindo à lei o seu sentido social, deixando de lado a visão extremamente positivista e literal a que está acostumada a tradição jurídica brasileira.10 O princípio do mínimo vital – ou patrimônio mínimo, como prefere Luiz Edson Fachin – é valor, e não metrificação, conceito aberto, cuja presença não viola a ideia de sistema jurídico axiológico. Mínimo não é menos, nem é ínfimo. É um conceito apto à construção do razoável e do justo ao caso concreto, aberto, plural e poroso ao mundo contemporâneo.11 É um direito instrumental, um direito complementar, sobretudo, de garantir a dignidade do devedor de boa-fé que lutou sua vida inteira para adquirir patrimônio suficiente ao seu amparo e ao de sua família.12 Todo cidadão tem o direito fundamental à própria vida e, para isso, necessita de um mínimo para garantir sua subsistência. O direito real de habitação assegurado ao cônjuge e ao companheiro sobrevivente, apesar de dispor da mesma natureza protetiva, não se confunde com a noção de mínimo vital nem pode ser reconhecido como bem de família. 20.3 Espécies de impenhorabilidade Existem duas espécies de bem de família: (a) voluntário – decorrente da vontade do proprietário ou de terceiro, sendo necessário o atendimento a uma série de requisitos; e (b) legal – que não depende da manifestação do instituidor e não está condicionado a qualquer formalidade. Resulta do simples fato de o devedor residir em um imóvel que a lei torna impenhorável. A Constituição instituiu o bem de família rural, visando a proteger a pequena propriedade rural (CF 5.º XXVI). O Código Civil injustificadamente regula tão só a constituição voluntária de um bem como de família (CC 1.711 a 1.722). Autoriza cônjuges, companheiros e até terceiros a destinarem um imóvel (e os móveis que o guarnecem e até as rendas para sua manutenção) para servir de moradia a uma entidade familiar, ficando esses bens isentos de execução por dívidas. É o que se chama de bem de família voluntário. A possibilidade da instituição de bem de família por terceiro não recebe muita atenção da doutrina, porque a utilização dessa liberalidade é pouco efetiva, devido à condição socioeconômica da maior parte dos brasileiros, ficando seu uso restrito às pessoas de maior posse.13 O bem de família legal persiste regulado pela L 8.009/90 e livra da penhora o bem imóvel que serve de residência ao devedor e à sua família, os móveis que o guarnecem (desde que quitados) e todos os equipamentos de uso profissional. O Código de Processo Civil arrola bens isentos da constrição judicial (CPC 649 e 650). Não se pode deixar de reconhecer que o elenco de impenhorabilidades busca, ainda que de modo um tanto incipiente, atribuir um mínimo de proteção ao devedor e sua família.14 Mesmo que a indisponibilidade gerada pelo CPC não possa ser chamada de bem de família, ao nominar os bens que ficam livres de penhora, tenta assegurar o indispensável para preservar a dignidade do devedor e seus familiares.15 20.4 Convencional Tanto os “cônjuges” como a “entidade familiar” possuem legitimidade para instituir bem de família (CC 1.711). Em todos os demais dispositivos legais que regulam o instituto é usada somente a expressão cônjuge, parecendo referir exclusivamente ao casamento. No entanto, não há como admitir tratamento diferenciado, pois a Constituição outorga igual proteção aos cônjuges, aos conviventes da união estávele aos integrantes das famílias monoparentais. Também outras pessoas (CC 1.711 parágrafo único) têm a possibilidade de instituir bem de família a favor de terceiros, por meio de testamento ou doação. É necessária, no entanto, a expressa aceitação dos beneficiários. A necessidade da concordância decorre do fato de o bem se destinar ao domicílio familiar, ou seja, quem recebe um imóvel como bem de família precisa morar nele (CC 1.712 e 1.717). Instituído o bem de família, deixa o imóvel de responder pelas dívidas do devedor. O bem fica livre de dívidas futuras, não das dívidas pretéritas. Isso porque a impenhorabilidade não tem efeito retroativo (CC 1.715). A medida é salutar para evitar tentativas de fraude. Afinal, as pessoas dispõem de crédito em face do patrimônio de que são titulares. Por exemplo, concedido empréstimo a alguém pelo lastro patrimonial que possui, descabido que posterior instituição de bem de família venha a afastar a garantia do credor. A administração do bem de família compete a ambos os cônjuges. Mais uma vez a lei intromete o juiz na vida conjugal, atribuindo-lhe o encargo de resolver eventuais divergências (CC 1.720). Apesar do silêncio da lei, em se tratando de união estável cabe reconhecer que os conviventes são coadministradores do bem e também pode o juiz ser convocado a dirimir controvérsias. Ante a possibilidade de ser instituído bem de família por testamento, cabe questionar se tal liberalidade poderia vir em prejuízo dos credores do testador. Para evitar o uso desse mecanismo, como forma de driblar o pagamento de dívidas, basta que os credores do espólio habilitem seus créditos no inventário. Como os efeitos do testamento fluem a partir da abertura da sucessão, a instituição do bem de família levada a efeito é posterior às dívidas do espólio. Assim, somente após o pagamento das dívidas da herança será possível, se houver sobra de patrimônio, atender à vontade do testador de assegurar moradia a alguém. Pode ser destinado como bem de família somente um imóvel (urbano ou rural); os respectivos bens móveis que o guarnecem (pertenças, acessórios e utensílios domésticos); e também valores mobiliários, cujo rendimento se destina à conservação do imóvel e ao sustento da família (CC 1.712). Essa possibilidade acaba emprestando caráter alimentar a tal verba, mas, ainda assim, não se confunde com alimentos. Mesmo que outros bens possam ser indisponibilizados como bem de família, é necessária a instituição de, ao menos, um bem imóvel. Os demais (bens móveis e valores mobiliários) possuem caráter de acessoriedade e não existem de forma autônoma como bem de família.16 Ditos bens ficam vinculados ao imóvel e não podem exceder o seu valor. Igualmente, serão esses valores (CC 1.713) devidamente individualizados (§ 1.º) e nominados no instrumento de instituição do bem de família (§ 2.º), podendo a administração ser confiada a instituição financeira (§ 3.º), caso em que a responsabilidade dos administradores obedece às regras do contrato de depósito (CC 627 a 652). 20.4.1 Instituição O bem de família pode ser instituído por meio de escritura pública ou testamento. Mas há limites: o valor do bem não pode ultrapassar um terço do patrimônio líquido do instituidor, existente ao tempo da instituição. Dita limitação acaba permitindo que somente famílias abastadas possam adotá-lo, pois o acervo patrimonial do instituidor deve ser de significativa expressão, de modo que uma terça parte seja liberada para tornar-se impenhorável. Daí o pouco uso do instituto. O bem de família voluntário não tem o intuito de fraudar credores. Por isso, sua instituição é cercada de ampla publicidade, para que todos tenham acesso à informação de que alguém pretende colocar um imóvel a salvo da constrição por dívidas. A escritura pública, na qual é declarada a destinação do bem como domicílio da família, deve ser transcrita no registro imobiliário. O oficial do registro (LRP 261), após fazer a prenotação (LRP 182), determina a publicação de edital, com prazo de 30 dias, para que eventuais prejudicados reclamem (LRP 262). Havendo impugnação, o oficial devolve a escritura ao instituidor, que pode se socorrer do juiz, cuja decisão é irrecorrível (LRP 264 § 3.º). Algumas imprecisões legais são inadmissíveis. Não há como aceitar a instauração de relação processual sem a citação do instituidor, em flagrante ofensa ao princípio do contraditório. Além do mais, a irrecorribilidade ofende o princípio do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição.17 A vedação ao uso da via recursal não encontra qualquer justificativa, até porque o procedimento é instaurado junto à Vara dos Registros Públicos, com a intervenção do Ministério Público, sendo expressamente admitido o recurso de apelação (LRP 202). A constituição do bem de família produz efeito a partir do registro no cartório imobiliário (CC 1.714 e LRP 167 I 1), publicidade que permite a terceiros terem ciência da indisponibilidade. Quando o bem de família é instituído juntamente com a transmissão da propriedade, a inscrição será feita imediatamente após o registro translativo do domínio (LRP 265). 20.4.2 Extinção A instituição do bem de família, além de obrigar os beneficiários a residirem no imóvel, provoca a sua impenhorabilidade e o torna inalienável. No entanto, variadas são as situações em que pode ocorrer a sua extinção. As despesas geradas pelo próprio bem18 não geram impenhorabilidade (CC 1.715): crédito tributário e despesas de condomínio. As exceções justificam-se por si. A obrigação de pagar as despesas condominiais é de todos os condôminos, e livrar o bem de família levaria um condômino a se locupletar à custa dos outros.19 Para responder por tais dívidas, o bem pode ser penhorado e alienado. O eventual saldo remanescente permanece como bem de família, devendo ser adquirido outro bem ou títulos da dívida pública para atender ao sustento da família. Talvez seja essa a única hipótese em que o bem de família subsista sem estar atrelado a um imóvel. Solução outra fica a critério do juiz (CC 1.715 parágrafo único). O bem de família só pode ser alienado com a ouvida dos interessados e do Ministério Público (CC 1.717). Quando haja a impossibilidade de sua manutenção, cabível é a extinção ou a sub- rogação em outro imóvel (CC 1.719). Em qualquer hipótese, além da concordância de todos os interessados, é ouvido o Ministério Público. Desnecessariamente exige a lei que o pedido seja chancelado pelo juiz. A não ser que haja interesse de menor ou incapaz, a judicialização é de todo inócua. Descabida a exigência de procedimento judicial. Para que a manifestação do juiz não se limite a ato homologatório meramente burocrático, seria necessário que todos fossem ouvidos, providência absolutamente injustificável. Melhor seria admitir simples averbação registral. Diz a lei que os efeitos da instituição do bem de família permanecem enquanto viver um dos cônjuges (CC 1.716). Apesar do cochilo do legislador, também o companheiro sobrevivente faz jus ao mesmo benefício. No caso de falecimento de ambos os cônjuges ou dos conviventes, havendo filhos menores, a impenhorabilidade persiste, passando sua administração ao filho mais velho. Injustificável, para não dizer inconstitucional, o privilégio à primogenitura. O que cabe é deferir a administração a um dos filhos maiores. Sendo todos menores, a administração deve passar ao tutor (CC 1.720 parágrafo único). A limitação da eficácia do bem de família à menoridade dos filhos do instituidor não se justifica. O conceito de família não tem mais formatação definida, sendo reconhecida como família parental a entidade familiar constituída somente pela prole. O próprio STJ há muito reconhece a impenhorabilidade do imóvel ocupado por irmãos.20 Não importa a natureza da indisponibilidade, se legal ou convencional: na ausência dos pais, os filhos formam uma famíliae estão a salvo dos devedores. Assim, apesar do que está posto na lei, a instituição do bem de família transmite-se aos filhos. Não há como admitir a revogabilidade da instituição, pois o bem ainda serve a uma família, mesmo que seja constituída de filhos maiores. De qualquer modo, na hipótese de existência de filho incapaz sujeito a curatela, imprescindível a mantença do encargo. É possível ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente pedir a extinção do ônus, em caso de ser o único bem do casal (CC 1.721 parágrafo único). No entanto, havendo filhos menores, essa possibilidade liberatória pode lhes acarretar prejuízos, fato a ser considerado pelo juiz.21 Na eventualidade de extinção da benesse instituída por terceiros, ainda que nada refira a lei, deve-se reconhecer que retorna ao instituidor a posse plena e a propriedade livre e desembaraçada do bem, assim como suas pertenças e rendas. 20.5 Legal O Código Civil prevê somente o bem de família instituído voluntariamente, remetendo à lei especial a impenhorabilidade do imóvel residencial (CC 1.711). É a L 8.009/90 que cumpre esta função: dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Trata-se de lei cogente e de ordem pública, de nítido caráter protecionista e publicista. Garante o mínimo necessário à sobrevivência da família, à luz do direito fundamental à moradia, amplamente prestigiado e consagrado pelo texto constitucional (CF 6.º, 7.º, IV e 23, IX). No entanto, se o devedor oferece à penhora o bem que reside, depois não pode buscar o reconhecimento de se tratar bem de família. Configura-se afronta à boa fé objetiva.22 O Estado chama para si o dever de proteção que antes era deixado ao arbítrio do chefe de família, a quem incumbia a constituição voluntária do bem de família.23 Conforme lembra Álvaro Villaça Azevedo, não fica a família à mercê de proteção por seus integrantes, mas é defendida pelo próprio Estado.24 Em face da referência à entidade familiar, é necessário estender o instituto a todas as estruturas familiares. Não há como enfocar o instituto somente como proteção a este ou aquele modelo de entidade familiar, nem mesmo como proteção à família do devedor, por não ter sido ela quem diretamente contraiu a dívida.25 O bem de família não responde por nenhum tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza (L 8.009/90 1.º). A impenhorabilidade pode ser oposta em execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou qualquer outra (L 8.009/90 3.º). Não há como impor a venda do bem para assegurar o pagamento de crédito trabalhista, sob o fundamento que com o produto da venda e pagamento da dívida é possível a compra de outro bem a servir de moradia ao devedor.26 Pode ser alegada a qualquer tempo ou grau de jurisdição. Estão livres da execução: (a) um único imóvel, urbano ou rural, onde se assenta a moradia permanente da família; (b) as plantações e as benfeitorias de qualquer natureza; (c) todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional; e (d) os móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Excluem-se do rol da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Caso o único bem do devedor se encontre desocupado, não é reconhecida a sua impenhorabilidade, pois não está atendendo ao propósito protetivo do instituto.27 Se o devedor possui mais de uma residência, apenas uma não se sujeita à penhora, a de menor valor. No entanto, se o devedor vier a se desfazer de um imóvel, não pode requerer que seja levantada a penhora sobre o outro.28 O fato de o devedor possuir mais bens, não impede a impenhorabilidade do imóvel onde reside.29 Caso o único bem do devedor se encontre alugado, desde que o valor do aluguel seja revertido à subsistência ou moradia da sua família.30 O locatário de imóvel alugado é favorecido pela impenhorabilidade somente dos bens móveis que guarnecem a sua residência. Excetuam-se à impenhorabilidade (L 8.009/90 3.º): I – os créditos dos trabalhadores domésticos e das respectivas contribuições previdenciárias; II – o financiamento para sua construção ou aquisição. A justificativa é óbvia. Se assim não fosse, a construção ou aquisição da casa própria ficaria praticamente inviabilizada a quem não tivesse patrimônio para responder pelo investimento. Também as dívidas sobre o bem não o liberam da penhora; IV – impostos predial e territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel; V – hipoteca; e VII – fiança concedida em contrato de locação. Desde sempre foi questionada a constitucionalidade dessa última exceção, em face do direito à moradia (CF 6.º).31 O tema gerou controvérsias, mas a jurisprudência acabou se pacificando diante do julgamento do STF que reconheceu, em decisão com repercussão geral, a impenhorabilidade do imóvel do fiador que lhe serve de residência.32 Como o direito à moradia foi elevado à categoria de direito social constitucionalmente preservado, é de se ter por derrogado a exceção legal quanto ao fiador.33 Na contramão desta orientação, recente decisão do STJ admite a penhora do bem de família do fiador.34 Paulo Lôbo afirma que a decisão não atentou à violação do direito constitucional à moradia (CF 6.º) e o da dignidade da pessoa humana. Prevaleceu o princípio da autonomia privada do fiador, pouco importando que ele e sua família sejam desalojados de sua moradia para satisfação do direito do crédito, evitando-se assim prejuízo à oferta de imóveis à locação.35 As duas outras exceções são salutares. Não se livra da penhora o bem de família quando se trata de execução de dívida alimentar (L 8.009/90 3.º III). Ocorre que, entre o direito de alguém morar e a necessidade de outro viver, optou o legislador pela sobrevivência do credor de alimentos. Igualmente responde o bem quando foi ele adquirido com produto de crime, ou quando a dívida decorre de condenação penal, ressarcimento, indenização ou perda de bens (L 8.009/90 3.º VI). Mas se metade do adquirido em fraude à execução, em se tratando de imóvel indivisível, a impenhorabilidade alcança todo o bem.36 20.6 Beneficiários Atendendo estritamente ao que está posto na lei, só poderia ser reconhecido como bem de família o imóvel onde reside o devedor e sua família. É o que diz o art. 1.º da L 8.009/90, que fala em imóvel próprio do casal ou da entidade familiar. No entanto, em face da valorização da dignidade do ser humano e da repersonalização do direito das famílias, o bem de família busca novos rumos, novas finalidades, e a tendência é reconhecer o instituto como direito social, invocando-se o direito constitucional à moradia.37 Com essa preocupação, tanto a doutrina como a jurisprudência têm conferido significado mais amplo ao conceito de bem de família. Neste sentido posicionou-se o STJ38 ao editar súmula abrangendo, no conceito de impenhorabilidade de bem de família, o imóvel pertencente às pessoas sozinhas. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa.39 Assim vem sendo reconhecida a impenhorabilidade do bem onde reside uma pessoa sozinha, a família monoparental, a família homoafetiva e mesmo quando somente moram os filhos. Não só a pessoa física, mas também a pessoa jurídica está ao abrigo da impenhorabilidade quando se trata de empresa familiar cujos sócios residam no imóvel,40 mesmo que o imóvel comercial tenha sido oferecido em garantia real hipotecária.41 A dissolução da sociedade conjugal ou da entidade familiar não extingue o bem de família. Sua intangibilidade não beneficia exclusivamente o imóvel onde reside o proprietário. Mesmo que o devedor não esteja utilizando o bem, permanecendo na posse o ex-cônjuge ou ex-convivente e filhos, é reconhecido o bem como impenhorável. Caso tenha o bem sido prometido a venda, nele residindo um dos cônjuges, este precisa ser citado para a execução, constituindo-se um litisconsórcio passivo necessário.42 Outra hipótese merece ser figurada:do devedor que é proprietário de dois imóveis e mantém uniões paralelas, residindo cada família em um deles. Pertencendo ambos os bens ao mesmo titular e servindo cada um de moradia a uma entidade familiar, as duas residências estão resguardadas pela impenhorabilidade.43 Há mais situações que merecem igual tratamento. Quando os cônjuges ou companheiros residem em imóveis distintos, ambos merecem ser reconhecidos como bem de família. Na hipótese de famílias pluriparentais, há que se reconhecer a existência de três entidades familiares: a nova família constituída pelo casamento ou união estável; as duas entidades formadas por cada um dos pais com sua prole fruto da união pretérita. Ainda que exista a comunicação do patrimônio e os imóveis que servem de residência a cada uma das famílias integrem a comunhão de bens, as duas moradias estão protegidas pela impenhorabilidade legal. Tratando-se de imóvel indivisível, em que parte é residencial e parte é comercial, todo o bem é impenhorável.44 A não ser que haja a possibilidade de desmembramento sem alteração na substância do imóvel.45 Demonstrado que o imóvel em construção tem finalidade residencial e o executado não possui outro, residindo em apartamento alugado, faz jus ao benefício.46 O usufrutuário (CC 1.390 a 1.411) de imóvel residencial está a salvo para fruir e utilizar o bem que seja moradia da família. Igualmente, o direito de uso (CC 1.412 e 1.413) e o direito de habitação (CC 1.414 a 1.416) não se penhoram.47 No entanto, a nua-propriedade pode sofrer a constrição. A vaga de garagem não está compreendida no conceito de bem de família.48 20.7 Rural A Constituição Federal (186), atenta à função social da propriedade, isenta da penhora a pequena propriedade rural, assim definida na lei, com referência aos débitos decorrentes da atividade produtiva desempenhada pela família (CF 5.º XXVI). Trata-se de impenhorabilidade relativa, condicionada a três pressupostos cumulativos: (a) o bem tem de ser identificado como pequena propriedade rural; (b) é indispensável que seja trabalhado pela família; e (c) a dívida deve ter sido contraída em razão da atividade produtiva. Ainda que não se encontre regulamentado tal dispositivo constitucional, não há como lhe negar vigência em face da determinação de eficácia imediata das garantias fundamentais (CF 5.º § 1.º). A L 8.009/90 concedeu uma nova dimensão à impenhorabilidade do imóvel rural. Mesmo que se restrinja à sede da moradia (L 8.009/90 4.º § 2.º), não está condicionada à natureza do débito. O Código de Processo Civil, ao elencar as impenhorabilidades, inclui o imóvel rural (CPC 649 VIII): a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família. Há toda uma discussão que envolve a identificação do que se deve chamar de pequena propriedade rural. Por falta de referência mais precisa cabe invocar, por analogia, o conceito de propriedade familiar do Estatuto da Terra, que identifica o que é chamado de módulo rural (L 4.504/64 4.º II e III): imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico.49 20.8 Dívida alimentar Entre as exceções que afastam a impenhorabilidade do bem de família, a depender da natureza da dívida, encontra-se a obrigação alimentar. Não distingue a lei a natureza dos alimentos.50 As mesmas hipóteses de impenhorabilidades estão previstas no estatuto processual. Como há algumas dívidas frente às quais descabe invocar a condição de bem de família para livrá-lo da execução, é possível afastar a impenhorabilidade dos bens referidos no CPC. A questão ganha relevância quando se trata de dívida alimentar. A obrigação alimentícia é reconhecida constitucionalmente como merecedora de exigibilidade mais efetiva, superior até ao direito de liberdade, pois é autorizada a prisão do devedor (CF 5.º LXVII). Como as impenhorabilidades elencadas no CPC visam a proteger o devedor, não pode prevalecer seu interesse, deixando à míngua o alimentando. Também merece ser invocada a determinação de que a execução seja feita do modo menos gravoso ao devedor (CPC 620). Ora, entre a penhora dos bens tidos como impenhoráveis e a liberdade do alimentante, certamente a forma menos gravosa é fazer com que seu patrimônio garanta o pagamento de dívida alimentar. O crédito de honorários advocatícios não é reconhecido como de natureza alimentar para afastar a impenhorabilidade do bem de família.51 20.9 Aspectos processuais A intangibilidade do bem que serve de residência à entidade familiar do devedor é considerada matéria de ordem pública. Assim, pode ser suscitada a qualquer tempo ou grau de jurisdição, até o momento da alienação judicial do bem.52 A exceção de que o bem algo de constrição trata-se de bem de família pode ser oposta quando do cumprimento da sentença como na execução. Se o beneficiário da impenhorabilidade não integra a ação, pode insurgir-se via embargos de terceiro. Como se trata de exceções à impenhorabilidade, a interpretação há que ser restritiva.53 O ônus da prova de que o bem se destina ao uso familiar é do devedor.54 O mesmo fundamento impede que o devedor renuncie à impenhorabilidade, ao indicar à penhora bens que guarnecem sua residência.55 Como o bem de família não fica sujeito à penhora, também está livre de sofrer medidas acauteladoras, como o sequestro.56 Leitura complementar AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. CREDIE, Ricardo Arcoverde. Bem de família – Teoria e prática. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. 1. Sérgio Iglesias Nunes de Souza, Direito à moradia e de habitação:…, 157. 2. Álvaro Villaça Azevedo, Do bem de família, 242. 3. Idem, 254. 4. César Fiúza, Diretrizes hermenêuticas do direito de família, 233. 5. Ana Marta C. de B. Zilveti, Novas tendências do bem de família, 248. 6. Súmula 364 do STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. 7. STF, ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Brito, j. 05/05/2011. 8. Ana Marta C. de B. Zilveti, Novas tendências do bem de família, 256. 9. Daniel Sarmento, A ponderação de interesses…, 71. 10. Ana Marta C. de B. Zilveti, Novas tendências do bem de família, 260. 11. Luiz Edson Fachin, Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, 301. 12. Ana Marta C. de B. Zilveti, Novas tendências do bem de família, 262. 13. Claudete Carvalho Canezin, Bem de família, 243. 14. Ana Marta C. de B. Zilveti, Novas tendências do bem de família, 164. 15. Bem de família. Impenhorabilidade. Decisão mantida. 1. Considera-se bem de família o imóvel destinado à moradia da família que, por força da Lei 8.009/90, goza de proteção, não podendo ser penhorado por toda e qualquer dívida. 1.1 Salvo as situações que se subsumem aos incisos I a VII do art. 3.º da Lei 8.009/90, descabe a penhora de imóvel considerado bem de família. 2. In casu, o imóvel, utilizado pela agravada e sua família para moradia permanente, é o único bem que possui, razão porque está amparado pela impenhorabilidade da Lei 8.009/90, devendo ser cancelada a penhora sobre tal bem. 2.1 Como salientado pela eminente Magistrada Grace Correa Pereira, “A constrição efetiva fere o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o bem penhorado é o único imóvel de sua propriedade, utilizado para sua residência e de sua família.” (sic), comparecendo impossível, nestes autos, qualquer discussão acerca das circunstâncias e dos motivos que ensejaram a dissolução do casamento entre as partes. 3. Precedente Turmário: “1. Art. 1.º da Lei 8009/90 – O imóvel residencial próprio docasal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.” (20130020169295AGI, Relator: Sebastião Coelho, DJE: 10/12/2013). 4. Agravo de instrumento improvido. (TJDF, AI 20140020036685, 5.ª T. Cív., Rel. Des. João Egmont, j. 09/04/2014). 16. A única hipótese em que dinheiro pode permanecer como bem de família é aquela em que há saldo restante da venda do bem (CC 1.715 parágrafo único). 17. Idem, 105. 18. São chamadas obrigações reais ou propter rem, ou seja, obrigações decorrentes do próprio bem. 19. Álvaro Villaça Azevedo, Do bem de família, 249. 20. Execução. Embargos de terceiro. Lei 8.009/90. Impenhorabilidade. Moradia da família. Irmãos solteiros. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza da proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei 8.009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp 159.851/SP, 4.ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 19/03/1998). 21. Álvaro Villaça Azevedo, Do bem de família, 251. 22. Execução. Cédula de crédito hipotecária. Bem imóvel oferecido em garantia do contrato. Impossibilidade de reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família. Exceção prevista no artigo 3.º da Lei 8009/90. Ausência de boa-fé objetiva. Venire contra factum proprium. Impossibilidade. Decisão mantida. Recurso improvido. A boa-fé do devedor é determinante para que possa se socorrer do favor legal, reprimindo-se quaisquer atos praticados no intuito de fraudar credores ou retardar o trâmite do processo de execução por ele sofrida, em razão de inadimplemento de obrigação positiva e líquida, em seu termo. O fato de o imóvel dado em garantia ser o único bem da família certamente é sopesado quando de seu oferecimento em hipoteca, ciente de que o ato implica renúncia à impenhorabilidade, nos termos do artigo 3.º, V, da Lei 8.009/90. Assim, não se mostra razoável que depois, ante à sua inadimplência, o devedor use esse fato como subterfúgio para livrar o imóvel da penhora. A atitude contraria a boa-fé ínsita às relações negociais, pois equivaleria à entrega de uma garantia que o devedor, desde o início, sabia ser inexequível, esvaziando-a por completo. Falta ao devedor, no caso, com um dos deveres de conduta na execução do contrato, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela, que correspondem à boa-fé objetiva com que deve se portar no cumprimento da obrigação. Quebra essa regra o devedor que obtém o financiamento em razão da garantia hipotecária dada ao credor, e posteriormente opõe exceção de impenhorabilidade do bem, com a pretensão de livrá-lo da constrição judicial, ato que se caracteriza como venire contra factum proprium, repudiado pelo ordenamento jurídico. Recurso conhecido e improvido. (TJMS, AI 14113751820148120000, 4.ª C. Cív., Rel. Des. Dorival Renato Pavan, j. 18/09/2014). 23. Ana Marta C. de B. Zilveti, Novas tendências do bem de família, 256. 24. Álvaro Villaça Azevedo, Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90, 167. 25. Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos, A impenhorabilidade do bem de família, 163. 26. O Judiciário deve buscar um equilíbrio entre o direito ao crédito trabalhista do exequente e o direito à moradia do devedor, o que impõe a flexibilização da norma que fixa a impenhorabilidade do bem de família, quando o valor do imóvel penhorado for suficiente para o pagamento do crédito e a aquisição de nova moradia digna e confortável para o executado. Conclusão: Pelo exposto, conheço e nego provimento ao agravo de petição. Acordam os desembargadores da 4.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região, por maioria, conhecer e negar provimento ao agravo de petição, nos termos da fundamentação do voto da Excelentíssima Juíza Relatora. (TRT 1.ª Região, AP 0143100-13.1995.5.01.0203-RJ, 4.ª T., Rel. Juíza Convocada Mônica Batista Vieira Puglia, j. 21/05/2013). 27. Impenhorabilidade do bem de família. Imóvel desocupado. […] 3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o fato de a entidade familiar não utilizar o único imóvel como residência não o descaracteriza automaticamente, sendo suficiente à proteção legal que seja utilizado em proveito da família, como a locação para garantir a subsistência da entidade familiar. 4. Neste processo, todavia, o único imóvel do devedor encontra-se desocupado e, portanto, não há como conceder a esse a proteção legal da impenhorabilidade do bem de família, nos termos do art. 1.º da Lei 8.009/90, pois não se destina a garantir a moradia familiar ou a subsistência da família. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (STJ, REsp 100.546/SP, 3.ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, p. 03/02/2011). 28. Bem de família. Impenhorabilidade. Lei 8.009/90. Prova da inexistência de outros bens. 1. Para efeitos de impenhorabilidade, a parte executada deve comprovar que o imóvel penhorado é o único bem utilizado pela entidade familiar para moradia, inexistindo outros que possam servir para a mesma finalidade. 2. Possuindo a executada dois imóveis quando do início da fase de cumprimento de sentença e sendo um deles penhorado para garantir o cumprimento do débito exequendo, a venda, durante a fase executiva, do bem não penhorado não poderá justificar a desconstituição da penhora sobre o outro imóvel penhorado, sob a alegação de que este se tornou o único bem de família. 3. Agravo provido para determinar a manutenção da penhora sobre o imóvel da parte executada. (TJDF, Ac. 561850, AI 20110020239607, 1.ª T. Cív., Rel. Flávio Rostirola, j. 25/01/2012). 29. Bem de família. Comprovação de que o bem penhorado é o utilizado como residência familiar. Desnecessidade de provar ser o imóvel o único de propriedade da família. Impenhorabilidade prevista nos artigos 1.º e 3.º da Lei 8.009/90. Necessária desconstituição da penhora. Precedentes do STJ. Conhecimento e provimento do recurso – modificação do julgamento hostilizado. (TJMS, AI 2012.015298-0, 3.ª C. Cív., Rel. Des. Amaury Moura Sobrinho, j. 15/08/2013). 30. Súmula 486 do STJ: É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família. 31. Andréia Andrade da Nóbrega, Proteção à dignidade do fiador:…, 74. 32. STF, Repercussão Geral em RE 612.360/SP, Rel. Min. Ellen Grace, j. 13/08/2010. 33. Penhorabilidade do bem de família. Fiador em contrato locatício. Impossibilidade. 1. Existe forte corrente jurisprudencial que defende a penhorabilidade do bem de família, quando decorrente de fiança prestada em contrato locatício, em razão da exceção prevista no art. 3.º, VII, da Lei 8.009/90, notadamente o julgamento realizado pelo plenário do C. STF, no RE 407.688-8 SP, em 08/02/2006, que, por maioria, entendeu pela constitucionalidade do dispositivo legal acima citado e pela inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6.º da CF. 2. Por se tratar de decisão proferida em recurso extraordinário, não provida de força vinculante, e levando-se em consideração que a decisão foi tomada por maioria, cabe aos operadores do Direito lutar para afastar do sistema jurídico pátrio essa exceção odiosa que ofende o direito básico à moradia e o princípio constitucional da isonomia. 3. A EC 26/2000, que incluiu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6.º da CF, e, portanto, dentre os direitos fundamentais do homem, revogou aexceção à impenhorabilidade decorrente de fiança prestada em contrato locatício, prevista na Lei 8.009/90, pois tal dispositivo legal é incompatível com essa norma constitucional. 4. A penhorabilidade do bem de família daquele que figura como fiador de obrigação locatícia fere os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como da isonomia. 5. Deu-se provimento ao agravo dos executados para reconhecer a impenhorabilidade do bem de família de fiador em contrato de locação e desconstituir a penhora realizada. (TJDF, Ag. Reg. no AI 2013.00.2.018768-5, 2.ª T. Cív., Rel. Des. J. Costa Carvalho, j. 25/09/2013). 34. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CP. Execução. Lei 8.009/1990. Alegação de bem de família. Fiador em contrato de locação. Penhorabilidade do imóvel. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: “É legítima penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3.º, VI, da Lei 8.009/1990”. 2. No caso concreto, recurso especial provido. (STJ, REsp 1.363.368/MS (2013/0011463-3), Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 12/11/2014). 35. Paulo Lôbo, Relações de família e direitos fundamentais, 20. 36. Recurso especial. Fraude à execução. Impenhorabilidade de bem de família. Proteção à integralidade do bem. 1. Em se constatando que o imóvel no qual reside a recorrente é um bem de família, ainda que parte dele tenha sido adquirida em suposta fraude à execução, a impenhorabilidade da parte não eivada de vício (os 50% da recorrente) se estenderia à totalidade do bem, salvo se se tratar de imóvel suscetível de divisão. 2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se dá parcial provimento. (STJ, ED no REsp 1.084.059/SP (2008/0173574-8), 4.ª T., Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 11/04/2013). 37. A EC 26/00 alterou o art. 6.º da CF, incluindo o direito à moradia entre os direitos sociais. 38. Súmula 364 do STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. 39. Bem de família. Separação do casal posterior. Penhora incidente sobre imóvel em que o cônjuge veio a residir. Exclusão. Má-fé não demonstrada. Recurso improvido. 1. A impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 1.º da Lei 8.009/90, visa resguardar não somente o casal, mas a própria entidade familiar. 2. A entidade familiar, deduzida dos arts. 1.º da Lei 8.009/90 e 226, § 4.º, da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. Precedente (REsp 205.170-SP, DJ 07.02.2000). 3. Com efeito, no caso de separação dos cônjuges, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue; ao revés, surge uma duplicidade da entidade, composta pelos ex-cônjuges: varão e virago. 4. Deveras, ainda que já tenha sido beneficiado o devedor, com a exclusão da penhora sobre bem que acabou por incorporar ao patrimônio do ex-cônjuge, isso não lhe retira o direito de invocar a proteção legal quando um novo lar é constituído. (STJ, REsp 963.370/SC, 1.ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 15/04/2008). 40. Embargos de terceiro. Impenhorabilidade de bem de família. Alegação de que o imóvel constitui bem de família. Imóvel em nome da pessoa jurídica. Admissibilidade: Os documentos dos autos mostram que a constrição judicial recaiu sobre imóvel onde reside sócio da pessoa jurídica executada. Caracterização do bem de família, nos termos da Lei 8.009/90. É entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça a possibilidade da proteção do bem de família, no caso de sócio que reside em imóvel registrado em nome da pessoa jurídica. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP, AC 1007380-59.2014.8.26.0554, 37.ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Israel Góes dos Anjos, j. 11/11/2014). 41. Recurso especial. Direito civil. Bem de família oferecido em garantia real hipotecária. Pessoa jurídica, devedora principal, cujos únicos sócios são marido e mulher. Empresa familiar. Disposição do bem de família que se reverteu em benefício de toda unidade familiar. Hipótese de exceção à regra da impenhorabilidade prevista em lei. Artigo analisado: 3.º, inc. V, Lei 8.009/1990. […] 2. Discute-se a penhorabilidade de bem de família quando oferecido em garantia real hipotecária de dívida de pessoa jurídica da qual são únicos sócios marido e mulher. 3. O STJ há muito reconhece tratar-se a Lei 8.009/1990 de norma cogente e de ordem pública, enaltecendo seu caráter protecionista e publicista, assegurando-se especial proteção ao bem de família à luz do direito fundamental à moradia, amplamente prestigiado e consagrado pelo texto constitucional (art. 6.º, art. 7.º, IV, 23, IX, CF/88). 4. Calcada nessas premissas, a jurisprudência está consolidada no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família, na hipótese em que este é oferecido em garantia real hipotecária, somente não será oponível quando tal ato de disponibilidade reverte-se em proveito da entidade familiar. Precedentes. 5. Vale dizer, o vetor principal a nortear em especial a interpretação do inc. V do art. 3.º da Lei 8.009/1990 vincula-se à aferição acerca da existência (ou não) de benefício à entidade familiar em razão da oneração do bem, de tal modo que se a hipoteca não reverte em vantagem à toda família, favorecendo, v.g., apenas um de seus integrantes, em garantia de dívida de terceiro (a exemplo de uma pessoa jurídica da qual aquele é sócio), prevalece a regra da impenhorabilidade como forma de proteção à família – que conta com especial proteção do Estado; art. 226, CF/88 – e de efetividade ao direito fundamental à moradia (art. 6.º, CF/88). 6. É indiscutível a possibilidade de se onerar o bem de família, oferecendo-o em garantia real hipotecária. A par da especial proteção conferida por lei ao instituto, a opção de fazê-lo está inserida no âmbito de liberdade e disponibilidade que detém o proprietário. Como tal, é baliza a ser considerada na interpretação da hipótese de exceção. 7. Em se tratando de exceção à regra da impenhorabilidade – a qual, segundo o contorno conferido pela construção pretoriana, se submete à necessidade de haver benefício à entidade familiar –, e tendo em conta que o natural é a reversão da renda da empresa familiar em favor da família, a presunção deve militar exatamente nesse sentido e não o contrário. A exceção à impenhorabilidade e que favorece o credor está amparada por norma expressa, de tal modo que impor a este o ônus de provar a ausência de benefício à família contraria a própria organicidade hermenêutica, inferindo-se flagrante também a excessiva dificuldade de produção probatória. 8. Sendo razoável presumir que a oneração do bem em favor de empresa familiar beneficiou diretamente a entidade familiar, impõe-se reconhecer, em prestígio e atenção à boa-fé (vedação de venire contra factum proprium), a autonomia privada e ao regramento legal positivado no tocante à proteção ao bem de família, que eventual prova da inocorrência do benefício direto é ônus de quem prestou a garantia real hipotecária. 9. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. (STJ, AREsp 1.413.717/PR, 3.ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21/11/2013). 42. Embargos infringentes. Embargos de terceiro. Compromisso de venda e compra de imóvel residencial. Abandono de lar pelo varão. Esposa lá residente, em companhia dos filhos. Negócio realizado na constância do casamento. Esposa que não foi citada para a ação possessória. Necessidade. Irrelevância da circunstância de não ter firmado o compromisso de venda e compra. Litisconsórcio passivo necessário, em especial por ser o regime de bens do casamento o da comunhão universal. Doutrina de Rolf Madaleno. Precedente do Desembargador Ênio Santarelli Zuliani. Embargosinfringentes acolhidos, para que prevaleça o voto vencido, que mantinha a sentença de primeira instância. (TJSP, EI 0000569-04.2008.8.26.0266/50000, 10.ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Cesar Ciampolini, j. 29/01/2013). 43. Carlos Eduardo P. Ruzyk, União estável:…, 219. 44. Penhora. Bem de família. Havendo comprovação de que o imóvel serve de moradia para o requerente e sua família e não demonstrada a possibilidade de seu desmembramento, é de ser afastada a constrição judicial. Recurso não provido. (TJSP, AI 20104914720148260000, 21.ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Itamar Gaino, j. 09/06/2014). 45. STJ, REsp 968.907/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01/04/2009. 46. STJ, REsp 698.750/SP, 1.ª T., Rel. Min. Denise Arruda, j. 10/04/2007. 47. Ricardo Arcoverde Credie, Bem de família, 53. 48. Súmula 449 do STJ: A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora. 49. Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos, A impenhorabilidade do bem de família, 78. 50. Bem de família. Obrigação alimentícia decorrente de ato ilícito. Exceção à impenhorabilidade. 1. A impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3.º, III, da Lei 8.009/90 não pode ser oposta ao credor de pensão alimentícia decorrente de indenização por ato ilícito. Precedentes. 2. Embargos de divergência rejeitados. (STJ, EDiv em REsp 679.456/SP, 2.ª S., Rel. Min. Sidnei Beneti, p. 16/06/2011). 51. Bem de família. Impenhorabilidade. Crédito. Honorários advocatícios. A Turma entendeu que não se pode penhorar bem de família para satisfazer crédito exequendo resultante de contrato de honorários advocatícios. O art. 3.º da Lei 8.009/90 não dispõe sobre os referidos créditos, não se podendo equipará-los aos de pensão alimentícia. Assim, a Turma deu parcial provimento ao recurso e afastou a constrição sobre o bem de família. (STJ, REsp 1.182.108/MS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 12/04/2011). 52. Embargos infringentes. Alcance. Origem da dívida. Incidência das Súmulas 5 e 7. Alegação de impenhorabilidade de bem de família. Possibilidade de dedução a qualquer tempo. Diferença em relação às hipóteses em que a questão foi decidida e opera-se a preclusão. Enquadramento do imóvel penhorado na proteção conferida pela Lei 8.009/90. Ônus da prova. Irrelevância da discussão no caso concreto. […] É possível a arguição de impenhorabilidade do bem de família em sede de apelação contra sentença proferida em embargos à execução. Cumpre fazer uma distinção: entre as hipóteses em que a questão já foi alegada e decidida no processo daquelas em que a alegação advém tardiamente, depois de apresentada a defesa de mérito do devedor. Quando não há alegação, tampouco decisão anterior, a impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, dela podendo conhecer o juízo a qualquer momento, antes da arrematação do imóvel. […] 6. Recurso parcialmente conhecido e não provido. (STJ, REsp 981.532/RJ (2007/0198107-0), Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 07/08/2012). 53. Impenhorabilidade de bem de família. Interpretação restritiva de suas exceções. […] A Lei 8.009/90 institui a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna. Por ostentar esta legislação natureza excepcional, é insuscetível de interpretação extensiva, não se podendo presumir as exceções previstas em seu art. 3.º. Precedentes citados: REsp 988.915-SP, DJe 08/06/2012, e REsp 711.889-PR, DJe 1.º/07/2010. (STJ, REsp 1.074.838/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 23/10/2012). 54. Impenhorabilidade. Único imóvel próprio alugado. Súmula 486/STJ. Prova da impenhorabilidade do bem pelos devedores. Excesso de execução. Ausência. “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”. Cabe ao devedor o ônus da prova do preenchimento dos requisitos necessários, para enquadramento do imóvel penhorado na proteção concedida pela Lei 8.009/90 ao bem de família. Os devedores comprovaram a necessidade de utilizar a renda oriunda do aluguel do imóvel para o provimento do sustento próprio e de sua família, tendo em vista os parcos rendimentos constantes da declaração de imposto de renda acostada aos autos. Caberia ao credor, assim, apresentar a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos devedores (art. 333, II, CPC), ou seja, que teriam renda capaz de prover a sua subsistência que dispensasse aqueles rendimentos advindos do aluguel do imóvel penhorado. (TJMG, AI 1.0686.05.169225-5/001, 10.ª C. Cív., Rel. Des. Álvares Cabral da Silva, p. 23/08/2013). 55. Recurso especial. Ação anulatória. Acordo homologado judicialmente. Oferecimento de bem em garantia. Pequena propriedade rural. Impenhorabilidade. Equiparação à garantia real hipotecária. Descabimento. 1. A proteção legal assegurada ao bem de família pela Lei 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia, por tratar-se de princípio de ordem pública, que visa a garantia da entidade familiar. 2. A ressalva prevista no art. 3.º, inciso V, da Lei 8.009/90 não alcança a hipótese dos autos, limitando-se, unicamente, à execução hipotecária, não podendo benefício da impenhorabilidade ser afastado para a execução de outras dívidas. Por tratar-se de norma de ordem pública, que visa a proteção da entidade familiar, e não do devedor, a sua interpretação há de ser restritiva à hipótese contida na norma. 3. Recurso Especial improvido. (STJ, REsp, 1.115.265/RS, 3.ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 24/04/2012). 56. Bem de família. Impenhorabilidade. Sequestro. Impossibilidade adjetiva. […] 3. Embora sejam institutos distintos, sequestro e penhora, a verdade é que, tendo a Lei 8.009/90 protegido o bem de família da impenhorabilidade, também o protegeu, por via indireta, das medidas acauteladoras que se destinam a resguardar, no patrimônio do devedor, a solvência da dívida. 4. Em resumo: o sequestro tem como fim último resguardar o credor pela antecipação de bens aptos a resguardar a solvência final do devedor. E a satisfação do credor se dá pela arrematação ou pela penhora, de modo que, vedada a penhora por se tratar de bem de família, está vedado também o sequestro. 5. A teor dos princípios da executividade de forma menos gravosa ao devedor (art. 620 do CPC) e da estrita necessidade das medidas constritivas, não é possível permitir sequestro de bens que, ao fim e ao cabo, não poderão ser expropriados. 6. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1.245.466/RJ, 2.ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, p. 05/05/2011).