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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA CURSO DE LETRAS JULIANA DE OLIVEIRA AUGUSTO GRACILIANO RAMOS E JOSÉ LINS DO REGO: A LITERATURA COMO ESPAÇO DO IMAGINÁRIO E DA ANÁLISE CRÍTICA DA SOCIEDADE Rio de Janeiro 2024 JULIANA DE OLIVEIRA AUGUSTO GRACILIANO RAMOS E JOSÉ LINS DO REGO: A LITERATURA COMO ESPAÇO DO IMAGINÁRIO E DA ANÁLISE CRÍTICA DA SOCIEDADE Projeto literário realizado como trabalho de AVA 2 apresentado à disciplina Literatura Brasileira e Modernidade, do Curso de Graduação em Letras da Universidade Veiga de Almeida. Orientadora: Profa Dra. Angela Cristina de Souza Bezerra. Rio de Janeiro 2024 2 Segundo Queiroz, os grandes beneficiários da luta travada e afinal vencida pelos heróis da Semana de Arte Moderna éramos nós, os da chamada “geração de 30”. Menino de engenho destacava-se especialmente importante naquela safra de 1931-1932 porque não era, como os livros de alguns de nós, obra primeira de menino precoce, marcada pelas falhas da estreia juvenil (QUEIROZ, 1972 apud REGO, 2012, p.18-19). Um dos autores mais representativos do Regionalismo da década de 1930, José Lins do Rego teve seu primeiro romance, Menino de engenho, publicado em 1932. Sua obra é caracterizada pela liberdade de expressão, interesse social e regionalismo. (MARQUES, 2015) Menino de engenho é um retrato sócio-histórico do nordeste brasileiro, mesclando ficção e realidade. É o primeiro livro do Ciclo da Cana-de-Açúcar, que mostra, nos seus cinco livros, “a situação histórico-social da região nordestina durante o processo de industrialização que substituiu o sistema socioeconômico organizado em torno da casa-grande, da senzala e do engenho” (MARQUES, 2015, p.2). O livro apresenta a decadência do mundo patriarcal, a monocultura, o latifúndio, o trabalho escravo (abolido em 1888 mas ainda influenciando a realidade da época) e o personalismo. É uma obra memorialista, resultado da reconstituição ficcional das experiências pessoais da infância do autor. Menino de engenho era pra ser um biografia do avô materno do autor, o senhor José Lins Cavalcanti de Albuquerque, proprietário do engenho onde passou sua infância, mas acabou sendo escrito como um romance de fundo autobiográfico. O avô de José Lins aparece na narrativa como o Coronel José Paulino, que está “vivenciando o momento de transição e declínio da ordem patriarcal da qual era o principal representante”, esse contexto é “marcado pelo conflito de gerações e pela alteração de valores e princípios, o que gera o conflito existencial visível como característica de vários de seus personagens” (MARQUES, 2015, p.4). Outro personagem fictício baseado em uma personalidade histórica que o autor conheceu na infância é Antônio Silvino, o cangaceiro mais famoso do nordeste brasileiro antes de Lampião. Segundo Marques, tanto a linguagem empregada por José Lins, por intermédio de seu narrador memorialista, como a ficcionalização das falas dos personagens 3 representam um dos propósitos almejados pelos escritores do movimento regionalista e tradicionalista do Nordeste: o combate a todo rigor clássico expresso pela linguagem acadêmica, repleta de preciosismo e purismo vocabular. A liberdade de expressão, a espontaneidade e a naturalidade que caracterizam a narrativa de Menino de engenho, portanto, ultrapassam as relações com o conteúdo narrado, evidenciando os vínculos entre tema e forma literária, e firmam elos com os principais objetivos do Modernismo Regionalista do Nordeste. A valorização das tradições e da paisagem nordestinas e a tematização dos problemas sociais pertinentes a essa região também constituíram uma das intenções desse movimento modernista, e principalmente de José Lins do Rego (MARQUES, 2015, p.15). Carlinhos, personagem narrador de Menino de engenho, foi levado para o engenho do avô materno José Paulino após a morte de sua mãe, que havia sido assassinada por seu pai quando ele tinha 4 anos de idade. Carlinhos conheceu sua prima Lili, que tinha sua idade, e com quem criou uma amizade constante. Lili era uma criança muito doente e faleceu, o que causou grande tristeza à Carlinhos, que sempre lembrava da prima quando encontrava enterro de crianças, mesmo anos depois de sua morte. Carlinhos adorava as histórias de velha Totonha, personagem que andava pelos engenhos: A VELHA TOTONHA DE quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada. Ela vivia de contar histórias de Trancoso. Pequenina e toda engelhada, tão leve que uma ventania poderia carregá-la, andava léguas e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição viva das Mil e uma noites. Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens! Sem nem um dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras. (REGO, 2012, p.67) Seu avô costumava contar histórias à noite, após a ceia, para todos à mesa. Essas histórias eram memórias, crônicas, diferentemente das histórias da velha Totonha: Estas histórias do meu avô me prendiam a atenção de um modo bem diferente daquelas da velha Totonha. Não apelavam para a minha imaginação, para o fantástico. Não tinham a solução milagrosa das outras. Puros fatos diversos, mas que se gravavam na minha memória como incidentes que eu tivesse assistido. Era uma obra de cronista bulindo de realidade. (REGO, 2012, p.104) 4 Assim, o narrador teve contato com essas tendências narrativas em sua infância e foi formado pela união desses outros narradores: Velha Totonha e seu avô, Coronel José Paulino. O autor José Lins do Rego também se mudou para o engenho do avô materno após a morte de sua mãe (que não aconteceu da mesma forma que a do narrador Carlinhos) e perdeu sua prima Lili na infância. José Lins criou a personagem Velha Totonha baseada em uma senhora contadora de histórias que conheceu na sua infância e que foi sua primeira influência literária, como o autor declarou em uma entrevista realizada por Francisco de Assis Barbosa: Na casa do meu avô, onde nasci, existia um único livro, a Bíblia. Eu cresci ouvindo as histórias de Trancoso da Velha Totônia. Foi ela quem fez a minha iniciação literária. Chamava-se Antônia [...]. Muito magrinha e sem dentes, essa cabocla tinha um talento especial para contar história [...]. Nunca me esquecerei de Sinhá Totônia, essa maravilhosa contadora de histórias, analfabeta e inteligentíssima, que, sem o saber, transformava o menino do Engenho Corredor. Porque estou certo de que foi a velha Totônia quem pegou em mim a doença de contar histórias. (BARBOSA, 1991, p.58 apud MARQUES, 2015, p.12). Marques aponta as marcas de oralidade ao longo de Menino de engenho, indo da “organização simples das palavras na frase (sintaxe) ao sentido de palavras e expressões (semântica) próprias de um vocabulário típico da região nordestina dos tempos dos cantadores de feira e dos poetas populares do sertão.” (MARQUES, 2015, p.13) O primeiro romance de José Lins do Rego é uma combinação entre ficção e realidade, vertentes opostas mas que se complementam ao longo da narrativa. A linguagem utilizada pelo narrador memorialista representa um dos propósitos almejados pelos escritores do movimento regionalista e tradicionalista do Nordeste: o combate a todo rigor clássico expresso pela linguagem acadêmica, repleta de preciosismo e purismo vocabular. A liberdade de expressão, a espontaneidade e a naturalidade que caracterizam a narrativa de Menino de engenho, portanto, ultrapassam as relações com o conteúdo narrado, evidenciando os vínculos entre tema e forma literária, e firmam elos com os principais objetivos do Modernismo Regionalista do Nordeste. (MARQUES, 2015, p.15) 5 REFERÊNCIAS BARBOSA, F. A. Foi a Velha Totônia quem me ensinou a contar histórias. In: COUTINHO, A. (dir.). José Lins do Rego. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; João Pessoa: Funesc, 1991. (Coleção Fortuna Crítica, v. 7). DIAS, S. M. V. Literatura brasileira e modernidade [livro eletrônico] / Silvana Moreli Vicente Dias. – Rio deJaneiro: UVA, 2020. MARQUES, H. Ficção, história e memória em Menino de engenho, de José Lins do Rego. Patrimônio e Memória. Assis: Unesp, v. 11, n. 2, p. 52-68, jul./dez. 2015. Disponível em: https://pem.assis.unesp.br/index.php/pem/article/view/554/814. Acesso em: 16 jun. 2024. QUEIROZ, Rachel de. Menino de engenho: 40 anos. In: REGO, J.L. Menino de engenho. Rio De Janeiro: José Olympio Editora, Rio De Janeiro, 2012. Disponível em: https://www.ufpi.br/arquivos_download/arquivos/Menino_de_Engenho_-_Jos%C3%A 9_Lins_do_Rego.pdf. Acesso em: 16 jun. 2024. REGO, J. L. Menino de engenho. Rio De Janeiro: José Olympio Editora, Rio De Janeiro, 2012. Disponível em: https://www.ufpi.br/arquivos_download/arquivos/Menino_de_Engenho_-_Jos%C3%A 9_Lins_do_Rego.pdf. Acesso em: 16 jun. 2024. ______. Meus verdes anos. [s.l.] Global Editora, 2022. TV BRASIL. José Lins do Rego - De Lá Pra Cá - 21/08/2011. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ejg3lkFpU3c. Acesso em: 16 jun. 2024. https://pem.assis.unesp.br/index.php/pem/article/view/554/814 https://www.ufpi.br/arquivos_download/arquivos/Menino_de_Engenho_-_Jos%C3%A9_Lins_do_Rego.pdf https://www.ufpi.br/arquivos_download/arquivos/Menino_de_Engenho_-_Jos%C3%A9_Lins_do_Rego.pdf https://www.ufpi.br/arquivos_download/arquivos/Menino_de_Engenho_-_Jos%C3%A9_Lins_do_Rego.pdf https://www.ufpi.br/arquivos_download/arquivos/Menino_de_Engenho_-_Jos%C3%A9_Lins_do_Rego.pdf https://www.youtube.com/watch?v=Ejg3lkFpU3c