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70 4 O FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE) Para tratar da atuação do FNDE nas PPEs, é importante compreender um mínimo do histórico da instituição, especialmente para situá-la na discussão traçada no Capítulo III, relativa à incursão do modelo de gestão gerencial na administração pública brasileira. Embora o histórico da autarquia conste apenas como notas breves na literatura, ao associar estas referências aos dispositivos legais que afetam a entidade, é possível compreender pontos importantes do nascimento e das alterações por que passou a Autarquia durante seus mais de 40 anos de existência, ao longo dos quais a expressividade de sua presença na execução das PPEs construiu-se. 4.1 A CRIAÇÃO DO FNDE Em 21 de novembro de 1968 foi decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente a Lei nº 5.537 que, entre outras providências, “Cria o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação e Pesquisa (INDEP)”, como autarquia federal vinculada à Secretaria Geral do então Ministério da Educação e Cultura. Esse fato passa a ter relevância para nosso estudo quando, em 15 de setembro de 1969: OS MINISTROS DA MARINHA DE GUERRA, DO EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA MILITAR , usando das atribuições que lhes confere o artigo 1º do Ato Institucional nº 12, de 31 de agôsto de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, DECRETAM: Art 1º O artigo 1º, as alíneas a e c e o § 2º do artigo 3º, o artigo 4º suas alíneas e parágrafos, e o § 1º do artigo 9º da Lei nº 5.537, de 21 de novembro de 1968, passam a vigorar com a seguinte redação: Art. 1º É criado, com personalidade jurídica de natureza autárquica, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). (BRASIL, 1969) Ou seja, em 1969 a Autarquia que até então, desde 21/11/1968, chamava-se INDEP, recebe o nome de FNDE. E com o que foi tratado Capítulo III a respeito da 71 descentralização, tem-se que “a criação do FNDE, ocorrida em meio ao regime militar, é parte de uma tendência descentralizadora diante de um contexto centralizador” (PARENTE, 2006, p. 20), pois nota-se “a fragmentação do aparato estatal e a constituição de conexões burocráticas, como forma predominante de representação de interesses no período autoritário” (FRARE, 2006, p. 65). A criação do FNDE, calcada no princípio da descentralização, naquele período, estava associada à fragmentação, como estratégia de consolidação da autoridade. Desde então, algumas importantes alterações institucionais12 ocorreram no FNDE. Mesmo com estas alterações, a essência de suas atribuições permaneceu similar àquela estabelecida quando de sua criação: financiar e dar apoio técnico à educação básica e superior. Contudo, as responsabilidades da autarquia, tanto na capacidade de financiamento quanto de apoio técnico, sofreram significativos incrementos. 4.2 AS ALTERAÇÕES ORGANIZACIONAIS DO FNDE Com mais de quatro décadas de existência, ao longo das quais estiveram em curso importantes mudanças na organização e nos modelos da administração pública brasileira, inclusive em nossa experiência democrática, é natural que muitos reflexos tenham alcançado o FNDE. Neste tópico, tratarei de algumas das principais alterações percebidas na autarquia, especialmente em razão da extinção da Fundação de Apoio ao Estudante (FAE) e das Delegacias Regionais do Ministério da Educação (DEMECs). Diversos autores tratam, ainda que de forma breve, das importantes alterações que constam no histórico institucional do FNDE. Campos (2008, p. 6) explicita o impacto sobre o próprio auto-reconhecimento da Autarquia: _______________ 12 Alguns aspectos particularmente interessantes do processo histórico da instituição são tratados nos trabalhos “A extinção das DEMEC: O impacto para as auditorias "in loco" no âmbito do FNDE” de Luciane Franco (2008); “Estudo do Clima Organizacional no FNDE”, de Eliane de Carvalho e Silva (2008). 72 Alvo de inúmeras reformas regimentais e organizacionais, ao longo de seus 40 anos de existência, o FNDE acabou por se ressentir de uma ausência de identidade, o que dificultava o compartilhamento dos seus objetivos e da sua missão pelo corpo funcional. Essas mudanças, que incluem, entre outros pontos, a incorporação de outras organizações, parecem ter gerado, internamente, uma pluralidade de subculturas, que são compartilhadas por grupos com diferentes visões e valores acerca da instituição. Quanto às incorporações de outras organizações, cabe destacar a fusão entre FNDE e a FAE, ocorrida por meio da Medida Provisória nº 1.549, de 14 de fevereiro de 1997 – transformada na Lei nº 9.649 em 1998 – que, em seu artigo 18, estabelece a transferência das competências da FAE para o FNDE e, no artigo 19, extingue a fundação. Com isso, como destaca Parente (2006, p. 20): Até 1997, o MEC contava com o apoio da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que executava programas educacionais com recursos do Tesouro Nacional e do FNDE. Nesse mesmo ano, a FAE foi extinta com o objetivo de dar continuidade à política de descentralização do governo federal, oferecendo maior racionalidade ao processo de financiamento da educação básica e propiciando um melhor atendimento às escolas e alunos beneficiados. Todas as atribuições que, antes, eram de responsabilidade da FAE ficaram a cargo do FNDE. Frare (2006, p. 69) entende que “o FNDE passou por um momento de turbulência importante com a incorporação da FAE” e que “esse processo mudou consideravelmente a missão do Fundo que passou a ser além de financiador de programas educacionais, executor de programas assistenciais” (FRARE, 2006, p. 59): Além da incorporação da FAE, outras ocorreram, como a do Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola), do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) e do programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (PROMED). (FRARE e RUEDIGER, 2008, p. 16) Em 2005, os programas com financiamento de organismos multilaterais foram incorporados ao Fundo […]. Os programas, que na maioria das vezes estavam no MEC, passaram para a gestão do FNDE. (FRARE, 2006, p. 67) Para melhor ponderar os impactos desse processo, é preciso considerar o histórico da própria FAE, que nasceu incorporando diversos outros órgãos. Previamente à existência da FAE, o FNDE já carregava mais de 20 anos história, mas não agregava as funções que hoje lhe cabem, sendo que outras instituições também possuíam competências relativas às PPEs: Cada um desses órgãos tinha sob sua alçada a responsabilidade de desenvolver ações específicas de assistência ao educando. Assim, competia ao Inae desenvolver as ações necessárias à execução do programa de alimentação escolar (merenda) e à Fename definir as diretrizes 73 e executar os programas referentes aos materiais escolar e didático e ao livro didático. Ou seja, nesse momento a execução da política de assistência ao estudante do MEC estava entregue institucionalmente a agências públicas distintas, as quais concorriam entre si e executavam políticas de assistência ao estudante de forma desintegrada [...] Em 1981, a dispersão da ação assistencial praticada no ministério foi percebida como negativa aos próprios princípios educacionais. O diagnóstico constante no relatório da reforma administrativa do MEC admitia que os esforços empreendidos na trajetória da política de assistência ao educando acabaram por configurar um quadro difuso, construído à margem de uma política oficial deliberada, prioritária e adequadamente articulada nos seus aspectos operacionais [...] A proposta de solução, conduzida no processo de reforma administrativa pelo qual passou o ministério em 1981, foi a de integrar em uma única agência governamental todas as atividades relativas à assistência ao estudante,eliminando duplicações de funções e de atividades (…) afirmando-se a necessidade de esse órgão (MEC) ter um papel mais político que operacional (CASTRO, 2001, p. 74) É nesse cenário que surge a FAE, criada pela Lei nº 7.091/1983. Vale observar um diagrama da constituição da Fundação a fim de perceber a diversidade da “carga genética” de onde nasceu a FAE: Figura 1: Transformações institucionais originárias da FAE – 1978/1996 Fonte: CASTRO, 2001, p. 75, adaptado. Esse movimento de concentração tem muito a ver com a redução da estrutura estatal, assim como se relaciona a um intento de integração, mas não contrasta, de forma alguma, com a descentralização, pois são concentrados alguns aspectos das 74 funções da gestão, enquanto a execução tende a ser ainda mais descentralizada. Como se viu, algumas das bases lançadas pelo Decreto-Lei nº 200/1967 tornaram- se mais evidentes somente décadas depois de sua publicação: Nos anos 1990 […] a nova política predominante passa a ser a descentralização de recursos: a FAE somente os aloca e os gerencia, e a execução deles é realizada por estados, municípios e escolas. Essa direção da política tem início em novembro de 1992, quando se oficializou a descentralização para os estados; no ano seguinte para os municípios, tendo como estratégia principal na municipalização as capitais; e, em seguida, para as cidades com população acima de 50 mil habitantes. Em 1994, a Lei nº 8.913 estendeu a política de descentralização a todos os municípios do país que tivessem infraestrutura operacional e administrativa capaz de gerenciar o programa. (CASTRO, 2001, p. 79) Isto significa dizer que foi potencializado um segundo aspecto da centralização. Enquanto a própria criação do FNDE deu-se para separar as funções políticas das funções de execução, a FAE e depois o próprio FNDE passaram a colocar em prática o princípio da descentralização da esfera central para os governos locais. Com isso, as PPEs implementadas pelo governo federal passaram a ser executadas por atores de todos os entes da Federação, e posteriormente inclusive pelas escolas, como atualmente ocorre com o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Em razão disso, a fusão com a FAE deixou ao FNDE não simplesmente as funções de entidade, mas uma nova forma de se relacionar com diversos atores, e também uma herança de conflitos culturais, “visto a integração institucional ocorrida com a criação da FAE não ter passado de uma reunião de recursos físicos, humanos e financeiros dispersos” (CASTRO, 2001, p. 78). O autor, ao tratar do processo de gasto para execução das PPEs, detém-se na abordagem dessa fusão, dada sua importância para compreender a Autarquia resultante, e chega a classificar em sua análise um Antigo FNDE e um Novo FNDE, referindo-se exatamente à configuração e à função antes e depois da extinção da FAE. Ressalta o autor que: A expectativa dos dirigentes do Ministério da Educação (MEC) com o (novo) Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) era a de que o processo de gasto ganhasse maior eficácia e eficiência, uma vez que a fusão diminui, em termos organizacionais e administrativos, os conflitos interburocráticos entre as duas instituições, torna possível a unificação da política de gasto para o ensino fundamental e permite comprimir gastos de pessoal e de custeio operacional. Além disso, essa fusão poderia unificar procedimentos e trâmites operacionais na gestão dos programas, 75 superando, assim, os desperdícios, os desvios e a morosidade administrativa vigente [...] A criação desse órgão procurou eliminar conflitos interburocráticos que existiam entre o antigo FNDE e a FAE, e reforçar a implementação de uma política de descentralização de recursos reafirmando, para tanto, a estratégia de redefinição do papel do MEC. (CASTRO, 2001, p. 53-54) Essa redefinição do papel do MEC consistia exatamente em deixar para a administração direta, no caso o Ministério, a função de decisão política, com menor envolvimento na execução das PPEs. Exatamente em razão disso, tem forte influência no histórico do FNDE a extinção das Delegacias do MEC, também na década de 1990. Outra vez o impacto sobre as ações do Fundo na execução das PPEs é imediato, pois: Os dirigentes das DEMECs e seus burocratas tinham um papel de intermediação entre as unidades federadas e o ministério, quando da apresentação do PTA e, também, entre os municípios e o ministério, assim como realizavam o acompanhamento físico-financeiro e avaliavam os resultados em nível local mediante a análise da prestação de contas e a verificação in loco dos resultados. (CASTRO, 2001, p. 69) Essa nova estrutura institucional inscreve-se na estratégia central do MEC de redefinição de seu papel no processo de gestão pública atual e particularmente no sistema de educação. Nesse sentido, foi reafirmado o papel do ministério como coordenador das políticas nacionais, entendendo- se que a execução delas deva ser deixada a cargo dos governos estaduais e municipais. (CASTRO, 2001, p. 87) Após essas profundas mudanças, “o novo órgão continuou a ser loci decisório estratégico”13 (CASTRO, 2001, p. 87), como se mostra até os dias atuais e: Além disso, incorporou todas as finalidades básicas da FAE: desenvolver os programas de assistência ao estudante, nos níveis pré-escolar, fundamental e médio, para facilitar o processo didático-pedagógico; apoiar os estados e municípios na adoção de estratégias de atendimento ao educando, mediante programas suplementares de material escolar e didático, de alimentação e de assistência à saúde, propiciando as condições para o acesso e para a permanência do aluno na escola. (CASTRO, 2001, p. 88). A partir dessas mudanças, o FNDE passou então a figurar como protagonista no cenário nacional da execução de políticas públicas em educação. Reduziu-se a granularidade de instituições e, ainda que a fragmentação não tenha sido de _______________ 13 Embora o autor trate o FNDE como órgão em certas passagens, é importante esclarecer que, por tratar-se de uma Autarquia, com personalidade jurídica própria, não é adequado o uso deste tratamento, pois o FNDE caracteriza-se como entidade da administração indireta, não como órgão. 76 imediato superada, haja vista que a diversidade prevaleceu, foi promovida a concentração do financiamento da educação em uma única autarquia. E se anteriormente foi dito que o FNDE nasceu, na década de 1960, da prática descentralizadora em um contexto centralizador (ditadura militar), na década de 1990 percebe-se a centralização do financiamento da educação em uma única entidade para potencializar a descentralização. De instituição essencialmente arrecadadora e redistribuidora de recursos para gestora de políticas públicas em educação, o “novo” FNDE caracterizado por Castro (2001) surgiu, então, a partir de 1997. Contudo, as novidades estavam especialmente na maior gama de atribuições, na ampliação dos recursos sob sua gestão e na diversidade que compunha a cultura organizacional, pois algumas deficiências antigas mantiveram-se presentes. “[…] Análises realizadas internamente, em 2004, constataram que a gestão do Fundo ainda apresentava insuficiências e deficiências que comprometiam a qualidade, a eficiência e a transparência da sua atuação” (CAMPOS, 2008, p. 6). 4.3 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO FNDE Pela discussão construída até aqui neste capítulo, percebe-se que no FNDE está presente a relação com todas as esferas de governo e isso não é características apenas da autarquia, pois o atual cenário de governança global tem apresentado um dos “paradoxos da globalização: a importância adquirida novamente pelo nível local, tanto a partir de sua dimensão institucional como a partir da sociedade civil” (BORJA, 1999, p. 363). Não se pode dizer que a participação local seja assunto novo,mas é preciso relembrar que, como já discutido, ao longo do período de governo ditatorial, os governos estaduais e principalmente os municipais tiveram papel reduzido na arena decisória. Castro (2001, p. 71) indica que: [...] os dirigentes das secretarias de educação das prefeituras municipais que tinham na década de 1980 papéis bastante operacionais e subordinados às secretarias de educação estaduais, ganharam, no decorrer de 1990, força e participação nas decisões de gastos efetuados nessa arena decisória. Esse grupo objetivava aumentar sua capacidade de gasto 77 mediante a descentralização de recursos financeiros estaduais ou federais [...] Ou seja, se por um lado a descentralização interessava ao governo central, que poderia reduzir sua máquina administrativa, bem como eximir-se dos dilemas práticos da execução, por outro a descentralização era vista como forma de os governos municipais ampliarem suas possibilidades, dispondo de mais recursos financeiros – a submissão aos rígidos controles reduzia-se, assim, a um mal necessário. A discussão que se abre traz implicações relativas à definição e participação social na gestão das PPEs, pois se considerarmos que: [...] o financiamento da educação, mais do que importante instrumento para a implementação das políticas sociais, constitui-se um determinante do padrão de intervenção do Estado nas políticas educacionais (PARENTE, 2006, p. 19) [...] a descentralização nesta perspectiva requer, concomitantemente, o estabelecimento de novas relações entre o Estado e a sociedade, de modo que se abram os canais por onde fluam as demandas da população e, portanto, para que se efetive a participação da comunidade na gestão. [...] Esses reordenamentos implicaram novas formas de definição de articulação entre os espaços local, nacional e global, com profundas repercussões para os padrões societais, para as políticas sociais e, portanto, para a educação que vem se reformando em escala planetária […] nunca a questão educacional se mostrou tão importante para o poder central (AZEVEDO, 2002, p. 55) Esse movimento, por estar associado ao modelo gerencial de administração pública e, por conseguinte, à busca de maior governança e accountability, afeta a forma como as decisões são tomadas. Em se tratando de FNDE, as decisões, em última instância, cabem ao Conselho Deliberativo, presidido pelo Ministro da Educação e constituído por diversas outras vozes. Ao longo do histórico institucional da autarquia a composição deste conselho também sofreu alterações, incluindo a ampliação do número de componentes. Porém, não se pode classificar esse processo como efetivamente inclusivo, pois um aspecto interessante quanto à participação de outros segmentos nas decisões relativas à execução das PPEs pode ser percebido quanto à composição do Conselho Deliberativo do FNDE, dado que: Inicialmente sua composição procurava incorporar representantes de outras áreas, como a econômica além de representantes da sociedade civil, como estudantes e empresários, entretanto ao longo do tempo ela passou a ser 78 mais restrita, com a eliminação da participação desses setores (FRARE, 2006, p. 58) As alterações, cuja descrição pormenorizada não cabe no foco desse trabalho, “demonstram uma fragilidade no que concerne a preocupações com a participação da sociedade e suas resultantes democráticas” (FRARE, 2006, p. 60), vez que ficam excluídas da decisão central importantes segmentos da sociedade. Esse panorama, de incisiva centralização decisória com a descentralização restrita à execução, torna-se ainda mais evidente quando se percebe que: As atuais formas de transferências de verbas para as escolas e/ou municípios aos quais pertencem, ao mesmo tempo em que trazem dinheiro novo para a educação induzem certas formas de gerenciamento do mesmo, provocando um longo e sólido aprendizado em uma direção que nos parece não ser a mesma que delineamos. Essas novas práticas, gerencialistas [...] carregam em si um ethos ainda intimamente ligado à racionalidade tecno- burocrática oriunda da nova versão do estado-nação. (SILVA, 2010, p. 17) O autor é levado a essa constatação pela percepção de que há nos controles que recaem sobre esse fluxo do recurso um claro viés de foco no processo, em detrimento da importância dos resultados. Assim, as transferências implicam no estabelecimento não apenas dos resultados esperados, mas do processo a ser seguido. Essa constatação, como traz o autor, “nos permite compreender que os municípios e suas redes escolares sofrem um processo de indução de suas políticas locais em função da operacionalização dessas iniciativas do governo federal” (SILVA, 2010, p. 5). Sendo que: Nesse sentido, o local, passa a ser corresponsável do poder público para efetivação de suas políticas […] a transferência de responsabilidades sugere a indução de quais as atividades devem ser priorizadas, sob pena de responsabilidade quando da falta de atendimento aos direitos sociais, por parte dos dirigentes locais da educação. (SILVA, 2010, p. 8) Mesmo assim, é recorrente – como já tratamos – a referência à ampliação da importância do local na gestão das PPEs. Isso se refere muito mais ao fato de que os governos locais dispõem de mais recursos para gerir sua educação, o que é representativo da ampliação de suas possibilidades, ainda que estas se restrinjam à execução, havendo rígidas restrições quanto à decisão de uso dos recursos. 79 4.4 O FNDE HOJE E O DESAFIO DA GESTÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS Atualmente, a missão do FNDE é definida em seu planejamento estratégico como “prestar assistência financeira e técnica e executar ações que contribuam para uma educação de qualidade a todos” (FNDE, 2012), e seus valores são: compromisso com a educação; ética e transparência; excelência na gestão; acessibilidade e inclusão social; cidadania e controle social; responsabilidade ambiental; inovação e empreendedorismo. No atual cenário, muitos desafios resultantes do processo histórico da instituição ainda precisam ser superados. Contudo, o FNDE percorreu décadas turbulentas e de transição entre paradigmas da administração pública brasileira, sobreviveu, e atualmente percebe ano a ano sua participação nas PPEs ampliar-se. Como exemplo dessa crescente, e considerando a ausência de outros indicadores que possam expressar essa participação, veja-se abaixo a representação gráfica que expressa a variação dos montantes do orçamento único da União cuja execução está atribuída ao FNDE: Gráfico 1: Série histórica do orçamento executado pelo FNDE FONTE: Sistema de Gestão Financeira (SIGEF), 2012. 6,33 7,3 8,92 9,98 12,66 15,51 20,85 27,5 34,56 39,84 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Orçamento executado pelo FNDE (em bilhões de reais)