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Estudo de Caso: Saúde Indígena

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Módulo de Introdução à Saúde Indígena 
ESTUDO DE CASO: 
 
Polo Base Rio dos Peixes e situação 
problema 
 
Polo Base Rio dos Peixes 
 
 
 O Polo Base Rio dos Peixes é um dos 3 Polos do DSEI 
Serra das Capivaras e atende 4 aldeias de uma mesma etnia em 
sua área de abrangência: Aldeia dos Peixes, Aldeia Mutum, 
Aldeia Gavião e Aldeia Tucunaré. 
 
Figura 1. Mapa do Polo Base Rio dos Peixes 
Quadro 1. Caracterização das aldeias do Polo Base Rio dos Peixes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 O polo base é composto por uma Equipe Multidisciplinar de 
Saúde Indígena (EMSI) com: 
 
• 2 enfermeiras 
• 1 médico 
• 1 odontólogo 
• 1 auxiliar de saúde bucal 
• 2 técnicas de enfermagem 
• 6 agentes indígenas de saúde (AIS) 
• 3 agentes indígenas de saneamento (AISAN) 
Aldeia População 
Nº de 
casas 
Distância do 
PB - fluvial 
Distância do 
PB - terrestre 
Mutum 106 10 15min 35min (carro) 
Tucunaré 89 6 5h - 
Peixes 119 8 - 
5min 
(caminhada) 
Gavião 270 16 3h - 
Conheça a seguir os integrantes da EMSI: 
 
Médico Marcelo - é clínico geral e infectologista. Formado há 15 
anos, trabalhou muitos anos em hospitais e clínicas. Está 
trabalhando no DSEI há 6 meses, é sua primeira experiência 
com povos indígenas. Em alguns períodos da sua escala de 
trabalho de 30 dias, ele é o responsável médico de toda a Terra 
Indígena (TI), cobrindo a folga do outro médico do DSEI. É 
comum o Dr. Marcelo ficar 2 semanas em cada Polo Base e 
orientar pelo rádio as EMSI de todo território do DSEI. 
 
Enfermeira Lúcia - especialista em enfermagem obstétrica, 
formada há 6 anos, trabalha no DSEI há 4 anos. Antes disso, 
trabalhou 1 ano como enfermeira obstetra em um hospital de 
médio porte e 1 ano como enfermeira de Unidade Básica de 
Saúde (UBS) de um município próximo à TI. É responsável pela 
organização do processo de trabalho da abrangência do PB Rio 
dos Peixes e pela supervisão de 2 técnicas de enfermagem e 6 
AIS. 
 
Enfermeira Marília - trabalha no DSEI há 1 ano e meio, esse é 
seu primeiro emprego, e está começando um curso de 
especialização em saúde indígena. Em sua escala de trabalho 
cobre as folgas da enfª Lúcia, auxilia a equipe nas ações de 
assistência e fechamento do consolidado mensal do Polo Base 
Rio dos Peixes. 
 
Técnica de Enfermagem Sueli - concluiu o curso de Técnico de 
Enfermagem há 3 anos no município de Capim Pequeno e 
desde então trabalha no DSEI. Ficou 2 anos trabalhando na 
Sede e CASAI. Está no Polo Base Rio dos Peixes há 6 meses. 
 
Técnica de Enfermagem Maria de Fátima - formada há 10 
anos, trabalhou 3 anos no Programa Saúde da Família (PSF) do 
município Capim Pequeno e há 7 anos trabalha na saúde 
indígena. Ficou 3 anos no Polo Base das Antas e está há 2 anos 
no Polo Base Rio dos Peixes. Possui uma boa competência 
técnica, compromisso, habilidade de trabalhar em equipe e 
interesse no cotidiano das comunidades. 
 
Odontóloga Viviane - formada há 3 anos, sua primeira e única 
experiência profissional é no DSEI. Já trabalhou em todos os 
polos base e há 1 ano está responsável pela atenção à saúde 
bucal do Polo Base Rio dos Peixes e organização do processo 
de trabalho. 
 
Auxiliar de saúde bucal (ASB) Kumari - trabalhou por 2 anos 
na sede do DSEI como auxiliar administrativo, fez o curso de 
ASB há 2 anos e desde então exerce a função no Polo Base Rio 
dos Peixes. 
 
AIS Tainakã - trabalha na Aldeia Tucunaré há 7 anos, fez o 
módulo introdutório de formação de AIS. Fala bem a língua 
materna e a língua portuguesa, é compromissado com o 
trabalho e possui um bom conhecimento da medicina tradicional 
e ocidental. É o AIS mais experiente do Polo Base Rio dos 
Peixes. 
 
AIS Kuíra - é uma moça, trabalha na Aldeia Tucunaré há 3 
meses, é sobrinha de Tainakã. Fala bem o português, 
atualmente é contratada como AIS, mas vinha acompanhando 
voluntariamente o trabalho na aldeia há 2 anos. 
 
AIS Kaititu - é um rapaz, trabalha na Aldeia dos Peixes há 2 
anos, não fala muito bem o português e não fez nenhuma 
formação como AIS. Tem dificuldades para realizar as 
atividades, sua aldeia fica bem próxima ao Polo Base e as 
pessoas da comunidade procuram mais o atendimento da 
equipe do Polo. 
 
AIS Maluya - ele trabalha na Aldeia Gavião há 5 anos, fez o 
módulo introdutório de formação de AIS. Fala bem a língua 
portuguesa, tem um pouco de dificuldade em realizar os 
consolidados mensais. Recentemente ficou afastado pelo INSS 
por 5 meses, pois sofreu um acidente de moto. Retornou ao 
trabalho há 1 mês. 
 
AIS Anary - ela trabalha na Aldeia Gavião há 1 ano, fala muito 
bem o português, não fez nenhuma formação como AIS, mas já 
trabalhou como professora do ensino fundamental. Possui uma 
boa desenvoltura profissional. Gosta de realizar atividades de 
Educação em Saúde e sempre acompanha os profissionais que 
atendem na aldeia. 
 
AIS Iukulari - ele é jovem, trabalha na Aldeia Mutum há 6 
meses. Ele não fez nenhum curso introdutório de formação e 
fala bem o português. A comunidade está solicitando seu 
desligamento, porque ele quase não realiza visitas domiciliares e 
aparece pouco no posto de saúde. 
 
AISAN Ukularu - ele trabalha na Aldeia Tucunaré há 4 meses. 
Por ser uma aldeia distante e de difícil acesso, há poucos meses 
foi possível implantar o sistema de tratamento da água e parte 
do esgoto sanitário. 
 
AISAN Kaituí - ela é jovem, fez o curso de AISAN em 2008, foi 
contratada há 3 anos para trabalhar na Aldeia Mutum. Gosta de 
realizar atividades de educação ambiental na sua rotina de 
trabalho. 
 
AISAN Yucumã - ele trabalha no Polo Base Rio dos Peixes há 4 
anos e auxilia na cobertura da Aldeia dos Peixes (aldeia vizinha), 
que não possui AISAN. 
 
 
Aldeia Tucunaré e situação problema 
 
 
 A aldeia Tucunaré é a mais distante dos limites da TI. A 
comunidade não tem barco próprio, portanto, tem pouco acesso 
ao polo e aos municípios do entorno. É a aldeia com os 
melhores indicadores de saúde do Polo, com uma população de 
90 pessoas. Todas as famílias têm roças e a pesca é farta. 
 
Figura 2. Mapa da aldeia Tucunaré 
 O pajé Kuanery é reconhecido por todas as aldeias desta 
etnia como o melhor pajé, que resolve a maioria dos problemas. 
Ele é tio do cacique Walumã e além de acompanhar os doentes 
da aldeia Tucunaré, é chamado para atender nas outras aldeias. 
Duas parteiras também moram nesta aldeia, a Jariry e sua neta 
Myakualu que vêm acumulando experiência no 
acompanhamento dos partos com a avó. Em algumas famílias 
existem especialistas em raízes e outros remédios da floresta, 
que utilizam seus conhecimentos para tratar os familiares mais 
próximos. 
 
 O AIS Tainakã é um dos mais experientes do Polo, é irmão 
mais novo do cacique, tem 4 filhos, trabalha há 7 anos, fez um 
módulo introdutório de formação e gosta de aprender com os 
demais membros da EMSI. 
 
 Em uma das visitas domiciliares, Tainakã notou que o 
filhinho do jovem casal Poanery e Kayumã estava bastante 
irritado e havia passado a noite chorando. Poanery engravidou 
um pouco antes de terminar a reclusão pubertária1; sua mãe 
Yaulaku e a tia Jawira auxiliam nos cuidados com o bebê, que 
está com 9 meses. 
1 - Para algumas etnias, a reclusão pubertária é um período em que os 
jovens são preparados para a vida adulta. Recebem orientações dos pais, 
avós e outros familiares sobre regras alimentares e comportamentais, 
sobre os papéis sociais e atividades cotidianas de homens e mulheres. 
Podem ficar restritos dentro de casa por alguns meses ou anos. A 
abstinência sexual e a restrição do convívio social são comuns. Ao fim da 
reclusão, os jovens são apresentados à toda comunidade. 
 Durante a visita, a família contou para o AIS Tainakã que a 
criança, que é eutrófica, estava bem e começou a vomitar de 
repente na noite anterior. Teve 5 episódios de vômito durante a 
madrugada. Não tinha diarreia,nem febre. Estava mamando 
muito pouco e ainda não tinha evacuado naquele dia. Teve uma 
gripe há mais ou menos 7 dias, que evoluiu bem. Não tinha 
outros sintomas. 
 
 O pajé Kuanery avaliou a criança bem cedo e explicou para 
a família que um espírito estava causando aquela doença, 
devido a quebra de regras dos pais. Como o pai era muito jovem 
e inexperiente, não respeitou a regra do resguardo e trabalhou 
cortando um tipo de madeira que é proibida até a criança andar. 
Além disso, o casal teve relações sexuais antes de terminar o 
resguardo, o que deixava o bebê mais vulnerável. Kuanery 
explicou à família que o espírito causador da doença era forte e 
que estava levando a alma da criança embora, por isso, seriam 
necessários alguns dias de pajelança com o bebê, além de 
banhos com raízes para os pais. O bebê não devia sair de casa 
e os pais deviam sair o mínimo possível, apenas de dia, para 
diminuir a vulnerabilidade espiritual. 
 
 O AIS ouviu todo o relato e perguntou se podia pesar e ver 
a temperatura do bebê. Durante o período que observou a 
criança, percebeu que ela passava a maior parte do tempo 
chorando e bastante irritada. Quando parava de chorar ficava 
sonolenta e prostrada. Seu abdome estava distendido e durante 
algum tempo ficava contraído, semelhante ao quadro de cólicas. 
A criança ficava a maior parte do tempo com as pernas 
contraídas, próximas do abdome. Estava afebril e com pouca 
perda de peso, comparando à pesagem mensal feita há 1 
semana. 
 O AIS explicou para a família que não iria medicar a criança 
por enquanto e que avisaria a equipe do Polo via rádio, para 
conferir se alguma coisa podia ser feita junto com a pajelança. 
Após a descrição do caso pelo AIS Tainakã, o médico orientou 
levar a criança no Polo para sua avaliação: 
 
 
- Olha Tainakã, como é uma criança pequena, acho melhor a 
gente mandar o barco aí e vocês já vêm pro Polo, assim tenho 
mais condição para examinar e acompanhar. Agora é meio 
dia, são 5 horas de barco…daqui do Polo fica mais fácil pedir 
o avião e encaminhar pra cidade, se for preciso. 
 
- Então, Dr. Marcelo, eu entendo, mas a família não quer levar 
para o Polo. Precisa fazer pajelança primeiro, entendeu? - 
disse Tainakã. 
 
 
 A enfermeira Lúcia estava do seu lado, ouvindo a conversa: 
 
- Marcelo, podemos fazer o seguinte: estamos na semana de 
avaliação das gestantes daquele braço de rio. Podemos ir 
direto pra aldeia Tucunaré hoje, avaliamos a criança e 
dormimos lá. A Sueli fica aqui no Polo, na cobertura. Conheço 
bem o cacique e o pajé, a gente avalia a criança e conversa 
com eles - propôs Lúcia. 
 
 - Oi Tainakã, Lúcia e eu vamos pra sua aldeia hoje avaliar a 
criança. Daí a gente conversa melhor ao vivo - disse Marcelo. 
 
 
 
 Durante a viagem de barco, o médico comenta com a 
enfermeira: 
 
- Vamos ver quando chegarmos lá... já vi casos parecidos no 
hospital… quadro agudo assim, pode ser só uma 
gastroenterite, mas também pode ser uma obstrução intestinal 
causada por um tumor ou invaginação intestinal ... 
dependendo do tempo de obstrução, pode evoluir para 
necrose intestinal e peritonite… nesse caso, vamos ter que 
pedir um voo e encaminhar a criança para o hospital, o quanto 
antes…

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