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SOBREPREÇO EM OBRAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DE MÉTODO ADOTADO PELO TCU PARRA, Osmar1 MOURA, Roberto M.2 Eixo Temático: Desenvolvimento e Políticas Públicas RESUMO No ensaio faz-se a análise do discurso do “Método da Limitação dos Preços Unitários Ajustados”, que o Tribunal de Contas da União adota para calcular o sobrepreço em obras públicas levando em conta apenas os preços unitários superavaliados, sem descontar os subavaliados e desconsiderando a compatibilidade do preço global com o mercado. Na fundamentação teórica do método, identificam-se os papeis das três “classes de cidadãos” sugeridas por Noam Chomsky em “Mídia – Propaganda Política e Manipulação”. Em um nível mais simplista, o discurso é destinado aos “cidadãos espectadores”, desviando toda sua atenção para grandes somas de preços unitários, lançados como escândalos na mídia, ignorando-se os preços globais e a importância sócio econômica, e promovendo protagonismo social ao sistema de controle externo (a “classe especializada”). Ideologicamente esse discurso funciona como método para regulação ou contenção do desenvolvimento, de acordo com os interesses dos “donos da sociedade”. 1 INTRODUÇÃO Apesar do crescente protagonismo dos órgãos de controle da administração pública, dentre os quais se destacam os tribunais de contas, a corrupção no Brasil vem sendo percebida pela sociedade como crescente e como um dos principais problemas nacionais3. Bresser Pereira situa o foco no combate à corrupção como característica da administração burocrática, inadequada às demandas das sociedades democráticas: 1 UNESP – Mestrando em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. Diretor de Gestão Corporativa da SP- Obras (São Paulo Obras, empresa pública municipal de São Paulo). costaparra@terra.com.br 2 USP – Faculdade de Saúde Pública – Arquiteto e Urbanista especialista em Administração. Superintendente de Projetos da SP-Obras. robertomm9@outlook.com 3 Dados do relatório de percepção da corrupção de 2015, da Transparency Internacional. A administração pública burocrática foi adotada para substituir a administração patrimonialista (...). O nepotismo e o empreguismo, senão a corrupção, eram a norma. Esse tipo de administração revelar-se-á incompatível com o capitalismo industrial e as democracias parlamentares, que surgem no século XIX (...). Tornou- se assim necessário desenvolver um tipo de administração que partisse não apenas da clara distinção entre o público e o privado, mas também da separação entre o político e o administrador público. Surge assim a administração burocrática moderna, racional-legal. (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 10). Na reforma gerencial proposta por Bresser Pereira, a principal preocupação da administração pública é assegurar que o Estado seja capaz de atuar como agente econômico quando a atuação do mercado for inadequada: A diferença entre uma proposta de reforma neo-liberal e uma social-democrática está no fato de que o objetivo da primeira é retirar o Estado da economia, enquanto o da segunda é aumentar a governança do Estado, é dar ao Estado meios financeiros e administrativos para que ele possa intervir efetivamente sempre que o mercado não tiver condições de coordenar adequadamente a economia. (...) Embora o Estado seja, antes de mais nada, o reflexo da sociedade, vamos aqui pensá-lo como sujeito, não como objeto — como organismo cuja governança precisa ser ampliada para que possa agir mais efetiva e eficientemente em beneficio da sociedade. (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 7-8). Sob a ótica da administração gerencial, então, a atuação do estado em benefício da sociedade dependeria da ampliação de sua capacidade de intervenção, e os sistemas de controle deveriam agir de modo a fortalecer esse aspecto. Dessa forma, nos países de origem anglo-saxônica, desenvolveu-se um modelo de controle externo de natureza gerencial, operacional ou de mérito, no qual se busca avaliar os atos administrativos com base na relação entre custos e resultados, pretendidos e alcançados, em oposição modelo francês, em que o controle externo prioriza o cumprimento da lei como condição necessária e fundamental, adotado no Brasil, que com a Constituição de 1988 iniciou uma trajetória de exercício, também, de controle gerencial (SIMÕES, 2014, p. 431). Na esfera federal, o Tribunal de Contas da União – TCU detém, entre outras, atribuições constitucionais de fiscalizar contratos e repasses para estados e municípios, sob a ótica da legalidade, legitimidade e economicidade (artigos 70 e 71), o que, programaticamente, inclui a fiscalização com vistas a garantir que os preços praticados em obras públicas sejam adequados. Esse tipo de fiscalização pode gerar indicação de bloqueio de obras pelo Congresso Nacional (artigo 71, § 1º da Constituição), de modo que o exercício do controle externo deve buscar o equilíbrio entre a intervenção repressiva e o desenvolvimento nacional, conforme exigido, atualmente, no artigo 116 da Lei de Diretrizes Orçamentárias da União - LDO4: Art. 118. O Congresso Nacional levará em consideração, na sua deliberação pelo bloqueio ou desbloqueio da execução física, orçamentária e financeira de contratos, convênios, etapas, parcelas ou subtrechos relativos aos subtítulos de obras e serviços com indícios de irregularidades graves, a classificação da gravidade do indício, nos termos estabelecidos nos incisos IV, V e VI do § 1o do art. 117, e as razões apresentadas pelos órgãos e entidades responsáveis pela execução, em especial: I - os impactos sociais, econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do empreendimento pela população; II - os riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do empreendimento; (...) (grifamos) Em síntese, hão que ser ponderados, antes de se paralisar uma obra, os prejuízos com os atrasos na fruição do empreendimento e a economia decorrente da paralisação. De acordo com Chang, todavia, os países desenvolvidos exercem enorme pressão sobre os em desenvolvimento para que adotem “boas políticas e instituições”, as preconizadas pelo “Consenso de Washington”, das quais os primeiros se valem hoje, mas de que não se valeram em seu processo de desenvolvimento, o que corresponde a “chutar a escada” do desenvolvimento dos segundos. Nesse sentido, a própria paralisação, e não a economia gerada, poderia se constituir em objetivo institucional não declarado. Segundo Chomsky, quando as sociedades se tornam mais democráticas, a proteção aos interesses dos “donos da sociedade” se dá por meio da um processo comunicacional que envolve relações públicas, propaganda política e um acordo com a mídia capaz de manter uma “democracia de expectadores” subordinada a uma “classe especializada”. Neste ensaio, pretende-se analisar, com base no contexto acima, o discurso por trás da concepção básica de um dos métodos de apuração de sobrepreço adotados pelo TCU com base em sua aplicação às obras de corredores de ônibus na cidade de São Paulo. Não se propõe, assim, análise de mérito dos resultados da fiscalização, mas do significado implícito e da forma como o discurso é utilizado e dirigido. 2 O MÉTODO DA LIMITAÇÃO DOS PREÇOS UNITÁRIOS AJUSTADOS - MLPUA As demandas não atendidas por infraestrutura no Brasil estão entre os principais gargalos de desenvolvimento econômico e social e o TCU vem intensificando a fiscalização do obras, sendo o sobrepreço um dos principais fatores de irregularidades5. 4 Dispositivos similares são reproduzidos anualmente nas Leis de Diretrizes Orçamentárias da União. Tecnicamente, sobrepreço é uma falha no processo de orçamentação, que corresponde a preços orçados superiores aos adequados, tano em relação aos valores de quanto àsquantidades previstas. É passível de correção durante a licitação (com a apresentação da proposta do licitante), por meio de aditamento contratual ou por ocasião da medição da obra, se decorrente de quantitativos superestimados. Distingue-se do superfaturamento, é o pagamento a maior. - falha no processo de pagamento. Em obras públicas os preços de cada item são compostos por parcelas. Por exemplo, o preço de aterro envolve o valor da locação das máquinas conforme o tipo necessário a cada situação, custo logístico, produtividade, custo de mão de obra, entre outros. Outros fatores como risco, despesas financeiras e margem de lucro incidem sobre a obra como um todo. Portanto, a apuração de sobrepreço não se faz por mera comparação entre “preços de tabela” e preços orçados, envolvendo questões de natureza técnica, naturalmente passíveis de divergências. Nos corredores de ônibus de São Paulo houve divergências entre técnicos da Prefeitura e do TCU no processo de adaptação de tabela própria para obras rodoviárias à realidade urbana da cidade, inclusive quanto à complexidade das obras e estimativa de produtividade6. Nas auditorias de corredores de ônibus de São Paulo o TCU adotou, como método para aferição de sobrepreço, o MLPUA, cuja definição consta do relatório do Acórdão 3443/2012-P: Em essência, tal método caracteriza-se por considerar como débito qualquer pagamento de serviço com sobrepreço unitário, independentemente de o preço global do orçamento estar compatível com os parâmetros de mercado. Em outras palavras, o Método de Limitação dos Preços Unitários Ajustados parte da premissa de que o preço unitário de nenhum serviço, contratado originalmente ou posteriormente acrescido, pode ser injustificadamente superior ao paradigma de mercado, não se admitindo nenhum tipo de compensação entre sobrepreços e subpreços unitários. Esse método, portanto, não se presta a apurar o sobrepreço em uma obra, mas apenas sobrepreços de itens isolados. Foi idealizado no próprio TCU e, segundo esse mesmo relatório, foi aprovado pelo Acórdão 2.319/2009-P, que, conforme se pode consultar no site da instituição, constitui “Documento classificado como sigiloso com fundamento no § 1º do 5 V.g., acórdãos de consolidação do plano anual de fiscalização, pelo TCU, de obras públicas financiadas com recursos da União (FISCOBRAS): Acórdãos 2877/2011-P, 2928/2012-P, 2969/2013-P, 2981/2014-P e 2805/2015-P. 6 Acórdãos 2731/2015 – P, 111/2016 – P, 358/2016 – P e 1923/2016 – P. art. 108 da Lei 8.443/1992 (Lei Orgânica do TCU) c/c o art. 22 da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação)”7. Como se constata, o sobrepreço apurado por esse método não é o sobrepreço da obra, mas apenas os valores correspondentes aos itens supostamente superestimados, sem desconto dos subestimados. A título de exemplo, segue tabela parcial de apuração de sobrepreço (apenas os dois primeiros itens) de relatório de fiscalização do processo TC 011.533/2015-3 que teve por objeto o corredor de ônibus - M'Boi Mirim, que reproduz sinteticamente a forma como o sobrepreço é apresentado: Descrição do Serviço Preço Parcial Orçado (R$) Preço Parcial Corrigido (R$) Sobrepreço (R$) Disposição de material classe II-A, não inerte em bota-fora licenciado 24.754.968,94 21.804.260,78 2.950.708,16 Transporte comercial com caminhão basculante 6 m3, rodovia pavimentada 23.140.793,69 24.189.918,25 Como se constata, no primeiro item, que apresenta sobrepreço, o valor superestimado é indicado. No segundo, que apresenta subpreço, o valor subestimado é omitido. Ao produzir seus relatórios, acórdãos e informações para a mídia, o TCU divulga apenas os valores superestimados. Ainda que tecnicamente se exija a correção dos preços superavaliados, a informação sobre o preço subavaliado é igualmente necessária, tendo em vista que o orçamento levado a licitação é o teto pelo qual a Administração Pública pode contratar, e a adoção de uma base subestimada pode inviabilizar a licitação. Além disso, no exemplo acima, o sobrepreço total verificado nesse extrato da obra seria de 3,97%, sendo que com o método adotado ele atinge 6,16%. Do ponto de vista da transparência pública esse tipo de diferença é relevante. 3 IMPLICAÇÕES E SIGNIFICADOS A principal implicação desse método é que ele provoca uma superestimativa do sobrepreço, possibilitando um discurso fictício com aparência de real e a divulgação de um sobrepreço maior do que o efetivamente existente, capaz de provocar uma comoção social mais impactante, em razão dos grandes números apresentados. 7 http://www.tcu.gov.br. Na mídia, o que se divulga são justamente os grandes números associados ao sobrepreço, mas não se informando que desse sobrepreço deveriam ser descontados os subpreços. Em matéria divulgada no caderno “Cotidiano”, da Folha de São Paulo, em 28 de julho de 2016, por exemplo, foi noticiado sobrepreço de R$ 49,6 milhões em obras do corredor “Radial Leste”, paralisado pelo TCU, correspondente a 12,73% do valor da obra. A informação sobre o subpreço reduziria esse percentual para seu nível real, reduzindo também a probabilidade de paralização da obra. O modo como as informações são divulgadas, abolindo-se o debate técnico, superestimando-se números e omitindo-se informações importantes para a compreensão do quadro real, contribui para a construção de um ambiente favorável ao crescimento da percepção da corrupção no País, como identificado pela Transparency Internacional. O problema não reside no aumento da percepção da corrupção, mas da forma como isso ocorre, levando-se sem consideração, além do fato de que tal construção se assenta, pelo menos parcialmente, em bases artificiais, nos seguintes pontos: 1. A construção de um imaginário social segundo o qual o sistema de controle externo funciona bem enquanto a corrupção aumenta; 2. A construção de um consenso social que deixa de questionar a ausência de satisfação de suas necessidades reais e imediatas (no caso, a melhoria do transporte coletivo) para apoiar a supressão dos mecanismos que possibilitariam essa satisfação; 3. A sucessiva paralização de obras importantes para o desenvolvimento econômico e social do País (apenas nesse processo de fiscalização do TCU quatro corredores de ônibus fora paralisados em São Paulo). No que diz respeito ao primeiro ponto, a contradição é evidente. Se o sistema de controle funcionasse as irregularidades administrativas tenderiam a se desfazer, a administração pública tenderia a ser progressivamente mais efetiva e a corrupção diminuiria, com a consequente diminuição de sua percepção. Ocorre que estrategicamente os Tribunais de Contas desconectaram suas missões institucionais de seus interesses imediatos. De acordo com o mapa estratégico do TCU, por exemplo, enquanto sua “missão institucional” é “controlar a Administração Pública para contribuir com seu aperfeiçoamento em benefício da sociedade”, sua visão de futuro é “ser reconhecido como instituição de excelência no controle e no aperfeiçoamento da Administração Pública”. Contraditoriamente, o TCU espera não o reconhecimento da Administração que se propõe a aprimorar, mas o seu próprio. Diferentemente do que se espera de uma auditoria (a agregação de valor à gestão de modo a promover a sua melhoria e, consequentemente, “reconhecimento”), o TCU, sob o argumento de que pretende melhorar a gestão pública, busca o seu próprio reconhecimento. A maioria dos tribunais de contas brasileiros segue esse mesmo modelo, desenvolvido a partir de um diagnóstico inicial, de 2002, elaborado no âmbito de um programa nacional de modernização do sistema de controle externo (PROMOEX)financiado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, segundo o qual as atividades dos tribunais de contas eram difundidas por meio de “ações pontuais e dispersas no tocante ao relacionamento com os cidadãos” e que “a comunicação institucional é uma necessidade que poucos tribunais conseguiram priorizar” (Mazzon e Nogueira). A partir desse programa a busca por reconhecimento parece ter se consolidado na construção de uma imagem de credibilidade para as ações de controle baseados na exposição sistemática de resultados de auditorias sob a forma de escândalos. Esse contexto, por um lado, adere à teoria de Chang, de que os países desenvolvidos, pregando políticas ortodoxas, atuam para que países em desenvolvimento não consigam seguir os mesmos caminhos trilhados por eles para se desenvolver. Por outro lado reforça a imagem do que Chomsky denomina “Classe Especializada” que, segundo a “Teoria Progressista do Pensamento Liberal Democrático” é capaz de compreender os interesses comuns, que escapam à opinião pública. A partir desse discurso “técnico”, com aparência de cientificidade, representado pelo MPLUA, e desenvolvido pela “Classe Especializada” produz-se, com o apoio do aparato midiático8, o consenso indicado no segundo ponto, destinado ao “rebanho desorientado” que deve permanecer, quando muito, como um conjunto de “espectadores da ação”. Segundo Chomsky (p. 16), “a propagada política está para uma democracia assim como o porrete está para um Estado totalitário”. É improvável que se consiga convencer as pessoas a abrirem mão de melhorias em sua qualidade de vida, especialmente de melhorias que impactam fortemente sua condição quotidiana, como é o caso dos corredores de ônibus, que vêm promovendo redução de tempo e maior conforto e segurança nos deslocamentos diários da população paulistana. Como alguém poderia ser contra a implantação de mais corredores de ônibus? Todavia, se a pergunta muda para “você é a favor do combate à corrupção?” ou “você é a favor de que se pague apenas o valor justo pelas obras públicas?” a resposta pode levar à supressão das obras 8 É relevante mencionar que a maioria dos tribunais de contas mantém, na página inicial de seus sites, chamadas do tipo “o TCE na mídia”. que a comunidade espera sem que ela se aperceba disso. É uma forma de organizar a sociedade em torno de conceitos mais vagos impedindo ou evitando que ela se organize em torno de seus interesses concretos. O clima decorrente dessa organização da sociedade em torno desses conceitos possibilita a ação da “classe especializada” em favor dos interesses concretos dos “donos da sociedade”, ditando onde, como e em que ritmo o desenvolvimento pode ocorrer no País. No caso do Brasil, isso se dá de forma intensa pelo exercício do poder de veto. Não é o combate à corrupção ou mesmo sua priorização, pelas estruturas de controle, que tende a obstaculizar o desenvolvimento, mas a obstinação por esse combate como forma quase inconsciente de se fortalecer a lógica burocrático-formal, ainda vinculada à ideia de patrimonialismo, em detrimento de uma lógica gerencial-instrumental. Essa tendência pode ser vista em Barry Ames, que já diagnosticava, no início do governo Lula: Em qualquer sistema político, a adoção de uma nova linha de ação governamental que se desvia do status quo requer a concordância de determinados atores. Quando o número absoluto desses atores com poder de obstrução de mudanças, ou veto players, é grande, a inovação política se torna muito difícil. Meu argumento é que o surgimento de um grande número desses atores cruciais é inerente à estrutura institucional brasileira. Em consequência disso, o poder central tem enorme dificuldade para introduzir políticas inovadoras. (AMES, 2003, p. 29). O exercício concreto desse poder de veto se dá de forma a que não se evidenciem os prejuízos à sociedade, o que se consegue com a construção de um discurso ficcional (ou parcialmente ficcional) com aparência de real, por meio da segregação de um aspecto em detrimento de outros mais relevantes, informando-se a sociedade, mas subtraindo-lhe a possibilidade, efetivamente, do conhecimento: O que tem acontecido, e isto supõe um dos grandes problemas da contemporaneidade, é que se toma um domínio separadamente, aprofunda-se e estuda-se, faz-se sua “análise”, sua “crítica”, fixando-se só em alguma parte da totalidade. É o que temos chamado de informação, isto não é conhecimento. O conhecimento prevê a capacidade e inter-relação dos domínios, inter-relação entre os dados, tendo como pano de fundo a totalidade daquela sociedade naquele momento histórico. De outro modo, ficamos apenas com os dados. (FIGARO, 2015, p. 121). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de desenvolvimento no Brasil, altamente defasado por gargalos de infraestrutura e pelo seu modelo administrativo, exige uma reforma capaz de aumentar a governança do Estado conferindo-lhe meios adequados de intervenção na economia. Essa reforma requer um processo de composição entre diversos atores, dentre os quais destacam-se as Administrações Públicas, propriamente ditas, e os Tribunais de Contas, veto players cujo poder de obstrução de mudanças é suficiente para inviabilizar inovações, sendo que a um dos entraves a essa composição foi a concepção desenvolvida a partir de 2002, pelos Tribunais de Contas, no âmbito de programa financiado pelo BID, de que estrategicamente deveriam assumir um destaque social baseado na desconstrução da imagem da Administração Pública. O MLPUA, exemplo gerado a partir dessa concepção, se constitui em discurso fictício com aparência de real caracterizado por uma aparência científica e a capacidade de produzir, na sociedade, por meio de um acordo entre TCU e mídia, um consenso em torno de conceitos relativamente vagos, como “combate ao sobrepreço e à corrupção” em detrimento de interesses concretos dessa mesma sociedade, o que se dá por meio da transferência de informações parciais e omissão de informações que não se traduzem em conhecimento. Com isso o TCU consegue, propositalmente ou não, ditar o ritmo do desenvolvimento econômico e social do País e, ironicamente adota, em última análise, a prática que se propõe a combater: superestima artificialmente os seus achados de auditoria, criando um “sobrepreço do sobrepreço”. REFERÊNCIAS AMES, Barry. Os entraves da democracia no Brasil. Rio de Janeiro, FGV Editora, 2003. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. 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