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PREÂMBULO O objectivo deste livro é discutir os problemas da inteligência e do conhecimento em geral (sobretudo lógico-matemático) à luz da biologia contemporânea. Trata-se, portanto, de um conjunto d e interpretações e não de experiências. Mas este ensaio teórico é o trabalho de um autor com 45 anos de experiência em psicologia do desenvolvimento e que, por isso, pretende manter-se o mais próximo possível dos factos. Por outro lado, será sem dúvida permitido recordar que este autor foi formado como biólogo, que só publicou trabalhos de zoologia e continuou a fazê-lo em 1929 e em 1966 (Revue suisse de Zoologie), bem como um pouco de botânica (em 1966 em Candollea), mantendo-se o mais possível informado das principais correntes da biologia contemporâneo . O plano do livro é o seguinte. Em primeiro l u g a r , especifica-se a posição dos problemas (capítulo I) e, para isso, mostra-se desde o início porque é que o estudo do desenvolvimento psicológico das funções cognitivas levanta constantemente questões biológicas próximas das da embriogénese e, consequentemente, também das relações entre o organismo e o ambiente, nomeadamente no domínio das regulações. A etapa seguinte (capítulo II) consiste em especificar os métodos a utilizar para comparar racionalmente os mecanismos cognitivos com os processos orgânicos, evitando tanto um vitalismo que encontraria a inteligência em todo o lado, como um reducionismo que eliminaria os problemas ao assimilar demasiado facilmente as funções superiores do conhecimento a comportamentos elementares. Fundação Jean Piaget Prefácio e Capítulo I de Biologia e conhecimento. Ensaio sobre a relação entre a regulamentação orgânica e os processos cognitivos Edições Gallimard, Paris 1967 Reeditado em 1992 por Delachaux et Niestlé, Neuchâtel e Paris, com um prefácio de Marino Buscaglia Versão electrónica produzida pela Fundação Jean Piaget para a investigação psicológica e epistemológica. A paginação está de acordo com a edição de 1992. Assine o DeepL Pro para traduzir documentos maiores. Visite www.DeepL.com/pro para mais informações. https://www.deepl.com/pro?cta=edit-document&pdf=1 18 BIOLOGIA E CONHECIMENTO O capítulo III, ainda introdutório, tentará identificar a epistemologia dos próprios biólogos, de modo a mostrar como os problemas que colocam e as interpretações que dão a si próprios são constantemente paralelos a questões e teorias explicativas que podem ser encontradas, mas numa linguagem completamente diferente, nos domínios da psicologia da inteligência e d a análise do conhecimento. No capítulo IV, abordamos os problemas centrais, procurando mapear as estruturas e as funções do próprio organismo sobre as das diferentes formas de conhecimento (conhecimento do sujeito e não mais do biólogo). O capítulo V recordará os intermediários entre esta organização material do ser vivo e as formas superiores de organização cognitiva, examinando os vários níveis de comportamento e procurando identificar as questões epistemológicas que a sua análise leva a levantar. O Capítulo VI investigará em que medida estas questões são actualmente passíveis de solução biológica, e as conclusões (Capítulo VII) fornecerão uma síntese parcial do livro. CAPÍTULO I POSIÇÃO DO PROBLEMA Alguns dos grandes etólogos contemporâneos compreenderam claramente que os problemas do conhecimento, incluindo o conhecimento humano nas suas formas mais elevadas (matemática, etc.), não podem permanecer alheios aos biólogos, no sentido em que a biologia deve dar- lhes uma interpretação no seu campo propriamente orgânico, filogenético e ontogenético. Assim, num artigo recente (depois de vários outros sobre o mesmo assunto), Konrad Lorenz afirma que : "O aparelho de conhecimento da espécie humana deve ser estudado biológica e filogeneticamente como os outros" e que "mesmo que não se esteja interessado na teoria do conhecimento, como epistemólogo, é-se obrigado a fazê-lo como biólogo "1. O próprio Darwin, quando estava a escrever o primeiro dos seus famosos Nos seus "Cadernos" pessoais sobre a evolução (1837-1839), compôs outros sobre a psicologia, contendo as ideias que desenvolveu mais tarde sobre o homem, as emoções, etc. No entanto, lemos esta afirmação fundamental: "Quem compreender o Babuíno faria mais pela metafísica (= filosofia em geral, incluindo o problema do conhecimento) do que Locke". 20 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 21 § 1. QUESTÕES PRELIMINARES 2 Em geral, a maioria dos biólogos considera que, para além do instinto e do que pode ser hereditário nos mecanismos perceptivos ou nos níveis de inteligência relacionados com o desenvolvimento cerebral, o conhecimento consiste essencialmente em informação derivada do ambiente (experiência adquirida), sob a forma de cópias da realidade e de respostas figurativas ou motoras a estímulos sensoriais (padrão S → R), sem organização interna ou autónoma. Uma vez que, por outro lado, o sistema genético, foco da organização vital, é geralmente concebido como dependendo apenas de factores endógenos, sem qualquer relação com influências ambientais a não ser sob os efeitos da selecção que intervém apenas a posteriori, não haveria, portanto, qualquer relação entre a organização viva nas suas fontes genéticas ou mesmo ontogenéticas e a estrutura do conhecimento como reflexo do ambiente. No máximo, este último poderia, portanto, desempenhar um papel no processo de selecção, mas a título secundário e acessório. A psicologia do desenvolvimento, pelo contrário, deu-nos uma imagem muito diferente da formação do conhecimento e da inteligência, que conduz a problemas muito mais próximos das grandes questões biológicas actualmente em discussão pelos embriologistas e especialistas em hereditariedade ou variação, e isto porque todo o conhecimento implica uma organização. Comecemos por fixar o nosso vocabulário. Para já, distinguiremos apenas alguns grandes tipos de funções cognitivas, susceptíveis de interessar a quase todo o reino animal. Em primeiro lugar, há aquelas que estão ligadas a uma sequência de acções cuja programação é transmitida hereditariamente: trata-se, neste caso, de comportamentos reflexos ou instintivos. Em segundo lugar, falaremos de percepção no caso de uma organização imediata dos dados sensoriais actuais: como tal, as percepções já estão naturalmente envolvidas no comportamento instintivo e não são menos essenciais na maioria dos comportamentos seguintes. Em terceiro lugar, começaremos por agrupar num único conjunto a totalidade dos comportamentos adquiridos pelo indivíduo em função de etapas sucessivas denominadas, consoante os casos, aprendizagem, exercício, etc. Neste último grande grupo, que começa com os protozoários e se estende até à inteligência humana, distinguem-se geralmente os comportamentos "condicionados", a formação de hábitos de complexidade variável, diversos tipos de memória e diferentes níveis de inteligência. Mas, por um lado, os factos mostram-nos (sobretudo durante o primeiro ano de desenvolvimento do ser humano) a existência de comportamentos notavelmente É, portanto, apenas em virtude de uma divisão artificial e de critérios arbitrários que se fixam os primórdios da inteligência. Sempre que utilizarmos este último termo, que não tem, portanto, qualquer significado em si mesmo, será necessário especificar de que nível de desenvolvimento estamos a falar entre as condutas adquiridas individualmente (sem levantar de momento o problema, que obviamente se coloca, das condições prévias hereditárias). Por outro lado, os comportamentos mais diversos são geralmente designados por memória, cujo único traço comum é a conservação do passado ou, mais exactamente, a utilização de aquisições anteriores. Na maioria dos casos, a memória confunde-se assim com o hábito ou com o seu aspecto particular de recordação de pistas. Quanto à memória evocativa, que se desenvolve no ser humano a partir dos 2 anos, é provavelmente apenas o aspecto figurativo (memórias-imagem) da conservação dos padrões da inteligência (voltaremos a esses padrões em breve). Dito isto, para compreender o modo como se coloca o problema biológico do conhecimento, é importante começar por descartar as ideias demasiado simples que temos do conhecimento quando o apresentamos, no caso das percepções e dos comportamentos adquiridos, como um puro registo de dados fornecidos pelo ambiente. Antes de mais, é necessário distinguir, entre os comportamentos cognitivos adquiridos, e particularmente entre as formas superiores de inteligência, dois aspectos essencialmente diferentes quanto ao papel desempenhado na sua elaboração pelas actividades do sujeito ou do organismo, por um lado, e dos próprios objectos ou do ambiente, por outro: são os aspectos lógico-matemáticos e os aspectos exógenos (aprendizagens empíricas e comportamentos experimentais) do conhecimento. Ora, as estruturas lógico-matemáticas que pressupõem, é evidente, uma parte preponderante da actividade e da organização internas (se não inteiramente endógenas; o problema será discutido no capítulo VI) manifestam-se já (embora constantemente misturadas com dados exteriores dos quais só se dissociam nos estádios superiores do pensamento) a todos os níveis do comportamento adquirido e mesmo da percepção, se não de certos instintos: A Gestalt perceptiva inclui uma geometrização, a inteligência prática dos chimpanzés domina os problemas de desvios, que supõem a intervenção de um "conjunto de deslocações", os esquemas sensório-motores contêm toda uma lógica, etc. Embora o conhecimento lógico-matemático só esteja presente de forma diferenciada nos estádios superiores do pensamento humano, seremos por isso levados a considerá-lo como característico de uma das três grandes categorias de 22 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 23 Isto é suficiente para dizer que não se deve a simples registos exógenos. Quanto ao conhecimento deste terceiro tipo (da aprendizagem empírica à conduta experimental), é importante sublinhar que, a todos os níveis, é mais rico do que o que retira do ambiente e que lhe acrescenta elementos organizacionais não fornecidos como tal por acontecimentos ou objectos externos ao organismo. Em suma, todo o conhecimento é muito mais comparável às variações fenotípicas, tal como as entendemos hoje como produtos de interacções entre os genomas e o ambiente e como relativas[*] às "normas de reacções" dos genótipos, do que comparável aos fenótipos, tal como os interpretávamos como radicalmente distintos dos genótipos. I. Assimilação cognitiva O facto essencial do qual devemos partir é que nenhum conhecimento, mesmo perceptivo, constitui uma simples cópia da realidade, porque envolve sempre um processo de assimilação a estruturas anteriores. Utilizamos o termo assimilação no sentido lato de uma integração com estruturas anteriores. Em biologia, esta palavra já é utilizada em sentidos muito diferentes: "assimilação da clorofila" é uma transformação da luz visível em energias integradas no funcionamento do organismo; "assimilação genética" (Waddington) é a incorporação no sistema genético de caracteres inicialmente ligados a uma interacção com o meio ambiente, etc. O sentido comum deste termo é que se trata de um processo de assimilação ao sistema genético. O significado comum a todas estas utilizações é, de facto, a integração em estruturas pré-existentes, que podem permanecer inalteradas ou ser mais ou menos modificadas por esta mesma integração, mas sem descontinuidade com o estado anterior, ou seja, sem serem destruídas e adaptando-se simplesmente à nova situação. A assimilação, assim definida em termos funcionais muito gerais, desempenha um papel necessário em todos os conhecimentos. Quando um naturalista classifica os animais que acaba de recolher, assimila as suas percepções a um sistema anterior de conceitos (ou classes lógicas), que constitui uma estrutura prévia em relação à sua conduta actual. Quando um homem ou um animal percebe um objecto, identifica-o como pertencente a certas categorias, conceptuais ou práticas, ou, no plano estritamente perceptivo, percebe-o através de esquemas funcionais ou espaciais (como uma figura que se destaca num fundo, como ocupando uma posição no espaço, etc.): assimila-o a estruturas e níveis mais ou menos complexos [Nota da FJP: substituímos "relativo" por "relativo": é claro que as variações fenotípicas são relativas às normas das reacções]. A percepção que o bebé tem da situação baseia-se numa variedade de esquemas perceptivos que são anteriores à percepção que o bebé tem do momento. Quando um bebé puxa para si um cobertor para alcançar um objecto colocado sobre ele mas demasiado afastado para ser agarrado directamente, assimila esta situação a esquemas perceptivos (a relação "colocado sobre") e activos (a condução do apoio). Em suma, qualquer conhecimento envolve sempre e necessariamente um factor fundamental de assimilação, que é o único que confere sentido ao que é percebido ou concebido. Os antigos psicólogos, e com eles um grande número de fisiologistas, não falam de assimilação mas de "associações": o cão de Pavlov "associa" o som da campainha ao contacto com o alimento e, em seguida, saliva ao ouvir o som como se estivesse na presença desse alimento. Mas a associação é apenas um momento parcial, artificialmente cortado do processo de assimilação. A prova é que o reflexo condicionado não é estável em si mesmo e precisa de ser periodicamente "confirmado": se simplesmente fizermos o cão ouvir o sino sem nunca o acompanhar com comida, o cão deixa de salivar a este sinal. Por conseguinte, este sinal só faz sentido quando assimilado a um padrão global, que inclui a necessidade inicial de alimento e a satisfação final, e a "associação" é apenas o produto de uma divisão arbitrária dentro deste processo mais vasto (sabemos agora que o reflexo condicionado é mais complexo do que imaginávamos: neurologicamente, porque depende da formação reticular e não apenas do córtex, e funcionalmente, porque envolve feedbacks, etc.). A importância da noção de assimilação é dupla. Por um lado, implica, como acabámos de ver, a de significação, que é essencial uma vez que todo o conhecimento se baseia em significações (desde as pistas ou sinais perceptivos, tão importantes já ao nível dos instintos, até à função simbólica dos antropóides e do homem, para não falar das abelhas e dos golfinhos). Por outro lado, exprime o facto fundamental de que todo o conhecimento está ligado à acção e que conhecer um objecto ou um acontecimento é utilizá-los assimilando-os a padrões de acção. II. Padrões de acção Conhecer não consiste, de facto, em copiar a realidade, mas em agir sobre ela e transformá-la (na aparência ou na realidade), de modo a compreendê-la de acordo com os sistemas de transformação a que essas acções estão ligadas. Para conhecer os fenómenos, o físico não se limita a descrevê-los tal como se apresentam, mas actua sobre os acontecimentos de modo a dissociar os factores, a fazê-los variar e a assimilá-los a sistemas de 24 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 25 transformações lógico-matemáticas. Dir-se-á que ele as descreve de novo desta forma, mas mais profundamente, e que a matemática é para ele apenas uma linguagem. Mas é muito mais, pois só ela lhe permite estruturar a realidade e deduzir os fenómenos sem se limitar a observá-los: agora, deduz- os por meio d e operações e transformações ("grupos", "operadores", etc.) que não deixam de ser acções, mas realizadas mentalmente; e estas acções são mesmo tão importantes que o mais pequeno facto físico só pode ser alcançado e formulado graças a quadros lógico-matemáticos (funções, etc.) que o enriquecem tornando-o assimilável à mente. Quanto à própria matemática, ela não se reduz de modo algum a uma descrição do real, embora se adapte exactamente a ele: ultrapassa-o em todos os sentidos (as diversas formas de infinitos, os espaços, as funções, etc.) e consiste numa teoria de todas as transformações possíveis, e não apenas das reais. Ora, quem diz "transformações" diz acções ou operações (estas derivando daquelas) e quem diz "possíveis" diz assimilação do real a tais acções reais ou virtuais e não simples descrição linguística de realidades prontas. A lógica, por outro lado, não se reduz de modo algum a um sistema de notações inerentes ao discurso ou a qualquer língua, como alguns querem fazer crer. É também constituída por um sistema de operações (classificação, seriação, correspondência, combinatória ou "grupos de transformações", etc.) e a fonte destas operações encontra-se, muito abaixo da linguagem, nas coordenações gerais da acção. Mas é a partir das formas mais elementares de conhecimento que a sua natureza activa se manifesta. A inteligência sensório-motora consiste em coordenar directamente as acções, sem passar pela representação ou pelo pensamento. A percepção só tem sentido em relação às acções: perceber uma casa, dizia o neurologista v. Weiszäcker, não é ver um objecto que entra no olho, mas, pelo contrário, localizar um objecto em que se vai entrar. Se todos os conhecimentos, a todos os níveis, estiverem assim ligados à acção, compreende-se o papel da assimilação. As acções não se sucedem ao acaso, mas repetem-se e aplicam-se de forma semelhante a situações comparáveis. Mais precisamente, são reproduzidas tal como são se os mesmos interesses corresponderem a situações semelhantes, mas são diferenciadas ou combinadas de uma nova forma se as necessidades ou situações mudarem. Chamamos padrões de acção ao que é transponível, generalizável ou diferenciável numa acção de uma situação para outra, ou seja, ao que é comum às várias repetições ou aplicações da mesma acção. Por exemplo, falaremos de um Este é um "padrão de encontro" para comportamentos como o de um bebé que se amontoa Encontraremos este padrão em inúmeras formas, mesmo em operações lógicas como a reunião de duas classes (os "pais" mais as "mães" = todos os "pais", etc.). Do mesmo modo, reconheceremos Alguns dos comportamentos mais díspares têm "padrões de ordem", tais como a utilização de certos meios "antes" de atingir o objectivo, a disposição das cavilhas por ordem de tamanho, a construção de uma série matemática, etc. Outros padrões de acção são muito menos gerais e não conduzem a operações interiorizadas tão abstractas: por exemplo, os padrões de balançar um objecto suspenso, puxar um veículo, apontar para um objectivo, etc. Dizer que todo o conhecimento pressupõe assimilação e que consiste em conferir significados é, portanto, em última análise, o mesmo que afirmar que conhecer um objecto implica a sua incorporação em padrões de acção, e isto é verdade desde os comportamentos sensório-motores elementares até às operações lógico-matemáticas superiores. III. O padrão estímulo-resposta No entanto, estes padrões de acção e, a fortiori, os padrões de funcionamento deles derivados envolvem uma organização e este facto aproxima-nos imediatamente dos problemas biológicos. É evidente que os esquemas mais elementares aos quais as percepções são assimiladas são esquemas reflexos ou instintivos, ou seja, herdados numa parte significativa da sua programação. Um objecto em movimento é percebido como estando em movimento porque desencadeia um reflexo optocinético. O peitoral vermelho de um pisco macho é percebido pela fêmea como um sinal sexual e por outro macho como um objecto de agressão, etc. Pode dizer-se aqui que a percepção é uma coisa, independente do movimento, e que a resposta motora é outra, desencadeada pela percepção mas não a assimilando. No entanto, o esquema S → R, que constitui o modelo próprio do associacionismo, é precisamente inadequado nesta forma simplificada, porque um objecto constitui um estímulo perceptivo S apenas na medida em que o organismo perceptivo está sensibilizado a ele (o que pode ser permanente para uma dada espécie, mas sem afectar outras espécies; ou momentâneo sob a influência de hormonas, etc.).Devemos portanto dizer, como disse um colaborador de um dos nossos seminários, "No princípio era a resposta!", ou pelo menos escrever S ⇄ R ou S → (A) → R (onde A é a assimilação a um esquema). 26 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 27 Mas a maior parte dos padrões, em vez de corresponderem a um conjunto hereditário completo, constroem-se pouco a pouco e dão mesmo origem a diferenciações, por adaptação a situações modificadas, ou por combinações (assimilações recíprocas com ou sem novas adaptações) múltiplas e variadas. Nestes casos, para os quais é frequentemente possível uma análise histórica ou ontogenética, poder-se-á dizer que os padrões progressivamente desenvolvidos são exclusivamente produtos da experiência adquirida e, por conseguinte, inteiramente imputáveis ao meio exterior? Isso seria ignorar a sua organização interna. É claro que o conteúdo de cada padrão de acção depende em parte do ambiente e dos objectos ou acontecimentos aos quais se aplica. Mas isso não significa que a sua forma ou funcionamento sejam independentes de factores internos. Em primeiro lugar, ao nível dos celenterados e equinodermes, as acções dependem de um sistema nervoso; e, por mais elementar que seja, é herdado, o que pressupõe uma colaboração do genoma. Por outro lado, permanecendo ao nível do comportamento, um padrão nunca tem um início absoluto, mas deriva sempre, por diferenciações sucessivas, de padrões anteriores que remontam aos reflexos ou movimentos espontâneos iniciais. Em terceiro lugar, e mais importante, um esquema envolve sempre acções do sujeito (do organismo) que não derivam, enquanto tal, das propriedades do objecto (do ambiente). Por exemplo, juntar os objectos numa pilha é um padrão aditivo que depende dos poderes do organismo e não das propriedades dos objectos por si só: antes de serem juntados, não constituíam uma colecção e o acto de os juntar não resulta apenas deles, mesmo que se tenham deixado juntar. Ordenar os objectos numa fila linear consiste em introduzir a ordem nos objectos, e não em extraí-la deles, uma vez que não estavam alinhados. E mesmo que o sujeito se aperceba de objectos já amontoados ou já ordenados linearmente, o olhar tem ainda de reunir estes elementos num todo ou segui-los um a um ou alguns em sucessão para perceber que existe uma totalidade ou uma fila. Sem dúvida que, se a figura global for suficientemente pequena, um único olhar permitirá reconhecer esta totalidade ou alinhamento, mas será que um recém-nascido perceberia as coisas da mesma forma antes de poder assimilar o dado a padrões de reunião ou de ordem? E, em caso afirmativo, até que ponto é que isso é hereditário? Em suma, é biologicamente impossível considerar a organização dos padrões de acção como independente de qualquer factor endógeno, quanto mais não seja porque esses padrões constituem formas dinâmicas ou funcionais necessariamente ligadas às formas estáticas ou anatómicas constituídas pela estrutura dos órgãos em resultado da morfogénese. Se a maior parte dos instintos estão ligadas a órgãos especializados, as percepções e as condutas adquiridas, até às variedades superiores da inteligência operativa, constituem, no entanto, sob uma forma mais flexível, a manifestação das possibilidades ou "normas de reacção", mas funcionais, da estrutura anatomo-fisiológica da espécie. Numa palavra, as coordenações gerais da acção, condições da formação dos conhecimentos mais fundamentais, pressupõem não só as coordenações nervosas, mas também aquelas coordenações ainda mais profundas que são as interacções que dominam toda a morfogénese. IV. Equilíbrio e auto-regulação Mas, se as considerações precedentes serão retomadas em pormenor quando se tratar das fontes biológicas do conhecimento lógico-matemático (§ 20), há um outro aspecto da coordenação geral das acções, que controla a sua evolução até às operações do pensamento e que toca também de perto os problemas centrais da biologia contemporânea: é o seu aspecto de equilíbrio ou de auto-regulação. Sem mencionar o problema considerável do instinto, deve notar-se que tanto as percepções como os comportamentos elementares ou superiores adquiridos incluem, de facto, processos de auto-regulação, colocando-se imediatamente o problema de identificar as suas relações com aqueles em que o organismo é abundante. Estes processos podem ser referidos a todos os níveis do conhecimento. Ao nível da percepção, um dos mais notáveis é o que assegura a constância do tamanho ou da forma, etc. No caso da constância do tamanho, o zoólogo V. Holst admitiu a existência de um sistema de laços hereditários (feedbacks), de natureza complexa, mas de tal forma que o encolhimento aparente do objecto percepcionado é corrigido, com o aumento da distância, por reafirmações desencadeadas pela própria percepção dessa distância crescente. Pela nossa parte, também defendemos a existência de regulações perceptivas do tipo "magnitude aparente" × "distância" = "magnitude real", mas ao nível dos comportamentos adquiridos e não inatos, pelas duas razões seguintes. 1º Na criança pequena, as grandezas à distância são desvalorizadas, assim como as próprias distâncias, enquanto as grandezas aparentes, enquanto grandezas projectivas, são avaliadas (a 4 m, por exemplo) com uma precisão muito maior aos 6 anos do que a do adulto (se este não for desenhador de profissão): isto tende a mostrar que a regulação é muito menor no início do que mais tarde, e talvez nula no início (a constância das grandezas só começa a surgir a partir dos seis meses). 2º Mas, sobretudo, no adulto, a 28 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 29 A constância das grandezas não conduz frequentemente a uma avaliação exacta, como seria de esperar de um mecanismo inato, mas, pelo contrário, a uma sobreconstância ou sobrecompensação bastante forte, de tal modo que, por exemplo, um caule de 8 a 9 cm de altura a 3 ou 4 m é visto como igual a um caule de 10 cm a 0,5 ou 1 m: Existe assim uma espécie de precaução (perceptiva e não raciocinada) contra o erro, que faz parte da teoria dos jogos ou da decisão (com o critério de Bayes ou mesmo o critério minimax), o que também é favorável a uma regulação adquirida e não hereditária. A teoria dos limiares perceptivos foi desenvolvida sobre este mesmo modelo de estratégias de jogos de informação por W. P. D. Tanner do Michigan e a sua equipa. Em segundo lugar, é óbvio que toda a aprendizagem por tentativa e erro (ou tentativa e erro) envolve regulações em looping, de modo a que o resultado de cada tentativa reaja sobre as seguintes através de um feedback sobre o seu ponto de origem e com uma antecipação progressiva do sucesso ou do fracasso (como quando um ciclista principiante corrige a provável queda antes de ela acontecer, endireitando-se com desvios cada vez mais pequenos). Em terceiro lugar, o conjunto das operações de pensamento e, em particular, as operações lógico-matemáticas elementares (operações aditivas e multiplicativas de classes, relações e números ou métricas espaciais, correspondências, isomorfismos, etc.) podem ser consideradas como um vasto sistema auto-regulador que assegura a autonomia e a coerência do pensamento (ver § 14). No entanto, ao procurar identificar os factores da sua formação na criança, fomos levados a atribuir-lhes como razão principal um factor de equilíbrio progressivo no sentido da auto- regulação. Se definirmos o equilíbrio em jogo por uma compensação activa oposta pelo sujeito às perturbações exteriores sofridas ou antecipadas, este equilíbrio explica em particular o carácter mais geral das operações lógico-matemáticas, i s t o é , a sua reversibilidade (a cada operação directa corresponde uma operação inversa que a anula: P - P-1 = 0). É evidente, portanto, que estes mecanismos reguladores do conhecimento a todos os níveis colocam o problema da sua relação com a r e g u l a m e n t a ç ã o orgânica. A todos os níveis da organização vital, parece que a questão essencial é a dos mecanismos de regulação. Ao nível fisiológico da sinergia das funções, o problema central é o da homeostase: equilíbrio de cada sistema aberto e r e g u l a ç õ e s hormonais ou nervosas que asseguram a coordenação global. Ao nível do desenvolvimento ontogenético (ver § 2), o problema central é o do equilíbrio dinâmico das formações "canalizadas", ou seja, desta "homeorhesis" que Waddington distingue, com razão, da homeostasia. Ao nível do próprio sistema genético, o genoma já não é concebido Hoje, o corpo humano não é apenas um mosaico de elementos atómicos descontínuos, mas um sistema organizado com genes reguladores ao lado de genes estruturais, renovando-se constantemente através de um metabolismo interno que mantém a estrutura global. O problema central a ser abordado neste livro é, portanto, a relação entre as regulamentações cognitivas e orgânicas em todas as escalas. Procuremos, pois, concluir esta breve exposição dos dados preliminares. Num artigo sintético de grande interesse intitulado "Princípio generalizado de foto-fisiologia e história da vida" (Scientia, vol. 57, 1963), F. Chodat e H. Greppin escreve: "Os seres vivos são 'máquinas' macro-moleculares e quânticas, dotadas de memória e de uma lógica estrutural muito complicada, capaz de assegurar a autonomia do ser face às agressões do ambiente (destruição da informação pela entropia...)" (p. 5). O nosso problema não é outro senão o da relação entre o A "memória" ou a "lógica" próprias do comportamento ou da vida mental e a "memória" ou a "lógica" que estes autores situam correctamente na vida orgânica, não como propriedades psíquicas como as que o vitalismo utiliza para preencher as lacunas da explicação científica, mas como expressões de mecanismos de auto-regulação. Como já foi referido, não consideramos que "memória" e "memória" sejam "Os dados essenciais são os padrões perceptivos, motores ou operatórios, a conservação destes padrões de acção constituindo a memória e a sua lógica de organização, não podendo a conservação prescindir da organização e vice-versa. Mas o ponto essencial das observações precedentes é que estes padrões cognitivos não têm um início absoluto e desenvolvem-se por um equilíbrio e uma auto-regulação crescentes. O facto de não terem um início absoluto, como que por intervenção de uma causa exterior ao organismo e proveniente do meio ambiente, significa que estas intervenções formativas são assimiladas a esquemas anteriores que elas simplesmente diferenciam: assim, de etapa em etapa, os esquemas cognitivos derivam uns dos outros e, em última análise, dependem sempre de coordenações nervosas e orgânicas, de tal modo que o conhecimento é necessariamente parte integrante do conjunto da organização vital. Se, por outro lado, se desenvolvem graças a regulações que aumentam a informação e resistem ao aumento da entropia, é p o r q u e constituem um aspecto particular - falta determinar qual - dos vastos sistemas reguladores através dos quais o organismo no seu conjunto mantém a sua autonomia e resiste também à degradação entrópica. 30 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 31 § SISTEMA EPIGENÉTICO E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS Antes de tentar formular a nossa hipótese orientadora, resta especificar as observações globais precedentes através de um exame mais preciso deste pré-requisito fundamental que é o paralelismo bastante marcante Seremos, de facto, levados a procurar o ponto de partida da formação das operações lógico-matemáticas numa abstracção da coordenação geral das acções. Por um lado, estas operações não podem ser derivadas dos próprios objectos, uma vez que a abstracção dos objectos apenas dá origem a constatações não necessárias (no sentido da necessidade dedutiva) e, mais precisamente, a juízos meramente prováveis, ao passo que as operações lógico-matemáticas se caracterizam por uma necessidade interna devido à sua reversibilidade completa (e, portanto, não física): por exemplo, se os problemas levantados pela embriogénese orgânica e por esta embriologia i = então i × i = -1. Por outro lado, nas coordenações gerais, encontramos O estudo do desenvolvimento individual da inteligência, das percepções, etc., do qual retiramos as nossas principais informações sobre a natureza do conhecimento, é um estudo mental. I. Pré-formação e epigénese O problema prévio da ontogénese foi sempre o da pré-formação ou epigénese. Com o fluxo e refluxo habituais das modas históricas, a tendência de muitos autores contemporâneos é o regresso a uma pré- formação mais ou menos estrita, uma vez que a estrutura em cadeia ou em hélice da molécula de ADN ou de ácido desoxirribonucleico se presta à combinatória no que respeita à disposição dos seus elementos, e que a combinatória abrange, por definição, todo o leque de possibilidades. Mas se filogeneticamente é difícil conceber o homem como pré-formado em bactérias ou vírus, não é menos difícil interpretar como se devem determinar ontogeneticamente as grandes etapas de "determinação" ou indução e sobretudo de "desenvolvimento". A "reintegração" funcional final dos órgãos diferenciados está contida antecipadamente nas fases iniciais da segmentação. Assim, Waddington afirma que um sistema totalmente pré-determinado no ADN, embora esteja na moda actualmente, é inaceitável para a embriologia. E numa discussão sobre este assunto num Simpósio sobre Regulação do Desenvolvimento (Genebra, 1964), comparou a construção epigenética em profundidade a uma sequência de teoremas geométricos, cada um dos quais é tornado necessário pelo conjunto de teoremas precedentes sem estar contido antecipadamente nos axiomas iniciais. A comparação da epigénese com uma construção matemática progressiva é tanto mais reveladora quanto o desenvolvimento das operações lógico-matemáticas elementares na ontogénese da inteligência das crianças levanta exactamente o mesmo problema de pré-formação ou de construção epigenética que o discutido na embriologia causal. Este é o equivalente prático e mesmo a força motriz das futuras operações internalizadas. Ora, se estas operações lógico-matemáticas elementares derivam da coordenação das acções, por abstracção reflexiva dos esquemas sensório- motores, devemos concluir que toda a matemática está inscrita antecipadamente no sistema nervoso? Não só isso é impensável, como os factos mostram que a própria lógica, nas suas formas mais "naturais", não é inata no homem, no sentido de ser dada em qualquer idade. Mesmo a transitividade das igualdades ou das diferenças crescentes (A = C se A = B e B = C ou A < C se A < B e B < C) não é de modo algum evidente para uma criança de 4-6 anos quando se trata de comparar comprimentos ou pesos percebendo simultaneamente A e B e depois B e C, mas não A e C (sendo que A está, em última análise, escondido e, portanto, constitui um problema). A questão da descoberta desta transitividade levanta então todos os grandes problemas da epigénese. Estará esta transitividade inscrita antecipadamente no genótipo da espécie humana? Em caso afirmativo, porque é que ela só se torna necessária por volta dos 7 ou 8 anos (e por volta dos 9-10 anos para o peso)? Porque, responder-se-á, são indispensáveis novas condições para passar do virtual herdado para a actualização tardia: por exemplo, a intervenção de genes reguladores ou a colaboração de vários genes que ainda não eram sinérgicos (em referência à "co-adaptação" genética ou génica, segundo a expressão que se tornou comum). No entanto, como estas regulações tardias não se produzem numa idade fixa, mas são aceleradas ou retardadas em função das condições de exercício ou da experiência adquirida, implicam certamente factores de exercício indirectamente dependentes do ambiente. Diremos que a transitividade é alheia às acções do genoma e depende apenas das acções (fenotípicas) do organismo em relação ao ambiente? Mas então porque é que ela se torna "necessária" e generalizável? Porque estas acções exercidas sobre o ambiente dependem reciprocamente das coordenações internas da acção nas suas formas mais gerais; mas !1 32 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 33 Então, as coordenações gerais não dependem, por sua vez, das coordenações nervosas mais comuns e fundamentais, o que nos leva de novo ao genoma? É, pois, evidente que o problema da pré-formação ou da epigénese não é específico da embriogénese orgânica e que se encontra, com toda a sua acuidade, na discussão de todas as questões da ontogénese das funções cognitivas. Responder-se-á que o problema está resolvido à partida, uma vez que os diferentes aspectos do comportamento intelectual são reacções fenotípicas e que um fenótipo é o resultado de uma interacção entre o genótipo e o ambiente. Sim, claro, mas falta compreender, tanto no domínio do conhecimento como no da epigénese orgânica, os pormenores desta colaboração entre o genoma e o ambiente e, sobretudo, os pormenores das auto-regulações ou dos equilíbrios progressivos que permitem evitar tanto o prefor- mismo como a noção de uma acção exclusiva do ambiente. II. O carácter sequencial das etapas Um primeiro passo nesta tentativa de compreensão deve ser dado através da análise do carácter "sequencial" do desenvolvimento. Uma sequência é uma série de etapas, cada uma das quais é necessária e, portanto, cada uma das quais resulta necessariamente da anterior (excepto a primeira) e prepara a seguinte (excepto a última). No domínio da embriogénese dos metazoários, parece ser este o caso, uma vez que as etapas principais se encontram sempre numa ordem constante. No entanto, não existem ainda experiências que consistam em controlar a impossibilidade de suprimir uma etapa, o que poderemos fazer um dia, se conseguirmos encontrar procedimentos que conduzam a uma aceleração ou a um abrandamento maciço do processo. Um argumento suplementar a favor deste carácter sequencial e da generalidade das etapas é o facto de os embriões de tipo mosaico, ou seja, aqueles que, ao nível inicialmente estudado, não apresentavam uma regeneração total em caso de separação de um blastómero, conseguirem uma regulação parcial se a divisão do germe for efectuada na etapa do ovo virgem (Ascídios de Dalcq). No entanto, o problema da sequencialidade das etapas encontra-se na psicologia, no que diz respeito ao desenvolvimento das funções cognitivas, e é importante notar que, neste domínio, as etapas são tanto mais nítidas e tanto mais sequenciais quanto se trata de regulações mais bem diferenciadas e que cobrem um campo mais vasto. Os psicólogos abusaram da noção de etapa e, para vários autores, trata-se simplesmente de uma sucessão de comportamentos cuja ordem nem sempre é constante (mas apenas "em geral" ) e que se caracterizam, sem mais, por uma Isto abre naturalmente a porta à arbitrariedade. É o caso, por exemplo, das etapas de Freud no domínio afectivo. Pelo contrário, no domínio da inteligência, fala-se de etapas quando estão reunidas as seguintes condições 1º que a sucessão de condutas seja constante, independentemente das acelerações ou atrasos que podem modificar as idades cronológicas dos meios em função da experiência adquirida e do meio social (bem como das aptidões individuais); 2º que cada etapa seja definida não por uma propriedade simplesmente dominante, mas por uma estrutura global que caracteriza todas as novas condutas próprias dessa etapa; 3º que essas estruturas apresentem um processo de integração tal que cada uma seja preparada pela precedente e se integre na seguinte. Por exemplo, e sem entrar nos pormenores das etapas particulares, podemos distinguir três períodos principais no caso da inteligência operativa. A. - Período sensório-motor (do nascimento ao 1½-2 anos) durante o qual se organizam os esquemas sensório-motores até aos actos de inteligência prática por compreensão imediata (utilização do pau, do fio, etc.) e as subestruturas práticas de noções futuras (esquema de objecto permanente, "grupo" de deslocação espacial, causalidade sensório-motora, etc.). B. - Um período que começa com o aparecimento da função semiótica (linguagem, símbolos de jogos, imagens) e uma fase preparatória de representação pré-operacional (não-conservações, etc.), mas que conduz, a partir dos 7-8 anos, à constituição de operações ditas "concretas", porque ainda dizem respeito a objectos (classificações, seriação, correspondências, números, etc.) C. - Período que começa por volta dos 11-12 anos e que se caracteriza por operações proposicionais (implicações, etc.) com as suas combinatórias e transformações segundo um grupo de quaterniões que reúne num único sistema as duas formas elementares de reversibilidade (inversão ou negação e reciprocidade). Ora, um tal sistema de etapas (que pode, de facto, ser ainda diferenciado em subetapas, etc.) constitui um processo sequencial: não é possível chegar a operações "concretas" sem passar por uma preparação sensório-motora (daí, por exemplo, o atraso dos cegos cujos esquemas de acção estão mal acomodados) e não é possível chegar a operações proposicionais sem se apoiar em operações concretas prévias, etc. Estamos, portanto, na presença de um sistema epigenético cujas etapas podem ser caracterizadas por estruturas suficientemente precisas: coordenação de padrões sensório- motores que atingem certos invariantes e uma reversibilidade aproximada (mas em acções sucessivas); "agrupamentos" de operações concretas, ou seja 34 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 35 dizer estruturas elementares comuns às classificações, seriações, etc.; e combinatória com um grupo de quaterniões no terceiro nível 8. Em contrapartida, no domínio das percepções primárias (ou "efeitos de campo"), não existe um sistema comparável de estádios, e no caso dos comportamentos de média complexidade (actividades perceptivas de exploração, etc., e imagens mentais), existe uma situação intermédia entre esta ausência de estádios e os estádios definidos pela sua integração progressiva. Tudo se passa, portanto, como se quanto mais complexos são os sistemas cognitivos nos seus sistemas de organização e de auto-regulação, mais a sua formação é o resultado de um processo sequencial comparável à epigénese biológica. III. Os creodos Se tentarmos ir ao pormenor, ou seja, considerar separadamente a evolução de grandes conceitos ou de estruturas de funcionamento particulares, cada um pode dar origem às suas respectivas etapas, no interior das quais encontramos estes mesmos processos sequenciais. Mas o interesse deste detalhe é que nos coloca na presença de percursos diferenciados, cada um dos quais, no entanto, é relativamente regular e segue o seu próprio canal, apresentando interacções variadas com os outros. Waddington propôs o nome de "creodes" (= caminhos necessários) para caracterizar estes desenvolvimentos particulares de um órgão ou de uma parte do embrião, e chama ao sistema epigenético (ou "paisagem" epigenética) o conjunto dos creodes concebidos como mais ou menos profundamente ou bem canalizados. Mas o interesse da noção não está nestes baptismos (nem nos desenhos simbólicos que nos são apresentados de canais mais ou menos largos ou estreitos que os processos são obrigados a seguir). Está numa nova concepção do equilíbrio cinemático que determina tais processos e que é bem distinta da homeostase: há "homeorhesis" se o processo formativo, desviado da sua trajectória por influências exteriores, é levado a reintegrá-la por um conjunto de compensações coercivas. Para Waddington, um tal mecanismo depende mais de uma rede de interacções do que da acção de genes individuais: nem todos os grupos de genes são homeoréticos e o regresso à trajectória normal ou creódica pressupõe assim um conjunto complexo de regulações. É verdade que uma influência sistemática do meio ambiente pode eventualmente levar a desvios duradouros do credo e à consolidação de uma nova homeorrese, mas não é este o momento de levantar este problema (ver § 12 em III). Por outro lado, é preciso sublinhar que o credo e a A sua homeorese tem um aspecto espácio-temporal e não exclusivamente espacial. A diferenciação dos creodos é regulada tanto no tempo como no espaço, e os diferentes percursos, bem como as auto-correcções que asseguram o seu equilíbrio homeorético, estão sujeitos a um controlo temporal (time tally), que diríamos de bom grado ser uma regulação das velocidades de assimilação e de organização. É então apenas no final do desenvolvimento ou de cada acabamento estrutural que a homeo-rhesis dá lugar a uma homeostase ou equilíbrio funcional, colocando-se naturalmente neste caso a questão de determinar a relação entre os dois (ver V). Ora, é impossível tomar conhecimento de um tal quadro sem pensar imediatamente nas suas analogias profundas com o desenvolvimento dos esquemas ou noções da inteligência e com o das estruturas operatórias. Para que as coisas fiquem mais familiares, comecemos por notar que estas analogias estão longe de ser universalmente aceites: raramente podemos apresentar aos EUA S. Raramente explicamos este ou aquele aspecto das nossas etapas aos Estados Unidos sem que nos seja feita a pergunta "Como podemos acelerar este desenvolvimento? E o excelente psicólogo J. Bruner chegou ao ponto de escrever que se pode ensinar qualquer coisa a qualquer criança de qualquer idade, se o fizermos correctamente. Ao que respondemos com duas perguntas: 1º Pode uma criança de 4 anos ser levada a compreender a teoria da relatividade ou simplesmente o manuseamento de operações proposicionais ou hipotético- dedutivas? E 2º porque é que a descoberta da permanência de um objecto escondido debaixo de um ecrã (na visão da criança) só começa por volta dos 9 meses no bebé humano, enquanto que nos gatinhos (estudados por H. Gruber que encontrou neles os nossos mesmos estádios preliminares) ela já é obtida por volta dos 3 meses, mas sem qualquer progresso posterior no que diz respeito à coordenação de posições sucessivas? A verdade parece-nos ser que qualquer construção nocional ou operativa pressupõe uma duração óptima, expressão das velocidades mais favoráveis de transformação ou assimilação, porque essa construção comporta um certo número de etapas necessárias cujo itinerário equivale a um "creodo". No terreno mental, onde as influências sociais se juntam aos factores da experiência física (meio material), os desvios são fáceis e os curtos-circuitos também são possíveis. Assim, o caminho natural para chegar aos números inteiros consiste em sintetizar a inclusão de classes com a sequência de relações assimétricas transitivas, sendo que estes dois últimos sistemas, por outro lado, se desenvolvem por vias parcialmente independentes. No entanto, a construção natural do número pode ser modificada de várias maneiras. Em primeiro lugar, podemos, como muitos pais fazem, ensinar a criança a contar verbalmente até 10 ou 20, e assim por diante. Mas isso não 36 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 37 Vimos repetidamente crianças de 4-5 anos negarem a igualdade de duas colecções cujos elementos tinham contado (por exemplo, 7 ou 10), porque a disposição espacial ou a divisão em subconjuntos foi modificada: neste caso, a influência externa (numeração falada) apenas produz um ligeiro desvio com um regresso à "Noutros casos, pode-se provocar uma aceleração real, mas apenas num ponto (por exemplo, em experiências de correspondências sucessivas de um para um, favorecendo por esta iteração da acção a síntese das inclusões e a integração dos diferentes níveis). Noutros casos, pode-se provocar uma aceleração real, mas apenas num ponto (por exemplo, em experiências de correspondências sucessivas de um para um, favorecendo por esta iteração da acção a síntese das inclusões e a ordem serial 9), mas esta síntese local não conduz à compreensão nem à conservação do número nas correspondências entre conjuntos dispostos em diferentes configurações planas. Em suma, o crescimento intelectual tem o seu próprio ritmo e a sua própria "Isto não significa, evidentemente, que melhores métodos de ensino (no sentido de mais "activos") não acelerem um pouco as idades críticas observadas até agora, mas esta aceleração não pode ser indefinida. IV. Maturação e ambiente A epigénese das funções cognitivas pressupõe, de facto, como qualquer outra, uma colaboração cada vez mais estreita entre os factores ambientais e o genoma, sendo que os primeiros aumentam de importância à medida que o crescimento avança. Os factores genómicos não devem, de modo algum, ser negligenciados, apesar da opinião dos autores que consideram que todo o conhecimento provém da experiência externa, segundo o modelo empirista. Embora estes factores sejam impossíveis de detectar em pormenor no estado actual dos conhecimentos, a melhor indicação do seu envolvimento é o facto de a maturação do sistema nervoso continuar até aos 15 ou 16 anos. Isto não significa certamente que um conhecimento completamente formado esteja inscrito antecipadamente neste sistema nervoso, à maneira das "ideias inatas", e embora isto possa ser aceitável no caso de certos instintos (voltaremos a este assunto no capítulo V), não parece haver nada de semelhante no conhecimento humano. Por outro lado, a hereditariedade e a maturação abrem novas possibilidades na criança humana, estranhas às espécies zoológicas inferiores, mas que ainda não foram actualizadas em colaboração com o meio ambiente. Estas possibilidades, que se abrem passo a passo, são portanto essencialmente funcionais (sem estruturas já construídas), sob a forma de um poder progressivo de coordenação: mas é precisamente este poder que torna 36 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 37 É por isso que a maturação contínua do sistema nervoso até à idade de 15- 16 anos não é de modo algum um factor negligenciável. Isto não quer dizer, aliás, que esta maturação dependa apenas do genoma. Mas depende dele (com a intervenção de factores de exercício, etc.) e, em geral, é hoje aceite que toda a produção fenotípica (incluindo, consequentemente, as funções cognitivas no seu conjunto) é o produto de interacções estreitas entre o genoma e o ambiente. A análise desta colaboração é extremamente complexa e ainda mal começou. Comecemos por mencionar a este respeito uma noção também devida a Waddington (mas do seu trabalho de 1932 sobre os fenómenos de indução em embriões de galinha e de pato): a de Esta é a "competência" ou estado fisiológico de um tecido, permitindo-lhe responder especificamente a determinados estímulos. A competência está, obviamente, sujeita às condições temporais discutidas acima, e um tecido pode ser competente numa determinada fase sem ser competente antes ou mesmo depois. No entanto, é difícil não ver a analogia entre esta noção relativa à mecânica embrionária e os factos evidenciados pelas experiências de aprendizagem das operações lógico-matemáticas no terreno, resultantes, por exemplo, dos trabalhos de Inhelder, Sinclair e Bovet. Quando são apresentados dispositivos destinados a favorecer a aquisição de noções de conservação (conservação de um líquido quando decantado em frascos de formas diferentes), o resultado é muito diferente consoante o estádio da criança, e uma apresentação que acelera a aquisição da invariante quantitativa num sujeito deixará outro completamente indiferente. A razão disto é, mais uma vez, que a sensibilidade aos estímulos (estímulos não exclusivamente perceptivos, neste caso particular, mas que desencadeiam o raciocínio) é função dos esquemas de assimilação de que o sujeito dispõe. Os A "competência" é, portanto, um caso especial daquilo a que chamamos Não é o caso da "assimilação" cognitiva, mas os padrões de assimilação são construídos pela colaboração entre as capacidades de coordenação do sujeito e os dados da experiência ou do ambiente. Em suma, o processo epigenético que leva à construção das operações intelectuais é bastante comparável à epigénese embriológica e à formação orgânica dos fenótipos. É claro que o papel do ambiente é muito mais importante, uma vez que a função essencial do conhecimento é chegar ao ambiente. E às acções do meio físico juntam-se as do meio social (como, aliás, o genoma individual é sempre o reflexo de múltiplos cruzamentos e de uma 38 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 39 "A questão não é a quantidade quantitativa das respectivas influências dos factores endógenos e externos.) Mas a questão essencial não é a da quantidade quantitativa das influências respectivas dos factores endógenos e externos: ela deve situar-se ao nível das analogias qualitativas e, deste ponto de vista, parece evidente que as coordenações internas, necessárias e contínuas, que tornam possível a integração dos alimentos cognitivos externos colocam o mesmo problema biológico de colaboração entre o genoma e o ambiente que todas as outras formas de organização que intervêm durante o desenvolvimento. V. Homeorhesis e homeostasia As diferentes criaturas que caracterizam o desenrolar epigenético e a sua regulação espácio-temporal sob a forma de homeorrese conduzem a um estado adulto mais ou menos equilibrado, caracterizado pela sua homeostase. Resta, portanto, comparar estas duas formas de equilíbrio, uma de certa forma temporal ou histórica, a outra não menos dinâmica nos seus processos mas sincrónica, e mostrar a analogia desta situação com as questões de equilíbrio na epigénese das funções cognitivas. Numa palavra, o problema é o da relação entre a equilibração como processo e o equilíbrio como estado final. Ora, sobre este ponto essencial, não é impossível que exista uma certa diferença qualitativa entre a epigénese embriológica, pelo menos se pensarmos nas suas primeiras etapas e não no crescimento como um todo, e a ontogénese das funções cognitivas, pelo menos se a estudarmos apenas a partir do nascimento, ou seja, durante as fases já funcionais. Os embriologistas distinguem, de facto, três grandes períodos na ontogenia: 1º um período de segmentações iniciais com possibilidades de regulação no sentido de uma regeneração total de uma parte separada experimentalmente; 2º um período de determinação, ou de diferenciação dos órgãos com possibilidade de induções diversas mas sem regeneração total; 3º uma fase de actividade funcional ou, como diz Weiss, de "reintegração", que é um excelente termo sugerindo que a totalidade funcional assim constituída (graças nomeadamente ao sistema nervoso) prolonga a totalidade morfogenética própria das regulações iniciais. Ora, é claro que a ontogénese das funções cognitivas, tal como a abordamos, diz respeito sobretudo aos estados infantis (ou, noutras espécies, aos estados larvares, etc.), isto é, ao crescimento posterior ao início da fase 3, ao passo que o problema embriológico das relações entre homeorese e homeostasia deve ser colocado considerando todas as fases. Deste último ponto de vista, a homeostase é tardia, a menos que esteja teoricamente relacionada com as regulações iniciais 1, o que seria actualmente uma mera ilusão. Pelo contrário, o estado actual das evidências aponta para uma sequência epigenética em que os creodos se diferenciam progressivamente e apresentam cada um deles um certo grau de independência. Por outro lado, ao nível da integração funcional 3, forma-se um conjunto de interacções, mas precisamente funcionais e já não estruturais, e que dependem sobretudo do sistema nervoso: agora, não vemos qualquer relação entre elas e os creodos, uma vez que estes últimos conduziram à elaboração estrutural de cada um dos órgãos que só então começam a funcionar, mas provavelmente não prepararam este funcionamento enquanto tal, que depende de novos factores de integração. Numa palavra, a homeorrese torna possível a homeostase assegurando a construção estrutural dos órgãos, mas a homeostase resulta da colocação em funcionamento destes órgãos sob o efeito de novas interacções, sendo estas síncronas, e já não diacrónicas, e desencadeadas sobretudo pelo sistema nervoso. Se a descrição precedente for inexacta e se se descobrirem ligações mais estreitas entre a homeorquese e a homeostase, concluiremos simplesmente que a analogia entre a ontogénese orgânica e a das funções cognitivas é ainda mais forte do que aqui se supõe. Mas, de momento, parece haver a seguinte diferença, que, repitamos, se deve sobretudo ao facto de a formação da inteligência, etc., ocorrer apenas durante fases já funcionais. Neste terreno cognitivo, podemos certamente distinguir creodos mais ou menos independentes, com as suas respectivas homeorheses, e formas finais de equilíbrio (no sentido de subsistir no estado estável, podendo integrar-se no seguinte em campos de equilíbrio mais vastos) que seriam o equivalente cognitivo das homeostasias (esta comparação foi muitas vezes feita a propósito da Gestalt, etc., e fá-la-emos a propósito das estruturas operatórias). Mas, em termos gerais, o equilíbrio é o produto da equilibração, ou seja, há uma continuidade e, em todo o caso, um parentesco estreito entre o processo formativo e o equilíbrio resultante. Quanto à independência relativa dos "credos", podemos citar como exemplo a evolução relativamente disjunta de noções como a de peso ou de grandezas relacionadas com o teclado visual (comprimentos, etc.). Enquanto a seriação, a transitividade e as conservações se encontram no último destes domínios logo aos 7-8 anos, só aos 9-10 anos é que os pesos são estruturados pelas mesmas operações. Os múltiplos Os "turnos" análogos a este são um índice constante destas independências relativas, enquanto as interacções por simples generalização não o são. 40 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 41 poderia parecer logicamente muito fácil. Por outro lado, a continuidade entre a equilibração progressiva e as formas finais de equilíbrio é tão constante no domínio das funções cognitivas que podemos limitar-nos à observação seguinte. A equilibração é um processo muito geral (embora se desenrole muitas vezes, como acabámos de ver, sector a sector, segundo itinerários sem ligações imediatas) que, em termos gerais, consiste em opor compensações activas a perturbações exteriores: compensações que variam, evidentemente, segundo os níveis e os esquemas do sujeito, mas que consistem sempre em reagir a perturbações sofridas ou antecipadas. O equilíbrio operativo caracteriza-se, por outro lado, essencialmente pela sua reversibilidade (inversão ou reciprocidade), ou seja, precisamente por uma formação estável dos sistemas compensatórios. É óbvio, portanto, que existe uma continuidade entre o equilíbrio atingido e o próprio processo de equilibração. Mas este problema central conduz-nos directamente à procura da hipótese orientadora que nos guiará neste livro e é, portanto, o que devemos examinar agora. § 3. HIPÓTESE ORIENTADORA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS FUNÇÕES COGNITIVAS E A ORGANIZAÇÃO VITAL A hipótese que nos guiará é simultaneamente muito simples e completamente banal. Servirá talvez para esclarecer muitos pontos, pois parece-nos que estamos ainda muito longe de tirar todas as consequências que ela implica. I. A hipótese A vida é essencialmente auto-reguladora. A explicação dos mecanismos evolutivos, há muito bloqueada n a alternativa sem saída do lamarckismo e do neodarwinismo clássico, parece encontrar o seu caminho na direcção de um tertium cibernético e efectivamente orientado para a teoria da auto- regulação. Mas, se as regulações orgânicas aparecem assim cada vez mais como constituindo as propriedades centrais da vida, resta caracterizar os próprios órgãos dessa regulação. Ora, o ser vivo, sede de tais mecanismos, não p o s s u i órgãos diferenciados de No caso do sistema nervoso, é o sistema nervoso que é o instrumento das funções cognitivas (e, em certa medida, o sistema endócrino, mas em constante interacção com o sistema nervoso). Por outro lado, as regulações orgânicas incluem, como componente fundamental e de importância crescente, as trocas com o meio ambiente, sendo estas trocas elas próprias objecto de ajustamentos particulares e progressivos. Mas também aqui não existe nenhum órgão especializado para a regulação destas trocas, excepto, mais uma vez, o sistema nervoso, enquanto instrumento de informação sobre o meio e fonte de transformações activas que o modificam. Os processos cognitivos aparecem então simultaneamente como os como o resultado de uma auto-regulação orgânica, cujos mecanismos essenciais reflectem, e como os órgãos mais diferenciados dessa regulação nas interacções com o mundo exterior, de modo que acabam por se transformar no homem estendendo-os a todo o universo. Retomemos os termos desta hipótese interpretativa, um a um, para ponderar os vários significados complementares. Começando pelo seu significado geral, convém notar, em primeiro lugar, que não há nada de contraditório em considerar as funções cognitivas como sendo, simultaneamente, um resultado ou um reflexo de auto-regulações orgânicas e como um órgão diferenciado que as determina, em contrapartida, com base em trocas com o ambiente. É, aliás, exactamente o que acontece com o sistema nervoso: desde a vida embrionária, ele aparece primeiro como um produto de diferenciação na fase das determinações e das induções (neurula, neurobiotaxia, etc.), o que não o impede de servir de órgão essencial destas novas regulações na fase da reintegração funcional. Dito isto, o primeiro significado da hipótese é que o conhecimento não é uma cópia do ambiente, mas um sistema de interacções reais que reflectem a organização auto-reguladora da vida, tanto quanto as próprias coisas. Todo o §1 já mostrou porquê, mas pode ser reiterado de forma mais biológica, uma vez que o §2 acaba de se referir ao desenvolvimento embriológico. Ora, deste ponto de vista, é notável que o sistema nervoso se origine e se desenvolva a partir do ectoderma: placa neural e goteira, etc., durante a neurulação. Ora, por um lado, o sistema nervoso participará mais tarde em todas as regulações internas do organismo (até mecanismos tão independentes na aparência como a coagulação sanguínea), sem portanto proceder da endoderme, ou mesmo da mesoderme. Por outro lado, a sua origem ectodérmica parece predestiná-lo a especializar-se nas recepções externas, mas está longe de se limitar à recolha de entradas ou de informações aferentes, pois reage através de movimentos e de respostas activas que modificam o ambiente. Por último, mas não menos importante, 42 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 43 está muito longe de se limitar, como se acreditou durante muito tempo, a intervir apenas sob a forma de respostas ou de reacções (esquema S → R, já criticado no § 1 sob III), pois testemunha actividades iniciais espontâneas, como aquelas de que o registo eléctrico deu provas ou aquelas que Adrian estudou no comportamento dos vermes (ver também os trabalhos de Bullock, etc.) A este quadro sumariamente esquematizado correspondem os contornos não menos esquemáticos do processo cognitivo. Com efeito, o conhecimento não parte do sujeito (conhecimento somático ou introspecção) nem do objecto (pois a própria percepção constitui uma parte considerável da organização), mas das interacções entre o sujeito e o objecto e das interacções inicialmente provocadas pelas actividades espontâneas do organismo, tanto quanto pelos estímulos externos. A partir destas interacções primitivas, em que os factores internos e externos colaboram de forma indissociável (e se confundem subjectivamente), o conhecimento orienta-se em duas direcções complementares, apoiando-se constantemente em acções e em esquemas de acção fora dos quais não tem qualquer influência nem sobre a realidade nem sobre a análise interior. A primeira destas direcções, de longe a mais precoce na série animal porque é a mais essencial em termos de condições de adaptação ao meio, é a da conquista dos objectos ou do conhecimento dos dados circundantes, que conduzirá, a prazo, à objectividade na compreensão da realidade. Mas esta conquista do objecto não é de modo algum (percepção ou aprendizagem elementar, bem como representação inteligente) uma simples cópia da realidade, uma vez que intervêm necessariamente factores de organização e de regulação, devido ao facto de todo o conhecimento estar ligado a acções e de o desenrolar das acções pressupor a sua coordenação. A segunda direcção, sem dúvida especial à inteligência humana, é a consciência das condições internas destas coordenações, que conduz, por "reflexão", às construções lógico-matemáticas que, na criança do homem, precedem mesmo, na sua forma elementar, o conhecimento físico algo sistematizado. Qual é então, do ponto de vista das funções reguladoras do sistema nervoso, a relação entre esta segunda direcção e as auto-regulações gerais da vida orgânica? Aparentemente, nenhuma. E, no entanto, se considerarmos os modelos cibernéticos, que são os únicos que actualmente nos permitem compreender a natureza dos mecanismos de auto-regulação, verificamos que todos eles envolvem a lógica (ou a aritmética binária, o que é a mesma coisa). Por outro lado, a função essencial das operações lógicas, do ponto de vista do seu funcionamento efectivo e da sua No caso dos vivos, trata-se de constituir sistemas de controlo e de auto- correcção. Como, enfim, psicologicamente, a lógica deriva por abstracção reflexiva não dos objectos, mas das coordenações gerais da acção, não é aventureiro pensar que existe um fundo comum de mecanismos reguladores próprios das regulações nervosas em todas as suas formas, de que as coordenações gerais da acção são uma manifestação entre outras. E como o sistema nervoso não é um estado dentro de um estado, mas o produto diferenciado de coordenações orgânicas e morfogenéticas, não há razão a priori para limitar a análise regressiva. Em suma, assumir com a nossa hipótese orientadora que as funções cognitivas reflectem os mecanismos essenciais da auto-regulação orgânica é um programa válido. Nada mais, mas é um começo. Resta justificar, e isso é mais fácil, que elas constituem também órgãos diferenciados de regulação. II. Os órgãos de regulação interna Comecemos por recordar que, para além do sistema nervoso e das funções cognitivas, não existem órgãos diferenciados de regulação funcional, porque as regulações orgânicas são simplesmente a expressão de interacções causais cuja estrutura é tal que resultam em ciclos que se conservam através de um conjunto de compensações. Existe, por exemplo, uma homeostase ou constância do meio interno, que se manifesta por uma certa permanência dos elementos do sangue (glóbulos e plasma com todos os seus componentes) e nomeadamente pela manutenção do pH. Mas n ã o e x i s t e um órgão de homeostasia, que é uma forma de equilíbrio que exprime a interacção de todos os factores em jogo. Como Max Aron afirma com profundidade no seu sugestivo livro sobre Os Problemas da Vida, "em termos de biologia especulativa, a homeostasia coloca problemas preocupantes. É uma causa: a do funcionamento normal dos tecidos e órgãos que retiram do meio interno os materiais necessários à sua actividade e rejeitam os seus resíduos. É um efeito: porque depende de muitos desses órgãos: o rim, o fígado, as glândulas endócrinas" (p. 130). Mas dizer que a homeostase é ao mesmo tempo causa e efeito é simplesmente falar de um sistema em circuito e, portanto, de auto- regulação, e se há uma crítica que pode ser feita ao interessante trabalho que estamos a citar, é o facto de ele permanecer um pouco alheio às formas de pensamento cibernético que, no entanto, tornam tais situações inteligíveis, pelo menos em princípio. 44 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 45 Mas invocar um sistema de circuito significa precisamente que ele funciona por si próprio e que não há necessidade, à partida, de um regulador para controlar o seu funcionamento. Responder-se-á que esses reguladores existem sob a forma dos sistemas nervoso e endócrino. A. A. Markosjan, que estudou tão de perto a coagulação sanguínea (que inclui mais de vinte factores bioquímicos), mostra que se trata de um sistema filogeneticamente antigo, talvez tão antigo como os celenterados e, em todo o caso, os invertebrados, que tem a sua própria regulação e só mais tarde se subordinou às regulações endócrinas e, finalmente, às regulações nervosas. O grande interesse destas regulações hormonais e nervosas é, pois, mostrar-nos a existência de uma tendência para a especialização, na direcção de órgãos de regulação diferenciados. Mas é necessário aqui distinguir cuidadosamente entre dois tipos de regulação, uns estruturais e outros funcionais. A regulação estrutural ocorre quando as alterações por ela provocadas são de natureza anatómica ou histológica, enquanto a regulação funcional modifica apenas o exercício ou a resposta fisiológica (ou psicofisiológica) dos órgãos. As regulações estruturais são, por exemplo, as referidas pelos embriologistas quando um blastómero separado experimentalmente reconstitui o embrião inteiro, enquanto a aceleração da coagulação em caso de asfixia de parto é o resultado de uma regulação funcional. No entanto, o facto fundamental de que vamos partir é que apenas o sistema nervoso, que é também um instrumento de funções cognitivas, constitui um órgão especializado de regulação funcional, ao passo que o sistema endócrino consiste num órgão (e provavelmente o único) de regulação estrutural e funcional (para além dos resíduos nervosos estruturais, como os mediadores químicos). É sabido que, desde a vida embrionária, as hormonas genitais diferenciam os órgãos sexuais, o que constitui uma regulação estrutural. Mas há mais, e alguns autores como Et. Wolff e L. Gallien chegaram a pensar que não há diferença de natureza entre as "induções" formadoras de órgãos durante o segundo período d a embriogénese e as acções morfogenéticas de natureza endócrina. Por outro lado, o sistema endócrino começa a diferenciar-se a partir desta fase de induções ou "determinações", o que parece mostrar uma continuidade de funcionamento entre os processos indutivos e as acções hormonais em jogo desde a vida embrionária. É só secundariamente, e em articulação com o sistema nervoso, que o sistema endócrino se torna capaz de regulação funcional e de activação do sistema genital pelas Um bom exemplo desta passagem secundária da regulação estrutural para a funcional é o facto de as hormonas estarem presentes muito depois de terem causado a diferenciação sexual estrutural. A coordenação entre o sistema endócrino e o sistema nervoso parece hoje cada vez mais estreita e este facto deve ser recordado para compreender esta especialização crescente no sentido da diferenciação de um órgão a partir de regulações funcionais. Por um lado, as hormonas actuam, em certos casos, sobre os efectores e, reciprocamente, há uma regulação nervosa das secreções (centros nervosos de que depende a hipófise, etc.). Por outro lado, e isto é de grande interesse, existe uma "Este fenómeno, descoberto nos anelídeos pelo casal Scharrer já em 1929, não era imediatamente evidente, mas foi sendo cada vez mais encontrado em grupos superiores. Este fenómeno, descoberto nos anelídeos pelo casal Scharrer já em 1929, não era imediatamente notório, mas tem sido cada vez mais encontrado em grupos superiores. Mostra a ligação entre as transmissões químicas das hormonas e as transmissões ondulatórias dos nervos (o que contribui para o nosso conhecimento dos "mediadores químicos", como a adrenalina, etc.). Em suma, podemos constatar que existe uma transição progressiva das auto-regulações morfogenéticas gerais da vida para as regulações estruturais e destas para as regulações funcionais. O sistema endócrino é um órgão regulador especializado para estas duas categorias ao mesmo tempo, e só o sistema nervoso parece ser o órgão diferenciado especializado no exercício das regulações funcionais, tanto no domínio das regulações internas como no das trocas com o meio ambiente. III. Funções cognitivas e regulação das trocas Se chegarmos agora às funções cognitivas, assistimos simplesmente a um prolongamento deste processo de diferenciação especifica, mas sem ruptura de contacto com as fontes morfogenéticas e estruturais da organização vital. Os factos a recordar, dos quais convém partir, são que em nenhum domínio o organismo sofre as influências do meio tal como elas são e que, pelo contrário, se mostra essencialmente activo em relação a elas. Do ponto de vista físico-químico, o ser vivo não é uma réplica dos corpos que o rodeiam, pois apresenta uma organização que se conserva ao assimilá- los e essa organização inclui a auto-regulação. Do ponto de vista genético, o genoma não é o produto de influências ambientais, mas um sistema organizado que dá as suas "respostas" às tensões ambientais (Dobzhansky e Waddington) e tem as suas "normas de reacção". Do ponto de vista da 46 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 47 Do ponto de vista embriológico, o processo epigenético envolve uma série de trocas, mas com uma direcção interna que impõe as suas escolhas aos alimentos utilizados. Do ponto de vista fisiológico, o sistema de regulações testemunha uma actividade contínua que, mais uma vez, não passa por trocas com o ambiente, mas canaliza-as e regula-as. Do ponto de vista neurológico, o sistema nervoso não se limita a sofrer uma acção constrangedora dos estímulos, mas testemunha actividades espontâneas e só aceita os estímulos se estiver sensibilizado para eles, isto é, se os assimilar activamente em padrões prévios de resposta. O mesmo acontece com o último nível, ou seja, o comportamento. Todos os animais, desde os protozoários até ao homem, apresentam um comportamento, e as plantas também apresentam processos reactivos, mas a velocidades mais lentas. No entanto, por medo do antropomorfismo, o comportamento tem sido frequentemente visto como um conjunto de submissões passivas entre o registo perceptivo e uma série de associações impostas por sequências externas e a sua simples cópia. Se o organismo é activo a todos os níveis, será que o seu comportamento, que é a expressão máxima desta actividade, constituiria uma excepção à regra e não passaria de uma subordinação servil e imitativa ao meio ambiente? Um embriologista e geneticista do calibre de Waddington, por outro lado, considera que um dos feedbacks essenciais da selecção é o facto de, sob a influência do genoma, o animal já "escolher" e "modificar" o seu ambiente antes de aceitar em troca as acções envolvidas na formação do fenótipo (ver A estratégia dos genes, p. 107, fig. 13). É precisamente nisto que consiste o comportamento: um conjunto de escolhas e de acções sobre o meio ambiente, organizando as trocas de forma optimizada. A aprendizagem não é excepção a esta definição, uma vez que, ao adquirir novos condicionamentos ou hábitos, o ser vivo assimila sinais e organiza padrões de acção que se impõem ao ambiente ao mesmo tempo que se adaptam a ele. Há, portanto, uma assimilação activa ao nível do comportamento (ver § 1 sob I-III) e as funções cognitivas obedecem, como as outras, a leis muito gerais de assimilação e acomodação, constituindo os padrões de acção, como os outros, "formas" de organização vital, mas formas funcionais com uma estrutura dinâmica e não material (no sentido de constituídas por massas)10. É evidente, portanto, que se o sistema nervoso é o órgão especializado das regulações funcionais, esta estruturação do ambiente através do comportamento exige, por sua vez, um órgão especializado. O âmbito do sistema nervoso é o conjunto das regulações funcionais, sob a sua A dupla vertente da regulação interna (coordenação dos diferentes aparelhos fisiológicos) e a regulação das trocas com o meio ambiente. Estas trocas podem ser materiais (digestão, respiração, excreção, etc.) ou funcionais (comportamento, ou seja, sistema total de padrões de acção). As trocas funcionais pressupõem então ainda mais órgãos diferentes: órgãos sensoriais e efectores motores, coordenações nervosas (e, por fim, cerebrais ou mesmo corticais) que permitem a aprendizagem, etc. Mas a análise das funções cognitivas não se esgota, de modo algum, nestas considerações banais, porque o sistema nervoso é precisamente suficiente para assegurar o desenvolvimento destas trocas activas sob a forma de modificações do meio ambiente pelo organismo, tanto quanto a recíproca. Resta compreender por que razões são constituídas as funções propriamente cognitivas, como por exemplo a inteligência dotada de consciência (e recordemos que a inteligência emerge muito insensivelmente das condutas adquiridas, § 1 na sua introdução, e que não há razão para limitar a consciência ao homem), ou como operações lógico-matemáticas, etc. A razão (e utilizamos este termo num sentido causal e cibernético) é que as trocas funcionais que caracterizam o comportamento, como qualquer outra forma de organização vital, pressupõem as suas próprias regulações e que a auto-regulação é ainda mais necessária neste caso porque se trata de um domínio fluido com um campo ilimitado e muito menos limitado por condições restritivas do que os sistemas materiais como a respiração, etc. A modificação do ambiente em função das possibilidades indefinidamente abertas pode levar a qualquer lado, e se a selecção no sentido do mutacionismo clássico (eliminação por triagem absoluta, portanto morte ou sobrevivência, e não reorganização após modificação das proporções do genoma) fosse o único travão, há muito tempo que não existiriam seres vivos. Todas as organizações vitais, a todas as escalas, implicam uma auto- regulação e isto continua, portanto, a ser válido, diríamos mesmo a fortiori, no domínio do comportamento. Nesta perspectiva, as funções cognitivas seriam, portanto, os órgãos especializados da auto-regulação das trocas no seio do comportamento. No entanto, para continuar a raciocinar biologicamente, é necessário compreender as possibilidades de formação destas auto-regulações cognitivas. Ora, de um ponto de vista biológico, não há razão para recorrer a neo-formações quando os elementos já estão disponíveis e se trata apenas de os diferenciar e agrupar. A questão é, portanto, simplesmente compreender de onde é que as funções cognitivas vão retirar os instrumentos de auto-regulação que são chamadas a exercer, enquanto órgãos especializados, mas sem terem de inventar ou improvisar tudo e mantendo-se em ligação com o resto do organismo. 48 BIOLOGIA E CONHECIMENTO POSIÇÃO DO PROBLEMA 49 A resposta é então simples: a auto-regulação cognitiva utilizará os sistemas gerais de auto-regulação orgânica, que se encontram em todas as escalas genéticas, morfogenéticas, fisiológicas e nervosas, e adaptá-los-á aos novos dados (novos em relação às escalas anteriores, mas presentes em toda a série animal) que constituem as trocas com o meio ambiente no seio do comportamento. É por isso que as principais invariantes funcionais que caracterizam a auto-regulação a todos os níveis se encontram no conhecimento, mesmo nas suas formas humanas, mesmo as mais avançadas na direcção do pensamento científico. Assim, na sua forma mais geral, as estruturas operativas da inteligência são sistemas de transformações, mas de tal forma que conservam o sistema como uma totalidade invariante. Ora, esta definição poderia ser a do próprio organismo vivo, uma vez que as suas duas propriedades fundamentais são o facto de ser a sede de múltiplas interacções (= transformações) mas que deixam inalterada