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MATERIAL DIDÁTICO HISTÓRIA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.004 DO DIA 17/08/2017 0800 283 8380 www.faculdadeunica.com.br Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 2 SUMÁRIO UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO ...................................................................................... 3 UNIDADE 2 - ÍCONES DAS CIÊNCIAS DA MENTE .................................................. 5 UNIDADE 3 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSIQUIATRIA E SAÚDE MENTAL .... 20 UNIDADE 4 - A REFORMA PSIQUIÁTRICA E OS DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS DA SAÚDE MENTAL ........................................................... 29 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 44 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 3 UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO A reforma psiquiátrica ou antimanicomial ou, ainda, antipsiquiatria implica na mudança e implementação de determinados valores éticos, de compromissos profissionais, acadêmicos, políticos e de gestão que se antagonizam a perspectivas anteriores que serviam a outros princípios filosóficos, de perversão e acomodação política e naturalmente na lógica da centralização do capital privado (STOCKINGER, 2007). Essa reforma começa em 1961, na Itália, liderada por Franco Basaglia, com as influências da psicoterapia institucional e da comunidade terapêutica e a transformação do hospital psiquiátrico de Gorizia com a qual se buscava a separação da internação manicomial. Nos EUA, o processo de desospitalização significou o fechamento dos hospitais psiquiátricos, objetivando reduzir despesas do Estado, sem ter a contrapartida adequada da criação de serviços comunitários, configurando-se no fenômeno “os loucos na rua”. No Brasil, o modelo clínico expandiu-se e contou com importante impulso durante o processo de industrialização nos anos 70, quando ocorreu uma grande expansão da indústria farmacêutica e de equipamentos médico-hospitalares. Chama-se a atenção para o fato de que enquanto o mundo voltava-se para a desospitalização, o Brasil, sob o cenário do golpe militar, investia na extensão dos cuidados psiquiátricos através do aumento de leitos e da multiplicação da rede privada contratada (KANTORSKI, 2001). A superação do modelo manicomial encontra ressonância nas políticas de saúde do Brasil que tiveram um marco teórico e político na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), na 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), na 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental (1992), culminando na 3ª Conferência Nacional de Saúde Mental (2001). Observa-se, na reforma psiquiátrica brasileira, nas últimas décadas, intercalação de períodos de intensificação das discussões e de surgimento de novos serviços e programas, com períodos em que ocorreu uma lentificação do processo. Historicamente, podemos situar as décadas de 1980 e 1990 como marcos Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 4 significativos nas discussões pela re-estruturação da assistência psiquiátrica no país (HIRDES, 2009). Veremos ao longo dessa apostila a evolução das pesquisas de alguns ícones da Psiquiatria, ressaltando que até o século XIX não havia um pensamento médico- científico sistematizado sobre a doença mental, e o louco não era assumido pela medicina como doente sob responsabilidade de seu campo de ação. Nos grandes asilos para alienados juntavam-se toda sorte de indivíduos pertencentes às minorias que representavam diversos problemas sociais, desde mendigos e delinquentes a prostitutas e loucos de rua. Se considerarmos as bases do pensamento científico sobre o qual a psiquiatria do século XIX apoiou-se, veremos que o trabalho de Pinel e seus seguidores representou uma verdadeira revolução de ideias (PACHECO, 2003). Enfim nosso objetivo nesta apostila será: • Conhecer os ícones que construíram a história da psiquiatria; • Descrever os fatos mais importantes da história da Psiquiatria e da Saúde Mental; • Analisar a reforma psiquiátrica e os discursos contemporâneos da Saúde Mental; • Refletir criticamente a reforma da Saúde Mental no Brasil. Salientamos que este trabalho é uma compilação de escritos que consideramos importantes para compor o curso de Gestão em Saúde Mental e que lacunas podem eventualmente surgir. Assim deixamos ao final uma lista de referências consultadas e utilizadas onde poderão aprofundar os estudos. Boa leitura a todos! Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 5 UNIDADE 2 - ÍCONES DAS CIÊNCIAS DA MENTE Não temos como falar em reforma psiquiátrica sem promover uma retrospectiva histórica da desatenção ou exclusão dos portadores de doenças mentais. E evidentemente, falar de médicos e pesquisadores que deram sua contribuição para o estudo da ciência do comportamento. Carlos Batista Lopes (2001) em um artigo intitulado “Desafios Éticos atuais da Psiquiatria” nos leva a refletir em uma consideração muito pertinente que justifica esse capítulo. É bem verdade que pouquíssima gente sabe quais eram as concepções, por exemplo, de Pinel sobre as doenças mentais ou, menos ainda, quais eram os tratamentos por ele prescritos (ouve-se falar em Pinel numa alusão aos loucos ou ao lugar destinado a eles). Trata-se de um conhecimento restrito aos historiadores e aos médicos dotados de especial curiosidade. Todos sabem que ele foi um dos primeiros – ou pelo menos dos mais importantes – a considerar que os psicóticos e os neuróticos eram pessoas acometidas por doenças. Em suma, sua grande contribuição está em ter dado dignidade humana aos doentes e à doença mental, em reconhecer seres humanos no que antes eram supostas “feras” ou “simuladores” indecentes. Ao retirarem a doença mental do campo da condenação pela moral oficial para inseri-la no campo da medicina, conferiram novo patamar moral aos pacientes e à ciência. Sendo assim tentaremos mostrar um pouco da história desses pesquisadores que vieram ao longo dos séculos construindo o novo modelo de entendimento que temos hoje na saúde mental. A história de cada um tem detalhes que não conseguiríamos expor a todos, portanto, se ficarem lacunas sugerimos que sejam curiosos, pesquisadores e aprofundem para sanar suas dúvidas. Jean-Étienne Dominique Esquirol (1772 – 1840) foi o precursor da psiquiatria científica proposta por Pinel. É reconhecido entre os grandes clássicos da psiquiatria francesa da primeira metade do século XIX, considerado representante da psiquiatria alienista francesa e que ajudou a consolidar a ideia de loucura como doença. Todos os direitosreservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 6 Esquirol posiciona-se como um dos marcos na fundação do pensamento psicopatológico contemporâneo. Desenvolveu um trabalho de continuação da obra de Pinel, como um de seus mais talentosos discípulos, e marcou sua atuação pela utilização sistemática da observação que lhe permitiu grande aprofundamento do trabalho clínico e uma delimitação precisa de quadros nosográficos da nascente psiquiatria contemporânea (PACHECO, 2003). É o estudioso que diferenciou demência (doença mental) e amência (deficiência mental), nas palavras dele, o primeiro é louco, o segundo é idiota. É com Esquirol que a idiotia deixa de ser considerada uma doença e o critério para avaliá-la passa ser o rendimento educacional. O médico, em consequência, perde a palavra final no que diz respeito à deficiência mental, abrindo as portas dessa nova área de estudo ao pedagogo. Se considerarmos as bases do pensamento científico sobre o qual a psiquiatria do século XIX apoiou-se, veremos que o trabalho de Pinel e seus seguidores representou uma verdadeira revolução de ideias. Apesar de a loucura ter sido efetivamente considerada pertencente ao campo da medicina desde o final do século XVII, ainda não havia modelos ou definições claras, tampouco sistematizações nosográficas que pudessem caracterizar diferentes espécies clínicas do vasto gênero “loucura”. Eram muito grandes as variações entre os padrões que definiam os transtornos psíquicos: não se tinha uma visão abrangente e as descrições limitavam-se a algumas particularidades de sintomas (PACHECO, 2003). A transformação metodológica introduzida por Pinel e Esquirol, fundamentada na observação clínica sistemática e na delimitação de categorias psicopatológicas estáveis, inscreve-se historicamente em um momento em que a medicina tinha a clara preocupação de diferenciar-se da filosofia, da psicologia e da religião, cujos objetos de conhecimento transcendem o corpo ou a matéria, indagando sobre temas espirituais, lógico-discursivos e/ou ético-estéticos. As ciências médicas buscavam, então, firmar seus princípios baseados em critérios objetivos e com nítida aproximação dos métodos das ciências naturais. O diagnóstico médico não podia, portanto, prender-se na observação do comportamento, para não sofrer a indesejável interferência de dados subjetivos (ALVAREZ, 2010). Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 7 Firmava-se a concepção de “doença mental” como uma decorrência de distúrbios orgânicos provindos de disfunções de estruturas orgânicas, ou ainda de lesões anatômicas ou funcionais do encéfalo, e que se refletiam no comportamento sob a forma de sintomas. Contudo, a preocupação de Pinel e, em seguida, de Esquirol era menos a de construir uma teoria biológica da loucura do que conhecer e bem delimitar suas apresentações clínicas. Pinel introduziu a concepção da loucura como consequência das paixões exacerbadas, e o louco como vítima de uma desorganização das funções mentais superiores do sistema nervoso central, ou seja, das funções intelectuais, pressuposto que deu nova direção à psiquiatria do final do século XVIII e início do século XIX. Este grande alienista francês impôs em seu trabalho uma preocupação com a classificação nosográfica e, em sua clínica, uma prática inovadora: a observação empírica sistemática e o tratamento moral. Ao considerar o indivíduo alienado como doente mental, vítima de disfunções psíquicas, Pinel deu a eles o direito de serem ouvidos e conferiu à medicina a necessidade de entendê-los e tratá-los humana e respeitosamente. Foi, portanto, um dos primeiros médicos psiquiatras a conceder o estatuto de dignidade aos loucos, diferenciando-os dos bandidos e dos criminosos comuns, e transformando com essa abordagem, o conceito de instituição para doentes mentais. Quanto à etiologia, Pinel reconhece as causas hereditárias como responsáveis pela doença, mas ressalta a influência essencial de outros fatores não hereditários, como os acontecimentos externos e as emoções violentas, determinando o quadro mórbido. Focalizou sua atenção sobre a mania ou delírio total, que considerou como a forma mais típica e mais comum de loucura. Esquirol, em seguida, por sua visão ampla e seu comprometimento com o trabalho clínico, imprimiu mudanças expressivas na psiquiatria de sua época, prosseguindo e aprofundando o trabalho de Pinel. Mesmo conservando o pressuposto das causas físicas e morais atuando simultaneamente na determinação da doença mental, Esquirol representou um avanço expressivo no plano teórico ao propor nova Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 8 sistematização nosográfica, a partir de uma análise fina e de uma diferenciação mais detalhada das síndromes psicopatológicas (ALVAREZ, 2010). No campo mais específico do saber e da prática psiquiátrica, Esquirol também produziu uma mudança importante ao rever o conceito de melancolia depois de pesquisá-la e descrevê-la longamente. Ordenou então sua classificação nosográfica, diferenciando quatro grupos principais de doenças mentais, por meio dos quais procurou separar as perturbações de fundo claramente orgânico das perturbações de natureza psíquica, consideradas disfunções mentais: • Idiotia: que pode ser congênita ou adquirida, mas constitui uma categoria bastante diferenciada das que agrupam os problemas propriamente psíquicos. • Demência: na forma aguda, passível de cura, e na forma crônica, praticamente incurável. • Mania: que se refere ao delírio total com exaltação. Seria uma alteração generalizada das funções mentais, como a inteligência, percepção, volição, atenção. • Monomanias: que agrupa todas as perturbações mentais que trazem prejuízos psíquicos apenas parciais, conservando perfeitas outras funções intelectuais. O delírio é parcial e pode ter uma forma alegre ou uma forma triste. Aqui se encontra a contribuição mais original e também mais controvertida de Esquirol: a separação da melancolia, da antiga classificação de Pinel, em duas categorias diferentes – a mania e a lipemania, umas das formas de monomania. Esse termo foi escolhido por ele com o objetivo de resolver as ambiguidades e confusões que a palavra melancolia comportava. A lipemania consistiria num delírio intelectual, de natureza depressiva, situado em primeiro plano e que acabaria por afetar toda a vida do paciente incapacitando-o para as mais simples atividades. Esta designação não permanece, todavia, muito tempo na nosografia psiquiátrica: o termo melancolia volta a ser utilizado numa categorização reformulada. Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.9 No que se refere à terapêutica, Esquirol deu continuidade à prática de um tipo de tratamento diferenciado: o tratamento moral iniciado por Pinel. Esta abordagem estruturou-se em decorrência dos pressupostos teóricos a respeito da loucura que, deixando de ser exclusivamente organicista, passou a considerar o aspecto psicológico como fundamental na determinação da doença. As experiências vividas pelo paciente adquirem assim um novo valor como dados a serem observados e considerados no conhecimento de suas funções mentais. A compreensão dessas funções mentais já não se dá pela noção de sistemas gerais de explicação causal e, dessa forma, se o adoecer é parte da experiência sensorial do sujeito, a loucura pode ser um estado reversível. Esquirol situou-se nesses princípios para melhor sistematizar o conhecimento e a prática psiquiátrica de sua época. Endossou a ideia de que as paixões exacerbadas poderiam desencadear as grandes perturbações mentais e considerou também que os procedimentos terapêuticos capazes de apaziguá-las seriam um meio de reconduzir o doente a encontrar a coerência entre a realidade percebida pelos sentidos e as funções mentais, pelas suas ideias, raciocínios, julgamentos. O tratamento moral tinha, portanto, um sentido educativo que envolvia aspectos ambientais e sociais. No entanto, a ideia de que através dos métodos psicológicos seria possível corrigir erros na lógica de pensamento e raciocínio daqueles que se afastavam da norma admitida como correta, implica uma questão ética que podia facilmente justificar condutas arbitrárias ou coercitivas. E nesse sentido Esquirol teve uma postura de autoritarismo, segundo o olhar de hoje, ao pressupor que a conduta terapêutica, para se opor às ideias delirantes, não podia usar apenas a compreensão, a persuasão e os conselhos lógicos, mas deveria introduzir diversas formas de “choque” que perturbassem emocionalmente o paciente para fazê-lo adotar uma ideia oposta à de sua lógica delirante. Nesse momento da história da psiquiatria, o louco ainda não era efetivamente ouvido em seu sofrimento. O delírio era considerado apenas como uma forma patológica de juízo distorcido, e o tratamento moral consistiria em um esforço de confrontação do sujeito com seu erro, de modo a reabilitá-lo ao convívio social (PACHECO, 2003). Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 10 A história do pensamento sobre a loucura e seu tratamento encontra um ponto referencial em Esquirol. Ele defende a ideia de que a relação com o médico desempenha um papel importante na cura, e nessa mudança de concepção vai fundamentando a noção de que a liberdade do sujeito é vista como condição necessária ao aparecimento de sua verdade de louco, como descreve FOUCAULT (1995). A psiquiatria não poderia, portanto, a seu ver, estar ligada à filosofia ou à religião, mas sim lançar-se em busca de um método próprio sem, no entanto, pautar a compreensão dos transtornos psíquicos apenas pelas causas orgânicas (PACHECO 2003). Uma geração de especialistas em doenças mentais, liderada por Jean Etienne Dominique Esquirol (1772-1840), foi educada em La Salpêtrière e disseminou as ideias de Pinel pela Europa. Esquirol sucedeu a Pinel na Salpêtrière (COBRA, 2003). Philippe Pinel (1765-1826), francês, médico pioneiro no tratamento dos doentes mentais. Seu interesse pela psiquiatria inicia somente aos 40 anos de idade quando se preocupou em socorrer um amigo, vítima de psicose maníaca aguda. Pinel, no entanto, foi o primeiro a distinguir vários tipos de psicose e a descrever as alucinações, o absentismo, e uma série de outros sintomas. Para o seu tempo, sua obra Nosographie Philosophique ou Méthode de l'analyse appliquée à la médecine (“Classificação filosófica das doenças ou método de análise aplicado à medicina”), de 1798; continha descrições precisas e simples de várias doenças mentais, com o conceito novo de que a cada doença era “um todo indivisível do começo ao fim, um conjunto regular de sintomas característicos”. Pinel aboliu tratamentos como sangria, purgações, e vesicatórios, em favor de uma terapia que incluía contato próximo e amigável com o paciente, discussão de dificuldades pessoais, e um programa de atividades dirigidas. Preocupava-se também em que o pessoal auxiliar recebesse treinamento adequado e que a administração das instituições fosse competente (COBRA, 2003). Ele percebeu que havia sempre traços de razão no alienado, capaz de permitir uma terapia pelo diálogo. Salienta o interesse de um tratamento humano para os doentes mentais e insiste nas relações deste com o meio familiar e com os outros doentes, e no papel do médico na administração hospitalar para cortar o Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 11 círculo infernal que leva à perpetuação e ao agravamento da doença mental. Para ele o tratamento medicamentoso era secundário, uma atitude que lhe vinha certamente de observar a ineficácia da farmacologia de seu tempo (CHERUBINI, 2006). Sem dúvida, foi um revolucionário no método de tratamento dos doentes mentais. Para a França Revolucionária, era de profundo interesse que seus cientistas sobressaíssem e Pinel se constituiu, na área da medicina e da psicologia, em um dos seus principais expoentes. Seus escritos privilegiam o refinamento literário, característico da Europa do séc. XVIII e início do séc. XIX, onde, predominaram as concepções de humanismo e liberalismo, de forte influência Iluminista. Pinel elevou a categoria dos doentes, antes tratados como criminosos ou endemoniados, à condição de “homo paciens” e a doença mental, como o resultado de uma exposição excessiva à estresses sociais e psicológicos, e, em certa medida, a danos hereditários, sendo que tais enfermidades decorreriam de alterações patológicas no cérebro. Com isso baniu tratamentos antigos tais como sangrias, vômitos, purgações e ventosas, preferindo terapias que incluíssem a aproximação e o contato amigável com o paciente, proporcionando-lhes, ainda, um programa de atividades ocupacionais, onde o tratamento digno e respeitoso foi a tônica. O século XVII na Europa foi aquele em que reinou, de forma absoluta, a razão, emanada do pensamento de Descartes e entronizada pelos Iluministas. Desta forte tradição, originou o pensamento de Philippe Pinel, para o qual o psíquico se tornou matéria de conhecimento objetivo e quantitativo. Pinel foi o primeiro a elaborar uma classificação para as doenças mentais, fato este que constituiu extraordinário avanço da psiquiatria. Utilizou como principal método a observação e a análise de seus pacientes. Em sua primeira obra Nosographie philosophique (1798) destinada à classificação das doenças, distinguiu várias psicoses e descreveu, dentre outros fenômenos, alucinações, isolamentos, e uma variedade de outros sintomas, o que lhe rendeu grande projeção. Seu principal livro, um dos clássicos da psiquiatria, Traité médico-philosophique sur l'aliénation mentale ou la manie (1801), discutiu sua abordagem psicologicamente orientada (COBRA, 2003). Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicosou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 12 Pode-se dizer que Philippe Pinel se distinguiu pelas inovações que introduziu. Sua orientação foi visivelmente psicológica, suas ideias características de sua época, do Iluminismo e das tendências promovidas pela Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. A Psicologia, tendo em vista o momento em que as ciências físico-químicas e biológicas monopolizavam as atenções, adotou, com a contribuição de Pinel, um modelo de cientificidade, inspirado no marco referencial Galileico-Baconiano, uma nova epistemologia e uma nova visão do homem que, em determinadas circunstâncias da vida e de sua conflitualidade, expressa o sofrimento humano através da mente e da alma. Foi dessa forma, e somente dessa forma, que a psicologia, na metade do século XIX, aprendeu a considerar o seu material de estudo como parte da natureza, e a tentar explicá-lo em termos naturais, ou seja, a psicologia tornou-se capaz de se constituir uma ciência, tanto na matéria como no método, faltando pouco para passar a ser experimental tarefa empreendida por Wundt, em Leipzig, ao criar o primeiro laboratório de psicologia (ALVAREZ, 2010). Assim, por qualquer lado que se olhe a vida e a obra desse extraordinário psiquiatra-psicólogo, vamos encontrar sempre a marca de alguém que revolucionou a concepção de loucura de um tempo e promoveu um caminho de humanização e de libertação para o enfermo mental. O moderno movimento de humanização dos manicômios, a que estão engajados os organismos de ponta da evolução social, não podem esquecer, na sua trajetória de luta, que o seu representante primeiro, foi, sem sombra de dúvida, Philippe Pinel (ALVAREZ, 2010). Pierre Janet (1859 – 1947) foi um dos pilares das Ciências Mentais do século XIX e XX. Em sua monumental Histoire de la découverte de l'inconscient (1970), Henri Ellenberger sustenta que Pierre Janet teria sido o primeiro, cronologicamente, a propor um novo sistema de psiquiatria dinâmica destinado a substituir aqueles do século XIX, herdeiros das teorias sobre o magnetismo animal, das descobertas dos hipnotizadores, da sugestão, dos combates entre as tradições iluministas e românticas e, finalmente, do tratamento moral. Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 13 Do ponto de vista terapêutico, Janet propunha o uso da hipnose e da sugestão para obter um efeito catártico das ideias e representações separadas da personalidade em função de traumas e de vivências pessoais não suficientemente elaboradas. Nesse contexto, sua proposta de uma “análise psicológica” sistemática, realizada em um contexto de intimidade com o paciente, com atenção rigorosa nas palavras efetivamente pronunciadas e buscando restituir detalhadamente os antecedentes pessoais e a história da doença, constituía ao mesmo tempo um elemento importante da pesquisa psicopatológica e uma dimensão decisiva para a instituição da terapêutica psicológica (PEREIRA, 2008). O legado de Janet nos campos da análise psicológica, da teoria psicopatológica da histeria e de outros estados, como a “psicastenia” e a angústia, e da abordagem psicoterapêutica das neuroses é da maior importância, influenciando diretamente toda uma geração de psicólogos e psicopatólogos pela interrogação do papel do eu, e de sua unidade apenas aparente, na constituição da personalidade e de suas perturbações. Janet configurou os principais elementos da Psicologia Clínica e da Psiquiatria Dinâmica. “L´Automatisme Psychologique”, é a obra no qual os conteúdos não foram esgotados numa só livro, sendo que é o prefácio de uma obra imensa, “uma das mais vastas sínteses que jamais foi produzida pelo espírito humano sobre o espírito humano” expressão usada por H. F. Ellenberger, psiquiatra canadense que nunca parou de escrever e de promover o pensamento de Pierre Janet. Com Janet, Charcot, Freud e outros autores da época apareceram novas terminologias centradas na neurose, na paranóia, na histeria etc., com a expansão progressiva dos estudos mentais novos conceitos foram introduzidos como, por exemplo, em 1911 criou o termo esquizofrenia para substituir o de demência precoce. Aconteceu assim a construção clássica da clínica psiquiátrica-psicanalítica contemporânea de um lado, e a área da psicopatologia com o estudo das psicoses (esquizofrenia, paranóia, maniaco-depressiva) e das neuroses. A psicose servia para designar a loucura em geral, e as neuroses as doenças ditas “nervosas”. Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 14 A psiquiatria com abertura feita por Janet, do homem deficiente, expandiu os seus domínios, enfatizando a grande difusão da depressão. Janet definiu e utilizou amplamente os conceitos voltados ao estudo do automatismo psicológico nos estados de sonambulismo (THEOPHILO, 2010). Carl Gustav Jung (1875 – 1961), suíço, médico, afirmava que existem em nossa mente quatro funções essenciais que são básicas: a percepção, o pensamento, o sentimento e a intuição. O pensamento é a manifestação da vontade que faz o indivíduo discernir. Mas nem todos estão preparados para o discernimento, que resulta de um processo atávico, em que etapa a etapa o indivíduo vai logrando patamares de observação, de percepção e intuição e logra da facilidade de apresentar as vontades mnemônicas reprodutivas. O pensamento é o atributo que torna a criatura humana um ser estrutural e real. Considerado o clínico das psicoses, particularmente, da esquizofrenia. Jung aos 32 anos publicou sua importante e capital obra chamada “Psicologia da demência precoce” (1907) e um dos seus últimos trabalhos foi a apreciação de seus textos sobre a esquizofrenia (1957) quando contava com 82 anos de idade. São textos que agrupam observação clínica e experimentação e onde se defende, pela primeira vez, a tese de que todos os sintomas psicóticos podem ser compreendidos psicologicamente. Jung enquanto psiquiatra apresenta três aspectos fundamentais: • A busca incessante de uma etiologia psicológica para as psicoses e seus sintomas. • A importância das fantasias nas produções delirantes e alucinações. • A relevância das funções do ego com as imagens no sujeito psicótico. Sigmund Freud (1856 – 1939), pai da Psicanálise, seus estudos foram os pioneiros acerca do inconsciente humano e suas motivações. Ele, durante muito tempo (de fins do século XIX até início do século XX), trabalhou na elaboração da psicanálise. A psicanálise é um método de tratamento para perturbações ou distúrbios nervosos ou psíquicos, ou seja, provenientes da psique; bastante diferente da Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 15 hipnose ou do método catártico. A terapêutica pela catarse hipnótica deu excelentes resultados, não obstante as inevitáveis relações que se estabeleciam entre médico e paciente.Posteriores investigações levaram Freud a modificar essa técnica, substituindo a hipnose por um método de livre associação de ideias (psicanálise). O método psicanalítico de Sigmund Freud, consistia em estabelecer relações entre tudo aquilo que o paciente lhe mostrava, desde conversas, comentários feitos por ele, até os mais diversos sinais dados do inconsciente. O psicanalista deveria “quebrar” os vínculos, os tratos que fazemos ao nos comunicarmos uns com os outros. Ele não poderia ficar sentado ouvindo e compreendendo apenas aquilo que o seu paciente queria dizer conscientemente, mas perceber as entrelinhas daquilo que ele o diz. É o que se chama de quebra do acordo consensual. Há uma ruptura de campo, pois o analista não se restringe somente aos assuntos específicos, e sim ao todo, ao sentido geral. A psicanálise se apoia sobre três pilares: a censura, o conteúdo psíquico dos instintos sexuais e o mecanismo de transferência. A censura é representada pelo superego, que inibe os instintos inconscientes para que eles não sejam exteriorizados. Nem sempre isso ocorre, pode ser que eles burlem a censura, por um processo de disfarce, manifestando-se assim com sintomas neuróticos. Existem diversas formas de exteriorizarmos nossos instintos inconscientes: os atos falhos, que podem revelar os segredos mais íntimos e os sonhos. Os atos falhos são ações inconscientes que estão em nosso cotidiano; são coisas que dizemos ou fazemos que um dia tenhamos reprimido. Freud interessou-se inicialmente pela histeria e, tendo como método a hipnose, estudou pessoas que apresentavam esse quadro. Mais tarde, com interesses pelo inconsciente e pulsões, entre outros, foi influenciado por Charcot e Leibniz, abandonando a hipnose em favor da associação livre e da interpretação dos sonhos. Estes elementos tornaram-se as bases da psicanálise. Freud, além de ter sido um grande cientista e escritor (Recebeu o Prêmio Goethe em 1930), possui o título, assim como Darwin e Copérnico, de ter realizado uma revolução no âmbito humano: a ideia de que somos movidos pelo inconsciente. Atualmente muitas críticas têm sido feitas ao método psicanalítico, porém, por mais que a ciência moderna avance, muitos dos conceitos estruturadores da psique Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 16 humana e os resultados obtidos pela aplicação do método continuam melhorando a qualidade de vida de muitas pessoas. Nota-se que a revolução promovida por Freud abriu caminhos para estudos que antigamente se encontravam em um plano imaginário. A criação de um método clínico a serviço do diagnóstico e tratamento de doenças da psique é um fato sem igual em toda a história da ciência. Porém é de se constatar certamente que em muitos escritos de Montaigne e de Pascal a ideia da autoanálise já era usada para explicar problemas subjetivos usando a lógica vigente, transformando os problemas do ser e de seu inconsciente em desafios universais, com os quais todos os homens se deparam. Uma das mais severas críticas sofridas pelo método psicanalítico foi feita pelo filósofo da ciência Karl Popper. Segundo ele, a psicanálise é pseudociência, pois uma teoria seria científica apenas se pudesse ser falseável pelos fatos. Um exemplo é a teoria freudiana do “Complexo de Édipo”. Freud afirmava que esse complexo era universal, mas com que base de dados chegou a essa conclusão? Na época da formulação da psicanálise, a sua “amostra” era bastante limitada; parte dela vinha de sua experiência subjetiva (a sua “auto-análise” precedendo a publicação de A Interpretação dos Sonhos) e da sua prática clínica, feita na maioria das vezes com pacientes burgueses de uma Áustria vitoriana. Ou seja: uma amostra retirada de contextos bem específicos e que não podem fundamentar a universalidade pretendida pelo autor. Karl Theodor Jaspers (1883 – 1969), filósofo e psiquiatra alemão, considerado um dos mais importantes do existencialismo germânico e em cuja obra tratou essencialmente sobre o tema da preocupação do homem com sua própria existência. Filho de um jurista e de mãe de origem rural, foi educado no Alten Gymnasiums, em Oldenburg, e entrou na Universität Heidelberg (1902) onde estudou direito e medicina e se estabeleceu como médico no hospital psiquiátrico da universidade (1909) e depois (1913) tornou-se professor de psicologia da Faculdade de Filosofia dessa instituição. Na clínica psiquiátrica da universidade local firmou sua reputação ao aplicar à prática clínica os métodos da fenomenologia: investigação e descrição dos fenômenos tal como a consciência os percebe, excluindo toda teorização sobre sua causa. Nesta temática publicou Allgemeine Psychopathologie (1913) e Psychologie der Weltanschauungen (1919), livros que prenunciavam sua Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 17 futura fundamentação filosófica. Influenciado pelo seu conhecimento em psicopatologia e um pouco pelas doutrinas de Kierkegaard e Nietzsche, nas duas décadas seguintes dedicou-se a elaborar suas ideias que, junto com as de seu compatriota Martin Heidegger, formariam a base do existencialismo alemão. Por questões políticas, afastou-se de Heidegger quando este se filiou ao partido nazista e, posteriormente (1937), foi demitido do cargo de professor de filosofia na universidade. Mesmo assim, recusou (1942) uma autorização para deixar o país sem sua mulher, de origem judia. Finda a II Guerra, recuperou seu cargo de professor na Universidade de Heidelberg (1945) e três anos depois (1948) transferiu- se para a Universidade de Basiléia, na Suíça, onde viveu pelo resto de sua vida. Morreu em Basiléia, três dias depois de completar 86 anos, deixando uma obra de trinta livros publicados, entre eles Existenzphilosophie (1938), onde cunhou o termo existência para designar a experiência indefinida entre liberdade e possibilidade, e Die grossen Philosophen (1957), onde tratou sobre até que ponto o pensamento passado pode ser inteligível. Michel Foucault (1926 – 1984), francês, psicólogo e psicopatologista de formação. Ao escrever a obra “História da Loucura”, procurou mostrar como o conceito de loucura mudou através dos tempos, desde a era medieval quando os loucos vagavam livres pela sociedade – já que havia uma sacralização da loucura – até os tempos modernos em que os loucos passaram a ser confinados ou tratados, a partir de uma visão psiquiátrica. Quando foi lançado em 1961, o livro transformou Foucault num líder intelectual na França, ao lado dos então emergentes Derrida e Barthes. Segundo Foucault (1995), a loucura não está somente ligada às assombrações e aos mistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, às suas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucura não diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdade que ele distingue de si mesmo. Franco Basaglia (1924 – 1980) colocou a doença mental entre parênteses a fim de dar voz, sem interpretar, e fazer emergir novos sujeitos no palco da história – os pacientes, os familiares, os não especialistas. Para ele a relação terapêutica devia instaurar-se dentro de um espaço no qual toda resposta pré-fabricada e todo Todos os direitos reservadosao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 18 preconceito ficassem entre parênteses: somente assim seria possível ir ao encontro do doente num plano de liberdade (AMARANTE, 2005). Basaglia tem uma participação fundamental na história da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Com suas visitas ao Brasil pôde, com a clareza que lhe era própria, demonstrar o absurdo dos hospitais psiquiátricos, ao lado de explicitar em nome de que estavam organizados: da repressão às classes dominadas. A colocação em debate do ambiente hospitalar, nos seus mínimos detalhes, com o lema “crear condiciones para permitir aflorar las necessidades reales de los usuarios del servicio [...]” foi a marca histórica do trabalho de Basaglia (PINTO, 2004). Em 1968 ele estabelece um ponto de ruptura com a psiquiatria asilar, posicionando-se claramente contra as práticas repressivas e mortificadoras da ordem médica no trato das pessoas acometidas pelo sofrimento psíquico. Em suas palavras: Para começar, torna-se necessário negar tudo o que está à nossa volta: a doença, o nosso mandato social, a nossa função. Negamos, assim, tudo que possa dar um sentido predefinido à nossa conduta. Ao mesmo tempo em que negamos nosso mandato social, negamos a rotulação do doente como irrecuperável e, ao mesmo tempo, nossa função de simples carcereiros, tutores da tranquilidade da sociedade; negando a irrecuperabilidade do doente negamos sua conotação psiquiátrica; negando sua conotação psiquiátrica negamos sua doença como definição científica; negando a sua doença, despsiquiatrizamos nosso trabalho, recomeçando-o em um território ainda virgem, por cultivar. (Ao ser perguntado pelo ponto de partida do seu posicionamento) Partiu-se do encontro com a realidade do manicômio, que, sendo opressiva, é trágica. Não era possível que centenas de homens vivessem em condições desumanas somente por serem doentes. Não era possível que nós, na qualidade de psiquiatras, fôssemos os artífices e os cúmplices de uma tal situação. O doente mental é “doente”, sobretudo por ser um excluído, um abandonado por todos; porque é uma pessoa sem direitos e em relação a quem pode-se tudo. Por isso negamos dialeticamente nosso mandato social, que exigia que considerássemos o doente como um não homem, e, ao negá-lo, negamos a visão do doente como um não homem. Do ponto de vista prático, negamos a desumanização do doente como resultado último da doença, atribuindo o grau de destruição à violência do asilo, da instituição, de suas mortificações, desmandos e imposições, que derivam da violência, dos abusos e das mortificações que são o esteio de nosso sistema social. Tudo isso foi possível porque a ciência, sempre a serviço da classe dominante, decidira que o doente mental era um indivíduo incompreensível e, como tal, perigoso e imprevisível, impondo-lhe, como única alternativa, a morte civil (BASAGLIA, 1985, p. 29). Franco Basaglia mostrou, com sua articulação entre as práticas de Saúde Mental e a política, que a psiquiatria sempre esteve a serviço dos poderes Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 19 dominantes. Pretendeu revelar que o campo da saúde mental é eminentemente político. Esse desvelamento tornou-se fator básico para os avanços, sem o qual o risco permanente de estarmos a serviço das forças da alienação não pode ser criticado. Ele apontou o caminho que a mudança no modo de organizar os sistemas de saúde deveriam tomar, politizou a discussão em Saúde, especialmente em Saúde Mental. Ele mostra que a psiquiatria só havia, até então, proposto soluções negativas para o problema do sofrimento mental. Recortando um aspecto do homem que sofre, reduzindo toda a complexidade da vida a dados psicopatológicos, a psiquiatria tornou-se parte do aparelho de exclusão. Ao ter essa função, a psiquiatria se incumbia de escamotear as contradições sociais que produzem as injustiças, o sofrimento, a miséria. As contribuições de Basaglia foram muitas. Ele adverte, também, que o trabalho deve ter os dois aspectos: o científico e o político. Como diz Pinto (2004), se transportarmos para os nossos dias o que Basaglia diz é que não há “soluções” definitivas em Saúde Mental, mas sim mudanças nas práticas que levam, cada vez mais, a lançar a discussão e as ações na direção da vida concreta das pessoas envolvidas. E, também, que a sociedade seja provocada a se colocar a mesma questão: o que é o sofrimento mental? Quem são as pessoas que sofrem? Quais as condições sociais que favorecem a saúde mental e as que a prejudicam? Resumindo, podemos relacionar Jung à Psicologia analítica; Esquirol à Psicopatologia descritiva; Pierre Janet à Dissociação; Philippe Pinel ao Tratamento Psiquiátrico; Karl Jaspers à Fenomenologia; Sigmund Freud à Psicanálise e Franco Basaglia à Antipsiquiatria. Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 20 UNIDADE 3 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSIQUIATRIA E SAÚDE MENTAL Dois fatos marcaram o surgimento dos primeiros trabalhos ligados à Psiquiatria no Brasil: a mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, e a criação do primeiro jornal de Medicina do país. A corte trouxe com ela o médico cirurgião José Correia Picanço (1745-1823), o qual iniciou um curso médico no Hospital Real Militar, no mesmo local onde fora construído, posteriormente, o edifício da tradicional Escola de Medicina da Bahia. No mesmo ano, um curso de Medicina também fora criado no Rio de Janeiro (ORNELLAS, 1997). O primeiro jornal de Medicina, fundado por José Francisco Xavier Sigaud (1796-1856), de título “O propagador de ciências médicas” ou “Anais de Medicina, Cirurgia e Farmácia”, teve papel decisivo no desenvolvimento da cultura médica do país. Possibilitou a reunião de profissionais da Medicina, contribuindo para o nascimento da “Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro” (SANTOS, 2008). Segundo Ornellas (1997) nas reuniões da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro foi sugerida a criação de uma casa de saúde ou hospício para abrigar os loucos trancados nos quartos de suas famílias, os que andavam livremente pela cidade e os que habitavam o Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Era intenção da sociedade daquela época organizar, disciplinar e normalizar a cidade em busca de salubridade. Atendendo os apelos, o Imperador Pedro II fundou um hospital de alienados, o Hospício Pedro II, ainda como anexo do Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Antes mesmo do início das obras do hospital, no terreno da Praia Vermelha, foram enviados para uma casa reformada e adaptada, nas localidades da construção, todos os doentes da Santa Casa. José Martins da Cruz Jobim tornou-se responsável pela casa e é considerado o primeiro médico de doentes mentais do país. O Hospício Pedro II foi inaugurado em 5 de dezembro de 1852, e foi, em sua época, considerado o mais belo edifício da América do Sul. O fato de estar subordinado à Santa Casa fez com que dela ainda dependesse sua administração, mesmo em sede distinta.Ficou muito tempo fora do alcance da administração pública, assemelhando-se, nesse período, mais a um convento que a um hospital. O Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 21 domínio das freiras era absoluto. Diretor e médicos ficavam restritos às informações que elas lhes ministravam (ORNELLAS, 1997). O funcionamento de um hospício guiava-se pelos princípios do isolamento, vigilância, distribuição e organização do tempo dos internos, com vistas à repressão, controle e individualização. As intervenções dos psiquiatras sofreram grande influência das ideias de Philippe Pinel (1745 —1826), médico francês e pai da Psiquiatria, que propunha afastar o louco do que era considerada a fonte de suas loucuras, ou seja, a família, a sociedade e seus hábitos. Somente a partir de 1884, com a instalação das cátedras de Psiquiatria nas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, o estudo das doenças mentais passou a constituir um ramo à parte da patologia interna, não mais unido a outras enfermidades. A psiquiatria nasceu dentro dos asilos e da necessidade de abrigar, proteger, cuidar, investigar, diagnosticar e tratar os indivíduos que da loucura fossem acometidos. Fica bastante claro que os loucos existiam antes do que os psiquiatras, e que a loucura representa um tremendo desafio para todos interessados em estudá-la. A loucura é um desafio que muitas outras áreas do conhecimento se associam neste processo de investigação dos seus segredos: filósofos, sociólogos, antropólogos, neurocientistas, psicofarmacologistas. O Instituto de Psiquiatria do Brasil foi criado em 1938, pelo decreto-lei 591, que o transferia para a Universidade do Brasil. Sua origem histórica, entretanto, encontra-se no Instituto de Psicopatologia, fundado em 1893, como o Pavilhão de Observação do primeiro hospício brasileiro. O hospício, criado por decreto imperial de 1841, foi inaugurado em 1852, com o nome de Hospício de Pedro II, numa clara deferência ao imperador. Sua fundação inspirava-se na experiência francesa, na qual a origem histórica da psiquiatria era um corolário da constituição do asilo, disputado inicialmente pelas instâncias médicas e religiosas (VENÂNCIO, 2003). No entanto, segundo Teixeira (2000), os contextos específicos nos quais se deu o surgimento do asilo apontam para diferenças significativas. No caso da França, esteve respaldado no projeto liberal-burguês instaurado com a Revolução Francesa, valendo-se mais intensamente da contribuição dos médicos para a Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 22 formulação e implantação de uma política assistencial pública que respondesse à problemática da exclusão e inclusão social de diferentes segmentos da população. Já no caso do Brasil, a criação do asilo foi expressão do regime monárquico centralizador, gerado a partir de um consenso de elites (TEIXEIRA, 2000, p. 85). A ascensão da classe médica e de suas propostas seria limitada pela afirmação e sustentação de um poder central monárquico, que tinha a instituição religiosa como importante aliada. O tema da inclusão social se colocava dominantemente sob a rubrica da caridade aos desvalidos, em vez de enfatizar um novo contrato social. Sobre a relação entre ciência e assistência psiquiátrica, Venâncio (2003) assinala que quando da criação e inauguração do hospício (1841 e 1852), a ciência psiquiátrica brasileira ainda não se constituíra enquanto tal. Isso só iria ocorrer paulatinamente, a partir de um alargamento do campo de possibilidades de participação da medicina nos projetos relativos à assistência à população. Conforme Russo (1993), nos anos 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro promulgou um código de posturas estabelecendo uma legislação sanitária municipal. Foi nessa época que surgiram os primeiros protestos médicos contra a situação dos loucos internados na Santa Casa do Rio de Janeiro, vindos de membros da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Criada em 1829, “tratava-se de uma sociedade de medicina social com influência notável da medicina francesa, defendendo medidas de higiene pública. Como fundadores encontram-se dois médicos franceses — Jean Maurice Fraive e Xavier Sigaud — e associados brasileiros — José da Cruz Jobim e Joaquim Cândido Soares de Meirelles —, que haviam se formado em escolas francesas” (TEIXEIRA, 1997, p. 50). Em 1882 a lei n. 3.141 determinava que se realizasse concurso público para a cátedra de psiquiatria na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo aprovado e empossado no ano seguinte o prof. João Carlos Teixeira Brandão (1854-1921). Em 1887, pouco antes do advento da República, Teixeira Brandão tornava-se também diretor do hospício, permanecendo no cargo por dez anos. É possível, portanto, afirmar que a medicina legal foi praticamente o berço da psiquiatria brasileira. Esta raiz comum que une as duas especialidades não é de modo algum fortuita. As relações de proximidade e conflito entre a medicina legal e a psiquiatria demonstram de forma exemplar a importância do discurso médico em Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 23 geral, e do psiquiátrico em particular, na definição das questões políticas fundamentais para a nova sociedade que emergia (RUSSO, 1993, p. 9). Em 1893, 41 anos após a inauguração do hospício, foi criado o Pavilhão de Observação. Isso ocorreu em concomitância a uma série de medidas da administração de Teixeira Brandão, professor catedrático de clínica psiquiátrica, diretor do hospício e também diretor do novo serviço. Segundo Teixeira (1999), no ano anterior ao surgimento do pavilhão, o decreto n. 896 de 29 de junho de 1892 instituía dois tipos de pacientes: os pensionistas e os gratuitos. Em seguida, o decreto n. 1.559 de 7 de outubro de 1893 — que também ampliava o número de médicos no hospício e incluía os cargos de oftalmologista e diretor sanitário — fundava o Pavilhão de Observação, um serviço de avaliação preliminar dos pacientes que se apresentavam para serem internados (VENÂNCIO, 2003). O pavilhão objetivava acolher os pacientes com atendimento gratuito, suspeitos de alienação mental, que ali chegavam por meio das autoridades públicas. Estava exclusivamente destinado à clínica psiquiátrica e de moléstias mentais da Faculdade de Medicina. “O professor de clínica psiquiátrica era pago pela Assistência a Alienados, e devia residir numa casa vizinha ao hospício, com a incumbência de atender aos doentes do pavilhão a qualquer hora que fosse solicitado” (TEIXEIRA, 1999, pp. 222-3). Ao menos desde 1896 procedia-se a anotações em livros de observações clínicas dos pacientes desse pavilhão. Posteriormente, seguindo a Lei de Assistência aos Alienados de 1903, tais observações passaram a ser formalizadas “num registro de internação, que exigia a anexação de todos os dados pessoais, descrição fisionômica e sinais característicos, além de fotografia do “suspeito de alienação”. A relação entreciência e assistência se reorganizou logo no início do século XX. Em 1903, Juliano Moreira foi nomeado para a direção do hospício. A direção do hospício deixava assim de ser exercida pelo professor catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Essa separação de funções produzia, aparentemente, uma imagem de ruptura entre ciência e assistência pública. No entanto, ela fortaleceu a preeminência das diretrizes da política assistencial, em detrimento da produção de uma ciência psiquiátrica brasileira academicamente autônoma (VENÂNCIO, 2003). Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 24 Do ponto de vista da política assistencial, a nomeação de Juliano Moreira para a direção do hospital de alienados e as reformas que lá empreendeu, coadunavam-se com todo um processo de reorganização espacial. Inseria-se no esforço de saneamento e assistência à saúde que a cidade do Rio de Janeiro vivia durante a administração do prefeito Pereira Passos e a gestão de Oswaldo Cruz como diretor geral de Saúde Pública (PORTOCARRERO, 2002). Nos anos 1920 e 1930, o ideário psiquiátrico preventivista seria fortemente sustentado pela Liga Brasileira de Higiene Mental, com os psiquiatras identificando- se cada vez mais como higienistas, ao mesmo tempo que concediam um sentido específico à higiene mental. Inicialmente considerada uma aplicação do conhecimento psiquiátrico, ela foi alçada à condição de teoria geral, fundada na ideia de eugenia1, que devia conter e orientar a prática psiquiátrica (COSTA, 1981, p. 79). Nesse sentido, a política assistencial fundada na ideia de higiene mental ensejava a criação de campanhas, serviços abertos, ambulatórios, de modo a dar conta de sua entrada e permanência na sociedade. Segundo Cunha (1986 apud Venâncio, 2003), havia nesse período um abandono da defesa do grande hospício como modelo assistencial, embora possamos constatar sua permanência como lugar de degradação. Assim, ainda que caótico, o modelo assistencial asilar não foi extinto. Ao contrário, o asilo parecia permanecer como elemento importante para, também em seu interior, alojar a população-alvo da política de higiene mental. Ele passava a ser ampliado numérica e conceitualmente, como demonstrava a crescente inauguração dessas estruturas institucionais e a incorporação em seu campo semântico da figura dos asilos-colônias. Medeiros (1977) lembra que nos anos 1912 a 1920 foram criadas a Colônia de Engenho de Dentro, a Colônia de Jacarepaguá e o Manicômio Judiciário, e até fins dos anos 1930, difundiu-se o modelo asilar com a construção de novos pavilhões nas colônias já inauguradas. Em 1934, terminava a construção do Pavilhão Rodrigues Caldas, com capacidade para 120 doentes, posteriormente incorporado ao Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil. A Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, deve ser ressaltada como marcante, já que foi uma das primeiras referências da perspectiva 1 Ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e melhoramento genético da espécie humana (FERREIRA, 2004). Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 25 psicoterápica no Brasil, num momento em que os métodos psiquiátricos mostravam- se dominantes (SANTOS, 2008). A “Liga Brasileira de Higiene Mental” foi fundada em 1923, por Riedel, com o objetivo de prestar assistência ao doente mental. Esse objetivo inicial, entretanto, foi sendo alterado e as metas da liga passaram a enfatizar a profilaxia e a educação de indivíduos, transferindo a preocupação da cura para prevenção, o que teria sido um avanço não fosse essa preocupação pautada nas ideológicas eugênicas. Sob essa perspectiva, a Psiquiatria pretendia exercer controle sob as problemáticas pelo ordenamento do espaço urbano. Tinha autoridade para punir e banir os desajustados. Buscaram combater o alcoolismo, o jogo, a prostituição e o crime. A doença mental era sinônimo de criminalidade, fazendo-se assim o pareamento entre louco e periculosidade, sempre com base na teoria da degenerescência (ORNELLAS, 1997). No que se refere à formação psiquiátrica, portanto, até meados da década de 1930, os psiquiatras produziram e reproduziram seu saber a partir das sociedades científicas e do hospício. Na condição de especialidade médica, a formação do psiquiatra estava bastante atrelada à prática desenvolvida na instituição, e foi no hospício que a Faculdade de Medicina buscou psiquiatras para o ensino no espaço acadêmico. Desse processo decorreram dois movimentos. Em primeiro lugar, o fato de o ensino ser feito a partir do hospício levava o modelo assistencial asilar vigente para dentro do locus acadêmico, reproduzindo-o, sem tomá-lo como objeto de reflexão. Em segundo lugar, observava-se uma marginalização social da psiquiatria no âmbito do conhecimento médico. “Médico de doidos, a respeito de quem se admitia nada fazer e nada saber” (Medeiros, 1977, p. 82). Essa marginalização social pode ter sido, inclusive, uma das marcas a motivar o discurso acadêmico psiquiátrico a ser tão enfático e afirmativo de sua cientificidade, procurando valorizar o psiquiatra e seu conhecimento (VENÂNCIO, 2003). A falta de recursos eficazes para o tratamento dos doentes, e a pobreza de sua clientela, determinou a progressiva deterioração e declínio dos hospícios, ainda que o aumento da população enferma exigisse a expansão do sistema (ORNELLAS, 1997). Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 26 Ainda entre os anos 1920 e 1930, deu-se o primeiro esforço de reforma do modelo psiquiátrico: Juliano Moreira e Ulisses Pernambucano foram os primeiros artífices. Ulisses diferenciou os serviços de psicóticos agudos dos crônicos, instituiu um serviço aberto para tratamento em regime de pensão livre, criou um sistema de educação especial e um serviço de saúde mental. À medida que a falta de remédios específicos para os enfermos psiquiátricos continuava, o processo de degradação da assistência psiquiátrica pública no Brasil, tal como no resto do mundo, se aprofundava. A degradação só poderia ser detida com a descoberta de fármacos psicotrópicos, que possibilitaram o efetivo enfrentamento das enfermidades mentais. Foi a revolução psicofarmacológica. À penicilina, que tratava efetivamente a sífilis, acrescentaram-se os neurolépticos e os antidepressivos, que transformavam os portadores das grandes psicoses em pacientes ambulatoriais (ORNELLAS, 1997). Mas tal avanço implicou outro problema: a assistência psiquiátrica pública se dividiu em duas: a assistência patrocinada pelo Estado e aquela mantida pela previdência social pública, que se multiplicou movida única ou predominantemente pela busca de lucro. O doente mental se transformou em uma fonte inesgotável de lucro para empresários que viviam dessa condição. No plano da assistência pública direta, a tônica do enfrentamento desse problemaresidiu na tentativa de ambulatorização do tratamento. O Serviço Nacional de Doenças Mentais, desde a primeira gestão, do Professor Jurandyr Manfredini, encetou outra tentativa de reforma, elegendo como principal meta a substituição da hospitalização pela assistência ambulatorial (ORNELLAS, 1997). A Internação Psiquiátrica no Brasil produziu seus efeitos: no fim da década de 50, os Hospícios estavam com lotação muito acima da sua capacidade, como por exemplo, o Juqueri, em São Paulo, com quase 15 mil pessoas, ou o São Pedro, em Porto Alegre, com 3.200 internos, quando as vagas eram 1.700 (PINTO, 2004). Foi no quadro descrito acima que, em 1944, foi trabalhar no então chamado Centro Psiquiátrico Nacional do Rio de Janeiro, a psiquiatra Nise da Silveira. Encontrou como práticas dominantes o eletrochoque, o coma insulínico e a lobotomia. Nise da Silveira conhecia a obra de Carl Gustav Jung, o que proporcionou que levantasse questões incômodas para a época e ainda para os dias em que Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 27 vivemos: os sintomas e as produções do inconsciente das pessoas com diagnósticos de psicose fazem sentido, caso se queira prestar atenção. De posse dessa compreensão e de um profundo interesse pela pessoa a ser tratada, Nise organizou, em 1946, o Serviço de Terapêutica Ocupacional no referido Hospício. Utilizando técnicas de pintura, modelagem e xilogravura, Nise proporcionou aos internos um oásis de humanidade e criatividade em meio à destruição do ambiente hospitalar. Mostrou, com repercussão internacional, tendo como base as obras que os pacientes criavam, que os métodos tradicionais da psiquiatria caracterizavam uma violência aniquiladora. Em meio à incompreensão e falta de recursos, continuou com seu trabalho, já um verdadeiro movimento, com diversos colaboradores. Viu surgir, dentre os internados, artistas cujas obras estão entre as mais importantes do século XX no Brasil, como as de Fernando Diniz e Carlos Pertuis. Nise da Silveira não teve, no seu tempo de atuação, ação no sentido de mudanças amplas na organização da Assistência à Saúde Mental. A época estava ainda longe disso. Mas, com seu trabalho que indica a aproximação pessoal e artística com as pessoas com diagnósticos de psicose, revolucionou, pelo exemplo, pelas publicações e pela organização do Museu de Imagens do Inconsciente, a face da Saúde Mental no Brasil. Hoje, o antigo “Hospício de Pedro II” tem o nome de “Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira”. Nos anos 1950 e 1960, esses recursos se multiplicaram, principalmente em unidades sanitárias e anexos de hospitais psiquiátricos públicos. A principal crítica a esse sistema era a manutenção da segregação do enfermo e da enfermidade psiquiátrica, além dos cuidadores da rede de assistência. Os Colóquios de Psiquiatria Assistencial e Preventiva que se davam nos congressos da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental do Brasil testemunharam esse esforço, que não foi adiante porque o Estado Brasileiro era privatista nessa área. Por isso, na assistência previdenciária, o processo correu na direção oposta: a hospitalização foi priorizada unicamente porque era mais lucrativa para quem a promovia. Esse fato se refletiu na assistência pública direta, uma vez que se transformou em paradigma terapêutico na consciência social e na ideologia de Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 28 muitos terapeutas. Deu-se também o fenômeno de transferência de pacientes desospitalizados na rede pública para serem internados em serviços credenciados pela previdência social pública. Essa situação foi muito agravada pela instituição da ditadura militar e pelo avanço ideológico neoliberalista (ORNELLAS, 1997). Paulo Amarante situa o “Início do movimento da reforma psiquiátrica” entre os anos de 1978 e 1980. No seu modo de ver, “[...] o movimento da reforma psiquiátrica brasileira tem como estopim o episódio que fica conhecido como a Crise da DINSAM” (Divisão Nacional de Saúde Mental). (AMARANTE, 1995, p. 51). Em abril de 1978, um episódio de denúncia de falta de condições humanas e de trabalho, no então já denominado Centro Psiquiátrico Pedro II, o velho hospício do Engenho de Dentro, resultou em apoios políticos e notícias na imprensa. Os principais pontos de denúncia e reivindicação eram: péssimas condições de trabalho, falta de garantias trabalhistas, ameaças a profissionais e pacientes, agressões, estupros, trabalho escravo. Com a derrocada da ditadura, criaram-se condições para uma reação mais eficaz. Era o início da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 29 UNIDADE 4 - A REFORMA PSIQUIÁTRICA E OS DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS DA SAÚDE MENTAL A saúde mental brasileira nas décadas de 1979 a 1999, passou por transformações através de avanços que constituíram e constituem o processo contemporâneo desta prática. No âmbito social e político, Santos (1997) atesta um estado pós-moderno dos acontecimentos através dos denominados Novos Movimentos Sociais (NMSs), presentes em todo o mundo, principalmente nas décadas de 70 e 80, de forma mais ou menos intensa conforme o estágio de desenvolvimento econômico local. Os NMSs são os movimentos tipicamente pós-industriais que denunciam as formas de opressão cotidianas contidas na violência, na poluição, no sexismo, no racismo e no produtivismo, dentre outras formas de exclusão. Para Santos (1997, p. 258), os NMSs trazem como “novidade maior tanto uma crítica da regulação social capitalista como uma crítica da emancipação social socialista tal como foi defendida pelo marxismo”. Assim denunciando ‘com uma radicalidade sem precedentes os excessos de regulação da modernidade’ e contribuindo para a construção, no dizer deste autor, de uma equação que comungue simultaneamente ‘subjetividade, cidadania e emancipação’. Nesse contexto, a América Latina destacava-se dos demais países periféricos e semiperiféricos com relação a atuação dos NMSs, sendo que aqui estes movimentos eram peculiarmente ‘nutridos por inúmeras energias’ que compilavam desde reivindicações pós-materialistas a lutas por condições básicas de sobrevivência, diferentemente do que se passava nos países centrais onde os movimentos eram ‘puros’ ou bem definidos. Com relação ao Brasil particularmente, lembrando que estávamos no momento político de luta pela transição democrática pós-ditadura e esse movimento, os NMSs tiveram um notável florescimento. Vale situar esse momento crucial para a transformação da sociedade brasileira, denominado por Sader (1990) como entre o velho e o novo. O ponto de partida da transição hoje é claro: uma ditadura militar permeada por uma ideologia Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzidaou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 30 de segurança nacional favorável ao grande capital monopolista e financeiro nacional e internacional (GUIMARÃES et al, 2001). Assim finalizamos a década de 70 e adentramos a década de 80 com um Brasil efervescente, manifestadas as contradições e reduzido o poder ditatorial das elites dirigentes. A sociedade civil despertava de um pesadelo que durara vinte e um anos e havia muito o que ser questionado. Emergindo denúncias e indignação acerca da questão psiquiátrica no âmbito da saúde. O ponto culminante dentro do novo modelo emergente é a DESINSTITUCIONALIZAÇÃO. As condições (ou a falta de) da assistência à Saúde Mental eram semelhantes em todo o país. Com a mobilização no Rio de Janeiro, confluíram para o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Camboriú, em outubro de 1978, os movimentos que já estavam em andamento em diversos estados. Realizado pela conservadora Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o Congresso teve seu desenvolvimento politizado pela presença dos militantes do MTSM que, através da federada baiana da ABP, a Associação Psiquiátrica da Bahia, conseguiram marcar posição na plenária final e aprovar resoluções que foram tiradas nas reuniões paralelas ao evento. A privatização na área da saúde é denunciada, bem como a ausência de discussão pública a respeito dos rumos da assistência à saúde. A universidade é criticada pela sua adesão à lógica do mercado. A prática psiquiátrica em vigor é apontada como instrumento “de controle e reprodução das desigualdades sociais” (AMARANTE, 1995, p. 54). No campo político amplo, a plenária também se manifestou, com a bandeira de luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Numa demonstração da fertilidade do momento, ainda em outubro de 1978 realizou-se, no Rio de Janeiro, o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e Instituições, que lançava a instituição de formação em psicanálise, terapia de grupo e analistas institucionais, o Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições (IBRAPSI). Nele estiveram presentes Basaglia, Guattari, Robert Castel, Goffman e outros nomes representantes do pensamento crítico da área. (AMARANTE, 1995, p. 55). Revestido de uma aura de grande produção, o Congresso movimentou ainda mais o ambiente. Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 31 Logo a seguir, em janeiro de 1979, acontece em São Paulo o I Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental. É o movimento tomando corpo, aprofundando suas discussões, organizando-se de modo autônomo. Nessa altura dos acontecimentos, o que estava sendo colocado pelo MTSM, em resumo, era: • A crítica ao modelo asilar em psiquiatria. • Pressão por solução política para a questão da orientação da assistência à saúde mental. • O movimento faz parte dos setores da sociedade que lutam pelas liberdades democráticas, pela Anistia, pela livre organização de trabalhadores e estudantes (AMARANTE, 1995, p. 55). Apesar da grande repercussão, entre os profissionais de Saúde Mental, do que estava acontecendo com a mobilização em torno no MTSM, a grande imprensa mantinha-se, em geral, distante do que havia por detrás dos muros dos hospícios. A censura à imprensa permanecia em vigor e era difícil vencer a barreira do silêncio. Este quadro mudou durante e após o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, realizado em Belo Horizonte, em novembro de 1979. O Congresso foi organizado pela Associação Mineira de Psiquiatria, que já se colocava em adesão ao MTSM (CAMARANTE, 1995, p. 55). Durante o evento, Basaglia foi visitar o grande hospício de Barbacena, sobre os quais recaíam denúncias assustadoras de maus tratos, inclusive a respeito de venda de cadáveres de pacientes para faculdades de medicina. O relato emocionado de Basaglia, em palestra do Congresso, repercutiu na imprensa e durante muitos dias foi para os grandes jornais do país a situação dos hospitais psiquiátricos. Foi preciso um visitante estrangeiro, para romper o bloqueio e expor o que estava escondido pelos muros dos hospícios, pela censura e pela conivência (PINTO, 2004). Em 1979, o Brasil recebeu a visita do psiquiatra italiano Franco Basaglia, cujo discurso sobre a desinstitucionalização do aparato psiquiátrico repercutiu no meio social e político que passava por contestações e desejos de mudança em uma sociedade que vivenciava um processo de abertura após anos de regime militar ditatorial. Surge o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental –até então um NMS – que fortalecido pela sociedade civil organizada e pelas primeiras experiências de desinstitucionalização, destacadamente a experiência santista, culmina em Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. 32 1989 com o movimento de Reforma Psiquiátrica, a criação do Projeto de Lei n. 3.657 de autoria do deputado federal Paulo Delgado (PTMG) – que dispõe sobre a superação do manicômio e a construção de assistência substitutiva – e com a Luta Antimanicomial (AMARANTE E TORRE, 2001). Em janeiro de 1999, o referido projeto foi aprovado no Senado, passou por nova votação na Câmara. Em abril de 2001 foi aprovado e sancionado pelo Presidente da República, tornando-se lei. A partir da segunda metade dos anos 80, no Brasil, o movimento de transformação no campo da saúde mental passou por importantes mudanças, caracterizadas pelo surgimento de novos serviços num contexto histórico, político e conceitual emergente. A realização de duas Conferências Nacionais de Saúde Mental em 1987 e 1992, somada à inscrição da proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) na Carta Constitucional de 1988, abriram novos caminhos para a saúde pública no Brasil da “redemocratização”. Junto a esses movimentos, profissionais da saúde mental, articulados por todo o país em torno do lema “Por uma sociedade sem manicômios” (adotado no II Congresso Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental em dezembro de 1987), foram promovidas discussões e produzidas uma série de novas experiências em suas intervenções junto à loucura e ao sofrimento psíquico (AMARANTE E TORRE, 2001). Dentre estas novas experiências, destacam-se a criação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Prof. Luis da Rocha Cerqueira, em março de 1987 em São Paulo, e do primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) em Santos, no bojo das transformações mais gerais ocorridas naquele município no âmbito da saúde mental, após a histórica intervenção na Clínica Anchieta em 03 de maio de 1989. Em termos históricos, foi só a partir da década de 80 que o movimento pela Reforma Psiquiátrica no Brasil ganhou importância, tanto política como social. Para a sua implementação foi preciso inventar novos locais, instrumentos técnicos e terapêuticos, como também novos modos sociais de estabelecer relações com a loucura. O Programa de Reorientação da Assistência Psiquiátrica no âmbito da Previdência Social que foi elaborado em 1982, mostra que desse texto constam as seguintes diretrizes para um novo modelo assistencial: Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional