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Isadora Dutra de Freitas | 67 figura de ordem, equilíbrio e cuja posição deve ser mantida para que a ordem não fosse rompida, bem como o cidadão na pólis e este ideal de homem passou a ser aquele influenciado pelos valores hoplíticos e as no- vas formas de pensamento e política incorporados pela pólis, a partir da democracia. Para José Melo e Renan Gomes: Anteriormente, o espelho para se explicar a sociedade, justificar e formar o homem era o perfil heroico, consagrado pelas obras de Homero e fundado nas virtudes modelares que davam sequência aos feitos heroicos dos antepassados e garantiam exercício de liderança e poder. [...] o novo homem que se erigia reivindicava seu lugar e, por conseguinte, escrevia sua história distanciada dos deuses. [...] A sociedade em que estava inserido exigia outra forma de atuação, dinâmica e participativa: a cidade requisitava um novo ideal de homem (MELO, 2011. p. 524) Posteriormente, Aristóteles cunhou o termo zoon politikon (animal político) para se referir ao homem como um ser racional, político e que seria o arquétipo do cidadão na pólis grega. Conforme Almeida cita, este homem viveria sob a iluminação de leis e princípios éticos que guiariam a vida entre os iguais, pois sendo um ser racional, é esperado que tenha ca- pacidade de distinguir o que é bom e mal, certo e errado, visando o bem de sua comunidade. A partir deste tipo de relação e da visão dos gregos como homens políticos, podemos melhor compreender a ânsia pelo debate e convivência entre iguais: A cidade é uma comunidade diferente das demais porque é a única capaz de estruturar as relações humanas pautando os valores morais, inerentes aos ho- mens, pela virtude da justiça, que permite aos iguais viverem em igualdade, numa relação horizontal, garantida pelas leis (ALMEIDA, 2012, p.22). Da mesma forma que Aristóteles se referia ao homem, a tragédia se baseia nesses princípios a fim de refletir sobre situações desmedidas. O 68 | Histórias Antigas: entre práticas de ensino e pesquisa destino do herói - uma das pedras fundamentais do teatro grego - era como uma encruzilhada. A ambiguidade das suas decisões está intrínseca na tomada racional do protagonista em uma situação que já era premeditada. A título de exemplo o mais indicado para esta questão é a tragédia sofocliana de Édipo Rei: ao tentar livrar Coríntio da maldição que caia sobre si, Édipo retorna à sua cidade natal, sem saber de sua verdadeira origem. Mesmo que tenha optado pelo caminho que, segundo o seu pensamento, contrariaria a profecia, foi levado diretamente ao seu destino. O que busco aqui contestar na tragédia é que, por mais que o personagem ali representado esteja agindo conforme a razão e a busca pelo bem de seus iguais, há momentos em que ele não pode escapar daquilo que seria uma vontade divina. Em contrapartida, ainda inserido no conceito do zoon politikon, como nos fala Almeida (2012), Aristóteles valorizava a convivência entre iguais, de modo que estes formariam a cidade estado grega. Deste modo, já pode- mos perceber na nossa fonte de análise a ironia de Sófocles perante esta situação: aquele o qual estava sob posse as armas de Heracles, que dariam a vitória da Guerra de Troia para os aqueus, estava só. Filoctetes foi aban- donado por seus companheiros em vista da chaga que lhe atingiu. A mão estendida de Neoptólemo, contrariando as ordens de Odisseu, fez com que fosse possível, na peça, a aparição do deus, instruindo que os heróis fossem juntos a Troia, confirmando a vitória na guerra. Logo, retomando os ideias de isonomia, coletividade e racionalidade, já é possível enxergar como a tragédia - especialmente a de Sófocles - tratava estes marcantes aspectos da política ateniense. Ao passo que o teatro não é um reflexo da realidade, e sim uma reflexão, o herói tinha como função resolver os temas postos em questão. Ele retratava os modelos de cidadão ou de seu oposto, de forma que os espectadores reflitam sob tais assuntos a partir dos valores da pólis. Eram cultivadas atitudes que remetessem à racionalidade, ao equilíbrio e à