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FUNDAÇÕES Teoria e prática Editores W a l d e m a r H a c h i c h , Freder ico F. Fa lconi , J o s é Luiz Saes, Régis G . Q . Frota, Ce lso S. C a r v a l h o e S u s s u m u N i y a m a FUNDAÇÕES Teoria e prática Editores Waldemar Hachich, Frederico F. Falconi, José Luiz Saes, Régis G. Q. Frota, Celso S. Carvalho e Sussumu Niyama FUNDAÇÕES: TEORIA E PRÁTICA © Copyright Editora Pini Ltda. Todos os direitos de reprodução ou tradução reservados pela Editora Pini Ltda. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação [CIPJ [Câmara Brasileira do Livro, SR Brasil) Fundações : teoria e prática. — 2. ed. - - S ã o Paulo: Pini, 1998. Vários autores. Vários editores técnicos Bibliografia. ISBN 85-7266-098-4 1. Fundações 98-3216 CDD-624.15 índices para catálogo sistemático: 1. Engenharia de fundações 624.15 2. Fundações : Engenharia 624.15 Coordenação dc livros: Raquel Cardoso Reis Projeto gráfico e serviços editoriais: d'AZ F.ditoração Eletrônica S/C Lida. Paginaçào (24' edição ): Lúcia Lopes Capa: Lúcia Lopes Revisão: Roberto Carlcssi Editora Pini Ltda. Rua Anhaia. % 4 - CEP OI 130-900 São Paulo. SP 1-Vnc:0l I 3352-6400-Fax OI l 3352-7587 Internet: www.piniweb.com- l£-mnil: manuais@pini.com.br 2 3 e d i ç ã o 9 a t i ragem: 1 0 0 0 exemp la re s , abr/09 mailto:manuais@pini.com.br Este livro é fruto d c uma feliz c o m b i n a ç ã o de idéias e estímulos das diretorias d c duas associações : a ABMS, através do Núcleo Regional de São Paulo, e a ABEF. Alguns de nós temíamos inicialmente q u e o empreendimento fosse por demais ambicioso. Afinal, ainda não existia no Brasil um livro completo de Fundações. Reunir as contribuições d c muitos autores era c o m o tentar reger uma orquestra cujos músicos estives- sem espalhados pelo País. Para complicar, havia seis maestros... Antes de mais nada, era necessário conseguir que os editores tivessem uma visão mais ou m e n o s consensual d o livro. Em diver- sas reuniões realizadas na sede da ABMS nacional os regentes conseguiram uniformizar razoavelmente sua visão da obra. O con- teúdo deveria ser o estado-da-arte d c c o n c e p ç ã o , análise, projeto, e x e c u ç ã o e monitoração de fundações no Brasil; seria um livro c o m um significativo apelo prático, s e m perder d e vista a base conceituai teórica. Quanto à forma, deveria ser um texto de referên- cia bastante completo, mas suficientemente articulado para atender também a sua tão necessária utilização como livro didático. O livro foi organizado e m c inco partes e vinte capítulos. A pri- meira parte é uma síntese dos fundamentos da Mecânica dos So- los, indispensáveis ao exerc íc io de uma boa Engenharia de Fun- dações . A segunda parte trata das fundações e m todas as suas múltiplas facetas. C o m o obras de fundações são, e m geral, a c o m - panhadas de escavações e contenções , a elas foi dedicada a ter- ceira parte. Da mesma forma, as obras complementarcs da quarta parte são por vezes indispensáveis para a e x e c u ç ã o das funda- ções . Finalmente, a quinta parte trata de um tema cada vez mais essencial para preservar a competit ividade: a qualidade, seus re- quisitos c procedimentos. A escolha dos músicos foi, talvez, a parte mais fácil da tarefa, visto q u e a capaci tação disponível no País era até muito maior do q u e as possibilidades de a c o m o d a ç ã o n o tamanho previsto para o livro. A preocupação de obter co laborações as mais significativas para a obra, viessem elas de o n d e viessem, levou ao convite a autores das mais diversas regiões, apesar das dificuldades logísticas. Ainda assim, desculpamo-nos pelas inevitáveis omissões . Nossa preocupação c o m a qualidade das contribuições nos le- vou a formar uma orquestra de verdadeiros solistas (não, este não é um abominável trocadilho)! Nessas condições , é evidente q u e o maestro (maestros, no c a s o ) tem q u e exercitar plenamente as suas — oxalá existentes! — habilidades no relacionamento humano, posto q u e os solistas s ã o músicos muito mais graduados e experi - entes d o q u e o próprio maestro, E este livro só foi possível graças à e n o r m e c o l a b o r a ç ã o dos 50 autores q u e emprestaram seu bri- lho, e n o r m e talento e a indispensável transpiração para levar a b o m termo a tarefa solicitada pelos editores. Escolhidos os músicos, era necessário transmitir a cada um de- les a sua partitura e uma idéia da partitura dos demais, bem c o m o tentar estimular o contato direto entre eles para a troca de idéias sobre a interpretação da obra. Instruções mais ou menos porme- norizadas foram redigidas c diversas reuniões foram promovidas com grupos d e autores, na tentativa de discutir com eles o tom da obra. A presença dos autores a essas reuniões foi significativa mas não total, exatamente devido às dificuldades logísticas e às limita- ç õ e s de o r d e m e c o n ô m i c a . Alguns autores, porém, entusiasmaram-se tanto com o empre- e n d i m e n t o q u e até participaram de várias outras reuniões dos editores, o f e r e c e n d o desinteressadamente a contribuição valiosa da sua exper iência . A eles, os nossos agradecimentos. O s prazos para entrega dos capítulos foram estabelecidos e co- meçou o q u e seria o primeiro ensaio. Pretendia-se então que um segundo, tão e x t e n s o quanto o primeiro e fundamentado nos re- s u l t a d o s d e s t e , a j u d a s s e a e l iminar e v e n t u a i s d i s s o n â n c i a s , d e s c o m p a s s o s e, se possível, permitisse até m e s m o compatibilizar nuances subjetivas d c interpretação. Alguns pou c os autores cumpriram os prazos à risca. Muitos se atrasaram um pouco . Alguns se atrasaram muito! Estávamos pre- parados para essa s i tuação e procuramos gerenciá-la de forma flexível, pois b e m sabíamos q u e as contribuições dos autores eram fruto exc lus ivo da sua boa vontade, e q u e a responsabilidade da obra os obrigava a significativos sacrifícios da sua rotina de traba- lho c u de lazer. Adiamos a o máximo o final da primeira etapa e, em conseqüên- cia. fomos forçados a reduzir a o mínimo indispensável a revisão compatibi l izadora dos consultores da Comissão Editorial. Estáva- mos c ientes d c q u e isso redundaria cm um certo prejuízo para a unidade da obra e para a articulação dos diversos capítulos. Autores que haviam cumprido os prazos foram forçados a esperar muito até obterem alguma manifestação da Comissão Editorial, que tinha que aguardar a entrega das demais contribuições para tentar promover uma melhor integração. Foi-lhes solicitado, em segui- da, q u e promovessem as alterações sugeridas pela Comissão Edi- torial c m prazo extremamente exíguo. Em todas as circunstâncias c o n t a m o s c o m notável e m p e n h o e espírito de colaboração. Se às vezes divergimos de les em algum "pianiss imo" ou "staccato" , curvamo-nos e m geral a o seu virtuosismo. A obra c o m e ç a v a a soar d c forma agradável, mas acima de tudo era indispensável encontrar quem patrocinasse a primeira tempo- rada. Afortunadamente, encontramos um mecenas que, com espí- rito nobre c grande desprendimento, p e r c e b e n d o o enorme valor do projeto para o meio técnico e para a Engenharia Geotécnica nacional, do alto dos seus quase 8 0 anos, mais d c 50 dedicados à Engenharia, assumiu o patrocínio. A ele, nosso reconhecimento. t 4 Esta magnífica obra d e Engenharia d e Fun- dações , q u e ora vem a lume, procurou reunir num único tratado, através das contr ibuições dos nossos maiores especialistas, o q u e de melhor se pratica n o Brasil neste c a m p o . É portanto um marco da nossa Engenharia. Para propiciar a fruição de suas excepc io - nais qualidades, pelo meio técnico nacional e principalmente pelo m e i o universitário, fazia- se mister torná-la acessível a o público inte- ressado. Pe lo a lentado da obra, bem poucos pode- riam adquiri-la, a menos q u e houvesse um patrocinador que , por amor e dedicação à En- genharia,assumisse o s ô n u s de sua impres- são. Este benemér i to surgiu na pessoa d o Sr. Pelerson Soares Penido, diretor-presidente da Serveng Civilsan S/A Empresas Associadas de Engenharia, c u j o perfil tentaremos e s b o ç a r a seguir: A personalidade d o Dr. Penido se define c o m o a de um h o m e m modesto , cora joso , empreendedor . Enfim, possui as qualidades d e um líder. O seu lema de trabalho é sempre concre to e árduo, jamais utópico. Sempre transforma suas idéias e m realizações. A s u a f o r ç a d e l í d e r , o b s t i n a d o e autoconfiante, arrosta qualquer perigo quan- d o se trata d e defender o progresso. A sua estrela sempre brilha e ilumina o c a m i n h o dos q u e o seguem. Mas o grande segredo d o Dr. Penido, resi- de em sua larga exper iência n o c a m p o da Engenharia . A e s s e respeito, ele relata estórias interes- santíssimas de sua militância, desde a cons- trução dos túneis para a Segurança Nacional e postos de observação dos fortes Jurubatuba, Santa Cruz e São J o ã o no Rio de J a n e i r o no tempo da Segunda Guerra Mundial, até a cons- trução do Porto do Itaqui, n o Maranhão, pas- sando pela reforma da Escola Nacional d e Engenharia e construção de seu anfiteatro, da capi ta l d e G o i á s e da rodovia Anápol i s - Tocantins, além d e muitas outras. Ampliou seu c a m p o d e ação e hoje tam- bém atua no setor imobiliário, no transporte d e passageiros, através da Empresa de Ôni- bus Pássaro Marrom S/A, na pecuária e na comercia l ização d c veículos. D e 1964 a 1965 o c u p o u c o m competênc ia o cargo de Secretário de Obras na Secretaria de Serviços e Obras Públicas do G o v e r n o do Estado d c S ã o Paulo. As pessoas q u e no futuro tiverem a fe lk dade de computar esta notável obra de Enge- nharia d c Fundações certamente haverão de se lembrar q u e foi graças à bcnemerencia de Pelerson Soares Penido, empresário emérito, q u e esta magnífica obra p ô d e ser amplamen- te divulgada. ABMS-Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica Diretoria ( 1 9 9 4 - 1 9 9 6 ) Presidente: Secretário: Tesoureiro : Secretário execut ivo: Sussumu Niyama Marcus P. Pacheco Artur Rodrigues Quaresma Filho Akira Koshima Diretoria ( 1 9 9 4 - 1 9 9 6 ) do Núcleo Regional de São Paulo (NRSP): Presidente: Vice-presidente: Secretário : Tesoure i ro : Secretário execut ivo: Waldemar Hachich J o s é Carlos Ângelo Cintra Celso Santos Carvalho Frederico Falconi Régis G. Q. Frota ABEF-Associaçao Brasileira de Empresas de Engenharia de Fundações e Gcotecnia Diretoria ( 1 9 9 3 - 1 9 9 5 ) Presidente Vice-Presidcntc Secretário geral Diretor Diretor J o s é Luiz Saes Roberto Carlos Nahas Núncio Petrella Juvenal O. Miller J o s é Carlos Peçanha Diretoria ( 1 9 9 5 - 1 9 9 7 ) Clovis Salioni Armando Caputo Clovis Ashcar Heitor Manrubia Walter lório Presidente Vice-Presidente Diretor de eventos Diretor financeiro Diretor de relações com o mercado PREFACIO VICVORF. B. DE MELLO Prefaciar um livro d c iniciativa tão corajosa e valiosa constitui um desafio, de lào grave responsabil idade quanto dese jadamente útil seja a obra . Relatar c registrar com crítica construtiva um passado, um acervo tão grande, é indispensável; mormente num País-contincntc, jovem, incumbido de incorpo- rar a solos geologicamente muito diferentes os ensinamentos convencionais teórico-práticos de outras geografias físicas e de idealizações acadêmicas. A falta de um Livro Texto minimamente ajustado e adequado às necessidades locais foi- se agravando de postergação em postergação, enquanto as pressões imediatistas de construção foram sendo atendidas. Parece chegada uma hora propícia. Não há Presente confortável nem Futuro f e c u n d o s e m c o n h e c i m e n t o e reconhec imento respeitoso das l ições d o Passado. Por outro lado. é necessá- rio enfatizar o s males e riscos de uma c o n s i g n a ç ã o estática, numa c o n d i ç ã o de dinâmica acelerada de revisões c avanços por todo lado. Existe porventura alguma lacuna na Teorizaçào aplicável a Fundações? Exis- tiria porventura uma Teoria de Fundações q u e viesse a ser diferente e particu- larizada para o Brasil, q u e não seja diretamente a mesma de todo o mundo? Não. Portanto, a lacuna dc uma nova, renovada, síntese da Teoria de Funda- ç õ e s c mundial, internacional, devido ao acelerado acúmulo de incrementos de informações provido pelas incontáveis p u b l i c a ç õ e s de artigos técnicos . A lacuna pecul iar a o Brasil neste a s pe c to c liminar, da inexistência de um b o m livro d c texto, c m síntese crítica abrangente c e m nosso idioma. E quanto às Práticas empregadas c c m emprego atual n o Brasil? Quanto a o registro dc obras-tipo c obras notórias (Case Histories), frisemos... l>om. neces- sário, fácil! Rcsguardcmo-nos, porém, da tendência d c gerar conceituação dc que o que foi feito certo... podendo ser (e tendendo a ser) conservativo: portanto, nào no nível mais econômico c no limiar aceitável da eventual impunidade. Qual. então, a principal lacuna? A mesma que se registra c m todo o mundo de vanguarda, e provavelmente em condição particularizada agravada entre nós. A q u e s t ã o c r u c i a l é da I N C O M P E T Ê N C I A D O S E N S A I O S . Í N D I C E S E PARÂMETROS. ACOPLADOS ÀS TEORIAS. DE FACULTAREM APRIMORAR AS MÉDIAS E DISPERSÕES DAS PREVISÕES/COMPORTAMENTOS (Prediction vs. Performance) . Isto está sendo frustrantemente observado em todo o mun- do; e quiçá se descobriria persistir até mais fracativamcnte entre nós? F o m o s obr igados a aceitar c o m o temporar iamente validáveis para uso, dcterminist icamente, todo um c o n j u n t o d c pseudoverdades nominais de pri- meiro grau dc aproximação, geradas principalmente nos notáveis centros acadêmicos de Boston, Londres e Escandinávia. Fomos sabiamente educa- dos a acatá-las c usá-las c o m fé e fidelidade... até q u e pudessem ser revistas, mediante dados aprimorados das realidades c m observação . Nào tivemos c o n d i ç õ e s de est ímulo c a p o i o para questioná-las . revê-las, aprimorá-las, salvo por iniciativas individuais e esporádicas. T e m o s q u e rever duplamente : e por q u e n ã o de uma s ó vez, acei tando s imultaneamente o DESAFIO de base de gerarmos nossos próprios ensaios e índices? Por q u e cont inuaremos a ajustar nossa prática à prática desajustada dos outros? temos proporcionalmente muito maior aversão a ensaios físicos, de c a m p o c de laboratório, e m lugar de manipulações computacionais da scrvil idade d o c o m p u t a d o r e programa? In teressante seria a c r e s c e n t a r dois capí tulos , n o s quais retratar íamos: Ca) e m Teoria , o q u e teria s ido adotado se o presente livro estivesse s e n d o escri to há 20 anos , e m 1975, e há AO anos, c m 1955 (respectivamente próxi- m o s a cada g e r a ç ã o engenheiranda) ; ( b ) e m Parâmetros e m p r e g a d o s (médias e dispersões) q u e avanços teriam sido c o n s i g n a d o s e comprovados ; ( c ) c m Prática, q u e equipamentos e tecnologias teriam diferenciadamentc constado nos m e s m o s decursos de anos. O que avançou mais? Não é na falta de avanço colateral q u e a profissão se ressente da maior lacuna atual? Estamos no limiar de um novo surto de entrada de equipamentos, técnicas etc... da mercadologia globalizada intensa, que em parte despreza c suprime iden- tidades autóctones. Quais é que realmente nos serão úteis? Quanto custearemos até descobrir a real utilidade prática? São tantas as desvantagens de estarmos retar- dados, que lemos que duplicar esforços n o sentido de acertarmos no atalho curto. Fazem-me lembrar como bem pertinentes, para qualquer início, os comentários deTerzaghi <cf INTERNAL REPORTdo Norwegian Geotechnical Institute: TerzaghPs period in Turkey 1916-25) "The inventory of my laboratory included only an empty cigar box, some kitchen ware o f the collegc, and someancient druggist tools that I had bought ai the Bazaar". "AH the essential conclusions arrived through my modest tests were confirmed, the proof for the old fact that the SUCCESS O F A RESEARCH ( theore t i ca l ) IS N O T DUE T O T H E P E R F E C I I O N O F T H E T E S 7 I N G EQUIPMENT B U T IT RATHER DEPENDS ON T H E T R U E MERIT O F T H E G U I D I N G IDEA". Em re lac ionando às e n o r m e s lacunas c o m q u e e le se defrontou e m Istambul c o m o c o l a p s o da Turquia e m 1917-18, até 1924, das três VANTAGENS q u e e l e ressalta n o m e i o das vicissitudes, c a b e ressaltar "Thirdly, I had the shortage o f available means and I was c o m p e l l e d to e x p e r i m e n t m e r e l y with the remedy o f brain w o r k forc ing through difficulties. . . the s imple and inexpensive apparatus served s o much bet ter for my purpose , for I cou ld try several attempts without much loos o f t ime and rnoney... W h e n o n e starts a l ready with a c o m p l i c a t e d , e x p e n s i v e apparatus , HE IS SLAVE O F HIS INSTRUMENT". Finalmente cabe conclamar à prudência com relação ao limiar da nova era. Conslitucionalmente imposta, relativa a Normas e Códigos: para todo um CON- TINENTE, maior e internamente mais diferenciado do que toda a Europa... que agora, após 16 anos de discussão e concessões, procura se reger por um código comum, composto por códigos gerados c experimentados separadamente! Por um lado, s ó c a b e louvar os primeiros passos, há quarentena de anos, da introdu- ção traduzida (quase que só dos EUA) das principais Normas c Regulamenta- ções. Por outro lado, lembremo-nos que o louvável entusiasmo e energia da juventude idealista e conscicnciosa não apaga o fato de que éramos nós mes- mos. aqueles jovens, muito menos experientes. Nas revisões ulteriores sucessi- vas, em que grau, e de q u e forma, chegaram a ser incorporados o s dados (estatísticos) de NOSSA EXPERIÊNCIA, para ungir, com respingos de amadureci- mento cspccífico, nosso próprio esforço corajoso ultrapassado? Resguardcmo-nos do ciclo vicioso previsível de sermos confrontados por leigos com nossos próprios conhecimentos sempre insuficientemente certos perante o progresso. Coragem, d e t e r m i n a ç ã o e humildade! Cumprimento a iniciativa, nossas Associações Profissionais e o s autores, ilustres e esforçados na tarefa s e m p r e aprontada para ser sacrificada n o afã de b e m servir. LANÇAMENTO DA PRIMEIRA EDIÇÃO, DURANTE O SEFE III (27 DE NOVEMBRO DE 1996) A editora responsável pela publicação do livro, a casa de espe- táculos da primeira temporada, foi escolhida, além dos critérios econômicos, pela sua tradição na área de Engenharia Civil e pelas conseqüentes vantagens oferecidas para a ampla divulgação da obra no meio técnico. Também ela se desdobrou para criar as melhores condições possíveis dentro do exíguo tempo que lhe foi atribuído. O lançamento da primeira edição do livro, durante o III Seminá- rio de Fundações Especiais (SEFE III), foi talvez a primeira oca- sião, durante lodo o processo de criação, em que foi possível reunir a quase totalidade dos autores. Um deles, nosso querido e respeitado Carmo Yassuda, um dos solistas de primeiríssima gran- deza dessa nossa orquestra, já não pode estar conosco. Nossas saudades! Estamos certos de que cada um dos leitores (profissionais, aca- dêmicos, estudantes) encontrará nesta obra no mínimo alguns capítulos que lhe serão extremamente úteis e reveladores. Espera- mos que essas qualidades individuais o ajudem a relevar uma ou outra falha na harmonia do conjunto. São Paulo, novembro de 1996. O s editores O b s e r v a ç ã o : as o p i n i õ e s externadas , nestn data. e m cada capi tulo ou i tem, s;ío d e res- ponsabi l idade exclusiva d o s respect ivos autores, n ã o refletindo necessar iamente .1 p o s i ç ã o d o Núcleo Regional d e Süo Paulo da ABMS ou da ABEF. ÍNDICE INTRODUÇÃO FUNDAÇÕES 1 HISTORIA DAS FUNDAÇÕES | 1 7 ANTONIO DIAS FERRAZ NÁPOLES NETO MILTON VARGAS 2 PROPRIEDADES DOS SOLOS | 51 CARLOS DE SOUSA PINTO 3 INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS | 119 ARTIIUR RODRIGUES QUARESMA LUCIANO DÉCOURT ARTUR RODRIGUES QUARESMA PILHO MÁRCIO DE SOUZA SOARES DE ALMEIDA FERNANDO DANZIGER 4 PRINCÍPIOS E MODELOS BÁSICOS DE ANÁLISE | DIRCEU DE ALENCAR VELLOSO PAULO EDUARDO LIMA DIi SANTA MARIA FRANCISCO DE REZENDE LOPES 5 SEGURANÇA DAS FUNDAÇÕES E ESCAVAÇÕES WALDEMAR HACIIICII 163 197 6 CONCEPÇÃO DE OBRAS DE FUNDAÇÕES | 21 1 DIRCEU VELLOSO FRANCISCO DE REZENDE LOPES 7 ANÁLISE, PROJETO E EXECUÇÃO DE FUNDAÇÕES RASAS | 227 ALBERTO IIENRIQUES TEIXEIRA NELSON SILVEIRA DEGODOY 8 ANÁLISE E PROJETO DE FUNDAÇÕES PROFUNDAS 8.1 ESTACAS | 265 LUCIANO DÉCOURT 8.2 TUBULÒES E CAIXÕES | 302 JOSÉ HENRIQUE ALBIERO JOSÉ CARLOS ÂNGELO CINTRA 265 9 EXECUÇÃO DE FUNDAÇÕES PROFUNDAS | 329 9.1 ESTACAS M O L D A D A S " IN LOCO" | 329 9.1.1 ESTACAS TIPO FRANKI | 329 CLÓVIS MARIO MOREIRA MAIA 9.1.2 ESTACAS ESCAVADAS SEM LAMA BENTONÍT ICA I 336 FREDERICO FAI.CONI NÉUO DESCIO FÍGARO JOÃO MAITIIAS DE SOUZA FILHO 9.1.3 ESTACAS TIPO HÉLICE CONT INUA I 34S WILUAM ROBERTO ANTUNES HÉLVIO TAROZZO 9.1.4 ESTACAS ESCAVADAS COM LAMA BENTONÍTICA1348 JOSÉ LUIZ SAES 9.1.5 ESTACAS INJETADAS 1361 URBANO RODRIGUEZ ALONSO 9.2 ESTACAS PRÉ-MOLDADAS 1373 URBANO RODRIGUEZ ALONSO 9.3 TUBULÒES E CAIXÕES | 400 URBANO RODRIGUEZ ALONSO SIGMUNDO GOLOMBEK CONTENÇÕES OFFSHORE" 443 1 0 FUNDAÇÕES SUJEITAS A ESFORÇOS DINÂMICOS | 409 JOSfl MARIA DE CAMARGO BARROS WAIDEMAR HAC!IICII 11 FUNDAÇÕES DE ESTRUTURAS JAYMI: RICARDO DE MELLO FRANCIS BOGOSSIAN 1 2 REFORÇO DE FUNDAÇÕES | 471 MAU RI GOTUEB JAIME DE AZEVEDO GUSMÃO FILHO 13 OBRAS DE CONTENÇÃO: TIPOS, MÉTODOS CONSTRUTIVOS, DIFICULDADES EXECUTIVAS | 497 STELVIO M. T. RANZINI A RS UNI O NEGROJR. 1 4 CONCEPÇÃO DE OBRAS DE CONTENÇÃO JOSÉ LUIZ SAES FI-RNANDO REDOVÇAS STUCCHI JARfíAS MIUTIISKY 15 ANÁLISE, PROJETO E EXECUÇÃO DE ESCAVAÇÕES E CONTENÇÕES | 537 JAIME DOMINGOS MARZIONNA CARLOS EDUARDO MOREIRA MAFFEI ARGIMIRO ALVAREZ FERREIRA ARMANDO NEGREIROS CAPUTO 517 OBRAS COMPLEMENTARES 1 6 REBAIXAMENTO E DRENAGEM | 581 IVAN GRANDIS LUIZ GUILHERME F. S. DE MELLO 17 TIRANTES I 603 CARMO T. YASSUDA PAULO HENRIQUE VIEIRA DIAS 18 REFORÇO DO TERRENO | 641 MAURÍCIO ABRAM EM O AKIRA KOSHIMA ALBERTO CASATIZIRUS QUALIDADE OS AUTORES 19 REQUISITOS DA QUALIDADE DAS FUNDAÇÕES | 693 CLÁUDIO MIC! IA EL WOLLE VERA FERNANDES IIAClIICII 20 VERIFICAÇAO DE DESEMPENHO | 723 SUSSUMU NIYAMA NFJSON A OKI PAULO ROBERTO CIIAMECKI BIOGRAFIAS 755 I N T R O D U Ç Ã O 1 HISTÓRIA DAS FUNDAÇÕES 11 7 ANTONIO DIAS FERRAZ NÁPOLES / MILTON VARGAS 2 PROPRIEDADES DOS SOLOS | 51 CARLOS DIi SOUSA PINTO 3 INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS 111 9 ARTHUR RODRIGUES QUARESMA /LUCIANO DÉCOURT/ ARTUR RODRIGUES QUARESMA PILIIO/ MÁRCIO DE SOUZA SOARES DE ALMEIDA / FERNANDO DANZIGER 4 PRINCÍPIOS E MODELOS BÁSICOS DE ANÁLISE | 1 63 DIRCEU DE ALENCAR VELLOSO / PAULO EDUARDO UMA DE SANTA MARIA / FRANCISCO DE REZENDE LOPES 5 SEGURANÇA DAS FUNDAÇÕES E ESCAVAÇÕES | 1 97 WALDEMAR HACHICH CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DAS FUNDAÇÕES 1 .A - U M A BREVE HISTÓRIA DAS FUNDAÇÕES ANTONIO DIAS FERRAZ NÁPOLES NETO 1.1 I N T R O D U Ç Ã O A apresentação do histórico da matéria a que uni livro se propõe, em seu capitulo inicial, obriga a que este seja necessariamente conciso. Acontece que fundações (ou infra-estruturas) são coisas que não subsistem por si sós, são sempre fundações de alguma coisa (superestruturas). Dai o histórico condensado precisar, também necessariamente, incluir algo sobre superestruturas, embora de ma- neira mais singela e mais concisa ainda. Se, mais, considerar-se que as práticas tanto de super como de infra-estruturas sempre tiveram fone conotação cultural, resulta claro, de tudo isso, que uma histó- ria tia técnica das fundações deve ser mais conceituai do que factual; no sentido de que, li- gadaã cultura do homem desde a pré-história, foi formando seus conceitos como sínteses de toda uma vasta e multimilenar experiência construtiva. Este saber empírico foi se acumulando ao longo dos tempos, e o fato de existirem, ainda hoje, muitas de suas construcões, datadas de muitos séculos, mostra o valor e a importância dessa experiência acumulada. Sabemos que, salvo precursoras con- tribuições tratando de pressões de terras (Vauban, Bélidor e sobretudo Coulomb), só no século pas- sado tal experiência recebeu significativas contri- buições de ciências afins (mesmo sem esquecer os val iosos subsídios gerais de sábiosVdo Renascimento, como Leonardo e Galileu e até da Antigüidade, como Arquimedes», e só neste sécu- lo XX foi cientificamente teorizada na engenha- ria. A chamada Geotecnologia, como coroamento de tudo isso e como parte da ciência e da arte do engenheiro, é de nossos dias. 1.2 PRÉ-HISTÓRIA E HISTÓRIA ANT IGA Mais sensível ao clima que outros animais do Paleolitico, o homem procurou abrigar-se primei- ro em grutas e cavernas e, onde não existiam, tra- tou de improvisar abrigos imitando-as, pois alguns tinham os seus pisos a mais de 2 m abaixo do nível do terreno adjacente, enquanto outros eram escavações verticais, como poços rasos. Assim, é provável que, no Neolítico, quando o homem que na idade anterior já aprendera a lascar a pedra e. agora sedentário, construiu suas primeiras caba- nas. já tivesse alguma noção empírica sobre a re- sistência e a estabilidade dos materiais da crosta terrestre. Tais choupanas eram de madeira, leves portanto, mas quando construídas ã beira dos lagos, sobre estacas elevadas — as pai a fitas —. devem ter proporcionado idéias adicionais sobre a resistência do solo. Cabanas feitas de pedra eram mais raras, só onde não havia madeira ou em sítios batidos por ventos intensos. Novas experiências devem ter proporcionado as construções megalíticas da Ida- de do Bronze, como as de Sronehenge. mas prin- cipalmente nos zigurates dos suméiios e seus su- cessores na Mesopotâmia. Já antes, no Neolítico, o homem usara principalmente a terra para cons- truir pequenos montes chatos e largos, em geral para jazigos, conhecidos na Europr. como tumnli. mas encontrados também nas Américas pré-histó- ricas. No Brasil, coisas semelhantes foram os sambaquis ou casqueiros. Todavia, ainda no início da Idade do Ferro, as construções de madeira eram comuns, mas o fato importante da idade dos metais foi que estes propiciaram as ferramentas para o tra- to dos materiais e para perfurar o s o b (encontradas também entre os Incas), facilitando a introdução das precursoras das estacas de hoje. A propósito das palafitas, acredita-se hoje que não ficavam sobre esta- cas dentro d água, mas sobre andas (espécie de "per- nas de pau") às margeas dos lagos, pois foram encon- tradas várias de suas plataformas superpostas, suge- rindo reconstrução após ruptura uii apodrecimento de suas pernas de sustentação. Essa prática de superposição, mas como aproveitamento de algo já feito, estendeu-se a fundações de obras da Antigüida- de, como se verá. Nos antigos impérios do Oriente Próximo, os materiais de construção passaram a ser o tijolo cerâmico e a pedra, aquele na Mesopotâmia e esta no F.gito. Os terrenos que recebiam suas constru- ções maiores e mais pesadas em geral cediam e as construções miam ou eram demolidas, com po>- terior aproveitamento dos escombros, uma vez que não havia fundações preparadas, como em épo- cas mais modernas se passou a fazer. Assim, obras como as de palácios e templos eram assentes so- bre fundações arrumadas com restos de outras es- truturas ou paredes, misturados com terra e tudo socado. Assim, as edificações eram sucessivamente colocadas umas sobre as outras, ou melhor, o resto destas, resultando, no tempo, um escalonamento de acordo com suas idades. Nào obstante, muitas permaneceram ao longo dos séculos, a despeito de certos arqueologistas opinarem que essas fun- dações, tanto cm qualidade como em profundi- dade, eram uma das características mais fracas da técnica construtiva de então. Data dessa época, cerca de 17 séculos A.C., o primeiro código dc obras conhecido, o d e Ha mura bi, rei da Babilônia. Nele as deficiências construtivas já apontadas se refletem nas duras penalidades a que estavam sujeitos os construtores cujas obras fracassassem. Dos impérios do Oriente Próximo, o seguinte se- ria o dos hititas, que nada deixaram digno dc re- gistro. a não ser uma estrada calçada na Ásia Me- nor e, como precursores, um tipo de fundação dc blocos de pedra aparelhados e dispostos em ca- madas, muito mais tarde usado pelos gregos com o nome de ortostatos. Dc um modo geral, cientes das dificuldades, prin- cipalmente em terrenos fracos, procuraram os antigos, onde era possível, como cm casas, aliviar as estruturas sobre as fundações; estas iam desde faxinas simples dc caniços até fundações feitas com tijolos secos ao sol (tijolos crus, cm oposição aos tijolos cozidos cm fornos que vieram depois) assentados com barro, muitas vezes em mistura com betume e mastique (Dcrry e Williams, 1%1). Com o tempo descobriram que aqueles tijolos podiam ser melhorados cm sua resistência (à tra- ção) bem como dc trincas de secagem, pela adi- ção dc palhas à sua massa (adobe), como tam- bém que, intercalando os mesmos caniços entre as camadas dc tijolos, o conjunto passava a funcio- nar melhor como bloco, principalmente nos recalques. Os tijolos também evoluíram, passan- do a ser cozidos em fornos, como foi dito. Um tipo dc construção que se encontra desde o Paleolítico, estendendo-se pelo Neolítico e Anti- güidade, é o agrupamento dc habitações cm for- ma circular, escavado às vezes até 1 m abaixo do nível do terreno e com furos centrais ou periféri- cos para os postes (às vezes, ossos de mamute) que sustentavam o teto das cabanas. Nestes furos as fundações individuais eram o próprio terreno ou sobre pedras, o que depois evoluiu para pare- des de pedra de 60-80 cm de altura à volta das cabanas, com fundações corridas, portanto, Este estágio construtivo é curioso, pois se revela mais como estágio cultural do que histórico, uma vez que se estende desde restos encontrados na Eu- ropa Ocidental, Chipre, Rússia, China, Japão, até construções !>em mais modernas, bastante seme- lhantes, dc índios sul-americanos e de lapòcs. I.3.A. AS F U N D A Ç Õ E S N A IDADE CLÁSSICA Os gregos, a despeito da beleza de sua arquite- tura, pouco inovaram técnica e materialmente, a nào ser no uso do mármore e da pedra calcária e no trato das pedras em geral, pois se preocupa- vam mais com a função das parles construtivas. Suas primeiras culturas, a cretense e a miccnica, diferiam em seus palácios, como o dc Cncssos, que nào eram fortificados em Creta, potência in- sular, mas o eram em Miccnas, no Pcloponeso. Com isso os palácios crctenses eram ampliações de suas casas, chegando estas ate três pavimen- tos, fundadas sobre pedaços de pedras, paredes de tijolos crus com pilares de pedras c demais estruturas de madeira. Suas culturas seguintes con- tinuaram basicamente a usar os mesmos materi- ais. madeira e pedra, esta quando nas fundações, em blocos rústicos ou aparelhados. Datam dessa época as primeiras estradas calçadas a pedra, ca- nais, aquedutos e pontes, estas dc madeira, algu- mas com pilares de tijolos. £ de se notar que a madeira continuou a ser material importante, mes- mo a partir do século VI A.C. quando a arquitetu- ra grega começou a brilhar com seus pórticos e colunatas em seus palácios e templos travejados com vigas dc pedra, mas com tetos de troncos justapostos e cobertos por colchão dc terra. En- tretanto estes novos tipos construtivos eram concentradores de cargas nas fundações, que pas- saram a ser feitas de blocos superpostos, cujas partes superiores, aparentes, eram os chamados ortostatos. Estes se constituíam de duas ou três camadas de blocos alongados de pedras apare- lhadas cmângulos retos, justapostos e, em geral, grampeados uns aos outros. A parte nào visível era formada por pedras menos aparelhadas e mis- turadas. por exemplo, com cascalho, mas o mais importante é que os ortostatos proporcionavam melhor distribuição das cargas nas fundações, ama vez que suas juntas verticais desencontradas ten- diam a uniformizar as pressões, obviando, assim, recalques diferenciais. As fundações menores, em vez de serem corridas, tinham sapatas isoladas (al- mofadas de pedra). Mas em lugares de terrenos fracos as escavações recebiam, primeiro, uma ca- mada dc terra misturada com cinzas de carvão (e até com este mesmo), uma camada de terra apiloada, ou mesmo uma mistura de calcário mole com pedregulho. Muito mais raras eram as funda- ções cobrindo toda a área de construção, em geral quando esta área era toda carregada. Nesse caso eram formadas por camadas sucessivas de blocos ou lajotas dc pedra apoiadas sobre uma camada de fundo dc pedra e argila misturadas. Em alguns ca- sos usaram estacas dc madeira, cravadas por máqui- nas. que se imagina sejam derivadas de máquinas dc guerra, usadas para perfurar muralhas e portões. Em Alexandria os gregos adquiriram mais a herança das técnicas construtivas dos velhos impé- rios, mas foi cm Roma que a técnica da construção em geral e das fundações em particular avançou sig- nificativamente, pois estas passaram a recelx.*r mais cargas, em virtude de obras mais pesadas que as dos gregos. Isto se deu com a introdução do arco — herança etrusca — e da abóbada, a preparação do cimento romano a partir da mistura de pozolana com calcário, e daí o concreto, pela adição de pedaços de pedra ou de tijolos cozidos. Este novo material, o concreto, dadas suas excelentes con- dições ile moldagem, passou nào só a ser em- pregado cm fundações, como também na cons- truçào de arcos e domos, entre estes o do im- pressionante Panteão de Roma (110-125 D.C.). Os arcos permitiram a construção de imponen- tes aquedutos e pontes que, juntamente com portos e as celebradas estradas e fortifícaçòes ro- manas, marcaram, pode dizer-se, o aparecimen- to da engenharia civil e militar no mundo oci- dental. Ao contrário dos gregos que. com exce- ção do historiador Heródoto, pouco escreveram sobre construções, os romanos tiveram até um tratadista (no reinado de Augusto) da matéria, na pessoa do engenheiro militar e arquiteto Vitrúvio ("De re architectura"). Sua obra traz, em vários capítulos, interessantes passagens sobre fundações, em que trata desde suas ques- tões mais simples como largura e profundidade — esta maior do que aquela — até preocupa- ção com a distribuição de suas cargas, como a inserção de uma base com diâmetro de 1,5 vez o da coluna entre esta e a sua fundação, bem assim entre esta e a parede que sustenta etc., denotando sempre preocupação com cargas transmitidas ao solo e a resistência deste. Em duas passagens, vê-se ter sido ele precursor das f u n d a ç õ e s por a b ó b a d a s inver t idas e da compactação de terrenos fracos pela cravaçào de estacas de madeira, bem como do uso de e n s e c a d e i r a s para c o n s t r u i r f u n d a ç õ e s subaquáticas. Tais ensecadeiras eram feitas de uma dupla fila de estacas (de troncos de árvo- res, mas dotados de ponta de ferro.», com o es- paço entre filas preenchido por argila amassada em cestos de junco bem arrumados. A água in- terior era esvaziada por rodas de alcatruzes. A diferença do que hoje se faz está apenas no uso de estacas-pranchas metálicas e de bombas, em vez de rodas. As fundações e os pilares eram construídos dentro delas com cimento pozolànico e muitos desses pilares eram protegidos por cor- ta-águas a montante, para evitar o solapamento de suas fundações por erosão. A construção de fundações, primeiro com tijolos crus e depois co- zidos, devidamente travadas, e em seguida com concreto de cimento, cresceu e culminou com fun- dações como a circular do Coliseu, uma laje com 170 m de diâmetro, e a do Panteão, assente sobre uma viga de fundação em forma de anel de con- creto, mais larga que as paredes, mas que mesmo assim apresentou problemas, obrigando a refor- ços. Os romanos, como os gregos, também usa- ram estacas de madeira como fundações. Vitrúvio, ao lado de varias recomendações, diz apenas que deviam ser cravadas por máquinas. Do ponto de vista da geotecnologia moderna é de assinalar-se que tanto Vitrúvio (1 séc. A.C.), como Plínio (I séc. D.C.) reconlieceram a existência do atiito nas areias, principalmente nas de grãos angulosos. 1.4 A TÉCNICA N A IDADE MÉDIA E ATÉ O RENASC IMENTO Iodos os progressos técnicos alcançados durante a idade clássica foram, infelizmente, bastante descurados nos tempos medievais, tanto cm cui- dados com dimensões e situações, como com ma- teriais. Dai um número considerável de colapsos (cm conseqüência de situações desfavoráveis) de construções, a despeito da beleza de suas facha- das. Muitas excederam a capacidade de carga de seus terrenos de fundação e as que nào desapare- ceram apresentam-se hoje danificadas por trincas ou inclinações, ao passo que outras recalcaram excessivamente. Menciona-se, por exemplo, que em virtude das características puramente casuais, principalmente das fundações dessas obras, as corporações de construtores comumcnte só da- vam garantia de, no máximo, dez anos contra ris- cos de colapso. Esse declínio nas artes de cons- truir é, segundo certos historiadores, característi- ca marcante do que chamam de a idade das tre- vas e que, na Inglaterra (Dcrry e Williams, 1961), a fabricacào de tijolos foi virtualmente uma arte perdida em favor da pedra. Outros dizem que o melhor, no Ocidente, veio significativamente de Constantinopla, isto é, da ininterrupta tradição construtiva dos romanos. Exemplo: a igreja de Santa Sofia. Também significativamente, manus- critos de Vitrúvio (Marco Vitrúvio foi lio) foram achados cm MM c publicados em 1486. Entretanto, as construções medievais eram gran- des, como atestam seus castelos, e alguns progres- sos sempre se verificaram. Em algumas dessas obras de porte que tinham suas fundações sobre faxinas, estas evoluíram para verdadeiros assoalhos de madeira no fundo das escavações levadas até o nível d água. Em outras obras, como pontes, cm virtude mesmo dos problemas já referidos, os cui- dados de construção de fundações eram agora facilitados pelo bombeamento das ensecadeiras, pelos bate-cstacas acionados por iodas de pé ou de água e também pelo uso do cimento pozolànico italiano, impermeável. Onde a correnteza tornava difícil a construção de pilares, optava-se por um arco único, que assim foi aumentando de vão ate 70 m. Também progrediram as fundações sobre estacas de madeira, principalmente em equipamen- tos: por volta de 1250, Villard de Honnicourt in- ventou uma serra para cortar cabeças dessas esta- cas debaixo dágua e, em M50, Francesco Di Giorgio projetou um bate-estaca já próximo dos modernos. Esses progressos foram se acentuando pelos fins dos tempos medievais e em seu tratado De re aetlificatoria", de M85, Alberti vai até a constru- ção de eclusas cm canais. Veio o Renascimento, também no campo científico e então fulgiram os gênios de Leonardo e Galileu. Leonardo da Vinci, na arquitetura, na construção c até na engenha- ria, apresentou projetos de bate-estacas e ensecadeiras. Galilco Galilei, nào só reuniu tudo que a ciência do século XVI tinha trazido para a arte da construção, mas também pelos seus estu- dos sobre a flexào de vigas acabou por fundar a Resistência dos Materiais. O livro sobre técnicas construtivas mais conhecido dessa época, escrito por Philibert de 1'Orme ( 1561), tratava até de fun- dações fluviais e marítimas e já se intitulava: i n - venções para a boa construção e a baixo custo". 1.5 MARCOS ANTIGOS, MEDIEVAIS E RENASCENTISTAS Das construções que resistiram aos séculos, mui- tas apresentam algum tipo de deformação causa- da por suas superestruturas emsuas fundações, por deficiências destas, ou por condições desfa- voráveis em seus terrenos de apoio. Kérisel (Kérisel. 19S5) aponta quatro situações gerais:solos muito compressiveis, taxas de compressão do sole» elevadas (500-1000 kPa), momentos de tombamento nas superestruturas e conseqüente carregamento excêntrico das fundações, e obras edi fica das em cima de taludes naturais. As conseqüências foram deformações como rachaduras, afundamentos (recalques lotais), inclinações (recalques diferen- ciais) e deslizamentos. Relacionam-se, a seguir, alguns exemplos mais notórios, bem comt» cenas condições supervenientes no tempo e no espaço. Pirâmides — A maior existente, a de Quéops, no Egito, está fundada sobre rocha e nào tem recalques típicos, embora as camadas de pedra mostrem ligeira eurvatura, atribuídas a deforma- ção elástica dc sua base. Antes dessa grande pirâ- mide (150 m de altura), quatro outras foram construídas: Saqquarah, Meidum e as duas Dahsluir (sul e none). As duas primeiras foram assentadas sobre rocha, tendo Saqquarah, nos seus 70 m de altura, seis seqüências de pedras forte- mente escalonadas. A pirâmide de Meidum, hoje, é o resto do que teriam sido três formas anterio- res com 92 m de altura. É uma das pirâmides mais estudadas. Já a terceira, Dahsluir Sul, foi fundada sobre argila rija e sofreu deformações. Ela teria sido uma nova tentativa de pirâmide perfeita, isto é. com seus lados retos e nào em degraus, mas acnhrm com redução dc altura (140 m :i 105 m) e seus lados encurvados. Isso talvez tenha levado à construção da Dahsluir Norte, uma pirâmide per- feita. com dimensões mais modestas e fundada sobre rocha. Essas quatro estruturas representari- am assim um desenvolvimento de cerca de um século, a partir de 2700 A.C.. que se coroou com a grande pirâmide de Quéops. As outras duas que com ela são conhecidas como as três pirâmides de Gizé (a primeira das sete maravilhas do mun- do antigo), respectivamente de Quéfrem e de Miquerinos, são posteriores, nessa ordem, e me- nores. Vale lembrar que se a pirâmide de Quéops poderia ser considerada como a maior construcào isolada antes do século XX, Sowers (Sowers, 1981), apresenta a pirâmide de Tepanapa, cm Cholula, no Vale do México, com quase o dobro na base, mas cerca da metade da altura daquela pirâmide egípcia. Condições de fundação menos favoráveis no Vale? (Ver Nota 1, em 1.11). Templos e castelos — F.m contraposição ac que acaba de se ver, cita-se o pagode budista de Phra Patliom Chedi (Tailândia, c. 30o A.C.): com seção vertical aproximadamente triangular, 115 m de al- tura e c. 5.000 MN de peso sobre uma base circular de 158 m de diâmetro, fundado na argila mole de Bangcoc, recalcou uniformemente 2.5 m. Dois ou- tros pagodes, estes em forma de torres, são de men- cionar-se: Suzliou (960 A.C.) e Longhua (977 D.C.), ambos na China. O de Suzliou é inclinado, 'i7 m de alto, c. 50.000 kN de peso, sobre base octogonal de 5.2 ni de lado, fundado em argila de consistên- cia variável, cobrindo de 2,6 m a 5,8 m um talude natural rochoso. Sua inclinação prossegue e, se- gundo Kérisel (1985), a uma velocidade/ano •» ve- zes a da Torre de Pisa. requerendo estabilização. O pagode de Longhua, com 40 m de altura, embora fundado em solo aluvial (representado por siltes e argilas moles), com pressão admissível de nào mais que 80 kPa, nào apresenta deformações. Em virtu- de disso, na década de 50, foi feita uma investiga- ção restrita que revelou uma base de alvenaria de tijolos sobre leito de madeira, este por sua vez so- bre estacas de madeira com reduzido espaçamento e profundidade desconhecida. De acordo com Kérisel (1985), esta seria uma das primeiras funda- ções em faxina cobrindo toda a área de apoio e ainda sobre estacas que se construiu no mundo. O maior templo budista existente, Borobodur (.lava, c. 800 D.C.), apresenta a peculiaridade de não só se apoiar mas também encobrir um outeiro de tufo t apeado por argila, através de terraços escalonados e muros de arrimo. Teve problemas de estabi ida- de devido ao clima chuvoso, principalmente com os muros de arrimo e sua restauração, incluindo drenagem adequada, foi custeada pela Unesco.cuja equipe técnica incluiu, naturalmente, engenheiros geotécnicos. No Ocidente, devido a cargas excêntricas nas fundações (mas às vezes também defeitos estrutu- rais como observa Kérisel (1985) sobre o colí.pso das igrejas de Cluny III e Beauvais), são notáves as deformações sofridas pelas Igrejas de Santa Maria Ia Real dei Sur (Espanha), Vézeley (França) e Iiigia Sofia (Istambul). Especial por suas características geotécnicas, o mosteiro de York (Inglaterra), diz Kérisel (1985), além de um subsolo bem conheci- do, apresentou problemas como o colapso da tor- re principal, tombamento de paredes, recalques diferenciais devidos tanto a altas concentrações de cargas como a áreas pré-adensadas por cons- truções anteriores. Igualmente especial por sua po- sição a 100 m dc altura sobre o topo e íngremes encostas é a abadia do Monte Saint Michel (entre a Normandia e a Bretanha). Suas fundações nào são conhecidas, mas o monte é de granito feldspático c granulito sobre os quais se apoiam, do lado externo, notáveis muros de an imo de con- irafortes, maravilhas, como diz Kérisel (1985), que parecem continuação das próprias encostas. Torres e campanários — Muitas construções em forma de torre eram. na maioria, campanários e, por semelhança, minaretes e até obeliscos. Mais sensíveis aos problemas construtivos já apontados, várias dessas torres se inclinaram e muitas desaba- ram; uma foi demolida em 1892 — a Torre Nova de Saragoça, c.1500 D.C., altura de 56 m e inclinação de 4,6%. O curioso com relação a esta torre é que teve problemas estruturais, pois suas fundações eram perfeitas. Das que ruíram. Kérisel (1985) cita números impressionantes: de 200 só em Bolonha, apenas 30 permaneceram; em Veneza, a mesma coi- sa c também algo semelhante na Espanha. Toda- via. são as torres inclinadas as que despeitam mais interesse geral, seja pelo resultado inesperado e duradouro de sua construção, seja pela sua beleza, como a de Pisa. Entretanto, o caráter instável de muitas delas torna difícil a obtenção de dados, prin- cipalmente de seus terrenos de fundação. Salxr-se, por exemplo, que a taxa de inclinação da Torre de Pisa aumenta quando se fazem sondagens nas suas proximidades. Esses subsolos variam desde 5 m de turfa até argilas firmes mas com lentes de gesso em processo de dissolução. A primeira condição afeta a torre da igreja de Santa Catarina em I lambuigo, do XIII século, fundada sobre base de madeira su- portada por estacas de madeira que atravessam a turfa até a areia subjacente; com sérios recalques e inclinação de 6% foi subfundada em 1968. o que estabilizou a inclinação e minimizou os recalques. A segunda condição é a da Torre de Asinclli, do ano de 1100 em Bolonha, com 97 m de altura e base de 9 m x 9 m sobre bloco de fundação de 5 m de altura e 10,4 m x 10,\ m e que se supõe sobre estacas; sua inclinação é de 6.5 seg/ano. Sua vizi- nha, a apenas 11 m de distância e metade de sua altura, a Torre de Gerisenda já se inclinou, entre- tanto, quase três vezes mais. Outras torres inclina- das são: ainda na Itália, a Ghirlandina, em Modena, do ano de 1099; com 88 m de altura e recalque nào uniforme tem, em virtude disso, se inclinado até 2.6%; a Torre de Nevyansk, na Rússia; a tia catedral e da igreja Marien em l.ubeck. Alemanha; e o cam- panário de St. Moritz, na Suíça. Este. sobre talude natural já com movimento extremamente lento (ras- tejo ou "creep"), agravou esse movimento, sofrendo a torre rotação e translaçào. Uma primeira tentativa de sustá-la, com a construção de um grande muro de pé de contrafortes, nào deu resultado. Uma se- gunda foi a ancoragem desse muro por tirantes no talude, apenas com sucesso parcial, pois a zona de ancoragem, ela própria, está sujeita a movimentos. O minareteAl-Halxla, em Mossul (Iraque, XI sé- culo), com inclinação de 9% foi estabilizado através de subfundação por estacas-raízes, a custo dc incli- nações adicionais durante a refundacão. Quanto a obeliscos, o mais alto até hoje levantado (,M m). o de Axum (Abissínia), sabe-se apenas que datai Io de antes de Cristo, encontra-se tombado e paitido, sem que se sailxi se desabou ou foi denulxido. Torre de Pisa — Este famoso monumento, construído lentamente de 1174 a 1350. apresen- tou, já com cerca de 10 m de altira, inclinações que, entretanto, pareceram se estabilizar em 1186. enquanto os recalques continuavam lentamente. Em 1838 a torre foi dada como em equilíbrio, o que se mostrou ilusório, como se verá. Com 5^ m de altura e 15.700 toneladas de peso, exibindo excelente trabalho em pedra e em rejuntamentos (o que, quando pobres, causou problemas em ou- tras obras inclinadas), foi, entretanto, deficiente- mente fundada, apoiada a pouca profundidade, através de uma fundação em forma de anel de 20 m de diâmetro sobre um depósito aluvial de areia silto-argilosa, no qual descarrega mais de 5 kg/ cur (514 kPa, segundo Kérisel). Abaixo dessa ca- mada, uma outra de areia com lentes de argila sobreadensada do lado sul. exatamente o lado das inc linações predominantes, inclinações que, como mostraram medições a partir de 1935. se dão tam- bém em outras direções, parecendo, por vezes, cíclicas. Ao mesmo tempo, essa rotação, hoje da ordem dos 10%, ocasionou um recalque de cerca de 3 m. A uns 8 m abaixo das fundações existe argila a cujo adensamento também se atribuiu o que vem acontecendo. Outra explicação, mais acei- ta, é a falta de capacidade de carga da areia de fundação, o que levou as autoridades a fazerem, segundo Kiynine (Nota 2, 1.11), injeções de ci- mento de alta resistência, mais de 1000 t. através de 361 furos de 2", ainda segundo Krynine. Além disso, uma vala aberta até quase 2 m de fundo ao redor da torre mostrou a água tio lençol em movi- mento. o que proporcionou outra explicação, que seria a da erosão. Medidas mais recentes mostra- ram movimento do terreno para SW nas vizinhan- ças da torre e. ultimamente, arqueólogos desco- briram uma tendência a deslizamento na direção «.Io leito soterrado de um canal nas proximidades. De qualquer maneira, o bombeamento de água do subsolo na área foi suspenso, o que restabele- ceu o nível tio lençol freático. Notou-se, então, estabilização dos recalques, o que conduz à se- guinte constatação: antes, o momento de lomba- mento aumentando com a inclinação e o recalque, este concorria para aumentar o momento resis- tente sobre a parte enterrada da toire, contribuin tio. assim, para uma certa constância na velocida- de de inc l inação ; com a es tabi l ização dos recalques, o momento de tombaiv.ento continua aumentando sem aquela contribuição resistente e dai a tendência do terreno adjacente se mover acompanhando a torre. A complexidade e a serie- dade tia situação do monumento têm motivado seu estudo por parte de notáveis personalidades geotécnicas e por vários grupos internacionais. Em 1972 foi feita uma competição internacional pela estabilização tia torre, sem decisão, a despeito de muitas propostas. Depois desse insucesso, consti- tuiu-se uma comissão italiana, presidida por M. Jamiolkowski. atual presidente da ISSMFE (1995); esta comissão vinha trabalhando na estabilização do mo- numento, fechado ã visitação pública, quando, re- centemente, inesperado acréscimo da inclinação se verificou. A situação foi reavaliada e iniciou-se um amplo reforço estrutura-fundação, seguido de redu- ção controlada do recalque diferencial por indução de recalque adicional do lado menos recalcado. Veneza — Edificada sobre uma laguna com espessos leitos de solos aluviais não adensados, proporcionou uma notável experiência de cons- trução em solos moles, experiência que incluía, assim, uma certa convivência com recalques ele- vados. ao mesmo tempo que com cuidadosas técnicas construtivas, mas relativamente simples e baratas. Estas técnicas usavam até lançar no- vas fundações sobre antigas, que cobriam áreas assim já adensadas, e, em novos locais de fun- dação, blocos escalonados sobre grupos de es- tacas de madeira abaixo do nível dágua. Uma estrutura que ficasse apoiada em ambos os sis- temas seria então logicamente isostática, por causa dos recalques diferenciais. Duas constru- ções notáveis dessa cidade são os "campaniles' de São Marcos e de Burano. Este, com 53 ni de altura, e que se inclinou de até c. 5,8%, passou por uma tentativa de estabilização em 1964; vinte anos depois estava com 6,4%. O de São Marcos, mais conhecido, com seus 98 m de altura, desa- bou em 1902, devido a uma combinação de fa- lhas estruturais com fundações deficientes. Es- tas, compostas de estacas de madeira, recobertas por uma pranchada também de madeira, após mil anos de serviço, estavam em tão bom estado que as estacas foram conservadas na reconstru- ção (Nota 3. 1.11), terminada em 1912, mas o perímetro da nova fundação foi aumentado de 80%. Duas outras obras, também notáveis, são as pontes de Rialto (1588-92) e dos Três Arcos (1688). A primeira, mais conhecida, com vão úni- co de 26,4 m, teve os dois encontros de sua abóboda cuidadosamente fundados: cada um de- les sobre \ 600 estacas curtas «) 15 cm, 3.3 m) muito próximas e escalonadas em três grupos que permitiam dar, a cada encontro, a inclinação ne- cessária. Já a segunda, apesar de erigida um sé- culo depois, não teve o mesmo cuidado, de for- ma que veio a sofrer restauração em 1979-80. Foram utilizadas estacas-raízes o a perfuração foi feita de cima e através da alvenaria dos dois en- contros e dos dois pilares dos três vãos (os late- rais, com 6 m cada, e o central, com 12 m). Foi, assim, possível determinar o nível das fundações originais, muito rasas, tanto nos encontros como sob os dois pilares no fundo do rio, sobre uma argila siltosa que, com 3 a 4 m, recobre um leito arenoso, penetrado pelas estacas-ralzes. Em épocas mais recentes, a extração de água do subsolo em áreas industriais vizinhas, no continente, levou Veneza a recalcar vários milímetros por ano, o que foi contornado por legislação rigorosa, mas a ci- dade teve de conviver com os lecalques havidos. 7.6 SÉCULOS XVII E XVI I I Este período se iniciou com importantes even- tos na engenharia em geral e na geotecnia em particular. Apesar de Vauban, primeiro nome ilustre do período, ter sido grande vulto d;i en- genharia militar, foi a partir de então que come- çou a separação entre esta e a engenharia civil (assim como, no século seguinte, estabeleceu- se nítida diferenciação entre engenheiros civis e arquitetos). Os primeiros engenheiros civis re- conhecidos como tais foram os de pontes e cal- çadas (1720, embora só mais tarde Smeaton vi- esse a usar a designação), o que levou ã cria- ção, em 1747. da Ecole des Fonts et Chauisées (como, no fim do século, com a Revolução, a École Polytechnique). Mas, voltando a Vauban, foi ele escolhido pelo rei como Comissário Ge- ral de Fortificaçòes. Levou as linhas de defesa para fora e além dos muros das cidades, como também desenvolveu nas fortificaçòes uma sé- rie de plataformas para a artilharia. É fácil de perceber a importância que passaram a ter os muros de arrimo em fundações. Embora usa- dos. juntamente com os contrafortes, desde a mais r e m o t a a n t i g ü i d a d e a part ir da Mesopotâmia, e depois, na Grécia e em Roma, eram construídos por sentimento fundado na ex- periência, quanto a dimensões e profunidade. Foi Vitrúvio, mais uma vez, quem primeiro es- creveu sobre eles, mas tratava-se de uma série de recomendações, muito pertinentes, quanto á sua escavação, assentamento, dimensões e verticalidade, principalmente quando usados como fundações, bem como a importância dos seus contrafortes. Mas dezesseis séculos depois e embora, antes dele. outros tenham escrito sobre fortificaçòes, foi Vauban quem primeiro visualizoua conjunção de ações entre solo e estrutura de retenção e deixou escritos e dese- nhos a respeito que, c o m o observa Kérisel (1985), constituíram o núcleo para os desenvol- vimentos que. sobre o tema, fizeram os enge- nheiros dos dois séculos seguintes. A grande experiência de Vauban foi adquirida na cons- trução de cerca de 300 fortificaçòes, umas pou- cas das quais sobre argilas, onde experimentou as dificuldades peculiares a esse material. Vauban atuou também nos grandes trabalhos de canais mandados fazer por Luís XIV. Mas nesse tempo, em virtude de muitos colapsos de pila- res de pontes malfundados, os rios também ga- nharam atenção e as fundações de pontes pas- saram a ser feias em ilhas artificiais. Ora, estas ilhas obstruíam o canal do rio de tal maneira, que se voltou ao uso das ensecadeiras. Estas, agora esgotadas por meio de bombeamento, eram em seguida escavadas por dentro até o nível de fundação dos pilares. Como variante, de Labelye introduziu o uso dos caixões de madeira que eram afundados para se assenta- rem no leito do rio previamente nivelado por dragagem. As primeiras camadas de fundação eram, então, diretamente colocadas sobre o fun- do de madeira do caixão, enquanto as paredes destes eram posteriormente recuperadas No início do século XVIII. a experiência acu- mulada até Vauban começou a ser teorizada, no que seriam os primórdios da mecânica dos solos. Esse período, que Skempton (Skempton, 1985) chama de pré-clássico, caracterizado por teorias empíricas sobre pressões de terra baseadas no chamado ângulo de talude natural e no peso es- pecífico do solo, apresenta nomes como, crono- logicamente: H. Gautier (1717), jâ separando cla- ramente os aterros animados em de areia pura, "terra comum" (provavelmente solo misturado) e argila, e acrescentando àqueles dois parâmetros dos três tipos de solo a propriedade de serem permeáveis os dois primeiros tipos e impermeá- vel o terceiro (argilas); B.F. Bélidor (1729) em seu famoso livro "La Science des Ingénieurs...", claramente dirigido tanto a engenheiros militares como civis (republicado um século depois, em 1830, com simples acréscimos de notas de rodapé), trata teórica e numericamente das pres- sões de terra e amplia, com respeito a fundações (possíveis ou não), os tipos de solo dados por Gautier, começando por rocha, dividindo as areias em soltas e compactas, as terras em secas e úmidas e, depois da argila, lembra a existência de terrenos turfosos, inadequados para fundações; F. Gadroy (1746) tratou de pressões sobre muros, mas abor- dando. pela primeira vez, as superfícies de deslizamento e as fendas observadas à superfí- cie de aterros animados reais, que ele tentou reproduzir em modelo em caixas cie areia mas de dimensões reduzidas; J.R. Perronet (1769). pri- meiro diretor da École des Ponts et Chaussées, escreveu sobre pontes, mas também memória pio- neira sobre estabilidade de taludes de terra, distin- guindo jã taludes naturais e de aterros e apontan- do o efeito da água sobre sua instabilidade. Por e x t e n s ã o trata da resistência de atrito no escorregamento e sua relação com tensões, e implica a noção de que o ângulo de talude natu- ral é igual ao ângulo de atrito. Finalmente. Rondelet (1770) fez ensaios com modelos de muros de arrimo maiores que os de Gadroy, me- dindo vários ângulos de escorregamento. No tocante a fundações, Feld (Feld, 1948) opi- na que sua técnica a esse tempo já estava bem estabelecida e lembra que J . II. Lambert (1772). baseado na observação e na experimentação, foi o primeiro a tentar racionalizar o projeto de fun- dações por sapatas e por estacas. 1.7 HISTÓRIA M O D E R N A ATÉ 1920 O que Skempton (1985) chama de período clás- sico da mecânica dos solos se inicia, ainda em 1776, com Coulomb. Charles Augustin Coulomb, notável engenheiro e físico, praticamente inau- gurou o que viria a ser, século e meio mais tarde, a ciência da Mecânica dos Solos. É interessante notar que a clássica equação igualando a resistên- cia ao cisalhamento s do solo à sua coesão c mais a tensão normal o vezes o coeficiente de atrito tg(p<\o mesmo solo na adaptação, ou resumo, que Skempton (1985) faz do trabalho de 1773 (publi- cado em 1776) de Coulomb (que usa esforços S e N, em lugar de tensões e coeficiente dc atrito 0 é a primeira equação tio ThcoreticalSoil Mechanics" de Terzaghi (1943). A diferença é, como se sabe, que Coulomb e seus continuadores trabalharam em termos de tensões totais e Terzaghi introduziu o conceito tle tensões efetivas, na década de 1920. A teoria sobre pressões tle terras em muros de arrimo. que Coulomb desenvolveu, anotou corre- tamente que a cunha de escorregamento na su- perfície deste nào era plana mas encurvada, entre- tanto bastante próxima do plano para este ser usa- do como simplificação; que o ângulo deste plano com a horizontal nào era o de talude natural, mas dependia do coeficiente de atrito do solo (que podia ser reduzido pela umidade); que o solo, além do próprio, também desenvolvia atrito contra o muro, o que dava sobre este um empuxo nào ho- rizontal (simplificação) mas inclinado e que esse empuxo potlia ser aumentado pula percolação d'ãgua no material an imado. Seus sucessores nes- ses estudos foram principalmente: G.C.M.R. Prony (1802). que difundiu a teoria (razoavelmente verificada em ensaios de modelos de 1.5 m de alto de Mayniel em 1808); .f.F. Français (1820), esten- dendo o estudo a solos coesivos sobre muros com tardoz (face interna) inclinado e a taludes de esca- vações; C.L.M.H. Navier (1833), que continuou as indagações sobre solos coesivos, principalmente sua estabilidade a longo prazo (com iniemperismo) — hipótese c - Oc com a penetração d'água (expan- são); eJ .V. Poncelet (1840), que introduziu o sírn- lx>lo <p para o ângulo (ainda igual ao de talude natural) cuja tangente era até então chamada de coeficiente tle atrito / e deu especial atenção às fundações do muro (capacidade de carga e profun- didade destas, aumentando o empuxo passivo). Sobre fundações propriamente, Fekl (1948) cita dois nomes, Moreau (1827) e Niel (1835), e dois fatos: a) o uso tle estacas de areia (que substituíam estacas tle madeira, cravadas e arrancadas) bem como de colchões tle areia para adensar e aumentar a re- sistência tle solos lodosos e argilosos; b) a pes- quisa de distribuição de pressões aplicadas no solo (pelas deformações nele induzidas). Todos esses estudos eram experimentais, incluindo até provas tle carga. No meio tio século, três nomes ilustres contri- buíram para o progresso da mecânica dos solos tle então: Collin, Rankine e Darcy. Alexandre CoIIin (1846) dedicou-se aos taludes não animados dc argila — cortes e aterros — e foi o primeiro a reco- nhecer a coesão t: como resistência-limite da-argila na ruptura (a curto e a longo prazo, de acordo com a inclinação do talude e a ação do tempo) (Nota 4, 1.11). W.J.M. Rankine (1859) desenvolveu uma teoria do campo de tensões baseada no parâmetro (p, que ele chama de ângulo de repouso, deixan- do íf>(p - f para talude natural. A despeito de Collin, dez anos antes, Rankine considera a coesão c como algo temporário, destrutível pelo ar e pela água e pelas seqüências congela mento-degelo dos solos. Com base na citada teoria tio campo de tensões, derivou as conhecidas expressões para os coefici- entes de empuxo. ativo e passivo, e uma fórmula dando a capacidade de carga de uma fundação a profundidade D, mas sem considerar sua largura li. I: de assinalar-se que os desenvolvimentos re- feridos acima, colocados por Rankine em seu Manual de Engenharia Civil (de 1862 e que, se- gundo Skempton, permaneceu em uso na Ingla- terra até bem dentro do século XX), só em 1915 vieram a receber a consideração da coesão ç, por Bell (empuxos e capacidade de carga, esta a pri- meira expressão que incluía ç). M.P.G. Darcy <1856), ilastre engenheiro de Ponts et Chaussées, estudou a percolação dágua nas areias e definiu a permeabilidadedestas através de seu coeficiente k. No último quartel do século, trabalhos experi- mentais de G.H. Darwin (1883) e analíticos de J.V. Boussinesq (1876,1883) sobre areias soltas e den- sas, tornaram claro que (p, agora chamado ângulo de atrito interno, era variável nas areias, diferente e em geral maior que o ângulo de repouso, que é daquele apenas um caso particular. Do campo teórico-expe ri mental para o de apli- cação, o inicio do século XIX, na Inglaterra, teve vários engenheiros com notável intuição sobre concepções que fariam, no futuro, parte da ciên- cia geotécnica. Rennie, por exemplo, construiu um grande armazém sobre fundações "flutuantes". O que foi chamado de "pai da geologia inglesa", William Smith, era engenheiro civil, com trabalhos marcantes principalmente na construção de canais. E os progressos posteriores tia geologia levaram ã abertura de poços que, por sua vez, ensejaram no- vos conhecimentos sobre o subsolo. Mas também no campo da prática dos materiais, a engenharia civil registrou consideráveis progres- sos. O início da revolução industrial firmou o uso do tijolo cerâmico nas construções, além das arga- massas e do concreto, este especialmente nas fun- dações. O renomado engenheiro John Sineaton, construtor do farol de Eddystone — e que foi o primeiro a usar. para si mesmo, o título de enge- nheiro civil (1768) — descobriu que misturas na- turais de calcário impurificado por argila davam um cimento impermeável como o pozolànico e o usou nas fundações daquele farol. Isto até levou a uma patente, em 179(>, com o nome de cimento romano, alusão âs duradouras obras romanas na 13rítânia. A despeito de que misturas naturais para a fabricação de cimento tenham sido usadas, por exemplo, nos Estados Unidos, até fins do século passado, principalmente em obras de canais, já a partir de 1820, na Inglaterra, misturas empíricas de cimento foram tentadas, até que Aspdin. em Wakefield. obteve um cimento pela calcinaçâo da mistura de um calcário mole com argila. Seu atual nome de Portland vem da patente de 182-1, como alusão ã sua semelhança, quando endurecido, à pedra calcária de Portland (Dorset). O concreto desse cimento foi usado para cobrir o leito do rio Tâmisa, no local da passagem do primeiro túnel subfluvia! do mundo, ali construído por M.I. Bmnel em 1828. A teoria da mistura tio calcário e argila para a fabricação de cimento foi estabelecida em 1839 por L.J. Vicat, que o chamou de cimento hi- dráulico e o usou no porto de Cherburgo. Mas foi na construção de fundações que o con- creto passou a ter enorme importância, provocan- do, inclusive, progressos nos equipamentos usa- dos. Tal importância chegou ao máximo com o advento do concreto armado que, como se sabe, começou humildemente, na França, com a fabri- cação por j . Monier, em 1848, de cubas tle concre- to reforçado, no interior, por malhas de ferro, para a plantação tle laranjeiras. Seguiram-se desenvol- vimentos, na Inglaterra, com W.B. Wilkinson; na Alemanha, com Wayss & Freitag e M. Koenin; na França, pelo próprio Monier e, mais tarde, por E. Coignet e F. Ilennebique; e, nos Estados Unidos, com T. llyatt e E.L. Ransome. IX* tal forma que, além da construção tle grandes edifícios e pontes, o concreto simples, o ciclópico e o armado torna- ram-se o principal material tle fundação, pois até os alicerces de tijolo-duplo para paredes tle casas se assentam sobre lastro tle concreto. Voltando â geotécnica teórica, se o fim do sécu- lo XIX foi a época da conceituaçáo definitiva tio ângulo tle atrito interno <p, o inicio do século XX voltou a dar primazia âs argilas com a procura de sua definitiva caracter ização c o m o material geotécnico e que se valeu, de início, dos estudos tle base agronômica tle Atterberg, na Suécia. Es- ses estudos, que se realizaram em torno de 1910, começaram com uma classificação granulométrica dos solos, ficando as argilas como sendo aqueles solos com grãos menores que 2 }.i (ou 0,002 mm) em diâmetro. Logo Atterberg reconheceu a insufi- ciência desse limite para assinalar a propriedade física característica das argilas — a sua plasticidade — e estabeleceu os hoje conhecidos como limites tle consistência, o inferior como o início do esta- do nào-plástico e o superior como início do esta- do fluido (aos quais, em 1921, Terzaghi chamou tle limites tle plasticidade e de liquidez, respecti- vamente). A diferença entre esses tlois limites, que Atterberg chamou tle índice tle plasticidade, le- vou a uma primeira classificação numérica tle com- portamento tios solos. Na mesma época começa- ram estudos tle características mecânicas das argi- las, especialmente cisalhamento, incluindo ensai- os e análises tle rupturas, iniciados por Frontard e Késal. Jean Frontard estudou a ruptura e fez en- saios sobre materiais do dique de Charmes e Jean Résal os incluiu no seu tratado "Empuxo das ter- ras: teoria das terras cocsivas", ambos em 1910. Pouco depois, na construção de muros de cais em Rosyth, Arthur Langtry Bell realizou os primei- ros ensaios em caixa de cisalhamento sobre amos- tras de argila razoavelmente indeformadas (resul- tados publicados em 1915). Em 1910, outro caso de cais, este de ruptura em argila mole de Stibcrg, no porto de Gotemburgo, levou K.E. Petterson e S. Hultin ã primeira análise (no caso, retroanálise) pelo método do circulo de escorregamento, hoje conhecido como método sueco das "fatias verti- cais". O curioso é que, a despeito de se tratar de argila mole e dos trabalhos de Bell, na referida retro-analise de Petterson-Hultin, c foi despreza- da e com isso chegaram a um ç) baixo para a argi- la mole. Isso levou, em 1917, T.F. Hellan, do por- to de Trondheim, a sugerir o contrário, que a aná- lise se fizesse com base na coesào. Daí, a primeira análise com <p = 0 foi feita por Wolmar Fellenius em 1918. que depois generalizou o método para incluir simultaneamente na análise c c ç ) ; e , como tais análises são feitas para o estado limite de equi- líbrio, Fellenius sugeriu, em projetos, a introdu- ção de um fator de segurança S aplicado direta- mente aos parâmetros, isto é. c/s <_• tg<p/s. Os pro- blemas ile estabilidade, então verificados, não se deram só em obras portuárias, mas também em ta- ludes de traçados de estradas de ferro, o que levou ã criação, em 1913 na Suécia, da Comissão Gcotécnica Sueca, da qual Fellenius fez parte. Re- gistraram-se ainda problemas de estabilidade de taludes em obras de canais, como os do canal de Kiel e tio canal do Panamá, como antes, na abertu- ra do canal de Suez. 1.8 A FASE C O N T E M P O R Â N E A O período contemporâneo da história geotécnica começa necessariamente com Karl Terzaghi, o pai da Mecânica dos Solos. Ao longo dos tempos e dos mais variados lugares e pessoas, os desenvol- vimentos — baseados na experiência, ganha em tentativas, erros e acertos, em experimentos, in- terpretações e teorias — acumularam-se de tal modo c com tal vulto que, observa Pcck (IVck, 1985), a Mecânica dos Solos teria nascido mesmo sem Terzaghi. Mas, ao contrário e lembrando as belas palavras de Skempton no 6"' ICSMFE (Nota 5, 1.11), pode dizer-se que Terzaghi foi o homem certo na ocasião certa para promover tal apareci- mento. não só por sua capacidade de liderança, mas principalmente por sua envergadura como en- genheiro, geólogo e cientista, e a determinação com que analisou criticamente todo aquele gigan- tesco acervo empírico; partiu, em seguida, para um programa de pesquisas destinadas a elucidar, complementar e descobrir tanto quanto fosse ne- cessário para consolidar, em bases cientificas, os conhecimentos de uma nova ciência da Engenha- ria. Esse programa, estabelecido em 1919, foi de- senvolvido na primeira metade da década seguin- te no Robert College, em Constaniinopla, com ênfase sobre as argilas, como vinha acontecendo nos últimos vinte anos. E, então, a partir da permeabilidade dessas argilas, caiacteristicamen- te de baixo coeficiente e, portanto,lento proces- so de percolação, tendo, assim, decisiva influên- cia sobre o fenômeno da compressibilidade das mesmas argilas, que Terzaghi introduziu o estudo desse fenômeno com o nome de adensamento (consolidação^; bem como da sua influência so- bre a resistência ao cisalhamento cas argilas, com a caracterização precisa do ângulo de atrito inter- no cp e da coesão ç. Estes dois aspectos e mais a sua descoberta do princípio das pressões efetivas (parte das pressões normais totais aplicadas e ab- solvidas grão a grão pela fração sólida do solo, a outra parte sendo absorvida pela água intersticial) (Nota 6. 1.11) que condiciona os dois fenômenos, adensamento e cisalhamento, constituem os três marcos básicos da moderna Mecânica dos Solos. Acompanhando esses estudos experimentais, pu- blicou trabalhos em 1921 e 1923, e e m 1924 apre- sentou a sua teoria sobre o já referido adensamento e o princípio das pressões efetivas no Congresso Internacional de Mecânica Aplicada (Delft, Holanda). Nesse mesmo ano, como coroamento de tudo, concluiu o seu tratado fundador da nova ciência, ' Erdbaumechanik", publicado no ano se- guinte (1925) (Nota 7, 1.11). Já se nota neste evidência do tratamento científico das questões geotécnicas quando, por exemplo, aponta a coesão como podendo ser real ou aparente esta desapare- cendo por total imersâo ou total secf.mento do solo. No fim do mesmo ano de 1925 um resumo, sob o nome de Principies of Soil Mechanics, foi publi- cado cm oito artigos na revista "Engineering News Record" (Nota 8, 1.11) e, em 1926, como livro, pela McGraw-Hill, N.Y., sob o mesmo título. Estes latos balizam tanto a segunda metade da década ile 20, que Terzaghi passou nos Estados Unidos, como a sua mudança de atividades visando ao esclarecimento do campo profissional, principal- mente em fundações e geotécnica de estradas. Nesta, a ênfase voltou-se para a classificação e propriedades físicas dos solos, e naquelas em dois t rabalhos b á s i c o s : " M o d e m C o n c e p i i o i i s Concerning Foundation Engineering" (fins de 1925) e "The Science of Foundations" (1927) (Nota 9. 1.11). Aqueles três marcos básicos da Mecânica dos Solos que apontamos acima (coesão, atrito interno e pressões efetivas), Terzaghi apresentava de maneira mais clara e acessível: os dois primei- ros como resistências de argilas e areias tipicas, respectivamente; e, em vez de citar pressões efeti- vas, aqueles conceitos que elas vieram revolucio- nar, ou seja. tensâo-deformaçâo nos solos (pro- priedades então chamadas "elásticas", como compressibilidade-adensamento, para diferenciar de propriedades limites na ruptura em estado "plás- tico'); e permeabilidade nos solos (com os fenô- menos de percolação e capilaridade). Mas, no tocante a fundações, a questão que evi- dentemente interessa mais de perto é a das suas ccndiçòes de suporte. O prcblema da capacidade de carga dos solos tem sido, ao longo dos tempos, praticamente abordado através de: a) pressões admissíveis codificadas; b) provas de carga; e c) te- orias ou métodos de cálculo dessa capacidade. As chamadas pressões admissíveis "tradicionais" fo- ram sempre baseadas na experiência da prática p e s s o a l ou c o l e t i v a ( a q u i . via de regra, especificadas em códigos locais ou regionais) e representam apenas valores gentis para solos típi- cos. em casos "fora de dúvida", isto é, nào sujei- tos a limitações e peculiaridades localizadas. As provas de carga, embora usando a aparência de um método de experimentação direta, só têm hoje valor auxiliar, em virtude das quase incontornáveis dificuldades ligadas a dimensões, principalmente da área de carregamento direto. Na fase pré-cientí- fica da técnica, eram comuns placas de prova de 30 cm x 30 cm para atingir pressões expressivas com cargas de reação moderadas e, em geral, um só ensaio. Houve até uma tentativa (fórmula de Housel) de cálculo de pressão admissível a partir de parâmetros obtidos em. no mínimo, duas pro- vas e levando em conta nào só a compressão (área), mas também o cisalhamento (perímetro) produzidos no solo pela superfície carregada; mas, ainda, com as limitações, diante das construções reais, de área carregada, alcance em profundida- de e variações locais. Daí as tentativas que, desde Rankine, se fizeram para calcular uma capacidade de carga-limite e dividi-la por um fator de segu- rança. Os métodos resultantes já comportam duas limitações iniciais: a suposição de que o solo é homogêneo e que a fundação é corrida ou contí- nua (faixa carregada de comprimento indefinido) para análise plana. A primeira tentativa, a de Rankine, imaginava uma superfície de ruptura nào contínua abaixo do corpo de fundação, portanto irreal, e só aplicável a solos pulverulentos (só<p). Foi visto também que, 60 anos após, Bell esten- deu-a a solos coesivos, introduzindo a coesão ç na expressão da capacidade de carga. Vieram logo antes e depois: Krey (1913) com seu círculo de atrito (<p) e Prandtl (1920-24), cujo esquema sobre ruptura plástica dc metais foi aproveitado com a introdução do peso específico y do solo (c,ç>) e da largura 2 b da fundação. Terzaghi, que em 1925 deduzira uma expressão para a capacidade de carga a partir do equilíbrio de prismas ativos e passivos definidos pela largura 2 b e a profundi- dade z d a fundação, em 1913 e em estudo deta- lhado (Terzaghi, 1943) voltou ao esquema das su- perfícies de ruptura contínuas, semelhantes à de Prandtl, introduziu a noção de ruptura por cisalhamento geral (solos densos, pouca deforma- ção antes da ruptura) e a da cisalhamento local (solo fofo, deformação acentuada, antes da rup- tura) e fundação rasa e profunda, aquela sendo a que se situa a profundidade em geral menor ou no máximo igual à largura da fundação. Conside rou ainda os casos de fundações com bases lisas ou rugosas. Os resultados das análises levaram a expressões dc três termos, cada um ligado a um dos chamados fatores de capacidade tle carga: Nt., N e N (cisalhamento geral) e N\. N\, c N/ (cisalhamento local), dependentes unicamente de tp. Aqueles três termos contêm, respectivamente, a coesão c, a profundidade z e a largura 2b da fundação corrida. Para fundações rasas com com- primento aproximadamente igual à largura «circu- lares, quadradas e retangulares) a analise mate- mática é mais complicada e Terzaghi adaptou com coeficientes baseados na experiência disponível os termos, para usar os mesmos fatores de capaci- dade de carga. Para fundações profundas (por exemplo: tubulòes), acrescentou à expressão da fundação rasa um quarto termo igual à superfície lateral da fundação profunda multiplicada por um fator de atrito e adesividade, ambos laterais. Mas fundações profundas são também as fun- dações por estacas, cuja capacidade de carga foi, igualmente e desde o princípio do século XX. pro- curada por teorias sem sucesso, como a de Stern (1908) e a de Dõrr (1922). Do ponto de vista está- tico, Terzaghi estendeu o raciocínio, que acaba de ser visto, sobre fundações profundas, às fundações por estacas, englobando os três primeiros termos sob a designação de resistência de ponta e o quar- to termo com o nome de resistência de atrito late- ral. lí claro que sendo aqueles três primeiros ter- mos já adaptados da teoria das fundações corridas para as de forma circular ou quadrada, a sua ex- tensão, para estacas com seções circular (estacas cilíndricas ou cônicas alongadas) e quadrada (es- tacas prismáticas) é uma segunda aproximação, que serve ao menos para estimar o limite inferior da resistência de ponta, enquanto o atrito lateral é medido, algumas vezes e sob forma dinâmica, em ensaios de arrancamento ou estimado com base na experiência local sobre os vários tipos de solo. Este talvez seja ainda o melhor apoio para o cál- culo empírico, pois o atrito lateral varia, seja a estaca de madeira, de concreto ou metálica, rora disso, a única possibilidade é a da medida direta da capacidade de carga até