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CIDADE DOS MORTOS
 JUNHO 14, 2024 CHARLES AQUINO IRACEMA 
A escritora e memorialista Iracema Fernandes dá significativa
contribuição ao preservar e detalhar a história dos “Nossos
Cemitérios” em sua obra “Itaúna através dos tempos”. Com uma
escrita de fácil compreensão, mas repleta de preciosidades, ela
captura a essência e os aspectos mais íntimos do cotidiano da cidade.
No texto, a autora faz uma comparação entre “o cemitério velho e o
novo” de Itaúna, destacando aspectos históricos, arquitetônicos e
sociais.
Em seu relato sobre os cemitérios do município, Fernandes pinta um
quadro vívido do antigo cemitério, comumente chamado
de “cemitério velho” (sendo a segunda necrópole construída depois
de 1853, onde cessaram os sepultamentos no primeiro cemitério, que
se localizava no Adro da Capela no alto do Morro do Rosário),
localizado próximo à Praça da Matriz. Através de suas palavras,
somos transportados para um tempo em que o “cemitério velho” era
rodeado por um sólido muro de pedras e marcado pela presença
austera dos frades franciscanos capuchinhos — “barbôneos”.
Eles não apenas pregavam e construíam cemitérios, mas também
exerciam uma disciplina rígida — “Esses padres eram muitos severos
para pregar. Se o pecado contado em confissão fosse pesado, eles
batiam no penitente com o crucifixo que traziam, no peito”.
Fernandes descreve com minúcia a “capela arredondada de piso de
terra solta” (Capela de São Miguel e Almas), os poucos mausoléus, e as separações dentro do cemitério, onde
pagãos e suicidas eram enterrados, como o Sr. Plácido Coutinho, um renomado professor que cometeu suicídio
dentro do cemitério em 1899 (grifo nosso — o motivo deste ato, segundo “pareceristas” da época, foi pelo
fato do professor ser adepto do kardecismo organizando reuniões espíritas em sua residência).
Protestantes não eram enterrados ali, pois era “propriedade da igreja católica”, submetido ao poder eclesiástico.
Fernandes descreve ainda os encontros de famílias vizinhas nas escadas do cruzamento principal, onde o
humor e a devoção se entrelaçavam. A chegada de Donana, esposa do Coronel Zacarias Ribeiro, com suas
fervorosas orações, transformou esses encontros em momentos de profunda espiritualidade e respeito. Donana
depois das orações do “Angelus e ladainha”, tirava o rosário para invocar a Virgem da Conceição por todos seus
familiares — “debulhava as 150 jaculatórias do rosário”.
Um detalhe marcante era a sepultura do filho de Sidney Drumond, decorada com um retrato do menino sorrindo
e uma quadrinha gravada na lousa. Uma árvore de jurubeba cresceu ao lado dessa sepultura, cujas flores lilás
foram deixadas por serem consideradas poéticas pelo saudoso pai.
Ao tratar do novo cemitério (terceira necrópole do município), inaugurado em 1922, a escritora destaca as
mudanças na infraestrutura e nos costumes funerários. A primeira pessoa enterrada, Anita Soares Nogueira,
esposa do Dr. Lincoln Nogueira Machado, chegou a Itaúna após um difícil traslado de Vitória, Espírito Santo, em
meio às celebrações pela visita do Rei Alberto da Bélgica.
É importante destacar que a construção do novo cemitério em Itaúna marcou um passo significativo na evolução
social e religiosa da cidade, corrigindo práticas anteriores de intolerância religiosa e promovendo um espaço
mais inclusivo para todos os cidadãos, independentemente de suas crenças.
Registra-se desde a Constituição de 1891 que os cemitérios seriam de caráter secular. Esta disposição, apesar
de várias alterações e revogações até 1988, manteve-se inalterada e previa que os cemitérios deveriam ter
carácter laico e estar sob a administração de a autoridade municipal. Também permitiu que grupos religiosos
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praticassem livremente os seus rituais, desde que não violassem a moral e as leis públicas. A implementação da
Constituição Republicana apenas acentuou a situação já desafiadora.
Os enterros eram limitados às instalações da Igreja Católica, resultando na exclusão de não-católicos, incluindo
protestantes, pagãos e indivíduos que morriam por suicídio. Esta prática era indicativa de um período
caracterizado por uma discriminação religiosa rigorosa, em que a ausência de atividades públicas e de um
cemitério adequado para indivíduos de diferentes religiões poderia ser percebida como uma clara demonstração
de intolerância e dominação naquela época.
Com a construção do novo cemitério, a situação mudou significativamente. Este novo espaço, concebido como
uma necrópole, permitiu que o poder público municipal assumisse um papel mais ativo na gestão dos
sepultamentos, assegurando que o local fosse democraticamente laico. Este cemitério tornou-se um símbolo de
progresso e modernidade, proporcionando um local de descanso final digno e respeitoso para todos os membros
da comunidade, independentemente de suas afiliações religiosas.
Iracema Fernandes retrata habilmente esta mudança com descrições vívidas e comoventes, sublinhando o
significado desta transformação do ponto de vista cultural e histórico. No seu retrato do intrincado processo de
realocação da esposa do prefeito, que se tornou a pessoa inaugural sepultada no recém-criado cemitério,
Fernandes dá grande ênfase ao novo significado deste espaço acessível e inclusivo, simbolizando as mudanças
sociais e políticas que foram ocorridos naquela época.
A construção do novo cemitério de Itaúna foi um marco crucial na democratização e laicização dos espaços de
sepultamento na cidade. Este avanço permitiu uma convivência mais harmoniosa entre diferentes crenças e
reafirmou o compromisso da comunidade com a igualdade e o respeito a todos os seus membros. A obra de
Iracema Fernandes é uma janela para o passado, oferecendo uma compreensão rica e detalhada da história
local. Sua habilidade de capturar a simplicidade e a profundidade dos eventos cotidianos faz de sua escrita uma
fonte valiosa para quem deseja conhecer a verdadeira essência dos habitantes do município. 
A inclusão desde os simples túmulos até os luxuosos mausoléus, simbolizando a contínua devoção dos
moradores, agora, todas as famílias, independentemente de suas crenças, poderiam enterrar seus entes
queridos com a dignidade que mereciam — “é lindo ver tantas flores, tantas orações subindo, como incenso
suave até Deus”. Em suma, a escritora destaca a transformação dos costumes funerários e a evolução dos
cemitérios do arraial de Sant’Ana do Rio São João Acima, hoje Itaúna, Minas Gerais, sublinhando aspectos
religiosos e culturais que marcaram a memória da cidade e nos apresenta o novo cemitério como uma "cidade
dos mortos".
 
"Cemitério Velho" 
 Referencias:
Pesquisa, arte, elaboração: Charles Aquino
Fotografia: Tirada do mausoléu do Cemitério Central de Itaúna em 20/03/2019
Acervo imagem: Instituto Cultural Maria de Castro Nogueira
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Bibliografia: SOUSA, Iracema Fernandes de. Itaúna através dos tempos, Ed. LEMI S.A., BH, 1984, págs. 32-
33. 
MOREIRA, Lúcio Aparecido. As fontes do medo na educação: estudo de caso de uma Escola construída onde
existiu um cemitério. Belo Horizonte, 2013, p.23-26
FONSECA, Luís Gonzaga, org.: Itaúna humana e pitoresca, 1961, p.83, 84.
Emendas à Constituição Federal de 1891. Disponível
em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc%20de%203.9.26.htm#art5
Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926. Disponível
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Decreto-lei nº 1.770, de 25/06/1946. Disponível em: https://www.almg.gov.br/legislacao-
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 Leis Constitucionais, 10 de novembro 1937. Disponível
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Câmera do Deputados. Legislação Informatizada - Constituição de 1891 - Publicação Original. Disponível
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Itaúna Décadas. Professor Plácido Teixeira Coutinho: Atitude educativa e falência da esperança.
Disponível em: https://itaunaemdecadas.blogspot.com/2016/07/o-suicidio-de-um-professor-em-itauna-no.html 
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Itaúna Décadas. Cemitério Antigo. Disponível em:
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Itaúna Décadas. Igreja Batista de Itaúna. Disponível
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