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É preciso, na verdade, acrescentar aulas, muitas aulas, a certos jornalistas brasileiros. E os manuais de redação estão aí pelas livrarias, pretendendo “ensinar” normas da língua. É o fim da picada. acessório É a palavra que significa complemento, detalhe. Eis, todavia, o que se leu num jornal paulistano, alguns dias depois da queda de Saddam Hussein: Adolescentes, adultos e velhos — homens de todas as idades — fazem fila nas barbearias de Bagdá para se livrar dos bigodes, “assessório” quase oficial nos tempos do ex-ditador. E os manuais de redação? E dizer que tais manuais pretendem “ensinar” alguma coisa… é de “se” esperar que… Não se usa o pronome se entre a preposição e o infinitivo quando este conjunto equivaler a um adjetivo (de esperar = esperável ou esperado). Num dos editoriais de um grande jornal paulista se viu isto: Era de “se” esperar que o realismo administrativo produzisse choques frontais contra as utopias voluntaristas dos grupos radicais do PT. Esta é de outro jornalista: Como era de “se” esperar: o PT está aparelhando o Estado brasileiro e politizando a administração. Sempre é de esperar que os jornalistas, um dia, evoluam, aprendam a escrever. Afinal, é do homem evoluir… Entre “eu” e ela há muito amor Desconfie sempre de quem diz ou escreve “entre eu”. Desconfie sempre! Eu só se usa antes de verbo (claro ou subentendido); as preposições pedem mim. Portanto: Entre mim e ela há muito amor. *** Nunca mais vai haver paz entre mim e essa gente. Numa coordenação desse tipo, a prioridade é sempre para a primeira pessoa, principalmente quando um dos elementos coordenados possui certa extensão. Por exemplo: Entre mim e todos aqueles que me ajudaram a sair daquele inferno, que é o Vietnã, sempre existiu mais do que solidariedade humana. Recentemente, um jornalista de uma famosa rede de televisão foi assaltado no Rio de Janeiro por quatro meliantes. Mesmo sem resistir, levou uma bala, que passou rente a sua orelha esquerda, sem atingi-lo. Considerando o fato um verdadeiro milagre, reagiu, mas só algumas horas depois, declarando: Tenho certeza de que Deus estava entre a bala e “eu”. Compreendeu-se a sua emoção (muito maior de quando apresenta os Big Brothers da vida), mas só… “pseuda penalidade” Pseudo- é prefixo e, como tal, elemento invariável. Sendo assim, não pode haver “pseuda”, “pseudos”, “pseudas”. Esse prefixo só exige hífen antes de palavras iniciadas por o (pseudo-oferenda) ou por h (pseudo-herói). Fora daí, não há hífen. Portanto, escrevemos: pseudoliderança, pseudodirigente, pseudociência, pseudopoeta, pseudopenalidade, pseudopunição, etc. Os narradores esportivos é que apreciavam muito dizer “pseuda penalidade”, “pseudos árbitros”, “pseuda liderança”, “pseudos dirigentes”, “pseuda infração”. Na ânsia de mostrarem erudição, acabavam enfiando os pés pelas mãos. Se pseudo- é prefixo, e não adjetivo, jamais poderá haver a forma “pseudamente”, já que o elemento -mente se pospõe a adjetivos no feminino. Eis, no entanto, o que se leu no editorial de um tradicional jornal paulistano: Errar, todos os partidos erram. O problema do PT é ver virtudes onde existe erro, quando o erro é seu. Os outros estão sempre errados, jamais o PT. O secretário de Comunicação, Luiz Gushiken, não apenas considerou injustas as críticas que têm sido feitas ao governo, como tentou dar uma justificativa “pseudamente” científica para o aparelhamento do Estado. Errar, todo o mundo erra. Até eu. (Era assim que deveria ter começado o editorial…) manter / deter / conter / entreter / obter / reter Todos são verbos derivados de ter e por ele se conjugam: Você é um desonesto: não manteve a palavra! *** Se ele mantiver a palavra, farei o negócio. *** O patrulheiro deteve o motorista bêbado. *** O povo não conteve a insatisfação e vaiou o presidente. *** Um dos ladrões entretinha o guarda, enquanto o outro roubava. *** O ministro voltou dos EUA dizendo que não obteve novo empréstimo. *** Retiveram toda a arrecadação da partida. Há os que usam “manteu”, “mantesse”, “deteu”, “conteu”, “entretia”, “obteu”, “reteram”, etc. Há também até certos autores e professores que defendem essas formas. É, de uns tempos para cá, o mundo anda perigoso, muito perigoso… Num jornal paulistano: O técnico e o vice-presidente do Corinthians “manteram” dois contatos sigilosos. No mesmo jornal: Se o governo “manter” a correção da tabela, terá o aplauso do setor industrial. Merece aplauso jornalista desse tipo? “desmistificar” a matemática Nem mesmo o mais sábio dos homens consegue tamanha proeza! Quem faz ver uma coisa como ela realmente é desmitifica a coisa, e não “desmistifica-a”. Desmistificar é desmascarar. A gente precisa aprender a desmistificar todos esses charlatães esotéricos que pululam por aí, tungando os incautos. A política e a vida vivem desmistificando demagogos e corruptos. É preciso desmistificar o câncer de mama e incentivar o autoexame. No jogo do amor, é preciso desmistificar a ideia de que os homens não gostam de se envolver e as mulheres estão sempre insatisfeitas. Não faz muito, leu-se num jornal universitário: A perspectiva de que um novo modelo poderia ter mais sucesso na condução da política econômica norteou também o apoio de empresários de vários setores ao candidato petista. Em uma economia globalizada, boa parte da sobrevivência econômica depende de criar competitividade. Neste cenário, muitos empresários notaram que o modelo neoliberal não era mais o adequado. Parte destes empreendedores começou a ver o modelo de Lula como uma alternativa viável de crescimento econômico, ao privilegiar o mercado interno. Assim, passou-se a desmistificar a figura de Luiz Inácio, não mais visto como o líder de uma ruptura radical com o mercado internacional, como o patrocinador do caos. Perfeito. Passemos, agora, aos imperfeitos. Recentemente, uma editora lançou uma obra sobre cálculos financeiros para todo o sistema bancário. A propaganda veio assim: A obra procura “desmistificar” toda problemática do cálculo e torna possível aos menos versados na arte do cálculo, com a utilização da Calculadora HP12C a conclusões espetaculares. Num grande jornal paulista, se leu certa vez esta declaração de uma veterinária: Temos de “desmistificar” o leite de cabra, que ainda é visto como remédio. empresas “laranjas” Todo e qualquer substantivo usado em função adjetiva se torna invariável. Assim, temos: empresas laranja, empresas fantasma, promoções surpresa, sequestros relâmpago, crianças prodígio, operários