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Filoso�a da Linguagem Aula 1: Condição da �loso�a e primariedade da linguagem Apresentação Nesta aula, faremos uma visita à Grécia Antiga, mais especi�camente em Atenas – a polis do conhecimento. Em um curso com foco na �loso�a da linguagem, obviamente não poderíamos deixar de falar dos grandes �lósofos da Antiguidade Clássica. Atenas era palco de grandes debates acerca dos temas mais preponderantes na vida em sociedade. Em um palco tão esclarecido, cujos cidadãos gozavam da arte do bem falar, a linguagem ganharia também um espaço especial nos temas �losó�cos da época. Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), destacadamente, com suas obras fundadoras em todos os sentidos, serão especialmente trazidos como referências teóricas em nossa primeira aula. O diálogo Crátilo, de Platão, e as obras Da interpretação e Arte poética, de Aristóteles, serão os fundamentos de um paradigma de língua como representação do mundo externo, nomeando e classi�cando os seres e as coisas. Veremos que as discussões sobre linguagem aqui presentes serviram de baliza teórica, por muitos e muitos séculos, no âmbito da �loso�a da linguagem, para posteriores estudos teológicos, �losó�cos e linguísticos, inclusive servindo de ponto de partida para as concepções gramaticais que possuímos hoje. Os gregos deixaram um legado indelével, e é sobre ele que vamos falar hoje. Objetivos Identi�car nos pensamentos de Platão e Aristóteles o paradigma representacionista de linguagem a partir da relação com os modelos de estudos da linguagem nos dias de hoje; Analisar em suas abordagens �losó�cas o procedimento de nomeação das coisas e a origem do ponto de vista naturalista de linguagem, contrário ao procedimento convencional; De�nir o conceito de metáfora fundado nos escritos de Aristóteles, originário da transferência de um signi�cado próprio de um objeto para outro (�gurado). (Fonte: Pixabay) Linguagem vista pelos �lósofos socráticos Certamente, você já ouviu falar dos �lósofos gregos, da Antiguidade Clássica, do período pré-socrático e socrático da �loso�a, mas talvez nunca tenha pensado que grande parte dos �lósofos da Antiguidade tentou teorizar, cada um a seu modo, a linguagem e suas potencialidades. Como esta aula não é sobre �loso�a propriamente dita, mas sim sobre �loso�a da linguagem, vamos nos ater apenas a dois dos maiores pensadores da �loso�a grega: Platão (discípulo direto de Sócrates) e seu aluno Aristóteles. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online javascript:void(0); Platão e Aristóteles possuíam em comum algo muito importante: eles entendiam a linguagem, especialmente, como uma forma de representar o mundo e as coisas dele. Antes de ela existir, já existiam o mundo e as coisas que nele há. Dessa forma, a linguagem apareceu para nomear as coisas, classi�cá-las, agrupando ou separando em grupos semelhantes – em suma, representando nossa realidade. Platão e Aristóteles, ao centro, mestre e discípulo, adentrando o Partenon em Atenas. (Fonte: Wikimedia Commons) Platão e Aristóteles desenvolveram um pensamento bastante sólido sobre a linguagem e suas potencialidades, funcionalidades, origens e condições de verdade. (Fonte: Shutterstock) Crátilo, de Platão Esta obra de Platão é talvez a mais importante no que diz respeito à �loso�a da linguagem. Na maior parte de suas obras, o �lósofo usa um método dialógico entre personagens – quase sempre entre seu mestre Sócrates (470-399 a.C.) e outros pensadores com quem ele conviveu. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online O Crátilo é uma obra que inaugura a dicotomia natural x convenção, no âmbito da linguagem. Para a compreensão desta aula e do ponto de vista platônico, é importante você saber alguns pontos. javascript:void(0); ❶ O ponto de vista natural sobre a linguagem apregoava que não se pode cortar alguma matéria com o objeto que bem entendermos. Exemplo Preciso cortar uma carne e quero fazer como bem entender: cortarei a carne com um pedaço a�ado de papel. Certamente, não conseguirei, pois devo cortar a carne com os objetos que a natureza me fornece para isso: uma faca, por exemplo. Também não podemos nomear as coisas com as palavras que aleatoriamente escolhermos. As palavras criadas para representar os objetos e os seres do mundo foram feitas com essa função por alguém que conhece a natureza das coisas (como uma faca a�ada só poderia ser feita por um ferreiro, e não por um poeta). Por isso, quando usarmos quaisquer palavras para designar as coisas, de acordo com nossa vontade, sem obedecer às leis naturais, não seremos efetivos nem verdadeiros. Segue um exemplo tirado da obra Crátilo (PLATÃO, 159a-9c, 2001): ❷ O ponto de vista convencional acerca da linguagem a�rma que os signi�cados das palavras são de�nidos por uma convenção das partes, e não por uma imposição da natureza. Assim – e por esse motivo –, cada povo nomeia como bem entende as palavras segundo as convenções que fazem entre si. Veremos este ponto de vista na obra estudada nesta aula: (Hermógenes) Eu, pelo menos, Sócrates, não conheço outra maneira de denominar com acerto as coisas, a não ser a seguinte: posso designar qualquer coisa pelo nome que me aprouver dar-lhes, e tu, por outro nome que lhe atribuíres. O mesmo vejo passar-se nas cidades, conferindo por vezes cada uma aos mesmos objetos nomes diferentes, que variam de Heleno para Heleno, como dos helenos para os bárbaros - PLATÃO, 93c, 2001 Para uma compreensão exata dessa dicotomia, é importante que você leia esta obra. Pois, em diversas partes, Sócrates (que representa a verdade nos diálogos de Platão) traz os argumentos necessários para que Hermógenes e outros ouvintes entendam que a linguagem é fruto de um processo natural. Por isso, ela representa tão bem as coisas do mundo com os nomes corretos para isso. Observemos outro momento do diálogo entre Sócrates e Hermógenes. Nele, Platão (390a, 2001) deixa claro o seu ponto de vista sobre a linguagem como representação: Vemos que Sócrates acaba por convencer Hermógenes do seu ponto de vista naturalista sobre a linguagem, solidi�cando, assim, a concepção platônica de linguagem como representação de um universo externo à própria linguagem, a quem ela apenas serve, sem qualquer independência. Saiba mais Para conhecer um pouco mais os diálogos de Platão inspirados na vida e na sabedoria de Sócrates, sugerimos que você busque na Internet e assista ao �lme de Roberto Rossellini: Sócrates, de 1970. De interpretatione, de Aristóteles Neste tratado de Aristóteles sobre a interpretação, o estagirita dedica muitas linhas às questões linguísticas (nome e verbo, enunciado e status de verdade), rati�cando o ponto de vista platônico – já observado no Crátilo – sobre a função representacionista da linguagem. Destaquemos agora o seguinte trecho da obra, que será de suma importância para você compreender o pensamento aristotélico sobre a natureza linguística: 1 "Em primeiro lugar, cumpre de�nir o nome e o verbo, depois, a negação e a a�rmação, a proposição e o juízo. As palavras faladas são símbolos das afeições da alma, e as palavras escritas símbolos das palavras faladas. E como a escrita não é igual em toda a parte, também as palavras faladas não são as mesmas em toda a parte, ainda que as afeições da alma de que as palavras são signos primeiros sejam idênticas, tal como são idênticas as coisas de que as afeições referidas são imagens.” - ARISTÓTELES, 1959, 16a, 1-8, grifo nosso Aristóteles entra no campo da fala e da escrita ao escrever sobre as palavras e os símbolos. Os conceitos estabelecidos pelo �lósofo permitem que percebamos as palavras como retratos das coisas percebidas pelas pessoas – e a escrita é materialização dessa percepção. Isso poderia sugerir uma ideia de linguagem mais próxima do paradigma convencional (no qual cada grupo convenciona que palavras usar para determinados objetos). No entanto, Aristóteles, mais à frente, referenda o ponto devista naturalista de linguagem ao a�rmar que “as afeições da alma de que as palavras são signos primeiros [são] idênticas, tal como são idênticas as coisas de que as afeições referidas são imagens”. (Ibid.) Portanto, todas as pessoas do mundo percebem as coisas da mesma forma; logo, mesmo que as palavras sejam diferentes e variem de acordo com as diversas línguas do mundo, as imagens e os conceitos são os mesmos. Atenção As palavras, quaisquer que sejam, apenas captam a essência das coisas do mundo e as nomeiam. Elas, assim, representam o mundo e seus objetos. https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/go0113/aula1.html Arte poética, de Aristóteles Aqui é importante você já ter �xado em sua mente que... Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Tanto para Platão como para Aristóteles, toda palavra possui um signi�cado original, literal e natural dado pela própria essência. Exemplo Se pedra se chama pedra, é porque a natureza dela pede esse nome. O legislador de nomes (que, de acordo com Platão, é o responsável por nomear as coisas segundo suas essências) observa a natureza das coisas para encontrar o nome ideal para elas. Assim, Aristóteles, em sua obra Arte poética, vai ensinar aos escritores de teatro, poesias e livros como realizar os atos estéticos relativos a esses gêneros. Um deles é a metáfora, tão importante nas obras artísticas. E o que é metáfora? A metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por analogia. (ARISTÓTELES, 2019, XXII-7) Ao a�rmar que metáfora é a transposição “do nome de uma coisa” para outra, Aristóteles parte do princípio de que cada palavra possui seu signi�cado intrínseco, próprio, particular. Assim, a metáfora – para os pensadores gregos – adquire um aspecto de metáfora fundada, pois ela só existe graças a essa transferência do sentido literal (original) para um �gurado (emprestado). Exemplo Se digo que minha namorada é uma �or, tal palavra está empregada metaforicamente, pois “�or” possui um signi�cado original e literal. A metáfora, segundo Aristóteles, é possível porque pegamos as características da espécie “�or” (frágil e bela) e as transferimos a uma menina (no caso, minha namorada). Resumo da aula Para que você compreenda sinteticamente tudo o que foi dito, é importante elencarmos os pontos mais importantes dessa aula: Clique nos botões para ver as informações. Platão é um expoente da concepção de linguagem como um elemento cuja função primordial é representar as coisas do mundo. Não há linguagem sem um mundo para ela nomear; portanto, ela é subserviente às coisas externas. Para Platão, Toda coisa recebe um nome determinado pela sua natureza; Quem conhece a natureza das coisas para lhes dar um nome é o legislador de nomes. Nós não podemos decidir por que nome chamar as coisas, pois elas já possuem um nome natural, já de acordo com sua essência. Este é o ponto de vista naturalista, contrário ao convencional. Linguagem como representação Aristóteles con�rma esse pensamento ao a�rmar que todas as pessoas percebem as coisas em sua alma da mesma forma, mesmo que usem palavras diferentes para designá-las. Assim como Platão, ele acredita que a linguagem serve para materializarmos na fala ou na escrita a nossa percepção das coisas do mundo, sendo, assim, uma representação das coisas externas. Representação das coisas externas pela materialização da percepção Toda palavra já possui seu signi�cado intrínseco, literal, próprio. Dessa forma, a metáfora é o deslocamento de um signi�cado próprio para um �gurado. A metáfora só existe porque antes existia uma palavra com sentido original; logo, ela é um desvio – e até para se cometer esses desvios existem regras. Aristóteles dedica um capítulo sobre a metáfora em sua obra Arte poética: 7. A metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por analogia. 8. Quando digo do gênero para a espécie, é, por exemplo, “minha nau aqui se deteve”, pois lançar ferro é uma maneira de deter-se; 9. Da espécie ao gênero: “Certamente Ulisses levou a feito milhares e milhares de belas ações”, porque “milhares e milhares” está por “muitas”, e a expressão aqui é empregada em lugar de “muitas”; 10. Da espécie para a espécie: “Tendo-lhe esgotado a vida com o bronze” e “de cinco fontes cortando com o duro bronze”; aqui “esgotar” equivale a “cortar”, e “cortar” equivale a “esgotar”; são duas maneiras de tirar. (ARISTÓTELES, 2019, XXII-7, 8, 9, 10). Metáfora 1 - De acordo com o que vimos no diálogo entre Sócrates e Hermógenes, presente na obra Crátilo, de Platão, assinale (V) para uma proposição verdadeira e (F) para uma falsa: a) Sócrates sustenta no diálogo com Hermógenes um ponto de vista convencional sobre a linguagem: podemos dar nomes às coisas de acordo com o que convencionarmos ser de melhor uso. b) Inicialmente, Hermógenes está inclinado para uma compreensão convencional da linguagem e dos atos de nomeação, mas, após debate com Sócrates, convence-se de que os nomes são dados às coisas de acordo com sua natureza. Esse ponto de vista se fundamenta sob o paradigma da linguagem como representação do mundo. c) Platão, em muitas obras, vale-se do personagem Sócrates para referendar o próprio pensamento �losó�co. Em Crátilo, usa o seu mestre como veículo de autoridade para estabelecer um pensamento sobre a origem dos nomes. d) Os nomes podem ser dados às coisas por qualquer pessoa, da mesma forma que qualquer pro�ssional saberia confeccionar uma boa arma ou uma boa roupa. e) A linguagem, para Platão, vem para dar nome às coisas do mundo externo; portanto, serve, preponderantemente, para representar esse mundo e seus objetos. 2 - Sobre as observações de Aristóteles no tratado De interpretatione, correlacione: Fala 1 Escrita 2 Afecções da alma 3 a) Símbolo materializado das palavras faladas. b) Símbolo das percepções das coisas do mundo. c) Percepções das coisas, que são iguais em todos os seres. 3 - Correlacione os pontos de vista da linguagem: Ponto de vista naturalista da linguagem 1 Ponto de vista convencionalista da linguagem 2 a) Não se pode admitir que qualquer pessoa tenha autoridade para dar os nomes que bem entender a uma coisa, pois apenas o legislador de nomes conhece a natureza de cada objeto para lhe dar o nome devido de acordo com sua essência. Além disso, por mais que as palavras variem entre povos de diferentes origens, as percepções sobre o mundo são as mesmas, pois ele é igual para todos. Dessa forma, as palavras não são fruto de invenções de diferentes povos, mas representam o mundo de igual maneira. b) Se eu quiser chamar homem de cavalo a partir de hoje, eu posso. Basta que o grupo de que faço parte entre em acordo com isso e convencione que, a partir de agora, todo homem tem nome de cavalo. Se um grupo de pessoas no Rio de Janeiro convencionar chamar o pão francês de “lalelo”, com a cristalização do uso, o termo entrará para o dicionário. 4 - Para re�etir, responda às questões a seguir de acordo com o que você aprendeu nesta aula: a) Na época em que você vive hoje, qual o ponto de vista predominante sobre a origem da linguagem: natural ou convencional? Pense em exemplos para justi�car sua resposta. b) Se você fosse tomar partido de um ponto de vista sobre os atos de nomeação das coisas, qual seria: o naturalista, o convencionalista, ou um pouco dos dois? Notas Estagirita1 Habitante de Estagira (cidade da Macedônia), local onde nasceu Aristóteles. Referências ARISTÓTELES. Arte poética. Disponível em: //lelivros.love/book/baixar-livro-arte-poetica-aristoteles-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler- online/. Acesso em: 4 abr. 2019. ___________. De interpretatione. (Tricot). Paris: Vrin, 1959. PLATÃO. Teeteto-Crátilo. Diálogos. Belém: Editora Universitária UFPA, 2001. Próxima aula Estudo da linguagemsob o ponto de vista místico; javascript:void(0); Tradição judaico-cristã; Cultura �losó�ca e os livros sagrados. Explore mais Pesquise na internet, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto. Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos disponíveis no ambiente de aprendizagem. Leia os textos: Em Teeteto , Platão aborda questões relativas ao nome, ao verbo e aos enunciados. javascript:void(0);