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Dedico esta obra ao meu querido pai, Salvador dos Santos Oliveira, que mal sabia que ao me levar ainda garoto para acompanhá-lo nos trabalhos de topografia no início da década de 90, despertaria tamanha trajetória e amor pelo Direito Imobiliário. Agradecimentos aos mentores e parceiros, Prof. Dr. Jeferson Dytz Marin (in memoriam) e Prof. Dr. Airton Guilherme Berger Filho pelas orientações e direcionamentos. Agradeço ao querido Prof. Dr. Adir Ubaldo Rech, exemplo de pesquisador e responsável pelas melhores conversas de final de tarde sobre o tema. Aos amigos dos cartórios de Camanducaia e Nova Bassano, gratidão pelo convívio nessa bela jornada. E, em especial, minha gratidão à doce Gerusa Kasmiriski, por seu atento incentivo, amor e aconchego diários. PREFÁCIO O presente trabalho é resultado de pesquisa de Samuel Menezes Oliveira, e se constitui numa excelente contribuição científica que vem fundamentar o problema das ocupações informais e a sua regularização. A obra faz uma abordagem rica, atual e oportuna sobre o tema, que não pode deixar de ser lida pelas suas fundamentações juridicamente corretas, sua preocupação socioambiental, mas também pela sua praticidade. Um futuro socioambientalmente sustentável, implica definir procedimentos de planejamento e correções dos equívocos ou de omissão do Poder Público, que ignora o direito fundamental de moradia e estabelece normas urbanísticas, de desenvolvimento das cidades, sem a preocupação com espaços para todos e permite a ocupação de outros espaços, sem garantia de sustentabilidade ambiental. As periferias das cidades e as áreas ambientais de riscos de desastres continuam crescendo de forma informal, estando o processo de urbanização no Brasil fora de controle das autoridades. Os desmoronamentos, como exemplo de Petrópolis, demonstram os cuidados que devemos ter na regularização fundiária e a necessidade de adequarmos o parcelamento do solo com a vocação natural dos espaços, bem como a destinação de espaços adequados para todas as classes sociais. Certamente a densificação demográfica, especialmente no que se refere a falta de Taxa de Permeabilização adequada daquele espaço, está diretamente ligado a inexistência de espaços suficientes previstos no Plano Diretor para as diferentes classes sociais e atividades econômicas. O Parcelamento do solo adequado não é segregação, exclusão ou descriminação, mas segurança de um ambiente ecologicamente equilibrado e garantia de dignidade humana. A degradação ambiental, na ocupação e no crescimento desordenado das cidades, é uma realidade, e a degradação humana, mera consequência. Fica evidente que o acesso a moradia e a aplicabilidade e utilidade do Direito Urbanístico nas cidades necessitam de instrumentos jurídicos específicos, de inclusão ambientalmente sustentáveis. O autor do presente trabalho, aborda não apenas a questão legal da regularização fundiária, mas fundamentalmente trata das questões sociais e práticas da sustentabilidade, nos fazendo refletir da gravidade de precisamos criar uma lei exclusiva para regularizar o que foi ocupado sem planejamento e nos remete para a necessidade de evitarmos a continuidade de ocupações informais, cujas consequências são muito caras para o homem e para a sociedade. Não há dúvidas de que as normas urbanísticas e ambientais vigentes, por si só e pela forma como tem sido aplicada, tem agravado a ocupação informal e os problemas ambientai, instalando o caos socioambiental nas cidades em todo o Brasil. A cidade, apesar de ser um processo cultural, é fundamentalmente o habitat de convivência e bem-estar humano. Por isso, há a necessidade de repensar seu planejamento e desenvolvimento, adotando-se novos instrumentos jurídicos, capazes de estabelecer inclusão social, sustentabilidade ambiental, cidades mais inteligentes, que garanta segurança, bem-estar e um ambiente ecologicamente equilibrado, na forma como é tutelado pela nossa Constituição Federal. Não há dúvidas que não podemos destruir as cidades que temos, em face de sua ocupação informal, mas necessitamos regularizar de forma sustentável, o que fica muito bem fundamentado na presente obra. O parcelamento do solo deve combinar ambiente natural com ambiente criado. Diversidade com necessidades sociais. Prof. Dr. Adir Ubaldo Rech Professor de Direito Urbanístico Ambiental do Mestrado e Doutorado da Universidade de Caxias do Sul – UCS SUMÁRIO Capa Folha de Rosto Créditos INTRODUÇÃO PARTE I – TEORIA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1.1. A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA PÚBLICA 1.2. HISTÓRICO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO BRASIL 1.3. FASES LEGISLATIVAS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1.4. CORRESPONDÊNCIA DA POLÍTICA URBANA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NAS NORMAS INTERNACIONAIS 1.5. CONFORMAÇÃO LEGISLATIVA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1.6. DA NATUREZA DE LEI GERAL DA LEI Nº 13.465/2017 1.7. INSTRUMENTOS ANTERIORES DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 1.8. OBJETIVOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1.9 LEGITIMAÇÃO PARA O REQUERIMENTO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1.10 COMPETÊNCIA PARA O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DA REURB 1.11 CONSIDERAÇÃO DO NÚCLEO URBANO INFORMAL 1.12 MODALIDADES DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1.13 FONTES DE FINANCIAMENTO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1.14 FASES DO PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA PARTE II – PRÁTICA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 2. PROCEDIMENTOS PREPARATÓRIOS DA REURB 2.1. DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA 2.2. IDENTIFICAÇÃO DE ÁREAS DE RISCOS E ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE 3. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 3.1. REQUERIMENTO PELOS INTERESSADOS 3.2. PROCESSAMENTO DO REQUERIMENTO E DECRETO INSTAURADOR 3.3. MANIFESTAÇÃO DOS INTERESSADOS 3.4. CUSTEIO E FINANCEIRO PARA A ELABORAÇÃO DO PROJETO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 4. INSTRUMENTOS JURÍDICOS PARA SOLUÇÃO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 4.1. INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO E REFORMA 4.1.1. ARRECADAÇÃO DE BEM VAGO 4.1.2. REQUISIÇÃO DE BENS IMÓVEIS 4.1.3. TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR 4.1.4. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO 4.2. INSTRUMENTOS DE TITULAÇÃO DE PROPRIEDADE 4.2.1. USUCAPIÃO 4.2.2. DESAPROPRIAÇÃO EM FAVOR DOS POSSUIDORES 4.2.3. CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO 4.2.4. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL 4.2.5. LEGITIMAÇÃO FUNDIÁRIA 4.2.6. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETAMENTE AO DETENTOR 4.2.7. DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL 4.2.8. COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL 4.3 INSTRUMENTOS DE CONCESSÃO E USO DE BENS PÚBLICOS 4.3.1. CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA 4.3.2. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO 4.4 INSTRUMENTOS DE POSSE A SER CONVERTIDA EM PROPRIEDADE 4.4.1. LEGITIMAÇÃO DE POSSE 4.5. TRANSFERÊNCIA DE BENS PÚBLICOS NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 5. PROJETO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 5.1. DA POSSÍVEL INTEGRAÇÃO DA REURB AO ZONEAMENTO URBANO 5.2. ÁREAS VEDADAS PARA A REALIZAÇÃO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 5.3. CONTEÚDO DO PROJETO REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 5.4. DA EXIGÊNCIA DE PERCENTUAL INSTITUCIONAL PARA ÁREAS PÚBLICAS 5.5. PROJETO URBANÍSTICO 5.6. EQUIPAMENTOS DE INFRAESTRUTURA 5.7. CRONOGRAMA DE IMPLANTAÇÃO 5.8. RESPONSABILIDADE PELAS OBRAS DE INFRAESTRUTURA E ADEQUAÇÕES 5.9. APROVAÇÃO DO PROJETO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 6 CONCLUSÃO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 6.1. ATO DECISÓRIO ADMINISTRATIVO DE CONCLUSÃO 6.2. EMISSÃO DA CERTIDÃO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA (CRF) 7. REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 7.1. DA ATRIBUIÇÃO DO OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS 7.2. REGISTRABILIDADE DA CERTIDÃO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA (CRF) 7.3. PROTOCOLO E QUALIFICAÇÃO REGISTRAL 7.4. REGISTRO DAS MATRÍCULAS NA REURB 7.5. DISPENSA DE COMPROVAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS 7.6. DISPENSA DE CANCELAMENTO PERANTE O INCRA 7.7. NOTIFICAÇÕES PELO REGISTRO DA REURB 7.8. REGISTRO DE ÁREAS EM CONDOMÍNIO 7.9. DIRETRIZES TÉCNICAS DE REGISTRO DAS ÁREAS, UNIDADES E VIAS PÚBLICAS 7.10. INCORPORAÇÃO DAS ÁREAS PÚBLICASAOS MUNICÍPIO E ÁREAS REMANESCENTES 8. ACOMPANHAMENTO POSTERIOR À REALIZAÇÃO DA REURB 8.1. COMPROVAÇÃO DE FINALIZAÇÃO DAS OBRAS DE INFRAESTRUTURA E ADEQUAÇÃO 8.2. INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTOS PÚBLICOS URBANOS E COMUNITÁRIOS 8.3. ACOMPANHAMENTO POSTERIOR DA COMUNIDADE 8.4. RESPONSABILIZAÇÃO E DIREITO DE REGRESSO CONTRA RESPONSÁVEIS PELA FORMAÇÃO DO NÚCLEO URBANO INFORMAL 8.5. PREVENÇÃO CONTRA FORMAÇÃO DE NOVOS NÚCLEOS URBANOS. MODELOS – PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA I – MODELO DE REQUERIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA II MODELO DE ATO ADMINISTRATIVO DE INSTAURAÇÃO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA III MODELO DE AUTO DE DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA IV MODELO DE EDITAL DE INSTAURAÇÃO E INTIMAÇÃO DE INTERESSADOS V MODELO DE EDITAL DE NOTIFICAÇÃO POR ABERTURA DE MATRÍCULA PARA SISTEMA VIÁRIO VI MODELO DE ATO ADMINISTRATIVO DE APROVAÇÃO DO PROJETO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA VII MODELO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA DE CONCLUSÃO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA. VIII MODELO DE CERTIDÃO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. TERCEIRA PARTE – PROTEÇÃO AMBIENTAL E COMPLIANCE NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 9. PROTEÇÃO AMBIENTAL NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 9.1. ASPECTO SOCIOAMBIENTAL NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 9.2. VIABILIDADE DO COMPLIANCE AMBIENTAL NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 10. COMPLIANCE AMBIENTAL APLICADO NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 10.1. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA: LEVANTAMENTO DE DADOS E CARÊNCIA DE CAPACITAÇÃO 10.2. PRINCÍPIOS E DIRETRIZES A SEREM OBSERVADOS NO COMPLIANCE AMBIENTAL PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 10.2.1. PRINCÍPIO DA SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA, SOCIAL E AMBIENTAL 10.2.2. PRINCÍPIO DA ORDENAÇÃO TERRITORIAL 10.2.3. PRINCÍPIOS IMPLÍCITOS NA LEI FEDERAL DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 10.2.4. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO À FORMAÇÃO DE OCUPAÇÕES IRREGULARES 10.3. MODELOS E ESTRUTURA DO PROGRAMA DE COMPLIANCE 10.4. CONFIGURAÇÃO DE ROTINAS DO COMPLIANCE AMBIENTAL NO MUNICÍPIO 10.5. ROTINAS DE COMPLIANCE AMBIENTAL PARA REURB NO MUNICÍPIO 10.6. CONFIGURAÇÃO DE ROTINAS DO COMPLIANCE AMBIENTAL NO REGISTRO DE IMÓVEIS 10.7. ROTINAS DE COMPLIANCE AMBIENTAL PARA REURB NO OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS 10.7. REFLEXOS DO COMPLIANCE AMBIENTAL NA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 10.8. CONFIRMAÇÃO E AVALIAÇÃO DE EFICIÊNCIA NO COMPLIANCE AMBIENTAL CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS Landmarks Capa Folha de Rosto Página de Créditos Sumário Bibliografia INTRODUÇÃO A Regularização Fundiária Urbana se situa dentro dos estudos de Direito Imobiliário, associado aos estudos de Registros Públicos, Direitos Reais e Direito Administrativo. Aliás, o estudo de Direito Imobiliário demonstra-se cada vez mais relevante na atuação jurídica, diante da gigantesca demanda de situações de irregularidades imobiliárias em todo o país, que vinculam não somente a necessidade prática, como também o importante papel social na solução do déficit habitacional em todo o país. Pessoalmente, o tema de regularização imobiliária sempre esteve presente na trajetória profissional deste autor. Inicialmente, quando atuava na advocacia privada, prestando assessoria jurídica terceirizada à Caixa Econômica Federal para regularização de conjuntos habitacionais. Em seguida, como advogado público, foram trabalhados os primeiros projetos de regularização fundiária, ainda anteriores à Lei 11.977/2009, e posteriormente embasados na referida lei. Como titular de serventia extrajudicial, em mais de uma década de experiência foram realizados trabalhos específicos, em assistência aos Municípios, para instrução e realização de programas de políticas públicas destinados à formalização de regularização fundiária de áreas irregulares. No campo acadêmico, o Mestrado em Direito Ambiental com ênfase no Direito Urbanístico, permitiu desenvolver o estudo específico sobre a Regularização Fundiária Urbana. Adotado o objeto de estudos na vigência da lei nº 13.465/2017, que instituiu a lei geral de Reurb, dissertou-se sobre a Regularização Fundiária Urbana, com a perspectiva de implantação de compliance, como programa de conformidade, para maior efetividade do procedimento administrativo, ora atendidas as normas e diretrizes voltadas à sustentabilidade econômica, social e ambiental. Desta forma, a obra ora apresentada representa a unificação concebida de parte dos estudos dissertativos do mestrado concluído no ano de 2020, e parte do curso de extensão prático para implantação e análise de instrumento jurídicos em Regularização Fundiária Urbana, elaborado no ano de 2021. A obra foi estruturada em três partes. A primeira parte de Teoria da Regularização Fundiária Urbana, dedica-se aos aspectos teóricos para a compreensão do contexto legal do tema. São abordados os pontos sobre os antecedentes históricos da regularização, as suas fases legislativas, os instrumentos já preexistentes e utilizados no ordenamento jurídico, a natureza jurídica, seus objetivos, a competência para realização da regularização, as modalidades e fases caracterizadoras do procedimento administrativo da Reurb. A segunda parte da obra aborda o procedimento administrativo em seu viés prático, apresentando-se a lei geral da Reurb, comentários às normas que instituem o procedimento, a sua fase preparatória, os instrumentos jurídicos de solução da regularização, os elementos e organização do projeto de regularização, a sua conclusão e registro. Acompanham, inclusive, modelos práticos para melhor visualização do procedimento administrativo e auxílio para sua execução pelos leitores na atuação junto à Administração Pública. Em sua terceira parte, a obra sintetiza reflexões sobre a proteção ambiental na Regularização Fundiária Urbana. Tratou-se dos princípios ambientais a serem observados na Reurb e da importância de sua conformidade para atendimento às diretrizes de sustentabilidade social, econômica e ambiental no procedimento regulatório. Discute-se sobre a viabilidade da instituição da compliance como programa de rotinas para a melhor organização e instauração da Reurb, tanto na fase realizada pelo Município, quanto na fase posterior de registro realizada junto ao Ofício de Registro de Imóveis. Discorre-se sobre as vantagens do programa de rotinas para auxílio técnico aos envolvidos na Reurb, bem como a posterior utilização do instrumento para avaliação de eficiência sobre o Compliance ambiental aplicado no procedimento administrativo da regularização fundiária. Nesse sentido, destina a auxiliar profissionais da Administração Pública e operadores de Direito no desenvolvimento e realização do procedimento administrativo da Regularização Fundiária Urbana. São apresentados seus aspectos teóricos, objetivados a permitir a fundamentação adequada no exercício do procedimento, principalmente diante da preocupação com os aspectos social, econômico e ambiental, necessários à regularização de núcleos informais urbanos. Prima-se pelo melhor esclarecimento sobre o instituto da Reurb e seus pressupostos e instrumentos essenciais à ordenação territorial e desenvolvimento das cidades. PARTE I – TEORIA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA 1.1. A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA PÚBLICA Os problemas reais de ocupações desordenadas motivadas pela escassez de moradias,¹ geradoras dos núcleos urbanos irregulares, decorrem da complexidade da sociedade e ausência da Administração Pública para a ordenação territorial. Em resposta autopoiética ao conjunto de instrumentos jurídicos de políticas públicas em matéria urbanística, surge a regularização fundiária urbana como procedimento adequado para reordenação territorial. Enquadrada como política pública material – dentro da classificação de políticas regulatórias por sua finalidade – encampando as categorias de zoneamento² e ordenação territorial, a regularização fundiária urbana é procedimento administrativo resultante do cenário preocupante de ocupações irregulares nas últimas décadas.³ Conforme apontado peladoutrina, atribui-se o crescimento da informalidade na criação de loteamentos e núcleos urbanos informais ao rigor da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que instituiu o parcelamento do solo urbano, pela exigência indiscriminada de requisitos formais para a aprovação do parcelamento urbano.⁴ Caracterizou-se uma disfuncionalidade pela complexidade e excesso do formalismo legal, associado à ausência de fiscalização administrativa e ineficácia na aplicação das medidas sancionatórias por seu descumprimento, de modo a estimular a disseminação de loteamentos e parcelamentos irregulares.⁵ Em conexão ao pensamento econômico, a situação desordenada das ocupações urbanas ocasionou a chamada “tragédia do não-comum urbano”. São motivos diretos a escassez do solo urbano, objeto de mercantilização do capitalismo, a privatização do espaço e a reconhecida impossibilidade de acesso pela população de baixa renda.⁷ Diante da predominância do domínio privado sobre o público, afastou-se o tratamento de bens comuns em detrimento à lógica de renda da terra que rege os mercados fundiários e imobiliários.⁸ Maricato denuncia que a ocupação ilegal urbana não corresponde somente a uma permissão social, mas se origina do “próprio modelo de desenvolvimento urbano no Brasil”. Confirma-se ser razão bastante para considerar a mudança na gestão pública e a regularização fundiária urbana para a reordenação territorial.¹ A regularização possui aspecto jurídico quanto ao reconhecimento de titularidade, que sabidamente refere-se à solução de conflitos de propriedade, de direito de vizinhança ou mesmo conflitos domésticos e familiares.¹¹ A formalização do domínio pelas ocupações irregulares caracteriza o reconhecimento de direitos sociopolíticos em atribuição de segurança de posse à população ocupante. Fernandes destaca que, na formulação dos programas de regularização e legalização de posse, cabe compatibilizar também a segurança individual da posse com os demais interesses sociais e ambientais, que não podem ser reduzidos somente ao direito individual de propriedade plena.¹² 1.2. HISTÓRICO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO BRASIL A primeira legislação brasileira que sistematizou o parcelamento do solo urbano foi o Decreto-lei nº 58/1937, a qual obrigava os proprietários de terrenos urbanos e terras rurais em depositar previamente no cartório de registro de imóveis a documentação relativa à oferta pública de venda e divisão de lotes. Seguidamente, foi editado o Decreto-lei nº 271/1967, que atribuiu aos municípios a competência para impor obrigações específicas aos projetos de loteamento e parcelamento de solos urbanos, “inclusive quanto à destinação e utilização das áreas, de modo a permitir o desenvolvimento local adequado.” (art. 2º, inciso I). Uma década mais tarde, surge a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, ou “Lei de Loteamentos”, instituída pela lei nº 6.766/1979, a qual sofreu inúmeras críticas, diante da piora das condições de habitação, pelo rigorismo dos requisitos legais de aprovação,¹³ por vezes esbarrando na discricionariedade política dos municípios para dificultar as aprovações dos projetos de loteamento e parcelamento do solo urbano.¹⁴ Olvidam os agentes públicos sobre a compreensão de suposta liberdade irrestrita para a prática de políticas públicas, quando estas possuem caráter vinculante para o cumprimento eficaz.¹⁵ Importante menção ao artigo 40 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que trouxe previsão da possibilidade de regularização de loteamentos ou desmembramentos não autorizados, ou executados sem observância das determinações legais do ato administrativo de licença, por iniciativa do município ou do Distrito Federal, quando for o caso. Justificou a lei a criação da medida com objeto de “evitar lesão aos padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.”¹ Medida relevante de abrandamento do rigor com a regularização de parcelamentos não autorizados ou irregulares foi a reforma da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, ocorrida pela Lei nº 9.785/1999, a qual introduz os parcelamentos de interesse público, quando vinculados a planos ou programas habitacionais de iniciativa das prefeituras municipais ou do Distrito Federal, tornando inexigível a “documentação que não seja a mínima necessária e indispensável aos registros no cartório competente”, definindo ainda serem “vedadas as exigências e as sanções pertinentes aos particulares, especialmente aquelas que visem garantir a realização de obras e serviços, ou que visem prevenir questões de domínio de glebas, que se presumirão asseguradas pelo Poder Público respectivo.”¹⁷ Destaque normativo das legislações municipais é atribuído à lei do município de Belo Horizonte, lei nº 3.532,¹⁸ de 6 de janeiro de 1983, que criou o programa “Pró-Favela”. Referida lei foi pioneira na proposta de um programa urbanístico e social de regularização de favelas, combinando a identificação e demarcação das áreas irregulares como espaços residenciais para fins de moradia social, atribuindo-as como “setores especiais”. Além do zoneamento municipal específico, a lei ainda definia normas urbanísticas específicas para uso, parcelamento e ocupação do solo, integrando a gestão participativa para sua regularização. Mesma linha seguiu a Lei Municipal de Recife, lei nº 14.511,¹ de 17 de janeiro de 1983, a qual também previu elementos para definição estrutural de ocupações existentes. Conforme menciona Fernandes, referidas leis serviram de modelo para outros municípios, a exemplo de Salvador e Porto Alegre, que também adotaram o zoneamento para “áreas especiais de interesse social”, possibilitando padrões urbanísticos próprios e processo participativo de gestão institucional de regularização.² Por ocasião da ausência de infraestrutura, da carência de saneamento básico e do déficit habitacional elevado, a busca de implementação de políticas públicas capazes de atender ao ordenamento territorial sustentável, ambiental e econômico, fundamentam a necessidade da instituição da regularização fundiária como resgate de cidadania e acesso ao direito à propriedade.²¹ A regularização fundiária urbana toma maior corpo como instrumento de política pública urbana, com a edição do Estatuto da Cidade, pela lei nº 10.257/2001 – ao regular a competência municipal para a política de desenvolvimento urbano – atribuindo-lhe a natureza de instituto jurídico e político (artigo 4º, inciso V, “q”). Sundfeld afirma que o Estatuto da Cidade consolida o direito urbanístico e viabiliza a sua operação sistematizada para a promoção da articulação interna, na regulação e conceitos e instrumentos, e articulação externa, na conexão das disposições do urbanismo com outros sistemas normativos.²² Nas diretrizes gerais de política urbana, reconhece a natureza instrumental da regularização fundiária urbana, conceituada como instrumento de urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, “mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.”²³ O Estatuto da Cidade não somente consagra a regularização fundiária urbana como instrumento (jurídico e político) de política pública urbana, como reforça o protagonismo dos municípios na política de desenvolvimento urbano definida pelo artigo 182 da Constituição Federal.²⁴ Assevera-se que a autonomia política e administrativa dos municípios somente se confirma com a implantação de programas que possibilitem a real execução de programas de políticas públicas, não sendo conquistada somente por repasses financeiros de fundos nacionais ou estaduais, ou mesmo subvenções econômicas vinculadas a políticas habitacionais, como recorrentemente ocorria.²⁵ Como instrumento de política urbana, a regularização fundiária urbana permite ao Município realizar a integração urbana entre o núcleo urbano informal e a cidade formalizada, realizando melhorias de infraestrutura, saneamento básico e serviçospúblicos essenciais até então ausentes.² Individualmente aos ocupantes das áreas irregulares, haverá resultados importantes para a segurança jurídica dos ocupantes, que passam a ter formalizado o direito de propriedade de seus imóveis, permitindo a transferência e a propagação do domínio no mercado ou a seus descendentes, incorrendo na integração ao sistema econômico até mesmo para utilização dos imóveis como garantia para obtenção de créditos e financiamentos. Fernandes ressalta que as políticas de regularização fundiária não podem ser elaboradas de forma isolada, sendo relevante a combinação com as demais políticas públicas preventivas, de maneira a quebrar o ciclo de exclusão que originou a informalidade.²⁷ Caberia, portanto, a intervenção direta e o incremento de investimento público pela Municipalidade, tanto na viabilidade de moradia, na democratização do acesso à terra quanto na promoção da reforma urbana no sentido amplo. Não se pode atribuir a regularização fundiária como “salvo-conduto” ou mesmo premiação para aqueles que burlam o sistema legal de parcelamento e loteamento urbano, de forma a permitir que se beneficiem com a irregularidade. Mesmo que realizado o procedimento de formalização, este não anistia os responsáveis de eventuais sanções. A despeito da consideração da regularização fundiária urbana como instrumento jurídico ideal para a reordenação territorial, confronta-se que sua eficácia depende da capacitação técnica das equipes responsáveis pela execução das políticas de desenvolvimento urbano dos municípios, que se demonstraram falhas em todo o período de vigência do Estatuto da Cidade, mantendo-se com o advento da Lei Nacional de Regularização Fundiária, instituída pela Lei nº 11.977/2009 e, posteriormente, com a legislação atual de regularização fundiária urbana (Lei nº 13.465/2017). 1.3. FASES LEGISLATIVAS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA O advento da Lei Nacional de Regularização Fundiária em 2009, e sua posterior reforma em 2017, dividiu a sistematização do procedimento de regularização fundiária urbana em três fases. Primeira fase compreende a de inexistência de regulação sistematizada, do início da república e segue até a edição do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Período em que a matéria era tratada por legislação esparsa, iniciando-se pela legitimação de posse até a regularização prevista pela lei de parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766/1979). A segunda fase, reconhecida com a edição do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), foi marcada pela consagração do Direito Urbanístico como sistema jurídico autônomo, encampando dentro das políticas públicas urbanas também a regularização fundiária urbana. Ainda, a terceira e atual fase, considerada diante da edição da Lei nº 11.977/2009, que institucionaliza as normas gerais para a regularização fundiária urbana, as quais seguidamente são reformadas pela Lei nº 13.465/2017, em vigor. A terceira fase se caracterizou pela melhor organização sistêmica do processo administrativo regulatório, especialmente definindo os instrumentos integrados à sua efetivação e atuação dos demais atores que participam do procedimento, a exemplo o oficial do Registro de Imóveis. Destarte, o programa de conformidade para a capacitação e criação de rotina do procedimento do instrumento de regularização fundiária urbana auxiliaria consideravelmente na padronização e controle da política pública, permitindo melhor atendimento aos requisitos de eficiência e boa administração. 1.4. CORRESPONDÊNCIA DA POLÍTICA URBANA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NAS NORMAS INTERNACIONAIS A instituição da política urbana de regularização fundiária, dentro do contexto de soft law, confirma-se como instrumento evolutivo de políticas habitacionais integradas à reordenação territorial, motivadas pelo direito à moradia e implementação de programas de desenvolvimento sustentável, social, econômica e ambientalmente. O direito à moradia, ou habitação, teve declarada sua natureza de direito fundamental na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”²⁸ em 1948, que reconheceu no artigo 25.1, conforme estabelece: Artigo 25.1 “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.” Em seguida, o direito à moradia também é confirmado no “Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”,² no ano de 1966, nos termos do artigo 11.1.³ Em ambos os institutos, o estabelecimento da moradia como direito fundamental traduziu em diretriz a ser observada pelos países signatários, ressaltando a preocupação da comunidade internacional com o acesso à habitação, reconhecidamente como direito social. O esforço global para a gestão integrada de assentamentos humanos surge com a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat I, ocorrida em Vancouver (Canadá), em 1976.³¹ Diante da situação de que a tendência de urbanização global não seria revertida, consolidou-se a preocupação com a adequação dos assentamentos e ocupações humanas, com fins de evitar maior degradação do meio ambiente. Com a crescente urbanização periférica nas décadas seguintes em países da América Latina, Ásia e África – ocasionados pela exclusão espacial e territorial, diante da situação de acesso a imóveis regularmente urbanizados somente por famílias com renda fixa – surgiram os primeiros modelos para planejamento e reordenação territorial sobre as ocupações. Evoluída a consideração urbana como “direito à cidade”, a “Carta Mundial do Direito à Cidade”,³² redigida pela sociedade civil no Fórum Social das Américas, ocorrido em Quito em 2004, e Fórum Mundial Urbano, na cidade de Barcelona, no mesmo ano. Ressalta-se que a redação se completou ainda com o V Fórum Social Mundial, ocorrido em Porto Alegre, em 2005. Referido documento estatui como princípios essenciais a gestão democrática da cidade, a função social da propriedade e da cidade, o exercício pleno da cidadania, dentre outros, valendo de guia normativo para grande parte das leis nacionais de planejamento urbano nos países da América Latina.³³ Sobre diretrizes de políticas públicas urbanas e desenvolvimento habitacional, destaca-se a “Nova Agenda Urbana”, exemplo de soft law, elaborada pela Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), realizada em 20 de outubro de 2016, na cidade de Quito, Equador.³⁴ Na referida agenda, são dispostos os itens 111 e 112 com especial atenção ao desenvolvimento de políticas urbanas habitacionais e regularização: 111. Promoveremos o desenvolvimento de estruturas regulatórias adequadas e aplicáveis no setor habitacional, incluindo, conforme o caso, códigos de construção resilientes, parâmetros, licenças, leis de uso e ocupação do solo, decretos e regulamentos e normas de planejamento, combatendo e prevenindo a especulação, a desapropriação, a condição de sem-teto e as desocupações forçadas, assegurando a sustentabilidade, a qualidade, a acessibilidade física e econômica, a saúde, a segurança, a eficiência energética e de recursos e a resiliência. Promoveremos também a análise diferenciada da oferta e da demanda habitacionais com base em dados de alta qualidade, atualizados, confiáveis e desagregados nos níveis nacional, subnacional e local, considerando as dimensões sociais, econômicas, ambientais e culturais específicas. 112. Promoveremos a implementação de programas de desenvolvimento urbano sustentável com as necessidades habitacionais e das pessoas no centro da estratégia, priorizando esquemas habitacionais bem localizados e bem distribuídos, a fim de evitar a produção em massa de habitações periféricas e isoladas, desconectadas de sistemas urbanos, independentemente do segmento econômico e social para o qual são desenvolvidos,e fornecendo soluções para as necessidades habitacionais dos grupos de baixa renda. Corroboram ainda na formação normativa internacional de desenvolvimento urbano o “Programa Nacional de Políticas Urbanas” (National Urban Policy Programme),³⁵ idealizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pela ONU-Habitat, e o programa “Cities Aliance”. Referido programa objetiva a produção de materiais para suporte de desenvolvimento e implantação de programas de políticas urbanas no cenário internacional. A definição pela Política Urbana Nacional seria: Conjunto de decisões coerentes provenientes da deliberação de um processo coordenado pelo governo em parceria com diversos atores, em busca de uma visão e objetivos comuns, para a promoção do desenvolvimento urbano a longo prazo, de forma transformativa, produtiva, inclusiva e resiliente.³ São trabalhos que se vinculam à “Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável”,³⁷ das Nações Unidas, focando no desenvolvimento e ordenação territorial das cidades, conforme princípios de políticas urbanas de número 6, que trata da propositura de cidades inclusivas, que viabilizem a oportunidade a todos; e princípio de número 7, que propõe a realização de políticas urbanas nacionais e multinível para o incentivo à integração e alinhamento das políticas setoriais, de forma a permitir o desenvolvimento conjugado e o bem-estar nas cidades.³⁸ Fundados nos mesmos princípios propostos, também se recomenda a estruturação de governança pública e implantação de compliance para a política urbana. O princípio 9 menciona a importância da promoção do engajamento dos atores (stakeholders) para o planejamento e implantação da política urbana. De mesma forma, o princípio 10 prevê o fortalecimento dos atores no cenário urbano, de forma a permitir a inovação e realização de objetivos, de forma efetiva, eficiente e inclusiva. Por fim, previu o princípio 11 o compliance através dos atos de monitoramento, avaliação e prestação de contas das atividades de governança na política urbana.³ Comenta-se que também o Banco Mundial adota a imposição de formulação e implementação de políticas de legalização como condição para a liberação de recursos. Todavia, ao contrário do ONU-Habitat, que prima pelo reconhecimento do direito social de moradia, o Banco Mundial defende o direito individual de propriedade e homogeneização dos sistemas jurídicos nacionais.⁴ Verifica-se o interesse maior em viabilizar a circulação global do capital imobiliário internacional. Define a proposta internacional que a urbanização deve ser um processo de perspectiva multifacetada, de forma a não obter sucesso se restringida a setores específicos, a exemplo da urbanização tradicional de infraestrutura.⁴¹ Ao contrário, o planejamento deve ser plural, adotada a noção social, ambiental e econômica para o desenvolvimento das cidades. Desta forma, o modelo adotado no âmbito nacional brasileiro de regularização fundiária urbana, pela lei 13.465/2017, coaduna com os programas⁴², ações e diretrizes de orientações internacionais, em matéria de desenvolvimento urbano e políticas públicas de integração e ordenação territorial. 1.5. CONFORMAÇÃO LEGISLATIVA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA Atualmente instituída pela Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho de 2017 – reconhecida como Lei Geral de Regularização Fundiária –, a previsão normativa da regularização fundiária urbana prevê ao poder público o dever de formular e desenvolver no espaço urbano as políticas de suas competências, para a ocupação do solo de maneira eficiente, em combinação com seu uso de forma funcional.⁴³ Define-se a regularização fundiária urbana como instrumento de política pública, de amplitude jurídica, urbanística, ambiental e social, a ser desenvolvida e instalada pelo município, órgão competente para o procedimento, para a incorporação de núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano, bem como a formalização da titularidade de propriedade a seus ocupantes.⁴⁴ Na conceituação de Alfonsin: Regularização fundiária é um processo conduzido em parceria pelo Poder público e população beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, urbanística e social de uma intervenção que, prioritariamente, objetiva legalizar a permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas irregularmente para fins de moradia e, acessoriamente, promove melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do assentamento, bem como incentiva o pleno exercício da cidadania pela comunidade sujeito do projeto.⁴⁵ Afirma-se ser de aspecto jurídico, por corresponder o instrumento ao procedimento administrativo de solução dos chamados “problemas dominiais”,⁴ conforme situações em que os ocupantes de determinada área pública ou privada não possuem título que lhes garanta domínio ou segurança jurídica sobre a ocupação. O aspecto urbanístico se identifica conforme as políticas de adequação dos parcelamentos decorrentes dos núcleos urbanos informais à cidade regularizada, necessitando a adoção de medidas essenciais de infraestrutura ou mesmo a realocação de moradias, se as ocupações se encontrarem em áreas sujeitas a risco de desmoronamento ou inundações, contaminadas, insalubres, condições geológicas que comprometam a edificação e outras hipóteses que impeçam sua urbanização. Por conseguinte, o aspecto ambiental importa em adequar a situação do núcleo urbano com o ambiente natural onde está localizado, promovendo medidas de recuperação de áreas degradadas, recomposição vegetal e de matas nativas, para um reordenamento sustentável⁴⁷. Não sendo somente considerado o meio ambiente natural, também se atribui o aspecto ao meio ambiente artificial, caracterizando a amplitude social, quanto às medidas de integração e atendimento às necessidades básicas e de bem-estar das ocupações de famílias de baixa renda, não excluindo as demais categorias de populações, de modo a “propiciar o exercício digno do direito à moradia e à cidadania, proporcionando maior qualidade de vida.”⁴⁸ Deste fundamento, resulta o aspecto social. Os objetivos urbanos de integração social deverão ser atendidos e pautados na garantia aos direitos de cidadania, da implementação de programas e ações orientadas ao melhoramento progressivo com soluções habitacionais. Soluções focadas não somente ao acesso às moradias, mas especialmente à participação comunitária com a instalação de infraestrutura, equipamentos comunitários e valorização da gestão dos bens comuns pela comunidade. Registra-se a existência do debate em ser a regularização fundiária urbana voltada essencialmente ao direito de moradia.⁴ Certamente que o reconhecimento do direito de propriedade aos titulares da ocupação de áreas urbanas irregulares corresponde a validação do direito à moradia, mas deve ir além.⁵ Por essa razão que regularização fundiária urbana se fundamenta nas três dimensões – jurídica, urbanística, ambiental e social – com fins de alcançar todos os aspectos que sejam possíveis na integração do cidadão ocupante do núcleo informal, assumido o pressuposto ideal de dignidade da pessoa humana. Em severa crítica ao uso da regularização fundiária somente para o atendimento à continuidade do direito de moradia, Alfonsin denuncia que o procedimento direcionado unicamente à formalização de núcleos desorganizados, sem a devida atenção a seus equipamentos e estrutura mínima de convivência ou mínimo necessário, incorreria em injustiças, a exemplo de diferentes tamanhos de lote e dificuldade de acesso as vias públicas⁵¹. Ao contrário, na regularização fundiária urbana, deverá o poder público primar pela ocupação adequada e sustentável da população,⁵² valendo-se do pensamento urbanístico na qualificação do território, a fim de valorizar a comunidade inserida naquele núcleo informal. A normatização federal sobre a regularização fundiária urbana, de âmbito nacional, foi objeto de várias mutações em uma década de existência.⁵³ Por duas conversões de medidas provisórias e derrogações ocorridas, o processo administrativode regularização fundiária urbana e rural sofreu alterações substanciais desde sua estrutura, seu procedimento, enfrentando até mesmo uma curiosa metamorfose quanto aos princípios estabelecidos como conformadores e mandamentos de otimização a serem seguidos. Com previsão normativa inaugurada pela Lei Federal nº 11.977,⁵⁴ de 07 de julho de 2009, “Lei do Programa Minha Casa, Minha Vida” – que definiu famoso programa habitacional para população de baixa renda –, a regularização fundiária foi primeiramente nos artigos 46 a 68, como atuação secundária bastante a promover a garantia do direito de moradia, para formalização das ocupações irregulares urbanas e rurais. O artigo 46 da lei nº 11.977/09 definia a regularização fundiária como conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, a ser utilizado para a regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, compondo como fundamento de utilidade “garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”⁵⁵ Quanto aos princípios, o artigo 48 da Lei nº 11.977/09 enumerou cinco incisos normativos, determinando: Art. 48. Respeitadas as diretrizes gerais da política urbana estabelecidas na Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, a regularização fundiária observará os seguintes princípios: I - a ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, com prioridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental; II - articulação com as políticas setoriais de habitação, de meio ambiente, de saneamento básico e de mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo e com as iniciativas públicas e privadas, voltadas à integração social e à geração de emprego e renda; III - a participação dos interessados em todas as etapas do processo de regularização; IV - o estímulo à resolução extrajudicial de conflitos; V - a concessão do título preferencialmente para a mulher. Após sete anos de vigência, o capítulo III da lei nº 11.977/2009 – que tratava de toda a matéria de regularização fundiária – foi expressamente derrogado pela Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016.⁵ Diferentemente da lei de 2009, referida medida provisória deixou de lado os “princípios-diretrizes”, determinando no parágrafo único do artigo 8º que caberia aos poderes públicos desenvolverem no espaço urbano as políticas de suas competências, e observar como princípios a “competitividade, sustentabilidade econômica, social e ambiental, ordenação territorial, eficiência energética e complexidade funcional, buscando que o solo se ocupe de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional.” Seguidamente, depois do trâmite de quase sete meses, a Medida Provisória nº 759/2016 é substituída por sua conversão de lei, a Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho de 2017, que uma vez mais modifica os princípios que fundamentavam a regularização fundiária urbana. Conforme parágrafo 1º, do artigo 9º, da Lei nº 13.465/2017, foi estabelecido que aos poderes públicos, na formulação e desenvolvimento das políticas públicas de suas competências no espaço urbano, caberá fazê-los de acordo com os princípios de “sustentabilidade econômica, social e ambiental e ordenação territorial, buscando a ocupação do solo de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional.” Ainda, parte daqueles “princípios-diretrizes” anteriormente previstos na Lei de 11.977/2009 perduraram, contudo, transformados em objetivos da regularização fundiária urbana, agora organizados como verbos, conforme previsão no artigo 10 da Lei nº 13.465/2017. A incidência das mutações normativas e técnicas das leis federais, em especial a alteração da disposição de normas gerais da regularização fundiária urbana, tem sido alvo de diversas críticas doutrinárias, a exemplo da alteração da competência processual da regularização,⁵⁷ e a criação de uma figura estranha denominada “legitimação fundiária”⁵⁸, capaz de reconhecer por direito de usucapião a ocupação irregular de bens públicos, tradicionalmente impossível no ordenamento jurídico pátrio.⁵ 1.6. DA NATUREZA DE LEI GERAL DA LEI Nº 13.465/2017 A Lei Federal nº 13.465/2017, editada pela União Federal, tem natureza de lei federal, por estabelecer normas e procedimentos gerais aplicáveis à regularização fundiária urbana. Caberia a cada Município, bem como ao Distrito Federal, conforme suas competências, editar suas próprias leis com estabelecimento de normas específicas de regularização fundiária. Nesse quesito, critica-se que a União, apesar da competência geral – para somente estabelecer normas gerais – incluiu “pormenores” e extrapolou o conceito de referidas normas. Conforme define o artigo 28, parágrafo único, a inexistência de lei municipal específica para o tratamento das medidas e posturas de interesse local, não impede a eventual realização da regularização fundiária urbana. Fator bastante recorrente, diante da ausência de normatização local dos municípios sobre a matéria específica. Destarte, a regularização fundiária urbana correspondente a procedimento administrativo motivado a incorporar os denominados núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano, bem como atribuir a titulação de propriedade a seus ocupantes. O núcleo informal é considerado pela lei como a ocupação clandestina de área urbana ¹, em situação de irregularidade ou ocupação em que não foi possível realizar por outros modos a titulação de seus ocupantes, considerando as normas e as exigências da legislação vigente à época de sua implantação. ² As ocupações objeto de regularização fundiária urbana se originam de dois tipos de irregularidades fundiárias: a ocupação dominial e a ocupação urbanístico- ambiental. As irregularidades dominiais se formam da ocupação de terras públicas ou privadas sem o título correspondente que atribua garantia jurídica sobre a posse do ocupante. De outro lado, a irregularidade urbanística-ambiental decorre do parcelamento em desacordo com a legislação urbanística e/ou ambiental, ou a falta de seu licenciamento devido. Conforme afirma Figueiredo, a efetiva integração à cidade requererá o enfrentamento das questões, correspondendo à regularização no conjunto de medidas não somente jurídicas, mas urbanísticas, sociais e ambientais. ³ 1.7. INSTRUMENTOS ANTERIORES DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA Conforme exposto nos primeiros itens, a regularização fundiária não corresponde a tema recente, estando presente pontualmente na legislação brasileira desde o período imperial. Majoritariamente aplicada para situações e bens imóveis rurais, a Administração Pública por vezes pretendeu formalizar a realidade fática de ocupações irregulares, esbarrando-se comumente na dificuldade dos instrumentos legais, ou mesmo na (in)disposição política para cumprir o interesse público primário. Instrumento jurídico clássico de utilização nos últimos cento e cinquenta anos foi a “legitimação de posse”, caracterizado como procedimento administrativo de identificação, estabilização e formalização da posse irregular, capaz de atribuir a propriedade aos beneficiários após a confirmação da continuidade da posse, por certo período de tempo. ⁴ Conforme leciona Marques, a legitimação de posse se origina da primeira lei de terras, instituída pela Lei imperial nº 601, de 1850, que já previa o reconhecimento do problema social gerado por ocupações de pequenas áreas de terras, ainda no período compreendido entre a extinção das sesmarias, em 22 de julho de 1822, e o advento da referida lei. ⁵ Como instrumento utilizado especialmente para a distribuição das antigas terras devolutas, o procedimento regulatório era feito por ações discriminatórias, as quais previam somente a formalização da atribuição de domínio pleno, ou seja, propriedade registral perante o registro público, da área reconhecidamente ocupada pelo beneficiário.As ações discriminatórias foram realizadas especialmente nas décadas de 50 e 60, e depois sendo estabelecida a lei federal 6.383, ⁷ de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre os procedimentos discriminatórias de terras devolutas da União Federal, ainda em vigor. Diante da recorrente discussão sobre a imprescritibilidade de bens públicos – inclusive quanto ao não cabimento de usucapião destes, ⁸ excetuando-se aí as terras devolutas e disponibilidade de bens dominiais por sua desafetação – adotaram-se também outros instrumentos regulatórios como a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso. A concessão de uso especial para fins de moradia ainda é estabelecida pela Medida Provisória nº 2.220/2001,⁷ como direito a ser exercido pelo ocupante de área de imóvel urbano ou rural, protegendo especialmente ocupações de bens públicos. Em complemento, a concessão de direito real de uso prevista pela lei nº 11.481,⁷¹ de 31 de maio de 2007, define o uso sobre ocupações reconhecidas sobre terrenos de marinha, enquanto a Lei nº 11.952,⁷² de 25 de junho de 2009, previu a concessão de direito real de uso em ocupações no âmbito da Amazônia Legal. Ressalva-se que esta última lei, nº 11.952/2009, foi atualizada pela Lei nº 13.465/2017, passando a prever a regularização fundiária mediante alienação e concessão de direito real de uso de imóveis. Em todas as situações dispostas, concessão de uso especial ou concessão de direito real de uso, prevalece a inexistência da transmissão do direito real de propriedade sobre o bem imóvel ocupado, não correspondendo ao reconhecimento do domínio pleno como corolário de segurança jurídica e garantia de direito à moradia aos beneficiários, de modo a corresponder às recorrentes críticas aos institutos.⁷³ Atualmente a legitimação de posse é definida no artigo 25 da Lei nº 13.465/2017, confirmada como um dentre os instrumentos acessórios possíveis para a regularização fundiária, mantendo-se a mesma estrutura de identificação dos ocupantes, do tempo de ocupação e natureza da posse, conferindo-se o direito de legitimação, o qual será convertido em direito real de propriedade após o prazo de cinco anos. Ainda na Lei nº 11.977/2009, que previu a primeira lei geral de regularização fundiária urbana, era estabelecida a legitimação de posse como procedimento para se proceder a regularização, através da realização da fase de demarcação urbanística, seguida da legitimação, que se converteria em propriedade com o interregno do prazo legal de cinco anos. Novidade trazida pela Lei nº 13.465/2017 se deu pela criação do instituto da “legitimação fundiária”. A lei previu um instrumento jurídico específico de regularização fundiária que permite – mesmo no tocante ao que a usucapião proíbe, por se tratar de bens públicos – a atribuição originária de aquisição de direito real de propriedade sobre ocupação em área pública, ou mesmo em área privada, em caso de núcleo urbano informal consolidado e existente em 22 de dezembro de 2016, bastando ato do poder público.⁷⁴ Verifica-se que a nova figura instrumental afasta figuras anteriormente utilizadas, como a doação de bem imóvel para interesse social, que demanda lei ordinária em autorização; ou a própria legitimação de posse, que sugere certa segurança, por demandar primeiro a estabilização da posse e continuidade por prazo de cinco anos, para depois se converter em direito real de propriedade.⁷⁵ Questiona-se inclusive, por bastar o ato do poder público de atribuição de legitimação fundiária, se o decreto do chefe do Poder Executivo não implicaria em ilegalidade por ultrapassar sua competência, carecer de ato legal de desafetação e até mesmo do procedimento legal adequado para destinação de bens públicos. Diante da seriedade do instituto da legitimação fundiária, em estar se criando instrumento jurídico capaz de transmitir propriedade de bem público sem a correta concorrência licitatória e desafetação, a lei geral de Reurb limitou a concessão do benefício à regularização fundiária urbana de interesse social (Reurb-S), pautando pelo interesse público inclusive para ocupação de imóvel urbano com finalidade não residencial por beneficiário de baixa renda. No mesmo sentido, a União Federal editou a portaria nº 2.826,⁷ de 31 de janeiro de 2020, a qual estabelece normas e procedimentos específicos de regularização fundiária em áreas da União. Especificamente sobre a legitimação fundiária, a portaria reforça a possibilidade de titulação somente a beneficiários de baixa renda. Ademais, estabelece que o Município poderá reconhecer a legitimação fundiária somente em caso de acordo de cooperação técnica ou instrumento congênere anteriormente firmado com a União Federal. 1.8. OBJETIVOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA Como objetivos da regularização fundiária urbana, a lei federal definiu as seguintes metas no seu artigo 10, dispondo serem obrigações comuns a serem observadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Como primeiro objetivo, caberá aos entes públicos identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, de modo a organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes. Nesse sentido, objetiva-se a melhoria das condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior. Em segundo sentido, cabe aos entes, mediante a Regularização Fundiária Urbana, a criação de unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano, constituindo sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes. Por conseguinte, deve-se ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados. Outro objetivo a ser utilizado é quanto a promoção da integração social e a geração de emprego e renda; de maneira a estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade. São também objetivos a garantia do direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas, a garantir a efetivação da função social da propriedade, o ordenamento sobre o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, a concretização do princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo. Cabe ainda, no procedimento de Regularização Fundiária Urbana franquear a participação dos interessados nas etapas do processo de regularização. E, no sentido de evitar futuros problemas imobiliários, prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais. Comenta-se que os objetivos adotam semelhança e correspondência com os mesmos pontos previstos como compromissos transformadores para o desenvolvimento urbano sustentável da Nova Agenda Urbana,⁷⁷ adotada na Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), de 20 de outubro de 2016. 1.9 LEGITIMAÇÃO PARA O REQUERIMENTO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA Definiu a lei que a competência sobre a regularização fundiária urbana caberá ao Município, ou ao Distrito Federal quando for o caso, para as atribuições de instauração, aprovação do projeto de regularização, pronunciamento de conclusão e emissão do Certidão de Regularização Fundiária (CRF). A legitimação para requerer a regularização fundiária, todavia, é diferente. Nos termos do artigo 14 da lei, a Reurb poderá ser solicitada pela União, pelos Estados, pelo próprio Município ou Distrito Federal, que poderão fazê-lo diretamente ou por suas entidades da administração pública indireta. A lei também atribuiu como legitimados ao requerimento da Reurb os beneficiários, que poderão solicitar individual ou coletivamente, ou através de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade as atividades nas áreas de desenvolvimentourbano ou de regularização fundiária urbana. São legitimados os proprietários dos imóveis ou terrenos, os loteadores ou incorporadores, observado nesses casos específicos que o requerimento não os eximirá de eventual responsabilidade administrativa, civil ou criminal, nos termos da lei de parcelamento do solo urbano (lei federal nº 6.766/1979).⁷⁸ Em complemento, são legitimados a Defensoria Pública, por atuar em nome dos beneficiários hipossuficientes, e o Ministério Público, dada sua função institucional de proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CF/88). Logo, poderão requerer a Reurb: 1) Entes públicos: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente ou por meio de entidades da administração pública indireta; 2) Beneficiários: os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana; 3) Responsáveis pela realização do núcleo: os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou incorporadores; 4) Defensoria pública: a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes; ou 5) Ministério público: o próprio Ministério Público, nos termos do artigo 129, IX, da Constituição Federal de 1988. Nos termos do artigo 14, §1º, da Lei nº 13.465/2017, os legitimados poderão promover todos os atos necessários à realização da regularização fundiária, dentre estes inclusive, o requerimento dos atos de registro quando finalizado o procedimento e emitida a Certidão de Regularização Fundiária (CRF). Na especificação dos beneficiários, entende-se que para a instauração do procedimento da regularização fundiária urbana, o pedido poderá ser feito pelos beneficiários, individual ou coletivamente representados, fazendo-se constar a possibilidade de legitimação da representação coletiva por associações (a exemplo de associações de moradores, bairros, etc.), fundações ou sociedades constituídas para organizações habitacionais especialmente destinadas à Reurb. Outra previsão importante do mesmo artigo 14 da lei geral de regularização foi quanto ao direito de regresso definido em favor daqueles que arcaram com os custos e obrigações pela realização do procedimento de regularização fundiária. Desta forma, conforme §2º do artigo 14, nas hipóteses de parcelamento do solo, conjuntos habitacionais ou condomínios informais, quando empreendidos por particular, haverá o direito de regresso sobre custos e obrigações contra os responsáveis pela implantação dos núcleos urbanos informais. Assim, na hipótese de a população interessada assumir o custeio das despesas de procedimentos e obras de infraestrutura e urbanísticas necessárias à regularização – ou mesmo a Administração Pública no caso da modalidade da Reurb-S – será possível exigir em regresso o ressarcimento pelos custos contra aqueles que deram origem à formação do assentamento irregular. De fato, a responsabilidade dos responsáveis pela formação dos núcleos urbanos informais prevalecerá, mesmo diante da realização do procedimento de regularização fundiária urbana. Conforme previsto pelo art. 14, §3º, da lei 13.465/2017, ainda que requerido pelos proprietários dos terrenos, loteamentos ou incorporações – ou mesmos seus sucessores – a realização e conclusão da regularização fundiária não eximirá os responsáveis pelas responsabilidades administrativa, civil ou criminal, decorrentes do núcleo urbano informal. Importante atentar que a prática usual de empreendedores do mercado imobiliário de constituir loteamento irregular configura não somente a responsabilidade civil (obrigação de custeio pelas obras, ressarcimento ou reparação aos compradores/consumidores), a responsabilidade administrativa (implicações administrativas com obrigação de ressarcimento ao Erário e sanções administrativas de natureza pecuniária), como também a responsabilidade criminal, conforme se destaca no quadro a seguir. PREVISÃO CRIMINAL POR LOTEAMENTO IRREGULAR Deve-se atentar que a lei de parcelamento do solo, lei nº 6.766/1979, define a responsabilidade criminal dos responsáveis pela formação do loteamento irregular: Disposições Penais Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública. I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios; II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença; III - fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo. Pena: Reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Parágrafo único - O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido. I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente. II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave. II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999) Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Art. 51. Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade. Art. 52. Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado. Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis. 1.10 COMPETÊNCIA PARA O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DA REURB Um dos maiores diferenciais entre a lei anterior de regularização fundiária (lei nº 11.977/2009) e a atual lei geral de regularização fundiária (lei nº 13.465/2017), foi quanto a competência para presidência e impulso oficial do procedimento administrativo da Reurb. Enquanto a lei anterior definia a atribuição do procedimento de regularização fundiária ao Oficial do Registro de Imóveis, a lei seguinte altera o protagonismo do procedimento, transferindo a atribuição ao Município. Dessa forma, o procedimento da Reurb será iniciado e tramitado perante o Município, para que somente após a sua conclusão seja encaminhada a certidão de regularização fundiária (CRF) para registro perante o cartório de registro de imóveis. Portanto, previu o artigo 30 da lei nº 13.465/2017 a competência dos Municípios para o procedimento administrativo da Regularização Fundiária Urbana, cabendo-lhes não somente a decisão sobre a instauração, como também a atribuição para a classificação da modalidade de regularização a ser desenvolvida⁷ , os atos de processamento da regularização, a aprovaçãodos projetos de regularização e urbanístico, bem como a decisão final de aprovação da Reurb e da consequente emissão da Certidão de Regularização Fundiária (CRF). Motiva-se a transferência da competência diante da ampliação da atuação do procedimento de Regularização Fundiária Urbana, que ultrapassa a unidimensionalidade do instrumento jurídico-regulatório de titulação (e solução) de propriedade do núcleo urbano informal, para corresponder a conjunto de instrumentos tridimensional, por introduzir a instrumentalidade social- regulatória – adequações urbanísticas de habitabilidade – e a instrumentalidade econômico-regulatória, para integração do núcleo informal à cidade formalizada. Concomitantemente, reconhecida a expertise do serviço de registro de imóveis, sua atuação poderá ser considerada no auxílio ao Município para a solicitação de certidões imobiliárias, buscas registrais e identificação de pendências jurídicas que envolvam as áreas de intervenção pela regularização fundiária. 1.11 CONSIDERAÇÃO DO NÚCLEO URBANO INFORMAL Na consideração do que seja núcleo urbano informal, ora correspondente às áreas a serem submetidas à intervenção da regularização fundiária urbana, a lei nº 13.465/2017 prevê três conceitos úteis para a compreensão do procedimento da Reurb. De um lado, define-se o núcleo urbano como assentamento humano, com uso e características urbanas, ora constituído por “unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural” (art. 11, inciso I). Por conseguinte, a definição de núcleo urbano informal se presta ao núcleo clandestino, irregular ou onde não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, mesmo que em atendimento à legislação vigente à época de sua implantação ou regularização (art. 11, inciso II). Ainda, como objeto principal de intervenção do procedimento de regularização fundiária urbano, define-se o núcleo urbano informal consolidado como ocupação de assento humano difícil reversão, “considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município” (art. 11, inciso III), também lhe sendo atribuída a irregularidade do parcelamento urbano a ser regularizado. 1.12 MODALIDADES DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA O procedimento da regularização fundiária urbana é estruturado em duas modalidades. A primeira modalidade corresponde à Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social (Reurb-S), destinada aos núcleos urbanos informais ocupados por população de baixa renda, conforme declarado por ato do poder executivo municipal. A segunda modalidade corresponde à Regularização Fundiária de Interesse Específico (Reurb-E), destinada à formalização de núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada de baixa renda. A distinção entre as modalidades está no tratamento de requisitos, auxílio técnico e obrigações de custeio sobre a regularização fundiária urbana a ser realizada. Conforme previsto no §5º do artigo 13 da lei da Reurb, a classificação da modalidade viabiliza a identificação dos responsáveis pela implantação ou adequação das obras de infraestrutura essencial, e o reconhecimento de eventual direito à gratuidade das custas e emolumentos notariais e registrais, e favor dos beneficiários do domínio das unidades imobiliárias a serem reguladas. Na previsão da caracterização da população de baixa renda, caberá ao Município definir o critério a ser adotado, a exemplo do critério federal para enquadramento no cadastro único para programas sociais do governo federal, conforme decreto federal nº 6.137/2007, apresentado no quadro seguinte. População de Baixa Renda: Caracterização Decreto 6.137/2007 – Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Art. 4º - família de baixa renda: a) aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo; ou b) a que possua renda familiar mensal de até três salários-mínimos; Renda familiar mensal: a soma dos rendimentos brutos auferidos por todos os membros da família, não sendo incluídos no cálculo aqueles percebidos dos seguintes programas: Renda familiar per capita: razão entre a renda familiar mensal e o total de indivíduos na família. No caso da Reub-S, por ser destinada à população de baixa renda, haverá isenções em favor de seus beneficiários, as quais não são aplicáveis à Reurb-E, nos termos do artigo 13, §1º, inclusive para o custo de emissão e fornecimento de certidões ou o primeiro registro que confere direitos reais aos seus beneficiários perante o cartório de registro de imóveis.⁸ Na Reurb-S, quando realizada sobre bem pública, previu também a lei a isenção aos beneficiários de pagamento de indenização, de custos de projeto de regularização e do registro posterior. Por seu turno, na Reurb-E promovida sobre bem público, a aquisição de direitos reais pelo ocupante particular será condicionada ao pagamento do justo valor da unidade imobiliária regularizada.⁸¹ Na hipótese de levantamento de área de ocupação por núcleo urbano informal cuja presença conte com parte da população de baixa renda, e parte de ocupantes não enquadrados nessa qualificação – a exemplo de imóveis ocupados por população de classe média ou imóveis comerciais, dentre outros –, será possível o procedimento administrativo de regularização fundiária mista, fracionando-se a aplicação das regras de interesse social somente aos imóveis de natureza de baixa renda, e a regra de interesse específico aos demais imóveis objeto do procedimento de regularização. Ademais, a eventual inércia do Município em realizar a classificação da modalidade implicaria na sua fixação automática e o prosseguimento do procedimento administrativo da Reurb, conforme requerimento do legitimado, nos termos do §3º do artigo 30 da lei nº 13.465/2017. Previsão legal que, além de remota, tem efeitos temporários, vez que nada impede a futura revisão de classificação pelo Município, mediante estudo técnico para justificá-la. Terceira modalidade também prevista na lei geral de Reurb, se caracteriza pela regularização fundiária urbana a ser procedida para glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979. Referida modalidade foi denominada de “Reurb inominada”, a qual se destina à solução de parcelamentos irregulares ainda anteriores à vigência da lei nº 6.766/1979, lei do parcelamento do solo urbano. Por este rito, previu o artigo 69 e seguintes da lei nº 13.465/2017, rito abreviado para regularização e registro de titulação dos parcelamentos antigos, cuja solução ainda não tenha sido efetivada. A lei federal nº 13.465/2017 foi regulamentada pelo decreto federal nº 9.310, de 15 de março de 2018, o qual institui normas gerais e procedimentos aplicáveis à regularização Fundiária, bem como procedimentos destinados a avaliação e alienação de bens imóveis da União. Referido decreto regulador definiu, em seu art. 3º, a proibição da possibilidade de regularização fundiária em núcleos urbanos informais situados em áreas indispensáveis à segurança nacional, ou áreas de interesse da defesa, assim estabelecidas em ato do Presidente da República.⁸² Percebe-se que, apesar de decreto regularizador, a norma infralegal trouxe hipótese de exceção quanto à possibilidade da regularização fundiária urbana. De todo modo, o decreto não proíbe a regularização de núcleos urbanos informais em faixa de fronteira,⁸³ exceto na situação de área de segurança ou interesse de defesa, conforme mencionado. 1.13 FONTES DE FINANCIAMENTO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA Considerada a modalidade da realização da regularização fundiária urbana de interesse social (Reurb-S), caberá ao Município o dispêndio para a realização do procedimento administrativo, nomeação ou contratação de profissionais habilitados para a realizaçãodos estudos e elaboração do projeto de regularização e projeto urbanístico, e especialmente as obras de adequação urbanística e infraestrutura de habitabilidade. Para tanto, a criação de fontes de financiamento e previsão orçamentária serão essenciais para a realização da regularização fundiária. Como fonte de financiamento federal, o Município poderá ser beneficiado através do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), instituído pela lei federal nº 11.124/2005. O referido fundo tem por objetivo implementar políticas e programas de investimentos e subsídios, promovendo e viabilizando o acesso à habitação voltada à população de menor renda. Dentre suas aplicações, seus recursos são destinados a ações vinculadas a programas que contemplem a urbanização, a produção de equipamentos comunitários, bem como a regularização fundiária e urbanística de áreas caracterizadas de interesse social. O acesso aos recursos do fundo dependerá do enquadramento e solicitação perante o Conselho Gestor do FNHIS, conforme submissão de projeto apresentado pelo Município. Em reforço ao FNHIS, também foi instituído o Programa de Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional, integrado ao Programa Casa Verde e Amarela, conforme Resolução federal nº 225, de 17 de dezembro de 2020. O programa integra previsões de financiamento junto ao Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), ora destinado ao incentivo a formalização de núcleos urbanos informais em programas de regularização fundiária urbana de interesse social (Reurb-S). Em nível estadual, são também instituídos fundos de habitação de interesse social, nos quais poderá o Município se inscrever, conforme programas de regularização e convênios a serem empreendidos. Ainda em âmbito estadual, a lei nº 13.465/2017 previu no artigo 73 a criação dos fundos de compensação de custos referentes a atos registrais da Reurb-S, destinados à compensação e emolumentos dos cartórios. Neste ponto específico, o fundo não seria destinado ao custeio direto da atuação dos municípios sobre as atividades da regularização fundiária, mas sim para a compensação de serviços gratuitos relativos à regularização fundiária urbana de interesse social a serem desempenhados pelos serviços extrajudiciais, por decorrência da previsão de isenção de taxas e emolumentos prevista na lei geral da Reurb. Em financiamento do próprio Município, são permitidas as criações de fundos específicos para o financiamento e fomento da regularização fundiária, a exemplo dos fundos de programas de habitação de interesse social. Concomitantemente, poderá o Município se valer de outros instrumentos de financiamento, a exemplo da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), prevista na lei federal nº 10.257/2001, que instituiu o Estatuto da Cidade. Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) Em cada uma das zonas e distritos que formam a cidade é definido um índice ou estoque adicional de área a ser construída. Como o nome explica, o construtor recebe do Município a outorga (permissão) para construir acima do limite mediante o pagamento desse estoque ofertado (ônus), até o limite máximo permitido. Esses recursos adquiridos pelo Município vão para os fundos municipais de habitação para serem empregados nas Operações Urbanas Consorciadas, em programas de construção de HIS - Habitação de Interesse Social, programas de regularização fundiária, programas ambientais e obras para melhorar a qualidade da vida urbana. Conforme artigo 31 do Estatuto da Cidade, o município poderá utilizar os recursos auferidos da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, para programas de políticas públicas urbanas, dentre estes a regularização fundiária. Importa observar que, apesar da previsão legal da solução de regularização fundiária, o sucesso do procedimento dependerá da existência de recursos financeiros disponíveis para a atuação do Município, ressalvada a hipótese da realização da regularização fundiária urbana de interesse específico ou quando os beneficiários assumem todo o custeio do procedimento, cabendo-lhes o direito de regresso contra os responsáveis pela formação do núcleo urbano informal. Entrementes, resta reconhecido o cenário de dificuldade financeira da maioria dos municípios brasileiros, fazendo constar o ponto orçamentário como um dos principais obstáculos para a realização das políticas públicas para o desenvolvimento urbano e regularização fundiária. 1.14 FASES DO PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA O procedimento administrativo da Reurb será instaurado por decisão do Município, mediante a recepção do requerimento escrito, elaborado de ofício ou por algum dos legitimados previstos na lei. Estabelece a lei, no artigo 32, que eventual indeferimento da instauração será somente para indicar medidas e complementos a serem adotados para a reformulação e reavaliação do requerimento. A Reurb seguirá as fases previstas em lei, conforme artigo 28, correspondendo ao requerimento dos legitimados, seguido do processamento administrativo do requerimento, no qual será conferido prazo para manifestação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel e dos confrontantes. Por conseguinte, passa-se à fase de elaboração do projeto de regularização fundiária, acompanhada posteriormente do saneamento do processo administrativo, para correção de erros e atendimentos de requisitos legais. Após, haverá a decisão de conclusão da regularização fundiária, mediante ato formal, à qual se dará publicidade, quando será expedida a certidão de regularização fundiária (CRF). Finalmente, serão encaminhados a certidão de regularização fundiária (CRF) e o projeto de regularização fundiária aprovados, para o registro perante o oficial do cartório de Registro de Imóveis competente para a formalização as unidades imobiliárias regularizadas. Superada a parte teórica, passa-se à explanação sobre o procedimento da Regularização Fundiária Urbana, comentando- se as normas procedimentais e seus aspectos práticos. Sobre o procedimento administrativo de Reurb, verifica-se a necessidade de discorrer sobre o procedimento preparatório, antecedente à instauração da Reurb, bem como os institutos jurídicos que garantem a solução jurídica para a atribuição de titularidade das unidades ocupadas no processo de regularização fundiária. Especialmente, merece ser visualizada a atuação da Administração Pública na Regularização Fundiária Urbana, destinada à não somente à regularização formal do núcleo urbano, mas principalmente a integração com a cidade existente, em seus aspectos urbanístico, social, econômico, e até mesmo ambiental. 1 Fernandes reforça que o conceito de moradia – pautado nos direitos de propriedade – foram sofrendo modificações desde a década de 1930, no Brasil, de maneira que as leis urbanísticas finalmente materializassem o princípio constitucional da função social da propriedade. Todavia, demorou para que os invasores dos núcleos informais fossem finalmente reconhecidos para fins de posse, fator que ocorre somente na Constituição Federal de 1988 (FERNANDES, Edésio. Perspectivas para a renovação das políticas de legalização de favelas no Brasil. In: ROLNIK, Raquel et al. Regularização fundiária sustentável: conceitos e diretrizes. Brasília: Ministério das Cidades, 2007, p. 39). 2 Meirelles ensina que, na teoria do urbanismo clássico, a regulamentação urbanística se organiza em três tipos classificatórios, sendo primeiro o Buiding- Code, voltado à ordenação estrutural da construção; o segundo, o Housing-Code, normas de higienismo, que estabelecem medidas mínimas sanitárias para as edificações; e o terceiro, o Zoning-Regulation, que caracteriza as normas de zoneamento e condições para loteamento, conforme estudos de densidades demográficas e volumes ou espécies de edificações admitidos pela destinação local. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 574). 3 Sobre a motivação da regularização fundiária diante da situação urbana, menciona Melo: