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tamanhos populacionais. Porém, drosófilas e humanos (cujos tamanhos populacionais
diferem dramaticamente, com as primeiras possuindo populações muito maiores) não
apresentavam diferenças nos níveis de polimorfismos que se mostrassem proporcionais
a essa diferença de tamanho populacional.
Essa dificuldade foi acomodada com o desenvolvimento de uma variante da teoria
neutra, a teoria “quase neutra”, formulada em um trabalho de uma aluna de Kimura,
Tomoko Ohta (OHTA, 1973). A diferença fundamental era que, enquanto a teoria neutra
implica que a maior parte das mudanças evolutivas resultaria dos efeitos da deriva sobre
mutações neutras, para a versão “quase neutra” da teoria, haveria uma grande classe de
mutações com coeficientes de seleção muito baixos.
Essa distinção, apesar de sutil, possui grande importância. Para entender por que
esse novo modelo de evolução se mostrou tão influente, vamos considerar as consequên-
cias das diferenças entre os modelos de evolução neutra e quase neutra. Kimura havia
mostrado que, para mutações neutras, o acúmulo de diferenças ocorria sob taxas cons-
tantes, que não são influenciadas pelo tamanho das populações. Já a variação dentro
de uma espécie, argumentava ele, dependia do seu tamanho populacional. Para dar
um exemplo: a taxa de acúmulo de diferenças entre humanos e chimpanzés deveria ser
igual à taxa de acúmulo de diferenças entre humanos e camundongos, por mais que os
tamanhos populacionais das espécies envolvidas fossem diferentes. Já a diversidade
encontrada dentro de cada uma dessas espécies deveria ser diferente, com maior varia-
bilidade nos camundongos, que possuem tamanhos populacionais maiores. Estas eram
as previsões do modelo neutro.
As previsões do modelo quase neutro são diferentes. Para entender isso, temos
que nos lembrar que a evolução resulta da interação de vários processos evolutivos,
entre eles, a deriva genética e a seleção natural. Qual é o saldo final de mudança
quando esses dois fatores atuam ao mesmo tempo? Geneticistas de populações já
haviam mostrado que, em populações pequenas, a taxa de deriva genética é maior (ou
seja, há maior mudança entre gerações, mesmo sem a ação de seleção). Portanto, uma
mutação que possui um pequeno efeito (isto é, que altera apenas sutilmente a chance de
sobrevivência e reprodução de seu portador) terá destinos diferentes em populações
pequenas ou grandes. Numa população pequena, há muita deriva, implicando que a
chance de esta mutação ser ou não passada para a geração seguinte dependerá mais
do “sorteio” na formação da nova geração, do que dos efeitos seletivos que ela acarreta.
Já a mesma mutação, numa população grande, se tornará mais ou menos comum em
função de seu efeito seletivo. Isso ocorre porque, na população grande, há menos deriva,
e o principal fator evolutivo que muda a composição da população entre gerações
passa a ser a seleção, e não a deriva genética. Temos, portanto, uma teoria que faz
predições diferentes sobre como a evolução se processa em populações grandes ou
pequenas: nas primeiras, a seleção molda a variação; nas últimas, predomina a deriva.
Essa distinção explica importantes aspectos da variação no mundo natural e — assim
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como nas discussões sobre o papel da adaptação no mundo vivo, das quais tratamos
na primeira parte deste capítulo —, coloca de modo plausível limites para o poder
explicativo da seleção natural. Vários resultados empíricos se encaixam melhor no
modelo quase neutro do que no neutro. Por exemplo, o fato de drosófilas possuírem
níveis de polimorfismos semelhantes aos de humanos faz sentido: se muitas mutações
são fracamente deletérias, nas populações de moscas elas serão removidas pela seleção
(porque o efeito da deriva é menor), enquanto em humanos elas poderão persistir ou
não, a depender do resultado do “sorteio” que caracteriza o processo de deriva. Essa
maior eficácia da seleção contra mutações deletérias em populações grandes faz com
que a remoção de variação ocorra nelas de modo proporcionalmente mais intenso,
aproximando assim os níveis de variabilidade das duas espécies.
8 Uma teoria pluralista da evolução molecular
Seja no modelo neutro ou no quase neutro, há grande ênfase em como a seleção
remove mutações deletérias. As mutações vantajosas, que são favorecidas pela seleção
natural (neste caso, chamada de “seleção positiva”), são geralmente tratadas como sendo
relativamente raras. Mas sem a seleção positiva favorecendo mutações que aumentem a
aptidão darwiniana, não há processo de adaptação, que, no nível molecular, pode ser
definido como o aumento de frequência de mutações que aumentam a aptidão de seu
portador. Será mesmo correto dizer que a seleção positiva é tão rara?
Para os neutralistas, a seleção positiva existe e ela, de fato, explica adaptações, mas
seria rara. Kimura não pretendia negar que características adaptativas poderiam ser
produto da seleção natural; porém, para ele, tais mudanças eram a “ponta do iceberg”.
Mais abundantes eram as muitas mudanças evolutivas neutras, resultantes da fixação
por deriva genética. Essa forma de apresentar o raciocínio de Kimura mostra que o
debate sobre como se dá a evolução molecular pode ser resolvido quantificando-se a
fração das diferenças entre espécies:
(1) que são neutras (resultado de deriva);
(2) que são fracamente selecionadas (diferenças sujeitas à seleção, porém dependentes
do tamanho populacional);
(3) que são adaptativas (diferenças fixadas numa espécie graças às vantagens que
trazem).
Um neutralista argumentaria que todos os tipos de mudança evolutiva ocorrem; porém,
as diferenças neutras são muito mais comuns. Um selecionista argumentaria que as
diferenças que resultam de seleção positiva são mais comuns do que previsto por um
neutralista.
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	Capítulos
	Adaptacionismo 
	Uma teoria pluralista da evolução molecular

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