Buscar

Luiz Antonio Sacconi - Não Erre Mais-265-267

Prévia do material em texto

É	 preciso,	 na	 verdade,	 acrescentar	 aulas,	 muitas	 aulas,	 a	 certos
jornalistas	brasileiros.	E	os	manuais	de	 redação	estão	aí	pelas	 livrarias,
pretendendo	“ensinar”	normas	da	língua.	É	o	fim	da	picada.
acessório
É	a	palavra	que	significa	complemento,	detalhe.	Eis,	todavia,	o	que	se
leu	 num	 jornal	 paulistano,	 alguns	 dias	 depois	 da	 queda	 de	 Saddam
Hussein:	Adolescentes,	adultos	e	velhos	—	homens	de	todas	as	idades	—
fazem	 fila	 nas	 barbearias	 de	 Bagdá	 para	 se	 livrar	 dos	 bigodes,
“assessório”	quase	oficial	nos	tempos	do	ex-ditador.
E	 os	 manuais	 de	 redação?	 E	 dizer	 que	 tais	 manuais	 pretendem
“ensinar”	alguma	coisa…
é	de	“se”	esperar	que…
Não	se	usa	o	pronome	se	entre	a	preposição	e	o	infinitivo	quando	este
conjunto	equivaler	a	um	adjetivo	(de	esperar	=	esperável	ou	esperado).
Num	dos	 editoriais	 de	 um	grande	 jornal	 paulista	 se	 viu	 isto:	Era	de
“se”	esperar	que	o	realismo	administrativo	produzisse	choques	frontais
contra	as	utopias	voluntaristas	dos	grupos	radicais	do	PT.
Esta	 é	 de	 outro	 jornalista:	 Como	 era	 de	 “se”	 esperar:	 o	 PT	 está
aparelhando	o	Estado	brasileiro	e	politizando	a	administração.
Sempre	é	de	esperar	que	os	jornalistas,	um	dia,	evoluam,	aprendam	a
escrever.	Afinal,	é	do	homem	evoluir…
Entre	“eu”	e	ela	há	muito	amor
Desconfie	 sempre	 de	 quem	 diz	 ou	 escreve	 “entre	 eu”.	 Desconfie
sempre!
Eu	só	 se	usa	 antes	de	verbo	 (claro	ou	 subentendido);	 as	preposições
pedem	mim.	Portanto:	Entre	mim	e	ela	há	muito	amor.	***	Nunca	mais
vai	haver	paz	entre	mim	e	essa	gente.
Numa	coordenação	desse	 tipo,	a	prioridade	é	sempre	para	a	primeira
pessoa,	 principalmente	 quando	 um	 dos	 elementos	 coordenados	 possui
certa	 extensão.	 Por	 exemplo:	 Entre	 mim	 e	 todos	 aqueles	 que	 me
ajudaram	a	sair	daquele	inferno,	que	é	o	Vietnã,	sempre	existiu	mais	do
que	solidariedade	humana.
Recentemente,	 um	 jornalista	 de	 uma	 famosa	 rede	 de	 televisão	 foi
assaltado	 no	Rio	 de	 Janeiro	 por	 quatro	meliantes.	Mesmo	 sem	 resistir,
levou	uma	bala,	que	passou	 rente	a	 sua	orelha	esquerda,	 sem	atingi-lo.
Considerando	 o	 fato	 um	 verdadeiro	 milagre,	 reagiu,	 mas	 só	 algumas
horas	depois,	declarando:	Tenho	certeza	de	que	Deus	estava	entre	a	bala
e	“eu”.
Compreendeu-se	a	sua	emoção	(muito	maior	de	quando	apresenta	os
Big	Brothers	da	vida),	mas	só…
“pseuda	penalidade”
Pseudo-	é	prefixo	e,	como	tal,	elemento	invariável.	Sendo	assim,	não
pode	haver	“pseuda”,	“pseudos”,	“pseudas”.
Esse	prefixo	só	exige	hífen	antes	de	palavras	iniciadas	por	o	
(pseudo-oferenda)	 ou	 por	 h	 (pseudo-herói).	 Fora	 daí,	 não	 há	 hífen.
Portanto,	escrevemos:	pseudoliderança,	pseudodirigente,	pseudociência,
pseudopoeta,	pseudopenalidade,	pseudopunição,	etc.
Os	 narradores	 esportivos	 é	 que	 apreciavam	 muito	 dizer	 “pseuda
penalidade”,	 “pseudos	 árbitros”,	 “pseuda	 liderança”,	 “pseudos
dirigentes”,	 “pseuda	 infração”.	 Na	 ânsia	 de	 mostrarem	 erudição,
acabavam	enfiando	os	pés	pelas	mãos.
Se	pseudo-	 é	 prefixo,	 e	 não	 adjetivo,	 jamais	 poderá	 haver	 a	 forma
“pseudamente”,	já	que	o	elemento	-mente	se	pospõe	a	adjetivos
no	feminino.
Eis,	 no	 entanto,	 o	 que	 se	 leu	 no	 editorial	 de	 um	 tradicional	 jornal
paulistano:	 Errar,	 todos	 os	 partidos	 erram.	 O	 problema	 do	 PT	 é	 ver
virtudes	onde	existe	erro,	quando	o	erro	é	seu.	Os	outros	estão	sempre
errados,	jamais	o	PT.	O	secretário	de	Comunicação,	Luiz	Gushiken,	não
apenas	considerou	 injustas	 as	 críticas	 que	 têm	 sido	 feitas	 ao	 governo,
como	 tentou	 dar	 uma	 justificativa	 “pseudamente”	 científica	 para	 o
aparelhamento	do	Estado.
Errar,	 todo	 o	 mundo	 erra.	 Até	 eu.	 (Era	 assim	 que	 deveria	 ter
começado	o	editorial…)
manter	/	deter	/	conter	/	entreter	/	obter	/	reter
Todos	são	verbos	derivados	de	 ter	e	por	ele	se	conjugam:	Você	é	um
desonesto:	não	manteve	a	palavra!	***	Se	ele	mantiver	a	palavra,	farei
o	negócio.	***	O	patrulheiro	deteve	 o	motorista	 bêbado.	***	O	 povo
não	 conteve	 a	 insatisfação	 e	 vaiou	 o	 presidente.	 ***	Um	 dos	 ladrões
entretinha	o	guarda,	enquanto	o	outro	roubava.	***	O	ministro	voltou
dos	EUA	dizendo	que	não	obteve	novo	empréstimo.	***	Retiveram	toda
a	arrecadação	da	partida.
Há	os	que	usam	“manteu”,	“mantesse”,	“deteu”,	“conteu”,	“entretia”,
“obteu”,	“reteram”,	etc.	Há	também	até	certos	autores	e	professores	que
defendem	 essas	 formas.	 É,	 de	 uns	 tempos	 para	 cá,	 o	 mundo	 anda
perigoso,	muito	perigoso…
Num	jornal	paulistano:	O	técnico	e	o	vice-presidente	do	Corinthians
“manteram”	dois	contatos	sigilosos.
No	mesmo	jornal:	Se	o	governo	“manter”	a	correção	da	tabela,	terá	o
aplauso	do	setor	industrial.
Merece	aplauso	jornalista	desse	tipo?
“desmistificar”	a	matemática
Nem	 mesmo	 o	 mais	 sábio	 dos	 homens	 consegue	 tamanha	 proeza!
Quem	faz	ver	uma	coisa	como	ela	realmente	é	desmitifica	a	coisa,	e	não
“desmistifica-a”.
Desmistificar	é	desmascarar.	A	gente	precisa	aprender	a	desmistificar
todos	 esses	 charlatães	 esotéricos	 que	 pululam	 por	 aí,	 tungando	 os
incautos.	 A	 política	 e	 a	 vida	 vivem	 desmistificando	 demagogos	 e
corruptos.	 É	 preciso	 desmistificar	 o	 câncer	 de	 mama	 e	 incentivar	 o
autoexame.	No	 jogo	do	amor,	é	preciso	desmistificar	a	 ideia	 de	que	os
homens	 não	 gostam	 de	 se	 envolver	 e	 as	 mulheres	 estão	 sempre
insatisfeitas.
Não	faz	muito,	 leu-se	num	jornal	universitário:	A	perspectiva	de	que
um	 novo	 modelo	 poderia	 ter	 mais	 sucesso	 na	 condução	 da	 política
econômica	norteou	também	o	apoio	de	empresários	de	vários	setores	ao
candidato	 petista.	 Em	 uma	 economia	 globalizada,	 boa	 parte	 da
sobrevivência	 econômica	 depende	 de	 criar	 competitividade.	 Neste
cenário,	muitos	empresários	notaram	que	o	modelo	neoliberal	não	era
mais	o	adequado.	Parte	destes	empreendedores	começou	a	ver	o	modelo
de	 Lula	 como	 uma	 alternativa	 viável	 de	 crescimento	 econômico,	 ao
privilegiar	o	mercado	interno.	Assim,	passou-se	a	desmistificar	a	figura
de	Luiz	Inácio,	não	mais	visto	como	o	líder	de	uma	ruptura	radical	com
o	mercado	internacional,	como	o	patrocinador	do	caos.
Perfeito.
Passemos,	agora,	aos	 imperfeitos.	Recentemente,	uma	editora	 lançou
uma	 obra	 sobre	 cálculos	 financeiros	 para	 todo	 o	 sistema	 bancário.	 A
propaganda	 veio	 assim:	 A	 obra	 procura	 “desmistificar”	 toda
problemática	do	cálculo	e	torna	possível	aos	menos	versados	na	arte	do
cálculo,	 com	 a	 utilização	 da	 Calculadora	 HP12C	 a	 conclusões
espetaculares.
Num	grande	 jornal	paulista,	 se	 leu	certa	vez	 esta	declaração	de	uma
veterinária:	Temos	de	“desmistificar”	o	leite	de	cabra,	que	ainda	é	visto
como	remédio.
empresas	“laranjas”
Todo	 e	 qualquer	 substantivo	 usado	 em	 função	 adjetiva	 se	 torna
invariável.	 Assim,	 temos:	 empresas	 laranja,	 empresas	 fantasma,
promoções	surpresa,	sequestros	relâmpago,	crianças	prodígio,	operários

Mais conteúdos dessa disciplina