Prévia do material em texto
1 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Mieloma Múltiplo Introdução O mieloma múltiplo é o principal representante das neoplasias plasmocitárias. Afeta principalmente pessoas > 50 anos, sendo mais comum no sexo masculino e em negros. Os marcos da doença são: - Plasmocitose medular: excesso de plasmócitos, que são responsáveis pela produção de imunoglobulinas + - Gamopatia monoclonal: doença pré-maligna definida por uma concentração de imunoglobulina < 3 g/dL e uma proporção de células plasmocitárias na medula óssea menor que 10%, na ausência de lesões líticas ósseas, anemia, hipercalcemia e insuficiência renal + - Lesões de órgão-alvo (anemia, lesões ósseas líticas, hipercalcemia e insuficiência renal). Patogênese A origem do clone neoplásico do mieloma múltiplo parece ser um linfócito B de memória (Essas células são formadas no tecido linfoide, o plasmablasto sai do tecido linfoide e migra para medula óssea, onde se transforma em plasmócitos, uma célula capaz de produzir anticorpos). No mieloma múltiplo, o clone neoplásico pode surgir inicialmente no tecido linfoide, porém somente na medula óssea ele terá condições para se proliferar. Dessa forma, a medula óssea se torna repleta de plasmócitos neoplásicos, algumas normais e outras com morfologia atípica: assincronia núcleo-citoplasmática (núcleo imatura, citoplasma maduro), plasmócitos grandes binucleados ou trinucleados, com vacúolos citoplasmáticos (célula de Mott). Essas células se proliferam na medula óssea, ocupando o espaço das células hematopoiéticas. Neste processo, liberam substâncias que inibem a proliferação dos eritroblastos (gerando anemia) e ativam os osteoclastos (que justifica a destruição óssea). Anomalias citogenéticas são encontradas em até 50% dos casos, incluindo monossomia do 13, trissomia do 9, translocações, deleção do p17. Manifestações Clínicas As manifestações clínicas geralmente aparecem de maneira lenta e gradual. O que não posso deixar de saber? - O termo mieloma múltiplo vem do fato da doença acometer múltiplos focos na medula óssea funcionante, presente nas costelas, coluna vertebral, esterno, clavículas, ossos do crânio, pelve e extremidades proximais. Esses ossos são fontes de dores contínuas, fraturas patológicas e lesões líticas na radiografia; - A anemia é decorrente não só da ocupação medular, mas principalmente dos fatores inibitórios da eritropoiese secretados pelas células do mieloma; - Em cerca de 80% dos casos aparecem cadeias leves na urina, as quais são chamadas de PROTEÍNA DE BENCE-JONES determina uma proteinúria significativa; - A destruição óssea contínua promove liberação de cálcio Hipercalcemia e hipercalciúria; - Apesar do total de imunoglobulinas estar bastante elevado, o nível baixo de imunoglobulinas normais encontra-se baixo, sendo um dos mecanismos principais da susceptibilidade às infecções Devemos pensar: existe uma hiperproteinemia, porém tirando o componente M, não sobra muita proteína, inclusive imunoglobulinas. Lesões esqueléticas: As lesões ósseas são extremamente comuns, principalmente onde há medula funcionante, como costelas, corpos vertebrais, calota craniana, esterno e porções proximais da cintura pélvica. Inicialmente os pacientes se queixam de dor intermitente, localizada em geral na região lombar, podendo irradiar para MMII. As fraturas patológicas são frequentes, mas predominam na coluna torácica. As alterações radiológicas características consistem sempre em lesões líticas e arredondadas. (O acometimento da coluna vertebral é representado por formações tumorais globulares, rarefação óssea e desaparecimento dos discos intervertebrais). 2 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP OBS: O principal diagnóstico diferencial é metástase ósseas oriundas de carcinomas de mama, pulmão e tireoide. 2 principais diferenças entre mieloma múltiplo e as metástases são: 1- dor óssea no mieloma é geralmente movimento- dependente; 2- lesões do mieloma múltiplo poupam os pedículos vertebrais. OBS1: As lesões ósseas do mieloma geralmente não são detectadas pela cintilografia óssea, pois a atividade osteoblástica está inibida, não havendo neoformação óssea. Os exames capazes de detectá-las são: radiografia, TC e RM, bem como PET-SCAN. OBS2: Plasmocitoma solitário: representa um tumor ósseo constituído de plasmócitos neoplásicos monoclonais. Apresenta-se como uma lesão única, cística, maior tamanho e irregular observada no mieloma. Mesmo quando estamos diante de uma lesão compatível com plasmocitoma solitário, a fim de afastar mieloma múltiplo, devemos examinar áreas da medula óssea distantes da lesão. Susceptibilidade às infecções: A infecção bacteriana é a principal causa de morte dos pacientes com mieloma, frente a uma queda na produção e aumento da degradação das imunoglobulinas normais, levando a hipogamaglobulinemia funcional. Os agentes infecciosos mais comuns nas fases precoces são S. pneumoniae e H. influenzae, os quais provocam pneumonia de repetição. Em fases tardias da doença, a sepse por S. aureus e Gram- negativos entéricos passam a ser um problema. A ANTIBIOTICOPROFILAXIA COM BACTRIM TEM SE MOSTRADO EFICAZ PARA REDUZIR AS COMPLICAÇÕES! Envolvimento renal: Muitos pacientes com mieloma apresentam-se com insuficiência renal, uma vez que as cadeias leves de imunoglobulina são filtradas e provocam lesões irreversíveis às células tubulares. Outro fato é que as proteínas de bence Jones são tóxicas, levando a uma disfunção tubularproximal, a chamada síndrome de Fanconi: bicarbonatúria OU acidose tubular tipo 2, aminocidúria, Glicosúria, hiperfosfatemia e hipouricemia. Numa fase mais avançada da neoplasia, o excesso de proteína de bence Jones provoca insuficiência renal crônica “rim do mieloma”. Hipercalcemia: A hipercalcemia é decorrente da maior reabsorção óssea, que leva a uma deposição de cálcio no parênquima renal, levando também a insuficiência renal crônica. A hipercalcemia leva a poliúria e vômitos, levando a uma IRA pré-renal. Logo, a hipercalcemia é a principal causa de insuficiência renal aguda no mieloma múltiplo. Amiloidose AL: Ocorre em 10% dos casos, de modo que a lesão glomerular pela proteína amiloide constitui outra causa de falência renal crônica. Decorre de depósito tecidual progressivo das cadeias leves que se transformaram em fibrilas mieloides. Os órgãos mais afetados são: língua (macrcoglossia); nervos periféricos (polineuropatia); coração (cardiomiopatia restritiva) e glomérulos (nefropatia amiloide). A glomerulopatia amiloide evoluir normalmente para síndrome nefrótica. Nefropatia por ácido úrico: A hiperuricemia crônica é um achado comum, por se tratar de uma neoplasia de alto turn over celular. Além do mais, logo após a quimioterapia instala-se uma síndrome de lise tumoral. Envolvimento neurológico: - Compressão medular: as células do mieloma, provenientes do acometimento vertebral, invadem o canal espinhal e podem provocar compressão da medula ou de suas raízes nervosas É CONSIDERADA UMA EMERGÊNCIA ONCOLÓGICA. Manifestações clínicas: dor radicular, agravada pela tosse ou espirro; perda da função esfincteriana e paraplegia. - Crise hipercalcêmica: é o principal mecanismo de alteração do estado mental do paciente. O paciente refere cefaleia, náuseas, vômitos, desorientação, convulsões, podendo levar ao coma. - Polineuropatia periférica: é uma complicação incomum, sendo mais comum na amiloidose AL ou à síndrome de Poems. É um efeito colateral comum no tratamento do mieloma por talidomida e/ou bortezomib. Síndrome de hiperviscosidade: Em indivíduos normais a viscosidade gira em torno de 1,8. Algumas imunoglobulinas quando em excesso geram um aumento da viscosidade sérica, podendo levar a sinais e sintomas de: cefaleia, fadiga, distúrbiosvisuais, papiledema, epistaxe, zumbidos e ataxia. Mieloma Osteosclerótico (Síndrome de Poems): Em uma pequena porcentagem dos pacientes com mieloma, as lesões esqueléticas se apresentam com um componente blástico, isto é, existe uma hipotransparência na radiografia. Clinicamente se manifesta com a síndrome de POEMS: - P: polineuropatia sensitiva e simétrica; - O: organomegalia hepatoesplenomegalia; - E: endocrinopatia hipogonadismo; - M: monoclonar gamopatia; - S (skin changes): alterações cutâneas telangectasias. O diagnóstico é firmado na presença de 2 critérios MAIORES (polineuropatia + gamopatia monoclonar) + pelo menos 1 característica. O tratamento é o mesmo do mieloma múltiplo clássico. 3 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Exames Laboratoriais Componente M: A pesquisa do componente M e sua quantificação no soro e/ou urina é fundamental para diagnóstico e acompanhamento. O exame utilizado é a eletroforese de proteínas. - Níveis superiores a 3g/dL são altamente sugestivos de mieloma múltiplo. (Níveis inferiores são encontrados na Síndrome de POEMS). A imunoeletroforese ou imunofixação é fundamental para tipar o componente M (Importante salientar que o componente M urinário- proteína de Bence Jones não costuma ser detectado na eletroforese urinária, mas aparece na imunoeletroforese). De forma geral, a cadeia leve mais encontrada é a Kappa, numa proporção 2:1 sobre a lambda. (O mieloma de cadeia leve é considerado um tipo de mau prognóstico). OBS: O mieloma múltiplo IGG é um mieloma com melhor prognóstico, com uma menor chance de amiloidose, insuficiência renal e hipercalcemia. Contudo, cursa com maior risco de infecções. OBS1: O mieloma múltiplo IGD é o pior prognóstico. Critérios Diagnósticos Diante da suspeita de mieloma devemos solicitar: 4 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP - História e exame clínico; - Laboratório: Hemograma completo; Ureia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, ácido úrico; LDH, fosfatase alcalina, dosagem de imunoglobulinas séricas; Eletroforese de proteínas com imunofixação; Proteinúria de 24 horas, com imunoeletroforese e imunofixação; Aspirado e biópsia de medula óssea; Inventário radiológico: coluna, pelve, crânio, úmero e fêmur; Dosagem sérica de cadeia leve livre se disponível. Diagnóstico diferencial: Fatores prognósticos e Estadiamento A sobrevida média do mieloma gira em torno de 5 anos, podendo variar de meses a 10 anos, a depender de algumas características. Os principais definidores do prognóstico são: magnitude do componente M, grau de anemia, número de lesões ósseas, níveis de cálcio sérico, nível de escórias nitrogenadas, nível de albumina e nível de beta-2- microglobulina (esses 2 últimos mais importantes). Atualmente o estadiamento do mieloma é feito pelo ISS. Tratamento A abordagem mínima consiste na combinação de imunomoduladora (talidomida, lenalinomida) + glicocorticoide em doses moderadas a altas (Dexametasona 40 mg/dia durante 4 dias por mês). Nos dias atuais costuma-se ainda adicionar uma terceira droga: inibidores de proteassoma: Bortezomib. - O esquema mais utilizado é: RVD: lenalinomida (Revlimid) + Bortezomib (velcade) + Dexametasona. Efeitos adversos da Lenalidomida: neutropenia, trombocitopenia, TVP e neuropatia periférica; Efeitos adversos do Bortezomib: neuropatia podemos substituir por Carfilzomib. Todo paciente com idade < 76 anos deve ser encaminhado para transplante autólogo de células hematopoiéticas após tratamento bem sucedido de RVD, visando consolidação de resposta. A radioterapia direcionada é capaz de promover paliação para regiões com lesão óssea dolorosa ou fratura patológica. Outra medida para lesões ósseas é a utilização de Bisfosfonatos (Principalmente Pamidronato). Tratamento das complicações: - Crise hipercalcêmica: Soro fisiológico: mantendo débito urinário 2-3mil ml/dia; Furosemida: efeito calciúrico: 80 mg, a cada 2 horas; Corticoide: Prednisona 25 mg, 4x/dia (se confusão mental: Metilprednisona ou Dexametasona que são venosos); Bisfonatos: diminuem a atividade dos osteoclastos. Pamidronato de sódio, dose única. - IRA: pode ser revertida por hidratação venosa e plasmaférese (retirada de boa parte da cadeia leve do plasma do paciente). Na presença de hipercalcemia: adicionar bisfosfonatos; Na presença de hiperuricemia: Alopurinol 300 mg/dia; Se uremia: hemodiálise ou diálise peritoneal. - Compressão medular: iniciar Dexametasona 4-10 mg, IV a cada 6 horas + radioterapia local. Nos casos refratários: descompressão cirúrgica.