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SOBREPREÇO EM OBRAS PÚBLICAS: 
UMA ANÁLISE DO DISCURSO DE MÉTODO ADOTADO PELO TCU 
PARRA, Osmar1 
MOURA, Roberto M.2 
Eixo Temático: Desenvolvimento e Políticas Públicas 
RESUMO 
No ensaio faz-se a análise do discurso do “Método da Limitação dos Preços Unitários 
Ajustados”, que o Tribunal de Contas da União adota para calcular o sobrepreço em obras 
públicas levando em conta apenas os preços unitários superavaliados, sem descontar os 
subavaliados e desconsiderando a compatibilidade do preço global com o mercado. Na 
fundamentação teórica do método, identificam-se os papeis das três “classes de cidadãos” 
sugeridas por Noam Chomsky em “Mídia – Propaganda Política e Manipulação”. Em um 
nível mais simplista, o discurso é destinado aos “cidadãos espectadores”, desviando toda sua 
atenção para grandes somas de preços unitários, lançados como escândalos na mídia, 
ignorando-se os preços globais e a importância sócio econômica, e promovendo protagonismo 
social ao sistema de controle externo (a “classe especializada”). Ideologicamente esse 
discurso funciona como método para regulação ou contenção do desenvolvimento, de acordo 
com os interesses dos “donos da sociedade”. 
1 INTRODUÇÃO 
Apesar do crescente protagonismo dos órgãos de controle da administração pública, 
dentre os quais se destacam os tribunais de contas, a corrupção no Brasil vem sendo percebida 
pela sociedade como crescente e como um dos principais problemas nacionais3. Bresser 
Pereira situa o foco no combate à corrupção como característica da administração burocrática, 
inadequada às demandas das sociedades democráticas: 
 
1 UNESP – Mestrando em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. Diretor de Gestão Corporativa da SP-
Obras (São Paulo Obras, empresa pública municipal de São Paulo). costaparra@terra.com.br 
2 USP – Faculdade de Saúde Pública – Arquiteto e Urbanista especialista em Administração. Superintendente de 
Projetos da SP-Obras. robertomm9@outlook.com 
 
3 Dados do relatório de percepção da corrupção de 2015, da Transparency Internacional. 
 
A administração pública burocrática foi adotada para substituir a administração 
patrimonialista (...). O nepotismo e o empreguismo, senão a corrupção, eram a 
norma. Esse tipo de administração revelar-se-á incompatível com o capitalismo 
industrial e as democracias parlamentares, que surgem no século XIX (...). Tornou-
se assim necessário desenvolver um tipo de administração que partisse não apenas 
da clara distinção entre o público e o privado, mas também da separação entre o 
político e o administrador público. Surge assim a administração burocrática 
moderna, racional-legal. (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 10). 
 Na reforma gerencial proposta por Bresser Pereira, a principal preocupação da 
administração pública é assegurar que o Estado seja capaz de atuar como agente econômico 
quando a atuação do mercado for inadequada: 
A diferença entre uma proposta de reforma neo-liberal e uma social-democrática 
está no fato de que o objetivo da primeira é retirar o Estado da economia, enquanto o 
da segunda é aumentar a governança do Estado, é dar ao Estado meios financeiros e 
administrativos para que ele possa intervir efetivamente sempre que o mercado não 
tiver condições de coordenar adequadamente a economia. 
(...) 
Embora o Estado seja, antes de mais nada, o reflexo da sociedade, vamos aqui 
pensá-lo como sujeito, não como objeto — como organismo cuja governança precisa 
ser ampliada para que possa agir mais efetiva e eficientemente em beneficio da 
sociedade. (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 7-8). 
Sob a ótica da administração gerencial, então, a atuação do estado em benefício da 
sociedade dependeria da ampliação de sua capacidade de intervenção, e os sistemas de 
controle deveriam agir de modo a fortalecer esse aspecto. Dessa forma, nos países de origem 
anglo-saxônica, desenvolveu-se um modelo de controle externo de natureza gerencial, 
operacional ou de mérito, no qual se busca avaliar os atos administrativos com base na relação 
entre custos e resultados, pretendidos e alcançados, em oposição modelo francês, em que o 
controle externo prioriza o cumprimento da lei como condição necessária e fundamental, 
adotado no Brasil, que com a Constituição de 1988 iniciou uma trajetória de exercício, 
também, de controle gerencial (SIMÕES, 2014, p. 431). 
Na esfera federal, o Tribunal de Contas da União – TCU detém, entre outras, 
atribuições constitucionais de fiscalizar contratos e repasses para estados e municípios, sob a 
ótica da legalidade, legitimidade e economicidade (artigos 70 e 71), o que, 
programaticamente, inclui a fiscalização com vistas a garantir que os preços praticados em 
obras públicas sejam adequados. 
Esse tipo de fiscalização pode gerar indicação de bloqueio de obras pelo Congresso 
Nacional (artigo 71, § 1º da Constituição), de modo que o exercício do controle externo deve 
 
buscar o equilíbrio entre a intervenção repressiva e o desenvolvimento nacional, conforme 
exigido, atualmente, no artigo 116 da Lei de Diretrizes Orçamentárias da União - LDO4: 
Art. 118. O Congresso Nacional levará em consideração, na sua deliberação pelo 
bloqueio ou desbloqueio da execução física, orçamentária e financeira de contratos, 
convênios, etapas, parcelas ou subtrechos relativos aos subtítulos de obras e serviços 
com indícios de irregularidades graves, a classificação da gravidade do indício, nos 
termos estabelecidos nos incisos IV, V e VI do § 1o do art. 117, e as razões 
apresentadas pelos órgãos e entidades responsáveis pela execução, em especial: 
I - os impactos sociais, econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição 
dos benefícios do empreendimento pela população; 
II - os riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do 
atraso na fruição dos benefícios do empreendimento; 
(...) (grifamos) 
Em síntese, hão que ser ponderados, antes de se paralisar uma obra, os prejuízos com 
os atrasos na fruição do empreendimento e a economia decorrente da paralisação. 
De acordo com Chang, todavia, os países desenvolvidos exercem enorme pressão 
sobre os em desenvolvimento para que adotem “boas políticas e instituições”, as preconizadas 
pelo “Consenso de Washington”, das quais os primeiros se valem hoje, mas de que não se 
valeram em seu processo de desenvolvimento, o que corresponde a “chutar a escada” do 
desenvolvimento dos segundos. Nesse sentido, a própria paralisação, e não a economia 
gerada, poderia se constituir em objetivo institucional não declarado. 
 Segundo Chomsky, quando as sociedades se tornam mais democráticas, a proteção 
aos interesses dos “donos da sociedade” se dá por meio da um processo comunicacional que 
envolve relações públicas, propaganda política e um acordo com a mídia capaz de manter uma 
“democracia de expectadores” subordinada a uma “classe especializada”. 
Neste ensaio, pretende-se analisar, com base no contexto acima, o discurso por trás da 
concepção básica de um dos métodos de apuração de sobrepreço adotados pelo TCU com 
base em sua aplicação às obras de corredores de ônibus na cidade de São Paulo. Não se 
propõe, assim, análise de mérito dos resultados da fiscalização, mas do significado implícito e 
da forma como o discurso é utilizado e dirigido. 
2 O MÉTODO DA LIMITAÇÃO DOS PREÇOS UNITÁRIOS AJUSTADOS - MLPUA 
As demandas não atendidas por infraestrutura no Brasil estão entre os principais 
gargalos de desenvolvimento econômico e social e o TCU vem intensificando a fiscalização 
do obras, sendo o sobrepreço um dos principais fatores de irregularidades5. 
 
4 Dispositivos similares são reproduzidos anualmente nas Leis de Diretrizes Orçamentárias da União. 
 
Tecnicamente, sobrepreço é uma falha no processo de orçamentação, que corresponde 
a preços orçados superiores aos adequados, tano em relação aos valores de quanto àsquantidades previstas. É passível de correção durante a licitação (com a apresentação da 
proposta do licitante), por meio de aditamento contratual ou por ocasião da medição da obra, 
se decorrente de quantitativos superestimados. Distingue-se do superfaturamento, é o 
pagamento a maior. - falha no processo de pagamento. 
Em obras públicas os preços de cada item são compostos por parcelas. Por exemplo, o 
preço de aterro envolve o valor da locação das máquinas conforme o tipo necessário a cada 
situação, custo logístico, produtividade, custo de mão de obra, entre outros. Outros fatores 
como risco, despesas financeiras e margem de lucro incidem sobre a obra como um todo. 
Portanto, a apuração de sobrepreço não se faz por mera comparação entre “preços de tabela” e 
preços orçados, envolvendo questões de natureza técnica, naturalmente passíveis de 
divergências. Nos corredores de ônibus de São Paulo houve divergências entre técnicos da 
Prefeitura e do TCU no processo de adaptação de tabela própria para obras rodoviárias à 
realidade urbana da cidade, inclusive quanto à complexidade das obras e estimativa de 
produtividade6. 
Nas auditorias de corredores de ônibus de São Paulo o TCU adotou, como método 
para aferição de sobrepreço, o MLPUA, cuja definição consta do relatório do Acórdão 
3443/2012-P: 
Em essência, tal método caracteriza-se por considerar como débito qualquer 
pagamento de serviço com sobrepreço unitário, independentemente de o preço 
global do orçamento estar compatível com os parâmetros de mercado. Em outras 
palavras, o Método de Limitação dos Preços Unitários Ajustados parte da premissa 
de que o preço unitário de nenhum serviço, contratado originalmente ou 
posteriormente acrescido, pode ser injustificadamente superior ao paradigma de 
mercado, não se admitindo nenhum tipo de compensação entre sobrepreços e 
subpreços unitários. 
Esse método, portanto, não se presta a apurar o sobrepreço em uma obra, mas apenas 
sobrepreços de itens isolados. Foi idealizado no próprio TCU e, segundo esse mesmo 
relatório, foi aprovado pelo Acórdão 2.319/2009-P, que, conforme se pode consultar no site 
da instituição, constitui “Documento classificado como sigiloso com fundamento no § 1º do 
 
5 V.g., acórdãos de consolidação do plano anual de fiscalização, pelo TCU, de obras públicas financiadas com 
recursos da União (FISCOBRAS): Acórdãos 2877/2011-P, 2928/2012-P, 2969/2013-P, 2981/2014-P e 
2805/2015-P. 
 
6 Acórdãos 2731/2015 – P, 111/2016 – P, 358/2016 – P e 1923/2016 – P. 
 
art. 108 da Lei 8.443/1992 (Lei Orgânica do TCU) c/c o art. 22 da Lei 12.527/2011 (Lei de 
Acesso à Informação)”7. 
Como se constata, o sobrepreço apurado por esse método não é o sobrepreço da obra, 
mas apenas os valores correspondentes aos itens supostamente superestimados, sem desconto 
dos subestimados. A título de exemplo, segue tabela parcial de apuração de sobrepreço 
(apenas os dois primeiros itens) de relatório de fiscalização do processo TC 011.533/2015-3 
que teve por objeto o corredor de ônibus - M'Boi Mirim, que reproduz sinteticamente a forma 
como o sobrepreço é apresentado: 
Descrição do Serviço Preço Parcial Orçado (R$) 
Preço Parcial 
Corrigido (R$) 
Sobrepreço 
(R$) 
Disposição de material classe II-A, não inerte 
em bota-fora licenciado 24.754.968,94 21.804.260,78 2.950.708,16 
Transporte comercial com caminhão basculante 
6 m3, rodovia pavimentada 23.140.793,69 24.189.918,25 
 
Como se constata, no primeiro item, que apresenta sobrepreço, o valor superestimado 
é indicado. No segundo, que apresenta subpreço, o valor subestimado é omitido. Ao produzir 
seus relatórios, acórdãos e informações para a mídia, o TCU divulga apenas os valores 
superestimados. 
Ainda que tecnicamente se exija a correção dos preços superavaliados, a informação 
sobre o preço subavaliado é igualmente necessária, tendo em vista que o orçamento levado a 
licitação é o teto pelo qual a Administração Pública pode contratar, e a adoção de uma base 
subestimada pode inviabilizar a licitação. 
Além disso, no exemplo acima, o sobrepreço total verificado nesse extrato da obra 
seria de 3,97%, sendo que com o método adotado ele atinge 6,16%. Do ponto de vista da 
transparência pública esse tipo de diferença é relevante. 
3 IMPLICAÇÕES E SIGNIFICADOS 
A principal implicação desse método é que ele provoca uma superestimativa do 
sobrepreço, possibilitando um discurso fictício com aparência de real e a divulgação de um 
sobrepreço maior do que o efetivamente existente, capaz de provocar uma comoção social 
mais impactante, em razão dos grandes números apresentados. 
 
7 http://www.tcu.gov.br. 
 
Na mídia, o que se divulga são justamente os grandes números associados ao 
sobrepreço, mas não se informando que desse sobrepreço deveriam ser descontados os 
subpreços. Em matéria divulgada no caderno “Cotidiano”, da Folha de São Paulo, em 28 de 
julho de 2016, por exemplo, foi noticiado sobrepreço de R$ 49,6 milhões em obras do 
corredor “Radial Leste”, paralisado pelo TCU, correspondente a 12,73% do valor da obra. A 
informação sobre o subpreço reduziria esse percentual para seu nível real, reduzindo também 
a probabilidade de paralização da obra. 
O modo como as informações são divulgadas, abolindo-se o debate técnico, 
superestimando-se números e omitindo-se informações importantes para a compreensão do 
quadro real, contribui para a construção de um ambiente favorável ao crescimento da 
percepção da corrupção no País, como identificado pela Transparency Internacional. O 
problema não reside no aumento da percepção da corrupção, mas da forma como isso ocorre, 
levando-se sem consideração, além do fato de que tal construção se assenta, pelo menos 
parcialmente, em bases artificiais, nos seguintes pontos: 
1. A construção de um imaginário social segundo o qual o sistema de controle 
externo funciona bem enquanto a corrupção aumenta; 
2. A construção de um consenso social que deixa de questionar a ausência de 
satisfação de suas necessidades reais e imediatas (no caso, a melhoria do 
transporte coletivo) para apoiar a supressão dos mecanismos que 
possibilitariam essa satisfação; 
3. A sucessiva paralização de obras importantes para o desenvolvimento 
econômico e social do País (apenas nesse processo de fiscalização do TCU 
quatro corredores de ônibus fora paralisados em São Paulo). 
No que diz respeito ao primeiro ponto, a contradição é evidente. Se o sistema de 
controle funcionasse as irregularidades administrativas tenderiam a se desfazer, a 
administração pública tenderia a ser progressivamente mais efetiva e a corrupção diminuiria, 
com a consequente diminuição de sua percepção. 
Ocorre que estrategicamente os Tribunais de Contas desconectaram suas missões 
institucionais de seus interesses imediatos. De acordo com o mapa estratégico do TCU, por 
exemplo, enquanto sua “missão institucional” é “controlar a Administração Pública para 
contribuir com seu aperfeiçoamento em benefício da sociedade”, sua visão de futuro é “ser 
reconhecido como instituição de excelência no controle e no aperfeiçoamento da 
Administração Pública”. Contraditoriamente, o TCU espera não o reconhecimento da 
Administração que se propõe a aprimorar, mas o seu próprio. Diferentemente do que se espera 
 
de uma auditoria (a agregação de valor à gestão de modo a promover a sua melhoria e, 
consequentemente, “reconhecimento”), o TCU, sob o argumento de que pretende melhorar a 
gestão pública, busca o seu próprio reconhecimento. 
A maioria dos tribunais de contas brasileiros segue esse mesmo modelo, desenvolvido 
a partir de um diagnóstico inicial, de 2002, elaborado no âmbito de um programa nacional de 
modernização do sistema de controle externo (PROMOEX)financiado com recursos do 
Banco Interamericano de Desenvolvimento, segundo o qual as atividades dos tribunais de 
contas eram difundidas por meio de “ações pontuais e dispersas no tocante ao relacionamento 
com os cidadãos” e que “a comunicação institucional é uma necessidade que poucos tribunais 
conseguiram priorizar” (Mazzon e Nogueira). 
A partir desse programa a busca por reconhecimento parece ter se consolidado na 
construção de uma imagem de credibilidade para as ações de controle baseados na exposição 
sistemática de resultados de auditorias sob a forma de escândalos. 
Esse contexto, por um lado, adere à teoria de Chang, de que os países desenvolvidos, 
pregando políticas ortodoxas, atuam para que países em desenvolvimento não consigam 
seguir os mesmos caminhos trilhados por eles para se desenvolver. Por outro lado reforça a 
imagem do que Chomsky denomina “Classe Especializada” que, segundo a “Teoria 
Progressista do Pensamento Liberal Democrático” é capaz de compreender os interesses 
comuns, que escapam à opinião pública. 
A partir desse discurso “técnico”, com aparência de cientificidade, representado pelo 
MPLUA, e desenvolvido pela “Classe Especializada” produz-se, com o apoio do aparato 
midiático8, o consenso indicado no segundo ponto, destinado ao “rebanho desorientado” que 
deve permanecer, quando muito, como um conjunto de “espectadores da ação”. Segundo 
Chomsky (p. 16), “a propagada política está para uma democracia assim como o porrete está 
para um Estado totalitário”. 
É improvável que se consiga convencer as pessoas a abrirem mão de melhorias em sua 
qualidade de vida, especialmente de melhorias que impactam fortemente sua condição 
quotidiana, como é o caso dos corredores de ônibus, que vêm promovendo redução de tempo 
e maior conforto e segurança nos deslocamentos diários da população paulistana. Como 
alguém poderia ser contra a implantação de mais corredores de ônibus? Todavia, se a 
pergunta muda para “você é a favor do combate à corrupção?” ou “você é a favor de que se 
pague apenas o valor justo pelas obras públicas?” a resposta pode levar à supressão das obras 
 
8 É relevante mencionar que a maioria dos tribunais de contas mantém, na página inicial de seus sites, chamadas 
do tipo “o TCE na mídia”. 
 
que a comunidade espera sem que ela se aperceba disso. É uma forma de organizar a 
sociedade em torno de conceitos mais vagos impedindo ou evitando que ela se organize em 
torno de seus interesses concretos. 
O clima decorrente dessa organização da sociedade em torno desses conceitos 
possibilita a ação da “classe especializada” em favor dos interesses concretos dos “donos da 
sociedade”, ditando onde, como e em que ritmo o desenvolvimento pode ocorrer no País. No 
caso do Brasil, isso se dá de forma intensa pelo exercício do poder de veto. Não é o combate à 
corrupção ou mesmo sua priorização, pelas estruturas de controle, que tende a obstaculizar o 
desenvolvimento, mas a obstinação por esse combate como forma quase inconsciente de se 
fortalecer a lógica burocrático-formal, ainda vinculada à ideia de patrimonialismo, em 
detrimento de uma lógica gerencial-instrumental. 
Essa tendência pode ser vista em Barry Ames, que já diagnosticava, no início do 
governo Lula: 
Em qualquer sistema político, a adoção de uma nova linha de ação governamental 
que se desvia do status quo requer a concordância de determinados atores. Quando o 
número absoluto desses atores com poder de obstrução de mudanças, ou veto 
players, é grande, a inovação política se torna muito difícil. Meu argumento é que o 
surgimento de um grande número desses atores cruciais é inerente à estrutura 
institucional brasileira. Em consequência disso, o poder central tem enorme 
dificuldade para introduzir políticas inovadoras. (AMES, 2003, p. 29). 
O exercício concreto desse poder de veto se dá de forma a que não se evidenciem os 
prejuízos à sociedade, o que se consegue com a construção de um discurso ficcional (ou 
parcialmente ficcional) com aparência de real, por meio da segregação de um aspecto em 
detrimento de outros mais relevantes, informando-se a sociedade, mas subtraindo-lhe a 
possibilidade, efetivamente, do conhecimento: 
O que tem acontecido, e isto supõe um dos grandes problemas da 
contemporaneidade, é que se toma um domínio separadamente, aprofunda-se e 
estuda-se, faz-se sua “análise”, sua “crítica”, fixando-se só em alguma parte da 
totalidade. É o que temos chamado de informação, isto não é conhecimento. O 
conhecimento prevê a capacidade e inter-relação dos domínios, inter-relação entre os 
dados, tendo como pano de fundo a totalidade daquela sociedade naquele momento 
histórico. De outro modo, ficamos apenas com os dados. (FIGARO, 2015, p. 121). 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
O processo de desenvolvimento no Brasil, altamente defasado por gargalos de 
infraestrutura e pelo seu modelo administrativo, exige uma reforma capaz de aumentar a 
governança do Estado conferindo-lhe meios adequados de intervenção na economia. Essa 
 
reforma requer um processo de composição entre diversos atores, dentre os quais destacam-se 
as Administrações Públicas, propriamente ditas, e os Tribunais de Contas, veto players cujo 
poder de obstrução de mudanças é suficiente para inviabilizar inovações, sendo que a um dos 
entraves a essa composição foi a concepção desenvolvida a partir de 2002, pelos Tribunais de 
Contas, no âmbito de programa financiado pelo BID, de que estrategicamente deveriam 
assumir um destaque social baseado na desconstrução da imagem da Administração Pública. 
O MLPUA, exemplo gerado a partir dessa concepção, se constitui em discurso fictício 
com aparência de real caracterizado por uma aparência científica e a capacidade de produzir, 
na sociedade, por meio de um acordo entre TCU e mídia, um consenso em torno de conceitos 
relativamente vagos, como “combate ao sobrepreço e à corrupção” em detrimento de 
interesses concretos dessa mesma sociedade, o que se dá por meio da transferência de 
informações parciais e omissão de informações que não se traduzem em conhecimento. 
Com isso o TCU consegue, propositalmente ou não, ditar o ritmo do desenvolvimento 
econômico e social do País e, ironicamente adota, em última análise, a prática que se propõe a 
combater: superestima artificialmente os seus achados de auditoria, criando um “sobrepreço 
do sobrepreço”. 
REFERÊNCIAS 
AMES, Barry. Os entraves da democracia no Brasil. Rio de Janeiro, FGV Editora, 2003. 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro 
de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao. Acessado em 10 de 
maio de 2016. 
BRASIL. Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016 - Lei № 13.242, de 30 de dezembro de 
2015. Disponível em http://www.camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/ldo/ 
LDO2016/Lei_13242/Texto_Lei.pdf. Acessado em 28 de julho de 2016. 
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial. 
Revista do Serviço Público. ENAP, Brasília, ano 47, vol. 120, n. 1, p. 7-40, jan-abr, 1996. 
CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada – A estratégia do desenvolvimento em perspectiva 
histórica. São Paulo, Fundação Editora da UNESP, 2003. 
FIGARO, Roseli (org.). Comunicação e Análise do Discurso. São Paulo, Editora Contexto, 
2015. 
Mapas Estratégicos dos Tribunais de Contas – sites pesquisados (junho de 2015): 
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http://www.tce.am.gov.br/portal/wp-
content/uploads/2010/07/planoestrategico20102011.pdf 
Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo: 
http://www.tce.es.gov.br/portais/Portals/14/Arquivos/Plano_Estrategico_TCEES_2010_
2015.pdf 
Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso: 
http://jurisdicionado.tce.mt.gov.br/uploads/flipbook/PlanoLongo2012-
2017/index.html#/40/ 
Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais: 
http://www.tce.mg.gov.br/?cod_secao=1K&tipo=1&url=&cod_secao_menu=3Tribunal de Contas do Estado da Paraíba: 
http://portal.tce.pb.gov.br/wp-content/uploads/2009/11/Planejamento-
Estrat%C3%A9gico-2011_2015.pdf 
Tribunal de Contas do Estado do Paraná: 
http://www1.tce.pr.gov.br/multimidia/2012/7/pdf/00084381.pdf 
Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro: 
http://www.tce.rj.gov.br/web/guest/plano-estrategico 
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul: 
http://www2.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/institucional/qualidade/planejamento_
estrategico/PET_atual.pdf 
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina: 
http://www.tce.sc.gov.br/sites/default/files/cartilha_planejamento%20estrategico_site%
20(1)_0.pdf 
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo: 
http://www4.tce.sp.gov.br/gestao-estrategica 
Tribunal de Contas da União: 
http://portal3.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/planejamento_gestao/planejamento201
1/pet.pdf 
MAZZON, J. A.; NOGUEIRA, R. Projeto de Prestação de Serviços Especializados para 
Realização de Pesquisa e Proposição de Iniciativas para a Adequada Implantação da Lei de 
Responsabilidade Fiscal (LRF), pelos Tribunais de Conta Estaduais e Municipais. Relatório 
Final da Pesquisa de Campo. FIA – Fundação Instituto de Administração da USP – 
Universidade de São Paulo. São Paulo. 2002. Disponível em: 
http://site.tce.ma.gov.br/index.php/promoex/documentos-do-programa. Acessado em 09 de 
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RODRIGUES, T.A. e SALVADOR, E. As implicações do Programa de Aceleração do 
Crescimento (PAC) nas Políticas Sociais. SER Social. UNB, Brasília, v. 13, n. 28, jan-jun, 
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SIMÕES, Edson. Tribunais de Contas: Controle Externo das Contas Públicas. São Paulo, 
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TRANSPARENCY INTERNACIONAL. Corruption Perceptions - Index 2015. Disponível 
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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdãos: 2877/2011-P, 2928/2012-P, 3443/2012-
P, 2969/2013-P, 2981/2014-P, 2805/2015-P, 2731/2015 – P, 111/2016 – P, 358/2016 – P e 
1923/2016 – P. Disponíveis em: http://www.tcu.gov.br. Acessado em 23 de maio de 2016.

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