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126 • ©RAE • VOL. 47 • Nº 1
O economista Jeffrey Sachs tem em 
seu currículo o plano econômico que 
pôs fi m à hiperinfl ação na Bolívia de 
Paz Estensoro, a participação no pro-
cesso que abriu a Polônia e a União 
Soviética à economia de mercado, a 
direção do Instituto Terra na Univer-
sidade Columbia e, nos últimos anos, 
a assessoria especial a Kofi Annan na 
ONU. E como é de se esperar de um 
“homem de ação”, ligado a organis-
mos internacionais, realizou visitas 
a mais de uma centena de países nas 
duas últimas décadas na condição de 
problem-solver.
Seu livro traz o relato dessas expe-
riências e, sobretudo, da infl exão em 
sua trajetória como economista liberal 
que acabou se tornando um crítico das 
regras da Organização Mundial do Co-
mércio e da política do Fundo Monetá-
rio Internacional e do Banco Mundial 
para com os países pobres da periferia 
do capitalismo. O foco central, porém, 
é seu projeto para acabar com a pobre-
za extrema no mundo até 2025.
O FIM DA POBREZA EXTREMA
Por Rosa Maria Vieira
Professora da FGV-EAESP e do departamento de Economia da FEA-PUC-SP
E-mail: rvieira@fgvsp.br
RESENHA • O FIM DA POBREZA EXTREMA
Recheada de gráficos, dados es-
tatísticos e mapas, a publicação não 
oferece difi culdades para o leitor não 
especializado em economia. Sua lin-
guagem é simples e direta, em estilo 
jornalístico, o que permite que se 
avance na leitura sem dificuldade. 
Discussão conceitual, somente a indis-
pensável para expor seus diagnósticos 
e divulgar seu projeto. Acompanhado 
de um índice remissivo, que facilita a 
consulta localizada de dados e infor-
mações, o livro traz também prefácios 
de Bono, vocalista da banda de rock 
U2, e para a edição brasileira, do em-
baixador Rubens Ricúpero.
Cinco dos 18 capítulos do livro são 
dedicados ao relato de sua participa-
ção no plano de combate à hiperinfl a-
ção boliviana, de suas experiências no 
processo de estabelecimento da eco-
nomia de mercado na Polônia (1989-
90). Segue-se seu envolvimento com a 
transição capitalista na Rússia ao fi nal 
da era Gorbatchov, e sua atuação como 
consultor das autoridades chinesas 
para problemas de desenvolvimento. 
Relata ainda suas análises sobre as re-
formas de mercado na Índia. Mas seu 
pragmatismo militante (ou “voluntaris-
mo”, como quer Ricúpero) de alto fun-
cionário das Nações Unidas, imbuído 
de obstinada crença no poder da razão 
e da vontade reformadora, só afl ora 
plenamente quando se volta para o re-
lato das experiências e da proposição 
de políticas para a redução da pobreza 
dos países que a ONU classifi ca como 
least developed countries (LDCs).
Sachs, que distingue três graus de 
pobreza – a relativa, a moderada e a 
extrema –, está preocupado com a po-
breza extrema que atinge um sexto da 
humanidade, localizada na periferia 
subdesenvolvida, que não pode satis-
fazer as mínimas necessidades de so-
brevivência, sofrendo de fome crôni-
ca e sem acesso a saneamento básico, 
educação e saúde. Valendo-se de dados 
fornecidos pelo Banco Mundial, Sachs 
localiza na África subsaariana a extre-
ma pobreza que, nas últimas décadas, 
O FIM DA POBREZA: COMO ACABAR COM A MISÉRIA 
MUNDIAL NOS PRÓXIMOS VINTE ANOS 
De Jeffrey Sachs
São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 449 p.
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ROSA MARIA VIEIRA
cresceu em números absolutos, asso-
ciada ao pesadelo da aids e ao genocí-
dio sistemático praticado por corruptos 
Estados ditatoriais. 
Os projetos idealizados por Sachs 
se destinam às nações vítimas do que 
denomina “armadilha da pobreza”: si-
tuação em que os países de baixíssima 
renda per capita (US$ 1 ou US$ 2 ao 
dia), sem acesso ao comércio interna-
cional e aos mercados de fi nanciamen-
to, consomem praticamente tudo o que 
produzem, pouco sobrando para o Es-
tado investir em serviços básicos e con-
tribuir para a geração de investimentos 
produtivos e capital fi xo. Numa formu-
lação que lembra o “círculo vicioso da 
pobreza” de Gunnar Myrdal, a idéia é 
a de que nessas regiões a capacidade 
produtiva está longe de acompanhar 
o crescimento da população, fazendo 
com que a poupança e o investimento 
se atrofi em continuamente, numa cau-
sação circular imobilizadora.
Partindo do pressuposto de que 
a ciência econômica aprendida nos 
centros universitários dos países ricos 
está longe de permitir a compreensão 
da dinâmica perversa da pobreza ex-
trema, Sachs faz um mea-culpa teóri-
co e propõe a retifi cação da economia 
do desenvolvimento de modo que se 
assemelhe à medicina moderna. Isso 
implica que as intervenções do Banco 
Mundial e do FMI na periferia miserá-
vel deixem de ser desastrosas. Em lugar 
do conhecido receituário de austerida-
de e ajustes fi scais e orçamentários, são 
recomendados outros procedimentos 
para os países miseráveis em crise: os 
da “economia clínica”.
Quando se refere à adoção da eco-
nomia clínica, Sachs tem em mente a 
substituição das políticas neoliberais 
postas em prática pelos organismos 
internacionais na “Era do Ajuste Es-
trutural”, nome pelo qual se refere ao 
período da virada conservadora de Ro-
nald Reagan, nos Estados Unidos, e de 
Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha. 
No lugar das avaliações generalizan-
tes, que vêem sempre má governança, 
gastos públicos em demasia e exces-
so de propriedade estatal por trás de 
todas as crises econômicas, propõe o 
“diagnóstico diferencial seguido de 
um tratamento apropriado”. Mas, o 
que Sachs entende por “diagnóstico 
diferencial”? 
Entre as categorias essenciais do 
diagnóstico diferencial está a deter-
minação das dimensões reais da mi-
séria, o mapeamento dos principais 
fatores de risco que podem exacerbar 
a pobreza, o levantamento dos cus-
tos dos negócios em regiões afetadas 
pela falta de infra-estrutura, por bar-
reiras comerciais e pela carência de 
investimentos em capital humano, os 
estudos sobre a estrutura fi scal e orça-
mentária, a investigação da interface 
da sociedade com o ambiente físico, 
a avaliação dos padrões de governan-
ça e das possíveis barreiras culturais 
ao desenvolvimento econômico e, 
também, a análise da geopolítica das 
relações econômicas e de segurança 
com o resto do mundo. 
Para romper o círculo vicioso da po-
breza extrema, o diagnóstico diferen-
cial é apenas o ponto de partida, pois o 
aspecto central é a ajuda externa, uma 
rede global de cooperação coordenada 
pelos países ricos que possibilite aos 
miseráveis colocar “um pé na escada 
do desenvolvimento”. Sem essa ajuda, 
a armadilha da pobreza nunca poderá 
ser desarmada, pois o baixo nível de 
capital por pessoa, nesses países, ten-
de a cair de geração a geração, numa 
escalada perversa e inexorável.
Para Sachs, as nações mais pobres 
precisam, basicamente, de cinco mo-
dalidades de capital: capital humano 
(saúde, nutrição e treinamento), ca-
pital empresarial (máquinas, insta-
lações, transporte), infra-estrutura 
(estradas, energia, água, saneamen-
to), capital natural (terras cultiváveis, 
solos saudáveis), capital público insti-
tucional (leis comerciais, sistemas ju-
diciais, serviços públicos) e capital de 
conhecimento (know-how científi co e 
tecnológico). Para que isso se viabili-
ze, o diagnóstico diferencial precisa, 
necessariamente, estar acompanhado 
por planos de investimento fi nanceiro, 
de doadores e de gestão pública, do 
cancelamento das dívidas externas dos 
miseráveis e do indispensável esforço 
interno de combate à corrupção e me-
lhoria da governança nacional.
Quanto custaria aos países ricos aju-
dar a periferia a romper o círculo vicio-
so da pobreza? Segundo os cálculos de 
Jeffrey Sachs, nada além dos limites já 
empenhados pelo centro desenvolvi-
do: 0,7% do produto nacional bruto do 
mundo de alta renda, meros US$ 0,07 de 
cada US$ 10 de renda, ou seja, menos de 
1% da renda dos muito ricos. Sem dúvi-
da é muito pouco frente à extraordinária 
tragédia humana da África contemporâ-
nea, um dos legados do neocolonialismoeuropeu do século XIX. 
Para os que possam vê-lo como 
pouco mais que um otimista bem in-
tencionado, Jeffrey Sachs tem uma 
resposta:
Embora os manuais de introdução 
à economia preguem o individualis-
mo e os mercados descentralizados, 
nossa segurança e prosperidade de-
pendem pelo menos igualmente das 
decisões coletivas de lutar contra a 
doença, promover a boa ciência e 
a difusão da educação, proporcio-
nar infra-estrutura crítica e agir em 
uníssono para ajudar os mais mise-
ráveis. (p. 29).
Ficam alertados os desavisados de-
fensores da exclusividade do mercado 
como fautor de sociabilidade humana 
de que há riscos pelo abandono dos 
que perderam a corrida pela cumula-
ção para aqueles que na repartição da 
riqueza fi caram com a abundância e 
com o desperdício. 
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