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EMOÇÕES NA POLITICA1 
 
Dra. Maria Susana Arrosa Soares (UFRGS) 
 
Foi somente em meados do século XX que as pesquisas sobre o cérebro 
comprovaram que as decisões tomadas pelos indivíduos, nas mais diversas esferas 
de sua vida, não resultam da razão ou de minuciosas reflexões. Eles, por outro lado, 
supõem que suas decisões são sempre racionais e analíticas – e que as emoções em 
nada interferem nelas. 
O psicólogo e economista Daniel Kahneman, prova o contrário: desde o 
momento em que abrem os olhos pela manhã, até o final dia, os indivíduos tomam 
incontáveis decisões de forma automática. Desde a hora de despertar, o desjejum, a 
escolha da roupa, o meio de transporte, os horários das atividades até o filme que 
assistirão à noite e na companhia de quem são decisões tomadas de forma não 
consciente; não resultam de razões, cálculos ou escolhas lentamente avaliadas e 
escolhidas. Suas emoções, gostos, lembranças e memórias de experiências (sejam 
elas positivas ou negativas), condicionam suas decisões sem que eles tenham 
consciência disso. 
Os avanços ocorridos na área da neurociência, principalmente a partir da 
segunda metade do século passado, e graças às pesquisas realizadas pelo 
neurocientista português Antônio Damásio, revolucionaram o conhecimento sobre 
funcionamento do cérebro. Elas comprovaram que as emoções, e não a razão, são 
a origem das decisões tomadas pelos indivíduos. 
Contrariamente à supremacia, até anos recentes atribuída à razão para explicar 
o comportamento humano, a origem das decisões é emocional. As emoções nascem 
na amigdala cerebral e sua natureza é hormonal – e não racional. Após uma milésima 
fração de tempo, a emoção chega ao córtex pré-frontal do cérebro, ativando a 
racionalidade do indivíduo. A partir de então, desenvolve-se o processo que ativa a 
razão que conduz à toma de decisões de forma consciente. 
 
 
“Penso logo existo” ... Será? 
 
A concepção cartesiana de que “penso, logo existo” foi substituída pela 
expressão “homo sentimentalis” criada pelo escritor Milan Kundera. A emoção 
passou a ocupar o lugar até então atribuído à razão na explicação e justificativa dos 
comportamentos, escolhas e atitudes dos indivíduos. Decisões no âmbito 
privado, nas relações interpessoais, na política, nos gostos, preferências culturais 
 
1 Publicado em 15/11/2023. 
 
 
e escolha de bens e produtos de consumo, são gestadas no âmbito das emoções dos 
indivíduos. Sem perceber, os indivíduos são movidos por suas emoções. 
Emoções individuais universais, tais como o medo, a ira, a surpresa, a tristeza, 
o desprezo, a alegria e o asco, são a origem de manifestações e comportamentos 
como a fuga, a luta, o sorriso, as lágrimas, o grito. Elas podem ser percebidas por 
outras pessoas, pois, expressam-se através de reações e movimentos corporais. A 
observação do comportamento de alguém tomado por uma forte emoção permite 
perceber o bloqueio por ela exercido na racionalidade do indivíduo. Sua 
comunicação com o objeto dessa emoção (o outro) é interrompida, dada a 
dificuldade de raciocinar e expressar os motivos de sua ação. 
No campo da política, todavia, é pouco frequente a menção ao poder das 
emoções nas escolhas e nos comportamentos políticos dos cidadãos. Quando 
mencionadas, em geral, é para desqualificar ou atacar a fala ou as ações do 
oponente. As opiniões de uma pessoa julgada excessivamente “emocional” são 
consideradas pouco razoáveis, consequentemente, uma pessoa pouco confiável. 
No sentido comum ainda predomina a crença que todo cidadão adulto – sejam 
eles eleitores, autoridades ou líderes políticos-, age de forma racional ao assumir 
posições políticas, tomar decisões e escolher lideranças que o 
representem. Considera-se que tais decisões são tomadas após refletir e realizar 
criteriosas avaliações sobre os programas dos partidos, o currículo dos candidatos 
ou suas propostas de trabalho. Entretanto, a realidade está distante disso. Escolhem-
se os candidatos quando eles representam os valores dos indivíduos, reafirmem suas 
crenças e dirijam-se a seus sentimentos. 
Apesar do poder exercido pelas emoções, particularmente, nas escolhas 
eleitorais, elas têm merecido pouca atenção dos políticos, de pesquisadores, 
especialistas em comunicação e dos partidos políticos. As instituições mais atentas 
ao papel das emoções no âmbito eleitoral têm sido as empresas de marketing, 
especialistas em comunicação, cientistas políticos e sociólogos. 
Na atualidade, consultoras nacionais e estrangeiras, com atuação na área de 
marketing eleitoral, começaram a incorporar neurocientistas em suas equipes de 
consultores. Elas já comprovaram que, para conquistar votos, é preciso primeiro 
chegar ao coração dos eleitores e depois conquistar sua mente. 
A neuropolítica, de surgimento recente, vem desenvolvendo estudos dirigidos 
à criação de estratégias políticas que utilizem recursos da neurociência para 
influenciar as decisões políticas dos cidadãos. A escolha de temas, recursos visuais, 
trilhas sonoras emocionantes, gestos e linguagens persuasivas têm sido objeto de 
cuidadosas avaliações para impactar a população que se pretenda seduzir e 
conquistar. 
O coração do eleitor tem mais força do que sua mente quando ele está sozinho 
defronte à urna para depositar seu voto. 
 
 
Entre todas as emoções... o ódio! 
 
Em tempos de redes sociais e emoções à flor da pele, as manifestações de ódio 
têm-se pelo mundo. Esta emoção, também de origem neuronal, e diferente das 
emoções individuais, é social. O indivíduo necessita encontrar um sujeito ou objeto 
para odiar; um “outro imaginário”, percebido como uma ameaça à paz e à segurança 
dele e do grupo ao qual pertence e com o qual se identifica. 
O ódio tem sua origem no medo aos “diferentes”. Expressões do ódio são o 
racismo, a homofobia, misoginia, xenofobia, aporofobia (medo dos pobres). Os 
negros, os indígenas, os homossexuais, as mulheres, os pobres e as pessoas em 
situação de rua são objetos do ódio dos “odiadores” – que, por sua vez, tem a certeza 
de serem por eles odiados. 
Os indivíduos, todavia, não nascem odiando; eles são ensinados a odiar. A 
inculcação do ódio pode ter origem familiar, na escola, na universidade, no futebol, 
nas igrejas, nos partidos políticos e, na atualidade, nas redes sociais. A criança 
aprende a odiar aos que são odiados pelos adultos, que ama e com os quais convive, 
ou por “referentes” sociais que admiram. 
O nascimento do ódio é invisível. Ironias, piadas com duplo sentido, palavras 
ou expressões humilhantes, estereótipos ou imagens vulgares, nem sempre com 
intenção consciente de ofender ou humilhar alguém, são germes do ódio. 
O ódio embaça a visão de quem odeia e inibe o nascimento da empatia para 
com os que pertencem a grupos “diferentes”. O ódio conduz à ignorância ativa, ao 
“não se querer saber” nada sobre eles, o que os invisibiliza e, muitas vezes, leva a 
seu aniquilamento. 
As expressões de ódio quando adquirem visibilidade, gradualmente crescem 
em violência. As mentiras, as campanhas de difamação, calúnias e fake news são 
estratégias no combate ao “inimigo” que, quando extremas, podem chegar a sua 
eliminação física. 
O ódio, frequentemente, utilizado na política, no marketing político e até em 
movimentos sociais. A criação de “inimigos imaginários” nas disputas pelo poder 
político transforma os discursos de ódio em ferramenta política e as redes sociais 
como veículo de difusão. 
Vive-se tempos nervosos nos quais pesam mais as emoções que a realidade. 
 
 
 
Referências: 
 
AIRA, Toni. La política de las emociones. Espanha, ARPA § Alfil Editores, 
2020. 
 
 
 
DAMÁSIO, Antonio. O erro de Descartes. Brasil, Companhia das Letras, 2012. 
 
DAVIES, William. Estados nerviosos. Tradução: Vanesa Grcia Cazorla. México, 
Editorial Sexto Piso, 2019. 
 
GALLEGO, Esther Solano (Org). O ódio como política:a Reinvenção das 
Direitas no Brasil. Brasil, Editorial Boitempo, 2012. 
 
PALLARES, Adolfo Tobeña. Neuropolítica Espanha, Autor-Editor, 2018