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Fernando Wittwer & Mirela Noro BIOQUÍMICA CLÍNICA 1.1 INTRODUÇÃO A Bioquímica Clínica é a área da ciência mé- dica dedicada ao estudo dos componentes químicos do sangue, tecidos e fluidos dos animais com o propósito de conhecer sua fisiologia, assim como as alterações que possam conduzir a uma doença. Seu obje- tivo é apoiar a prática da clínica veterinária mediante a determinação da presença ou quantidade de componentes químicos, de- nominados metabólicos, em amostras bio- lógicas de um animal ou de um grupo de animais, e sua posterior interpretação. Na prática veterinária o uso das análises bi- oquímicas clínicas tem sido cada vez mais frequente, tanto de animais de companhia como de produção, constituindo uma vali- osa ajuda para avaliar a condição de saúde. A incorporação de sistemas automatiza- dos, junto a técnicas simples, de baixo custo, precisas e exatas tem favorecido seu maior desenvolvimento. Na verdade, o uso dos perfis bioquímicos sanguíneos per- mite, além da avaliação clínica dos indiví- duos, determinar a condição nutricional metabólica em grupos de animais de pro- dução. O sangue constitui a amostra mais fre- quentemente utilizada para a determina- ção de metabólitos no plasma ou soro. Também são utilizados, em menor escala, as análises químicas em amostras de teci- dos (fígado, rim, músculo, pele, outro), flu- idos (abdominal ou torácico, humor aquoso ou vítreo, sinovial, cefalorraquidi- ano, urina, leite, saliva) e outros (fluido ru- minal, fezes). O número de analitos a ser incorporado na prática da clínica veterinária pode ser ilimi- tado. Contudo, somente se justifica a aná- lise daqueles: 1) que possuem adequado conhecimento de seu metabolismo em condições de saúde e enfermidade; 2) os resultados podem ser interpretados; e 3) o custo e qualidade da análises serem ade- quados. A técnica mais utilizada é a fotocolorime- tria, que se baseia em medir a quantidade de luz absorvida por uma solução, da qual resulta um resultado proporcional da in- tensidade de cor da mesma. Como unidade de medida usa-se a densidade óptica (DO), comparando a diferença de cor entre o re- ativo puro e a reação. Utiliza-se para medir substratos como a glicose, ureia, proteínas, minerais e enzimas, sendo a técnica básica que utilizam os analisadores bioquímicos automatizados. Outras técnicas utilizadas são a espectrofotometria de chama (macro elementos), espectrofotometria de absor- ção atômica (EAA) (macro e micro elemen- tos), potenciometria (pH), refratometria (proteínas, densidade), radioimuno análise (RIA) e quimioluminescência (hormônios). As técnicas de análise bioquímica podem ser qualitativas, quando se determina so- mente a presença ou ausência de um me- tabolito; ou quantitativas quando se de- termina a quantidade, concentração ou atividade do metabólito. Algumas técnicas qualitativas tem sido desenvolvidas como semi-quantitativas ao diferenciar entre graus de concentração de um analito em base a capacidade visual de reconhecer in- tensidade de cor, como por exemplo, as técnicas utilizadas nas fitas para o exame químico de urina. De acordo com o método que se realiza as análises, estes se classificam como: • Química úmida. Na qual a reação é re- alizada incorporando-se uma amostra lí- quida a um reagente em solução em tubos de ensaio, ou também diretamente em cu- betas de reação dos analisadores automá- ticos. Esta continua sendo a técnica mais Fernando Wittwer & Mirela Noro empregada, por seu menor custo e melhor qualidade analítica. • Química seca. Quando a reação é reali- zada incorporando-se uma amostra líquida a reagentes em pó contidos em tubos, ou aderidos a fitas plásticas ou de papel, como por exemplo as fitas para análise química de urina. Atualmente, existe uma variedade de equi- pamentos que permitem realizar uma am- pla gama de análises químicas sanguíneas por parte do veterinário em sua consulta. Contudo, seu maior custo e menor quali- dade analítica na maioria dos casos limitam a ampliação de seu uso, de modo que são recomendados para salas de emergência e controles, pela rapidez na entrega dos re- sultados. A maior utilidade da bioquímica clínica está em determinar metabólitos no sangue. Por isso, neste capítulo entregam-se informa- ções genéricas sobre as bases fisiológicas, indicações, amostra necessária, análise e interpretação dos metabólitos sanguíneos mais utilizados na prática veterinária. Sendo os mais utilizados: • Glicídeos: glicose, lactato, frutosamina, hemoglobina glicada. • Lipídeos: colesterol, triacilgliceróis (tri- glicerídeos), ácidos graxos livres ou não es- terificados (NEFA ou AGNE), corpos cetôni- cos (acetona, aceto-acetato e β- hidroxibutirato). • Proteínas: proteínas totais, albumina, globulinas [proteínas de fase aguda (fibri- nogênio, haptoglobina, proteína C reativa, amiloide sérico A, ceruloplasmina)]. • Nitrogênio não proteico: ureia, creati- nina, ácido úrico. • Minerais: macro elementos (Ca, P, Mg, Na, K, Cl, S) e micro elementos (Cu, Zn, Fe, Se, I, Co). • Enzimas: AST, ALT, GMD, GGT, ALP, SD, CK, LDH, lipase, amilase, colinesterase, pseudocolinesterase. • Hormônios: insulina, cortisol, T3, T4, progesterona. 1.2 GLICÍDEOS Os carboidratos, hidratos de carbono ou glicídeos são a principal fonte de energia celular dos animais. Existem na forma de monossacarídeos, açúcares simples, como a glicose, oligossacarídeos como a sacarose e lactose, e polissacarídeos como o glicogê- nio. As alterações mais frequentes do metabo- lismo dos carboidratos vistas nos animais são: a diabetes mellitus, que afeta princi- palmente cães e gatos; a hipoglicemia dos leitões ou dos cordeiros; a toxemia da ges- tação nas ovelhas e a cetose bovina tipo I (hipoglicêmica ou hipercetonêmica), tipo II (diabética ou hiperinsulínica) e alimentar (butírica ou dietética). 1.2.1 Glicose ou Glicemia A glicose é o carboidrato que constitui a principal fonte de energia para o metabo- lismo celular e síntese de lactose. Origina- ria da absorção intestinal em monogástri- cos e da gliconeogênese, fundamental- mente hepática, nos ruminantes. Sua con- centração sanguínea depende do balanço entre seu aporte (absorção + gliconeogê- nese) e remoção (utilização celular no san- gue e tecidos + deposição tecidual como glicogênio ou o glicerol dos triglicerídeos). A glicemia é muito estável já que é regu- lada por um eficiente controle hormonal hipoglicemiante (insulina) e hiperglicemi- ante (glicocorticoides e glucagon). Indicação: no estudo e diagnóstico de alte- rações do metabolismo energético, como diabetes e cetose. Amostra: plasma de sangue recém obtido (< 30 minutos), ou ainda, preservado com NaF. Bioquímica Clínica Análise: técnicas colorimétricas como gli- cose oxidase, hexoquinase e glicose desi- drogenase. A unidade utilizada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,056 = 1 mmol/L. Interpretação: a glicemia nos mamíferos varia entre 2,14 a 7,0 mmol/L, sendo me- nor nos ruminantes (2,5 – 4,1 mmol/L) e maior nas aves (11,2 – 16,8 mmol/L), de modo que é necessário ter disponíveis va- lores de referência para sua adequada in- terpretação. Existem condições fisiológicas e patológicas que levam a alterações na gli- cemia. • Hiperglicemia É fisiológica pós-prandial ou por exercício; é patológica na diabetes mellitus tipos I e II, pancreatite e carcinoma pancreático, síndrome de Cushing, e estresse. Em vacas com hipocalcemia clínica, e em cavalos com rabdomiólise. Também é vista por ad- ministração de fármacos como os corticoi- des. • Hipoglicemia A forma mais frequente é a produzida pela glicólise in vitro em amostras envelhecidas (0,56 mmol/L/hora). Patologicamente em animais com diminuída gliconeogênese (in- suficiência hepática), hipoglicemia juvenil e neonatal, jejum e desnutrição ou sín- drome da má absorção. É também obser- vada em animais com elevada utilização da glicose (cetose bovina tipo I e cetose ovina, exercíciointenso em cavalos e cães de es- porte), e animais recém-nascidos. Quadros clínicos de hipoglicemia são observados com glicemias menores a 2,56 mmol/L em cães, e de 1,7 mmol/L em vacas. 1.2.2 Cetoaminas: Frutosamina e He- moglobina Glicada As cetoaminas são moléculas produzidas pela redução da glicose com grupos ami- nos. A frutosamina é uma glicoproteina formada pela união da glicose à albumina ou outra proteína plasmática, e possui uma vida média de 14 a 21 dias. A hemoglobina glicada é uma cetoamina formada pela união da glicose com a hemoglobina e pos- sui uma vida média similar a dos eritrócitos (±120 dias). A síntese e concentração plasmática das cetoaminas correlacionam-se positiva- mente com a magnitude e tempo da hiper- glicemia, e sua remoção depende da de- gradação ou perda da albumina ou hemo- globina. Por isso, suas concentrações no sangue refletem a glicemia no tempo, sem estar sujeita a suas variações diárias. Indicação: no estudo, diagnóstico e con- trole da diabetes mellitus e da resposta a insulinoterapia. Amostra: soro ou plasma. Análise: na veterinária se utiliza a determi- nação colorimétrica de frutosamina medi- ante nitroazul de tetrazólio (NBT). A uni- dade empregada é o mmol/L. Interpretação: a concentração plasmática de frutosamina nos mamíferos varia entre 1,7 a 3,5 mmol/L, enquanto que a hemo- globina glicada corresponde a 2,3 a 6,4%, sendo necessários valores de referência para cada espécie para a adequada inter- pretação. A hiperglicemia persistente con- diciona a um aumento de suas concentra- ções sanguíneas. • Hiperfrutosaminemia Ocorre na diabetes, pancreatite, e sín- drome de Cushing. Falsos positivos são produzidos na hiperproteinemia, diabetes inicial e hipotireoidismo. • Ácido Láctico ou Lactacidemia O ácido láctico ou L-lactato é produzido pelo catabolismo anaeróbico da glicose nos tecidos, especialmente nos músculos. Sua produção aumenta frente a uma de- Fernando Wittwer & Mirela Noro manda celular por energia, com conse- quente aumento na síntese do ácido pirú- vico, o qual é convertido em ácido láctico ao ser incorporado ao ciclo de Krebs por falta de oxigênio. A lactacidemia basal é re- sultado do metabolismo dos eritrócitos e aumenta com a síntese muscular durante o exercício. A concentração sanguínea está regulada por sua produção (eritrocitária e muscular) e eliminação hepática. As bacté- rias ruminais produzem D-lactato que au- menta em casos de acidose ruminal aguda, e ao ser absorvido induz acidose metabó- lica, contudo este não é quantificado pelas técnicas de rotina que somente medem o L-lactato. Indicação: na avaliação da acidose láctica produzida pelo choque e para avaliar a ca- pacidade atlética, especialmente em equi- nos e caninos de esporte. Amostra: plasma, sangue recém coletado (menor a três horas e refrigerado), ou ainda preservado com NaF. Análise: as técnicas colorimétricas enzimá- ticas utilizadas somente quantificam o L- lactato. A unidade empregada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,112 = 1 mmol/L. Interpretação: a lactacidemia nos mamífe- ros varia entre 0,2 a 2,0 mmol/L, sendo me- nor nos monogástricos, de modo que são necessários valores de referência para sua adequada interpretação. As condições fisi- ológicas e patológicas que condicionam a hiperlactacidemia são: • Um aumento acima de 4 mmol/L é indi- cativo de desequilíbrio entre sua produção e utilização, que no caso de exercício con- duz a acidose muscular e fadiga. Apre- senta-se em situações de esforço, como as realizadas por animais que realizam exercí- cios de alta demanda de energia em curto período de tempo. É observada em qua- dros de acidose metabólica, com lactacide- mia maior a 5 mmol/L. • No choque hipovolêmico, cardiovascu- lar ou séptico, e no neonato como conse- quência do baixo aporte de oxigênio aos tecidos, e na acidose láctica ruminal aguda. 1.3 LIPÍDIOS E CORPOS CETÔNICOS Os lipídios são um grupo heterogêneo de compostos que tem em comum a insolubi- lidade em água e solubilidade em solventes orgânicos. Desempenham diversas fun- ções no organismo sendo particularmente importante como fonte de energia (gordu- ras e ácidos graxos) e formando parte das estruturas celulares, assim com de com- postos como hormônios e vitaminas. No organismo os lipídios encontram-se nas formas de: • Esteróis: colesterol, ácidos biliares, hormônios esteroides e vitamina D. • Glicerol: fosfolipídios, mono, di e trigli- cerídeos. • Ácidos graxos: de cadeia curta, média e longa, e seus derivados (prostaglandinas). • Terpenos: vitaminas A, E e K. Os lipídios encontrados no plasma são o colesterol e o triglicerol, formando parte das lipoproteínas, além dos ácidos graxos não esterificados (NEFA ou AGNE) e os cor- pos cetônicos (acetona, acetoacetato e β- hidroxibutirato). A alteração do metabo- lismo dos lipídios é conhecida como dislipi- demia, entendida como o aumento das concentrações plasmáticas de colesterol ou triglicerol. Os triglicerídeos e o colesterol encontram- se no plasma associados a macromoléculas de lipoproteínas para se tornarem solúveis. São descritas quatro classes de lipoproteí- nas (Figura 0.1): 1. Quilomícrom 2. Lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL) 3. Lipoproteína de baixa densidade (LDL) Bioquímica Clínica 4. Lipoproteína de alta densidade (HDL) Os quilomícrons são formados no intes- tino, os LDL no plasma e o HDL e o VLDL nos hepatócitos. Nas espécies domésticas com exceção dos suínos, e diferentemente dos humanos, a maior parte do colesterol é transportado no sangue como HDL. As lipo- proteínas transportam triglicerídeos desde o intestino e fígado, até o músculo como fonte de energia, e ao tecido adiposo como reserva. Figura 0.1. Composição das lipoproteínas do canino. 1.3.1 Triglicerol ou Triglicerolemia O triglicerol é o principal constituinte do te- cido adiposo formado por glicerol unido a três ácidos graxos e como tal é a principal fonte de energia para o organismo. É origi- nário da dieta ou por síntese hepática. A concentração no plasma representa a quantidade que é transportada, como lipo- proteínas, principalmente quilomícrons de origem intestinal. Indicação: em suspeitas de alterações pri- márias ou secundárias do metabolismo li- pídico. Amostra: soro ou plasma. Em caninos e nos felinos é necessário o jejum de 12 ho- ras previamente a obtenção da amostra. As amostras turvas, de cor leitosa (lipêmica), indicam um aumento na concentração de triglicerídeos, especialmente quilomícrons (Figura 0.2). Análise: técnicas colorimétricas que consi- deram a lipase para degradar glicerol. A unidade utilizada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,0113 = 1mmol/L. Interpretação: a triglicerolemia dos cani- nos e felinos varia entre 0,1 – 1,3 mmol/L, e nos bovinos e equinos de 0 a 0,5 mmol/L, sendo menor nos bovinos, sendo necessá- rio valores de referência para a adequada interpretação. As condições mais frequen- temente descritas que cursam com hiper- triglicerolemia ou hiperlipidemia são: • Fisiológica: pós-prandial em monogás- tricos e posterior ao uso de corticoides. • Patológica: hiperlipidemia equina, sín- drome nefrótica, pancreatite aguda, di- abetes mellitus, hipotireoidismo e hi- peradrenocorticismo em caninos, co- lestase. Fernando Wittwer & Mirela Noro Figura 0.2. Plasma (esquerda) e sangue total com EDTA (direita) com marcada hiperlipemia em um canino. 1.3.2 Colesterol ou Colesterolemia O colesterol nos animais pode ser de ori- gem exógena ou endógena, predominando este último nos herbívoros onde é princi- palmente sintetizado pelo fígado, e no te- cido adiposo e intestino dos ruminantes, a partir da acetil-CoA, sendo logo esterifi- cado. É encontrado nos animais como com- ponente das membranas celulares e pre- cursor de hormônios esteroidais (aldoste- rona, cortisol, estrógenos, andrógenos e progesterona), vitamina D e ácidos biliares. O termo colesterolemia representao co- lesterol total, ou seja a forma livre e esteri- ficada formando parte das lipoproteínas (LDL, VLDL e HDL). Indicação: em suspeitas de alterações pri- márias ou secundárias do metabolismo dos lipídios. Amostra: soro ou plasma. Em caninos e fe- linos é necessário um jejum de 12 horas an- tes da obtenção da amostra. Análise: técnicas enzimáticas que hidroli- sam o colesterol associada a uma reação colorimétrica. A unidade empregada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,026 = 1 mmol/L. Interpretação: a colesterolemia nos mamí- feros varia entre 1,5 a 6,5 mmol/L, sendo maior após a ingestão de alimentos, e em animais de idade mais avançada. Em vacas pré parto apresenta concentrações inferio- res (± 27%) comparadas com vacas em lac- tação, associado a baixa ingestão de maté- ria seca. Devido as diferenças entre espé- cies, são necessários valores de referência para sua adequada interpretação. As con- dições mais frequentemente descritas que cursam com hipo ou hipercolesterolemia são: • Hipercolesterolemia Fisiológica: pós-prandial. Patológica: em colestase obstrutiva, sín- drome nefrótica, diabetes mellitus, hipoti- reoidismo, hiperadrenocorticismo e a hi- perlipidemia do equino. • Hipocolesterolemia Ocorre em dietas com escasso aporte de energia ou de fibra em ruminantes e no hi- poadrenocortisismo. 1.3.3 Ácidos Graxos não Esterificados (NEFA, FFA ou AGNE) Os NEFA são ácidos graxos livres de cadeia longa (>12 C), que provem geralmente da degradação dos triglicerídeos do tecido adiposo, fígado e glândula mamária. São transportados no plasma, tendo como des- tino final sua β-oxidação, ou também a ne- osíntese de triglicerol. Indicação: avaliação do grau de mobiliza- ção lipídica, fundamentalmente em rumi- nantes, como indicador de uma deficiência de energia. Amostra: soro ou plasma. Análise: técnicas colorimétricas que consi- deram uma reação enzimática. A unidade empregada é o mmol/L, onde 1 mEq/L x 1 = 1 mmol/L. Interpretação: a concentração plasmática de NEFA nos mamíferos flutua entre 0,1 a 0,5 mmol/L, sendo maior após um jejum prolongado. Devido às diferenças entre es- pécies, são necessários valores de referên- cia para sua adequada interpretação. • A condição mais frequentemente des- crita que cursa com aumento de NEFA no plasma é o aumento de sua mobili- zação em resposta a um balanço nega- Bioquímica Clínica tivo de energia. Sua maior utilidade clí- nica em ruminantes para avaliar o ba- lanço nutricional de vacas no período de transição. 1.3.4 Corpos Cetônicos (CC) ou Cetone- mia Os corpos cetônicos correspondem a três produtos intermediários do metabolismo energético, produzidos pela β-oxidação dos ácidos graxos nos hepatócitos, ao se transformar acetil-CoA em acetoacetato (AcAc), β-hidroxibutirato (BHB), e acetona. A quantidade de AcAc e BHB no hepatócito é semelhante, mas quando existe uma abundância de NADH se torna em favor de BHB, como o que ocorre na diabetes melli- tus. Indicação: avaliação da via da β-oxidação dos ácidos graxos, fundamentalmente em ruminantes, como indicador de uma defici- ência de energia com cetose. Amostra: soro ou plasma. Também podem ser determinados na urina e no leite, con- tudo a relação entre BHB:AcAc é diferente, sendo maior no plasma e menor na urina. Análises: a técnica de Rothera ou do nitro- prussiato é a mais utilizada para determi- nar AcAc, sendo mais sensível em amostras de urina; enquanto que para BHB utilizam- se técnicas colorimétricas que consideram uma reação enzimática, sendo mais sensí- vel no plasma e em menor escala no leite. A unidade empregada é o mmol/L, onde para cada 1 mg/dL de AcAc x 0,098 = 1 mmol/L de AcAc, e para o BHB 1mg/dL x 0,096 = 1 mmol/L. Interpretação: a concentração plasmática de AcAc nos mamíferos é menor a 0,1 mmol/L, e a concentração de BHB menor a 0,5 mmol/L, sendo maior em animais em lactação; devido as diferenças entre espé- cies são necessários valores referências para a adequada interpretação. Aumentos de BHB no sangue e de AcAc na urina, e em menor magnitude no leite, ocorrem em casos de mobilização das re- servas de gordura frente a um balanço energético negativo, sendo ambas provas especialmente úteis em vacas em lactação. A acetonemia ou cetose subclínica é vista em vacas com valores de BHB maiores a 1,2 mmol/L, as que por sua vez, apresentam reação positiva a prova de Rothera na urina. Vacas com cetose clínica apresen- tam valores de BHB maiores a 3,0 mmol/L, e a prova de Rothera é positiva em amos- tras de urina, sangue e leite, semelhante ao observado em ovelhas com toxemia da gestação, e em todos os animais com ce- tose secundária a diabetes mellitus e ou- tras enfermidades. Em ruminantes deve-se considerar a cetose alimentícia, com au- mento de BHB, produzido pela metaboliza- ção na parede ruminal do butirato absor- vido, especialmente ao utilizar-se silagens com fermentação butírica ou pastoreio de forragens de climas temperados com dieta base. 1.4 PROTEÍNAS PLASMÁTICAS As proteínas são cadeias de polipeptideos conformadas por aminoácidos, sendo des- critas mais de 1.000 no plasma sanguíneo. Muitas delas encontram-se combinadas a outras substâncias, como as lipoproteínas e glicoproteínas. O plasma contêm numerosas proteínas em solução, que em base a seu comporta- mento eletroforético são agrupadas em al- buminas (±48%) e globulinas (a, ß e g) (±52%). A presença de uma proteína anor- mal no plasma é denominada discrasia pro- teica, enquanto que a concentração acima ou abaixo dos limites fisiológicos presentes no plasma é chamada de disproteinemia. Fernando Wittwer & Mirela Noro A técnica mais precisa para determinar as proteínas plasmáticas é a eletroforese, que separa em quatro a seis grupos ou bandas, baseando-se na capacidade destas de mi- grar em um suporte de celulose ou agarose quando submetidas a um campo elétrico. A albumina migra mais por seu menor ta- manho e carga elétrica; e por outro lado as g-globulinas (imunoglobulinas) são as que menos migram em função de seu elevado tamanho e sua cationicidade, enquanto que as a e ß globulinas se localizam entre aquelas. O maior custo e tempo desta aná- lise limita a utilização clínica desta técnica. 1.4.1 Proteínas totais ou Proteinemia Corresponde a totalidade das proteínas presentes em uma amostra de soro (albu- minas + [globulinas – fibrinogênio]) ou plasma (albuminas + [globulinas + fibrino- gênio]). Indicação: avaliar estados de desidratação, perdas de proteínas ou aumento de globu- linas. Amostra: soro ou plasma. Análises: técnicas colorimétricas como o Biureto, ou mediante o uso de um refratô- metro. A unidade empregada é o g/L, onde 1 g/dL x 10 = 1 g/L. Interpretação: a concentração plasmática de proteínas nos mamíferos é de 5,5 a 9,0 g/dL, sendo maior em animais jovens e em caninos e felinos; devido a diferenças entre as espécies domésticas são necessários va- lores de referência para a adequada inter- pretação. As condições mais frequente- mente descritas que cursam com disprotei- nemia são: • Hiperproteinemia Pode ser secundária a desidratação, sendo a causa mais frequente. Esta disproteine- mia também é vista em reposta a infecções com aumento de globulinas, proteínas de fase aguda na primeira fase e de g-globuli- nas após uma a três semanas. • Hipoproteinemia Ocorre na desnutrição pela menor síntese, e nos casos de perdas de sangue por he- morragias ou de proteínas em queimadu- ras, nefrites, e enterites. Nos recém-nasci- dos, e de forma muito significativa nos imunodeficientes as proteínas se encon- tram diminuídas pela falta da ingestão do colostro. Também é vista em animais com quadros de desnutrição ou parasitismo crônico. A concentração de proteínas totais é influ- enciada por seus componentes. Assim, frente a uma enfermidade podem aumen- tar as globulinas e diminuir as albuminas, de modo que o valor das proteínas totais permanecerá constante.1.4.2 Albumina ou Albuminemia As albuminas são sintetizadas no fígado, e tem como funções o transporte de subs- tâncias como a bilirrubina, ácidos graxos, hormônios, cátions e fármacos; além disso, determinam a pressão oncótica do sangue e são uma reserva de aminoácidos. Sua vida média é de 8 dias nos caninos, 19 dias em equinos, e 14 a 21 dias nos bovinos. Indicação: avaliar problemas na síntese ou perdas associadas a transtornos orgânicos, digestivos, hepáticos ou renais. Amostra: soro ou plasma. O plasma hepa- rinizado pode dar valores elevados, por au- mentar sua afinidade com corantes. Análises: técnicas colorimétricas como verde de bromocresol (BCG). A unidade utilizada é o g/L, onde 1 g/dL x 10 = 1 g/L. Interpretação: a concentração plasmática das albuminas nos mamíferos é de 2,1 a 4,1 g/dL, sendo menor em felinos e caninos, e Bioquímica Clínica maior em bovinos e ovinos. Existem outros fatores que induzem diferenças fisiológi- cas, de modo que são necessários valores de referência para a adequada interpreta- ção. As condições mais frequentemente descritas que cursam com disproteinemia por alterações das albuminas são: • Hipoalbuminemia Pode ocorrem pela menor síntese na des- nutrição ou alterações hepáticas crônicas. Por perda em casos de parasitismo ou alte- rações renais, peritonite, diarreias, e quei- maduras extensas. • Hiperalbuminemia Sem valor clínico, exceto em quadros de desidratação. 1.4.3 Globulinas ou Globulinemia As a globulinas correspondem a glicopro- teínas, lipoproteínas e outras proteínas sintetizadas no fígado. As ß globulinas cor- respondem a lipoproteínas, hemopexina, transferrina e outras proteínas sintetizadas principalmente no fígado. As g globulinas correspondem a imunoglobulinas produzi- das por plasmócitos e linfócitos B, sendo estas as mais abundantes, seu aumento ou diminuição quantitativa está associada a alterações na concentração de globulinas. Indicação: avaliar estados de imunodefici- ência, especialmente em recém-nascidos, ou também como resposta a quadros in- fecciosos. Amostra: soro ou plasma. Análises: estimam-se mediante o cálculo da diferença entre a concentração de pro- teínas totais e de albuminas, ou também, mediante eletroforese. Para avaliar a in- gestão adequada de colostro em recém- nascidos se utilizam técnicas como o “teste de turbidez do sulfato de zinco”, que per- mitem estabelecer quadros de imunodefi- ciências por hipoglobulinemia. Também podem-se estimar mediante o uso do re- fratômetro. A unidade empregada é o g/L, onde 1 g/dL x 10 = 1g/L. Interpretação: a concentração plasmática de globulinas nos mamíferos é de 2,5 a 4,5 g/dL, sendo menor nos animais jovens. De- vido a presença de outros fatores que in- duzem diferenças fisiológicas são necessá- rios valores de referência para a adequada interpretação. As condições mais frequen- temente descritas que cursam com dispro- teinemia por aumento ou diminuição das globulinas são: • Hiperglobulinemia Ocorre pelo aumento de g globulinas em enfermidades infecciosas supurativas crô- nicas. Também é observada nas enfermi- dades imunológicas, gamapatias e mi- eloma múltiplo. • Hipoglobulinemia Pode ser transitória nos recém-nascidos previamente a ingestão do colostro, e logo após as 24 horas de vida nos individuos imunodeficientes. 1.4.4 Razão Albumina/Globulina (A/G) É o quociente obtido ao relacionarem-se as concentrações de albuminas e globulinas. Em estados de normalidade é, em geral, menor a 1,0 variando entre 0,5 a 1,5. Sua interpretação mais precisa requer um per- fil eletroforético proteíco. A A/G se se mantém dentro dos limites fi- siológicos em animais com hiperproteine- mia pela desidratação, ou em hipoprotei- nemia por hemorragias ou queimaduras. Fernando Wittwer & Mirela Noro A A/G pode estar diminuída pela hipoalbu- minemia ou por hiperglobulinemia, en- quanto que uma A/G aumentada não tem valor clínico. 1.4.5 Proteínas de Fase Aguda (PFA) Correspondem a diversas proteínas, cuja síntese e concentração plasmática modifi- cam-se rápida e substancialmente em res- posta a um processo inflamatório. De acordo ao tipo de resposta classificam-se como PFA positivas (fibrinogênio, proteína C reativa [PCR], haptoglobina, amilóide A, ceruloplasmina e ferritina) ou negativas (albumina, transferrina, paroxanase). Do mesmo modo, são consideradas como parte das PFA as proteínas da resposta tar- dia, como as imunoglobulinas que aumen- tam após uma a três semanas de instau- rado o processo inflamatório. As PFa positivas são de maior utilidade clí- nica pois apresentam uma aumento signi- ficativo, maior a 25%, após poucas horas de produzida uma lesão de origem infecci- osa, seja bacteriana, viral, fúngica ou para- sitária, ou de origem traumática por agen- tes físicos, queimaduras ou necrose. A magnitude da variação das suas concentra- ções plasmáticas fazem com que sejam mais sensíveis para o diagnóstico de pro- cessos inflamatórios quando comparada com o leucograma. Sendo assim, as PFA são de maior utilidade no controle da evo- lução de processos inflamatórios, especial- mente em grandes animais. Sua limitação é a falta de especificidade para reconhecer a origem da inflamação. 1.4.5.1 Fibrinogênio É uma proteína sintetizada pelo fígado e de importância na coagulação sanguínea, transformando-se na malha de fibrina do coágulo. É uma das PFA positivas da fase aguda da inflamação. Indicação: avaliar a resposta inflamatória, especialmente em equinos e bovinos. Amostra: plasma. Análises: pode-se estimar de forma sim- ples mediante sua precipitação pelo calor a 56°C e posterior centrifugação. A unidade utilizada é o g/L, onde 1 g/dL x 10 = 1g/L. Interpretação: a concentração plasmática de fibrinogênio nos mamíferos é de 0,1 a 0,5 g/dL. A hiperfibrinogenemia é vista a partir de duas horas após a instauração do quadro inflamatório, e permanece en- quanto dura a enfermidade, podendo al- cançar valores maiores a 1,0 g/dL. Nos ca- sos de desidratação, aumentam as proteí- nas totais, de modo que se deve calcular a relação proteínas séricas/fibrinogênio, que normalmente é maior a 15, diferente- mente de um quadro inflamatório que é menor a 10. 1.4.5.2 Outras PFA Indicação: a incorporação de outras PFA à clínica veterinária tem sido um processo lento devido à carência de técnicas analíti- cas simples, praticáveis, de baixo custo e de utilidade para as diferentes espécies. As PFA que vem sendo utilizadas em medicina veterinária são a haptoglobina, proteína C reativa (PCR) e o amiloide sérico A (Tabela 0.1). Amostra e Análise: a amostra necessária é o soro. Os métodos analíticos desenvolvi- dos para a PCR e o amiloide A são provas baseadas em reações imunes, definidas para cada espécie, motivo que limita o em- prego de reativos da medicina humana. Para a haptoglobina tem sido desenvolvida uma prova química colorimétrica. Interpretação: a concentração plasmática das PFA é muito baixa em comparação a outras proteínas, como a albumina e as globulinas, de modo que seu aumento não Bioquímica Clínica altera o valor das proteínas totais. Con- tudo, a magnitude da alteração das PFA que ocorre como resposta a inflamação é marcada, duplicando ou mais seu valor ba- sal, tornando-as muito sensíveis, razão que tem levado seu emprego como marcados quantitativos da lesão produzida por enfer- midades infecciosas ou traumáticas. Fernando Wittwer & Mirela Noro Tabela 0.1. Características clínicas das proteínas de fase aguda (PFA) empregadas nas espécies domésticas. PFA Espécie mais usada Limite de referencia Tempo de resposta (h) Magnitude da resposta Fibrinogênio Ruminantes e equinos < 5 g/L 24 2x Haptoglobina Ruminantes e suínos < 3 g/L 24 3x Proteína C reativa, PCR Caninos < 10 mg/L 4 95x Amilóide A Equinos, bovinos, feli- nos < 4 mg/L 2 800x Fernando Wittwer & Mirela Noro 1.5 METABÓLITOS NITROGENADOSNÃO PROTEÍCOS Entre os compostos nitrogenados não pro- teicos do organismo menciona-se, por seu interesse clínico, a ureia, a creatinina, o ácido úrico e o amônio (NH4), sendo de maior interesse a determinação dos dois primeiros devido seu uso na clínica veteri- nária. 1.5.1 Ureia ou N-ureico (NUS ou BUN) É o produto terminal do metabolismo das proteínas, sintetizada no fígado a partir da amônia (NH3) absorvida no trato gastroin- testinal e da transaminação de aminoáci- dos de transporte e dos absorvidos no in- testino. A concentração sanguínea de ureia nos monogástricos é dependente da sua síntese hepática, seu transporte ao rim e do balaço entre a reabsorção tubular e sua excreção renal. Em ruminantes tem maior transcendência a formação e uso da amô- nia no rúmen, o qual é dependente da ra- zão entre proteínas e energia da dieta. Indicação: avaliar a perfusão e funcionali- dade renal, e em ruminantes para determi- nar a sincronia ruminal de proteínas rumi- nalmente degradáveis com a energia da di- eta. Amostra: soro ou plasma. Sua elevada per- meabilidade permite que sua concentra- ção em todos os fluidos seja similar a do plasma, de modo que pode-se determinar em amostras como leite com similar valor clínico. Análises: técnicas colorimétricas que consi- deram a urease para desdobrar ureia a amônia. A unidade empregada é o mmol/L, onde 1 mg/dL x 0,167 = 1mmol/L. Alguns laboratórios entregam o resultado como “ureia” e outros como “N-ureico, NUS ou BUN”, sendo este último equivalente a ureia/2,14. Interpretação: a concentração plasmática de ureia nos mamíferos é de 2 a 10 mmol/L, sendo maior nos animais jovens. Devido a presença de outros fatores que induzem diferenças fisiológicas são neces- sários valores de referências para a ade- quada interpretação. As condições mais frequentemente descritas que cursam com aumento ou diminuição da ureia plasmá- tica são: • Azotemia É o aumento das concentrações de ureia plasmática, que tem como origem causas pré-renais, renais e pós-renais. – Pré-renais: por diminuição da perfusão renal em casos de desidratação, choque, insuficiência cardíaca ou por aumento da síntese de ureia em casos de hemorragia gastrointestinal. Nestes casos não se modi- fica a creatininemia. – Renal: por insuficiência renal, com com- prometimento de mais de 50% dos né- frons. – Pós-renal: nos casos de obstrução ou rup- tura das vias urinárias. Os equinos e ruminantes excretam um vo- lume importante de ureia por via digestiva, de modo que a sua sensibilidade para diag- nóstico de perda de função renal é menor, devendo-se associar a creatininemia. • A diminuição da ureia plasmática é ob- servada ocasionalmente associada a uma baixa ingestão de proteínas na di- eta. A avaliação da ureia plasmática em rumi- nantes é de maior utilidade clínica como in- dicador da sincronia ruminal entre a degra- dação de proteínas e energia no rúmen. As- sim, é utilizada como marcador nutricional do aporte de proteínas e de energia. Um aumento da ureia plasmática é conse- quente de uma elevada ingestão de prote- ínas degradáveis e/ou um baixo aporte de Fernando Wittwer & Mirela Noro energia na dieta. E pelo contrário, concen- trações diminuídas de ureia são observa- das em casos de uma dieta com baixa razão entre proteínas e energia. 1.5.2 Creatinina É um metabolito gerado nos músculos a partir da fosfocreatina como fonte de ener- gia. Sua produção em cada indivíduo é constante, sendo eliminada pelo rim medi- ante filtração glomerular sem reabsorção tubular. Assim a creatininemia é um indica- dor do grau de filtração glomerular. Indicação: avaliar a funcionalidade renal. Amostra: soro ou plasma. Análises: técnicas colorimétricas como a de Jaffé. A unidade empregada é o µmol/L, onde 1 mg/dL x 88,4 = 1 µmol/L. Interpretação: a concentração plasmática de creatinina nos mamíferos é de 15 a 150 µmol/L, sendo mais elevada nos suínos e nos animais que realizam exercícios, como alta massa muscular. Em consequência da presença de outros fatores que induzem diferenças fisiológicas são necessários va- lores de referência para sua adequada in- terpretação. O aumento da creatininemia plasmática sobre o intervalo de referência, do mesmo modo que o aumento da ureia, é denominado azotemia, que possui um valor clínico similar ao da ureia, conside- rando que aumenta quando diminui a fil- tração glomerular maior a 70%. Por outro lado, seu aumento é menor em casos de desidratação. Em teoria, a creatinina é um melhor indica- dor da disfunção renal já que sua concen- tração é mais constante e não possui reab- sorção tubular. 1.6 ELEMENTOS MINERAIS O organismo animal dispõe de uma série de elementos inorgânicos essenciais para a vida, desempenhando diversas funções metabólicas: estrutural em ossos; manu- tenção do equilíbrio hidro-salino e ácido- básico; sendo parte de compostos (ex.: he- moglobina), hormônios (ex.: tiroxina), enzi- mas (ex.: GPx) ou vitaminas. Os elementos são agrupados segundo sua quantidade presente no organismo como: macroele- mentos que correspondem a 0,01 a 1% do peso vivo (Ca, P, Mg, Na, K, Cl e S), e micro- elementos aqueles que se encontram em quantidades menores (ex.: Cu, Zn, Fe, Se, I, Mn, Co). O plasma constitui o compartimento de mobilização imediata através do qual os elementos são transportados entre os dife- rentes compartimentos orgânicos e a suas vias de egresso. Por isso, sua concentração sanguínea é um reflexo da magnitude dis- ponível do elemento, portanto suas dimi- nuições ou aumentos extremos estão asso- ciados a situações de carência e toxicidade. Por outro lado, existem mecanismos bioló- gicos que tendem a regular as concentra- ções plasmáticas dos minerais. Em alguns casos ocorrem resultados muito intensos, como o Ca, Na e K, em que seus aumentos ou diminuições refletem na perda da capa- cidade homeostática. 1.6.1 Cálcio (Ca) ou Calcemia O cálcio é um cátion predominantemente extracelular, que se encontra na forma li- vre ou iônica (45%) e unido a proteínas (50%) ou outros compostos do plasma. Ele tem como função participar na coagulação, contração muscular, estrutura óssea, per- meabilidade de membranas celulares e como regulador celular. O conteúdo de Ca no sangue representa 1% do total corporal e sua concentração plasmática é muito es- tável, sendo regulado por hormônios hi- percalcemiantes, o paratormônio (PTH) e o 1,25 OH-colecalciferol (vitamina D3); e hi- pocalcemiante, a calcitonina. Bioquímica Clínica Indicação: em alterações de caráter agudo na transmissão nervosa como paralisia ou convulsões, e em alterações crônicas do metabolismo do Ca associadas a transtor- nos ósseos. Amostras: soro ou plasma com heparina. Não utilizar amostras de sangue com que- lantes de Ca, como o EDTA. Análises: técnicas colorimétricas que consi- deram um quelante, ou também mediante EAA. A unidade empregada é o mmol/L (1mg/dL x 0,25 = 1 mmol/L). Interpretação: a calcemia na maioria dos mamíferos é muito constante, devido seu controle endócrino, de 2,1 a 3,2 mmol/L, sendo maior nos equinos. Devido a pre- sença de outros fatores que induzem a di- ferenças fisiológicas são necessários valo- res de referência para a adequada inter- pretação. As condições mais frequente- mente descritas que cursam com aumento ou diminuição da calcemia são: • Hipercalcemia Ocorre no hiperparatireoidismo primário, e calcinose por excesso de vitamina D3 (ia- trogênica ou por plantas tóxicas [Solanum malacoxylon, Nierembergia veitchii]). Tam- bém é vista em neoplasias com produção de PTH como linfomas, mielomas, e adeno- carcionomas em cães. • Hipocalcemia É observado na paresia puerperal das vacas [febre do leite], hipocalcemia gestacional das ovelhas, eclampsia em éguas e cadelas. A hipocalcemia é leve ou ausente em casos de raquitismo, osteomalácia e osteodistro- fia, hipoparatireoidismo, pancreatite, insu- ficiência renal crônica e hipoalbuminemia.Animais hipoalbuminêmicos apresentam valores diminuídos já que parte do Ca é transportado no sangue unido a esta pro- teína. As vacas leiteiras são mais suscetíveis a apresentarem hipocalcemia, já que seu vo- lume plasmático de ± 3g representa apenas 2,5% da necessidade diária para produzir 30 litros de leite, número que reflete o grau de mobilização diária deste mineral. 1.6.2 Fosfato inorgânico (P ou Pi) ou Fosfatemia O fósforo é um ânion intracelular consti- tuinte dos fosfolipídios, ácidos nucleicos, fosfoproteínas e ATP. No plasma encontra- se na forma de fosfatos inorgânicos e como ésteres orgânicos. A determinação da fra- ção inorgânica tem utilidade clínica. Sua concentração plasmática é variável, de- pendente da excreção renal e da absorção digestiva, sendo influenciada pelo PTH, que aumenta a mobilização óssea e excre- ção renal. Indicação: em alterações do metabolismo do fósforo e cálcio associados a transtor- nos ósseos, avaliação do balanço nutricio- nal do fósforo, e alterações renais. Amostra: soro ou plasma. Análises: técnicas colorimétricas que consi- deram a formação de fosfomolibdato. A unidade empregada é o mmol/L (1 mg/dL x 0,323 = 1mmol/L). Interpretação: a fosfatemia é menos cons- tante que a calcemia sendo um melhor avaliador de seu balanço na dieta. Seu va- lor na maioria dos mamíferos é de 1,0 a 2,3 mmol/L, sendo de 25 a 100% mais elevada nos animais jovens, e menor nos equinos. Devido à presença de outros fatores que induzem a alterações fisiológicas são ne- cessários valores de referência para sua adequada interpretação. As condições mais frequentemente descritas que cur- sam com aumento ou diminuição da fosfa- temia são: • Hiperfosfatemia Fernando Wittwer & Mirela Noro Observada em animais com absorção in- testinal elevada como ocorre no hipopara- tireoidismo, hiperparatireoidismo secun- dário renal e nutricional (ingestão exces- siva de fósforo ou dietas de baixa razão Ca:P) e calcinose por intoxicação com vita- mina D. Também é vista em cães e gatos com insuficiência renal severa (maior a 80%); em equinos e bovinos com lesões ós- seas (osteolíticas) e na rabdomiólise, po- rém a excreção digestiva limita este au- mento. • Hipofostatemia Ocorre por carência nutricional, hiperpara- tireoidismo primário, raquitismo, oste- omalacia, osteodistrofia e hipovitaminose D. Encontra-se associada à hipocalcemia, a hemoglobinúria puerperal, a hipercalce- mia neoplásica, em quadros de alcalose respiratória, hiperinsulinemia e cetoaci- dose diabética. 1.6.3 Magnésio (Mg) ou Magnesemia É um cátion predominantemente intrace- lular, especialmente no osso e músculo. Atua como catalizador na síntese proteica, na permeabilidade de membranas, no me- tabolismo do cálcio, fósforo, e regulador do tônus muscular. Sua concentração plas- mática é variável, sendo regulada pela di- eta e excreção renal. Indicação: em arritmia cardíaca, hipocale- mia, hipocalcemia refratária, debilidade muscular, ataxia e convulsões. Em rumi- nantes, frente a suspeita de tetania hipo- magnesêmica. Amostra: soro ou plasma. Análises: técnicas colorimétricas que consi- deram um quelante, ou também mediante EAA. A unidade empregada é o mmol/L (1 mg/dL x 0,182 = 1 mmol/L). Interpretação: a magnesemia é variável por não ter um controle hormonal, sendo assim um reflexo da absorção digestiva e do egresso urinário e no leite. Seu valor na maioria dos mamíferos é de 0,6 a 1,1 mmol/L, sendo maior nos bovinos e ovinos. Devido à presença de outros fatores que induzem variações fisiológicas são neces- sários valores de referências para a ade- quada interpretação. As condições mais frequentemente escritas que cursam com aumento ou diminuição na magnesemia são: • Hipermagnesemia É observada em animais, e especialmente em ruminantes, com ingestão elevada, ou com insuficiência renal severa. Na paresia hipocalcêmica não associada à deficiência de Mg e no hipoadrenocorticismo. • Hipomagnesemia É observada em animais, especialmente ruminantes, com ingestão escassa ou limi- tada absorção (excesso de K na dieta, maior a 2% da matéria seca). Em casos de tetania hipomagnêmica, enteropatias, hi- poparatireoidismo e secundário ao uso de diuréticos. A magnesemia é um bom indicador do ba- lanço nutricional de Mg nas vacas, sendo empregada para o monitoramento de seu aporte na dieta frente a eventuais carên- cias que cursam com hipomagnesemia subclínica, a qual é predisponente a morte por tetania. A determinação do Mg urinário constitui um bom indicador em ruminantes para monitorar o aporte nutricional, conside- rando um valor menor a 1,0 mmol/L indi- cativo de carência. 1.6.4 Sódio (Na) ou Natremia É um cátion predominante no meio extra- celular, atuando no balanço hidro-salino e Bioquímica Clínica ácido-básico, assim como na função neuro- muscular. Suas concentrações celulares se mantêm baixas pela impermeabilidade da membrana celular mediante a bomba de sódio e potássio, que retorna o Na ao lí- quido extracelular. Sua concentração plas- mática ou natremia é muito constante, já que é fortemente regulada pelo sistema renina-angiotensia-aldosterona (reabsor- ção tubular de sódio e água). Indicação: avaliação do equilíbrio eletrolí- tico e ácido-básico em diarreias, vômitos, poliúria, polidipsia, convulsões e desidrata- ção. Amostra: soro ou plasma de sangue com heparina lítica ou potássica. Não utilizar plasma com anticoagulantes sódicos. Análises: técnicas colorimétricas que consi- deram um quelante, ou ainda mediante fo- tometria de chama ou o uso de eletrodos íon seletivos. A unidade empregada é o mmol/L (1 mEq/L x 1 = 1 mmol/L). Interpretação: a natremia é constante de- vido seu controle hormonal. Seu valor na maioria dos mamíferos é de 132 a 155 mmol/L, com escassas variações entre es- pécies, sendo ainda necessário dispor de valores de referência para sua adequada interpretação. As condições mais frequen- temente descritas que cursam com au- mento ou diminuição da natremia são: • Hipernatremia Ocorre na desidratação por déficit hídrico em casos de poliúria (diabetes), perda di- gestiva (vômito, diarreia) ou sudorese e respiração (insolação), ou uma baixa inges- tão de água. Também na intoxicação por sal, doenças renais, queimaduras cutâneas extensas, ou causas iatrogênicas como o uso de diuréticos, nutrição parenteral, uso de soluções hipertônicas de NaCl ou admi- nistração de NaHCO3 com restrição hídrica. Observa-se falsa hipernatremia em ani- mais que cursam com hiperproteinemia e hiperglicemia. • Hiponatremia Ocorre em animais com retenção de água (hiper-hidratação, insuficiência cardíaca congestiva) e em perdas crônicas do vo- lume circulante efetivo. Em ruminantes e equinos com baixa ingestão ou perda de Na por diarreia ou sudorese excessiva, aporte insuficiente, insuficiência adrenal (baixa aldosterona) e em sequestros de lí- quidos. Fernando Wittwer & Mirela Noro Tabela 0.2. Condições de saúde associados ao aumento ou diminuição das concentrações plasmáticas de Ca, Pi e Mg. Condição Ca Pi Mg Paresia hipocalcêmica na vaca, hipocalcemia gestacional da ovelha, eclampsia em éguas e cadelas ß ß Ý ou ß Hiperparatiroidismo 1º e neoplasias produtoras de PTH Ý ß - Hiperparatiroidismo 2º renal e nutricional (osteodistrofia fi- brosa) ß Ý - Hipoparatiroidismo ß Ý ß Insuficiência renal severa ß Equinos: Ý Ý N ou ß Ý ou N Hipervitaminose D ou calcinose Ý Ý - Hipomagnesemia e tetania hipomagnesêmica - - ß Fernando Wittwer & Mirela Noro 1.6.5 Potássio (K) ou Calemia (Kalemia) É um cátion predominante intracelular, sua concentração plasmática ou calemia, é re- gulada pela insulina e epinefrina que pro- movem o ingresso na célula mediante a bomba de sódio e potássio. Atua junto ao sódio no balanço hidro salino e ácido-bá- sico, assim como na função neuromuscu- lar. Indicação: avaliação do equilíbrio eletrolí- tico e ácido-básico em diarreias,vômitos, poliúria, polidipsia, convulsões e desidrata- ção. Avaliação de insuficiência renal e en- teropatias. Amostra: soro. Não se deve usar plasma com anticoagulante potássico. A hemólise produz uma pseudo hipercalemia. Análises: técnicas colorimétricas que consi- deram um quelante, ou ainda mediante fo- tometria de chama. A unidade empregada é o mmol/L (1 mEq/L x 1 = 1 mmol/L). Interpretação: a calemia é relativamente constante sendo um reflexo do equilíbrio entre o ingresso e egresso desde as células. Seu valor na maioria dos mamíferos é de 3,1 a 7,2 mmol/L, sendo menor nos equi- nos e maior e mais variável nos ruminan- tes, de modo que são necessários valores de referência para sua adequada interpre- tação. As condições mais frequentemente descritas que cursam com aumento ou di- minuição da calemia são: • Hipercalemia Devido à saída ao meio extracelular na aci- dose metabólica, disfunção renal terminal, destruição de tecidos (como necrose mus- cular), choque, hemólise, diarreia, exercí- cio intenso e deficiência de insulina. • Hipocalemia Ocorre por baixa ingestão (anorexia em va- cas, dietas baixa em potássio em gatos), re- distribuição intracelular (alcalose metabó- lica) ou por perdas (vômitos, diarreia, insu- ficiência renal – normalmente crônica –, sudorese em equinos, e uso de diuréticos). É observada em quadros de hiperadre- nocorticismo e em hiperinsulinemia. Uma falsa hipocalemia pode ser vista em qua- dros de hiperlipidemia, hiperproteinemia, hiperglicemia e azotemia. 1.6.6 Cobre (Cu) ou Cupremia Oligoelemento necessário em variados processos metabólicos, fazendo parte de proteínas como a cerulosplasmina associ- ada ao metabolismo do Fe e metaloenzi- mas antioxidantes como SODCu-Zn, e outras citocromo oxidases. No plasma é transpor- tado unido a proteínas, estando sua con- centração regulada pela disponibilidade do compartimento de reserva hepático. Indicação: avaliação da disponibilidade metabólica de cobre. A cupremia constitui um indicador do cobre disponível en- quanto que a determinação do cobre he- pático representa uma determinação da reserva deste mineral no organismo. Amostra: plasma com heparina livre de contaminação. O soro entrega valores di- minuídos pelo aprisionamento no coágulo. Análises: mediante espectrofotometria de absorção atômica. A unidade empregada é o µmol/L (1 µg/dL x 0,157 = 1 µmol/L ou 1 ppm x 15,7 = 1 µmol/L). Interpretação: a cupremia é um reflexo do equilíbrio entre o ingresso, a mobilização a partir ou para a reserva hepática e seu egresso. Seu valor na maioria dos mamífe- ros é de 10 a 22 µmol/L, sendo maior nos suínos e menos variável nos caninos, de modo que são necessários valores de refe- rência para sua adequada interpretação. As condições mais frequentemente descri- tas que cursam com aumento ou diminui- ção da cupremia são: • Hipercupremia Fernando Wittwer & Mirela Noro Ocorre devido ingestão elevada. • Hipocupremia Carência de cobre primária e secundária (excesso de Mo, SO4), marasmo enzoótico, diarreia negra, e ataxia enzoótica em rumi- nantes. A concentração de ceruloplasmina plasmá- tica se correlaciona com a do cobre, cons- tituindo uma alternativa para avaliar o ba- lanço de cobre nos animais. Contudo, sua especificidade é baixa, já que por ser uma PFA positiva aumenta nos animais com um quadro inflamatório. 1.6.7 Zinco (Zn) ou Zinquemia É um oligoelemento necessário em diver- sos processos metabólicos, fazendo parte de metaloenzimas antioxidantes como SOD, e outras associadas a queratinização e formação do tecido córneo. Indicação: avaliação da disponibilidade metabólica de zinco. Sua concentração plasmática constitui um indicador do zinco disponível. Amostra: soro livre de contaminação (evi- tar usar vidros ou borrachas). Análises: mediante espectrofotometria de absorção atômica. A unidade empregada é o µmol/L (1 µg/dL x 0,153 = 1 µmol/L ou 1 ppm x 15,3 = 1 µmol/L). Interpretação: a zinquemia é um reflexo do equilíbrio entre o ingresso a mobilização a partir ou para a reserva hepática e seu egresso. Seu valor na maioria dos mamífe- ros é de 10 a 22 µmol/L, sendo maior nos suínos e menos variável nos caninos, de modo que são necessários valores de refe- rência para sua adequada interpretação. As condições mais frequentemente descri- tas que cursam com aumento ou diminui- ção da zinquemia são: • Hiperzinquemia Ocorre devido ingestão elevada. • Hipozinquemia Carência metabólica nutricional, e para- queratose. 1.6.8 Selênio (Se) É um oligoelemento necessário em diver- sos processos metabólicos formando parte de metaloenzimas antioxidantes como di- versas GPx, e de enzimas como a iodotiro- nina deiodinase. Indicação: avaliação da disponibilização metabólica de Se. Pode ser determinada no sangue, ainda que sua baixa concentra- ção limite sua análise mediante técnicas rotineiras, empregando-se a atividade da selênio-enzima GPx, como indicador do ba- lanço nutricional metabólico de selênio. Determinação da atividade sanguínea de GPx: se utiliza uma amostra de sangue he- parinizado, e uma técnica analítica enzimá- tica cinética NADPH dependente. A uni- dade empregada é a unidade de enzima por grama de hemoglobina, U/g Hb. Determinação da concentração sanguínea de Se: a amostra utilizada é sangue hepari- nizado, e a técnica analítica de espectrofo- tometria de absorção atômica com gera- ção de hidretos. A unidade empregada é o µmol/L (1 µg/dL x 0,127 = 1 µmol/L ou 1 ppm x 12,7 = 1 µmol/L). Interpretação: a atividade sanguínea de GPx está fortemente correlacionada (r= 0,92) com a concentração sanguínea de se- lênio, em balanço normal ou de carência do elemento, porém não em quadros tóxi- cos. Assim a GPx reflete o equilíbrio entre o ingresso, sua mobilização e egresso de selênio no animal. O valor na maioria dos mamíferos é GPx = 110 a 550 U/g Hb e de Se= 1,1 a 4,4 µmol/L. As variações analíti- cas e de espécie fazem necessário dispor- se de valores referenciais para a adequada interpretação. Bioquímica Clínica Um rebanho ou um animal tem um ade- quado balanço metabólico de selênio quando sua atividade de GPx é maior a 130 U/g Hb ou do selênio = > 1,4 µmol/L. A di- minuição na atividade da GPx a menos de 60 U/g Hb ou de Se a menor a 0,63 µmol/L indica uma carência de selênio. Os valores anteriores são considerados marginais. Em animais intoxicados por selênio, selenoses, a concentração sanguínea é maior a 10 µmol/L. 1.6.9 Ferro (Fe) ou Ferremia É um oligoelemento necessário em diver- sos processos metabólicos, fazendo parte da hemoglobina e metaloenzimas antioxi- dantes. Sua concentração no plasma não é um bom indicador do conteúdo de ferro no organismo, somente indicando a quanti- dade de ferro unido a transferrina, que cor- responde ao disponível para a síntese do grupo heme da hemoglobina. O uso clínico de sua determinação em amostras de sangue é limitado pela conta- minação por hemólise. Utiliza-se a avalia- ção indireta determinando a concentração de hemoglobina no sangue, de transferrina sérica ou da capacidade de captação do ferro (TIBC) no soro, analitos que refletem a disposição de transporte sanguíneo de ferro. A transferrina é uma PFA negativa de modo que diminui em quadros inflamató- rios. A síntese de hemoglobina está reduzida na carência de ferro predispondo a anemia microcítica hipocrômica. Em inflamações crônicas há um sequestro de ferro pelo sis- tema fagócito mononuclear diminuindo sua disponibilidade para a síntese de he- moglobina. 1.7 ENZIMAS As enzimas são proteínas sintetizadas pelas células, que catalisam reações químicas, retornando a seu estado original ao final da reação. Possuem um nome genérico com o sufixo “ase”, o qual faz referência ao subs- trato sobre o qual atua (ex.: lipase), ou ainda, a reação que catalisa (ex.: lactato desidrogenase). Além disso, cada enzima tem uma abreviatura e um código, EC nº.nº.nº.nº que a identifica(ex.: alanina aminotransferase, ALT, EC 2.6.1.2). A baixa concentração das enzimas nos teci- dos não permite sua determinação direta, então são determinadas indiretamente através de seu efeito medindo-se a veloci- dade da reação que catalisam. É assim que as enzimas são medidas por sua atividade catalítica, que é expressa em Unidade Enzi- mática ou “U”, definida como a atividade de uma enzima que transforma 1 µmol de substrato em 1 minuto, sobre condições padronizadas para a técnica. A atividade é expressada em relação a um volume “U/L” ou quantidade de substância “U/g proteí- nas”. O SIU considera o “katal” (1 katal = 1mol/segundo) como a unidade base, mas é muito pouco utilizada, onde 1 U = 16,67 nkatal. A determinação de enzimas é realizada mediante técnicas cinéticas que medem a velocidade da reação da enzima com o substrato. Esta deve ocorrer sobre condi- ções definidas de pH, temperatura e pre- paração do substrato, com o objetivo de torna-las comparáveis com os resultados obtidos por outros laboratórios ou valores de referência na literatura. Este aspecto é importante devido as grandes diferenças que existem em razão de alterações de temperatura de trabalho entres laborató- rios, 25°C, 30°C ou 37°C. Outro aspecto a se considerar é a qualidade analítica, onde em geral se aceita como nível de impreci- são até 5% e de inexatidão menor a 11%. Fernando Wittwer & Mirela Noro 1.7.1 Bases da Enzimiologia Clínica As enzimas presentes no plasma podem ser classificadas como endógenas, que cumprem sua função no sangue (ex.: enzi- mas proteolíticas da coagulação); e exóge- nas as cumprem sua função nos tecidos (ex.: ALT e AST), também chamadas enzi- mas celulares considerando sua localização e função, sendo estas as de maior utilidade na clínica veterinária. A determinação da atividade de enzimas exógenas ou celulares no soro ou plasma é utilizada para o diagnóstico e diferenciação de alterações ou enfermidades presentes nos diferentes órgãos, como fígado, rim, coração, músculo e pâncreas, já que cada órgão possui um perfil enzimático típico. As enzimas celulares, em geral, se encon- tram cumprindo seu papel na membrana, citoplasma ou organelas como nas mito- côndrias das células, sem ter uma função definida no plasma. Sua presença no plasma é resultado da sua liberação da cé- lula, o que nos animais sadios é um pro- cesso fisiológico. Para que uma enzima seja de utilidade clí- nica deve expressar na forma mais especí- fica possível a alteração patológica que ex- perimenta um órgão ou tecido. É necessá- rio o cumprimento de duas condições: 1. que seja de fácil determinação e de baixo custo. 2. a amostra deve se manter estável por um período adequando de tempo. Também é necessário considerar o tempo que permanece no sangue (T1/2) desde que é liberada do tecido de origem o que permitirá sua detecção no soro ou plasma. Algumas enzimas estão presentes em vá- rios órgãos e outras são específicas. De acordo com isso, é possível classificá-las em: • Específicas: se localizam em um tipo de células. Ex.: ALT e GD no hepatócito. • Semiespecíficas: se encontram em dois ou três tipos celulares. Ex.: CK no mús- culo, miocárdio e cérebro. • Inespecífica: se localizam em mais de três classes de células. Ex.: LDH no fí- gado, coração, músculo, eritrócito. Também, é possível diferenciá-las em quanto sua localização intracelular. Por exemplo, nos hepatócitos a glutamato de- sidrogenase (GMD) está principalmente dentro da mitocôndria e a alanina amino- transferase (ALT) no citoplasma (Figura 0.3). Algumas enzimas exibem diferentes estru- turas moleculares chamadas “isoenzimas”, que correspondem a múltiplas formas mo- leculares de uma enzima que se encontram presentes em uma mesma espécie. Atuam especificamente sobre uma mesma reação e diferem estruturalmente, já que provem de genomas diferentes. Por exemplo, para a CK se reconhecem três isoenzimas forma- das por dois protômeros M (músculo) e B (cérebro), BB, MB e MM. Deste modo, sua determinação entre uma maior especifici- dade com o objetivo de precisar o órgão afetado. Figura 0.3. Modelo de liberação enzimática posterior a uma lesão celular. A atividade plasmática de uma enzima de- pende do equilíbrio entre seu ingresso e Bioquímica Clínica saída do sangue. Em geral, uma enzima au- menta no plasma quando seu ingresso ao sangue excede o grau de inativação ou re- moção (Tabela 0.3). Esta situação é repre- sentada por: • Alteração da permeabilidade Lesão da membrana celular ou necrose ce- lular com saída extracelular da enzima. Este mecanismo de liberação da célula, com aumento de sua atividade plasmática, é mais frequente de se encontrar na prá- tica veterinária, como ocorre com a ALT e GMD na hepatite nos cães e bovinos, res- pectivamente (Figura 0.3), e a CK na mio- patia. • Aumento na produção de enzimas Associadas a membranas, secundário a proliferação celular. É observada na hiper- plasia biliar com aumento de GGT nos ca- sos de aflatoxicose, assim como durante crescimento ou reparação óssea com au- mento de ALP. • Indução enzimática Aumento da síntese celular produzida por substâncias endógenas (ácidos biliares) ou exógenas (fenobarbital), prednisolona ou prednisona com uma maior saída ao plasma como ocorre com a ALT e ALP. • Diminuição na remoção plasmá- tica Como ocorre com a amilase e lipase, que são excretadas com a urina, que se alteram quando há uma disfunção renal. O soro é a amostra de eleição para a aná- lise da atividade enzimática no sangue. Também pode-se utilizar plasma com he- parina, já que não inativa as enzimas. Como a estabilidade enzimática difere para cada enzima, é conveniente separar o soro e o plasma rapidamente e determinar a ati- vidade o mais rápido possível. Existem grandes diferenças entre espécies em relação à utilidade clínica das enzimas (Tabela 0.4). Assim, por exemplo, baseado na magnitude do aumento na atividade da ALP, este resultado pode ser útil em cani- nos para avaliar a integridade do ducto bi- liar, mas não em ovinos ou felinos (Figura 0.4). Figura 0.4. Atividade da fosfatase alcalina (ALP) associada a obstrução do ducto biliar em caninos, equinos, ovinos e felinos. Adaptado de Kaneko et al, 2008. 0 10 20 30 40 50 60 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 Canino Felino Equino Ovino Dias AL P (U /L ) Fernando Wittwer & Mirela Noro Tabela 0.3. Mecanismo do aumento sérico das enzimas celulares, sua origem e espécies de maior utilidade clínica. Enzima Mecanismo do aumento Origem principal Espécie más utilizada ALT Lesão celular Indução Hepatócito Canino AST Lesão celular Hepatócito Miócito de músculo esquelético e cardí- aco Ruminantes, equino GMD Lesão celular Hepatócito Ruminantes e equinos CK Lesão celular Miócito de músculo esquelético e cardí- aco Equino, canino, felino, ruminante ALP Indução Célula do epitélio biliar Hepatócito Osteoblasto Canino GGT Indução Proliferação celular Célula do epitélio biliar Hepatócito Ruminante, equino AMS Lesão celular e diminuída excreção renal Célula acinar do pâncreas Célula de intestino Canino LIP Lesão celular e diminuída excreção renal Proliferação celular Célula acinar do pâncreas Célula da neoplasia hepática Célula da mucosa gástrica Canino Tabela 0.4. Utilidade clínica da determinação das enzimas celulares no plasma de animais. Enzima Órgão Canino Felino Suíno Equino Bovino Ovino Caprino LDH M-C-F-outros - - + + - - - CK M-C-N ++ ++ ++ +++ ++ ++ ++ AST F-C-M + + ++ ++ ++ ++ ++ ALT F +++ +++ +++ + + + + GMD F +++ ++ + +++ +++ +++ +++ SDH F + + - ++ ++ ++ ++ GGT F + ++ ++ +++ +++ +++ +++ ALP F-O-I-R +++ + +++ ++ + + + AMS P-I-R +++ +++ +++ - - - - LIP P-I-R +++ +++ +++ - - - - PEP G - - - - ++ ++ ++ Utilidade: - nula ou sem informação; + baixa, ++ média; +++ alta. C= coração; F= fígado; I= intestino; M= músculo; O= ósseo;R= rim; P= pâncreas; N= nervos; G= estômago. Para a interpretação do aumento na ativi- dade sérica de uma enzima devem-se con- siderar os seguintes aspectos: • O aumento de uma enzima identifica a lesão em um órgão, sem ser um marcador específico para uma enfermidade definida. • A magnitude do aumento pode ser es- tabelecida em base ao aumento sobre o li- mite superior de referência (LSR) é calcu- lada com o valor da amostra/LSR. Assim um valor de ALT = 170 U/L com um LRS = 85 U/L sinaliza que é 170/85 = 2x LSR. Tam- bém pode ser estimado mediante o DPx. • A magnitude do aumento se relaciona com a severidade da lesão. Assim um dano leve pode alcançar valores maiores que 50 LRS. • A magnitude do aumento não diferen- cia uma lesão reversível de uma irreversí- vel, ou se é difusa ou localizada. • Para definir se a lesão é inicial, encon- tra-se em regressão ou se é persistente no tempo, são necessários ao menos dois re- sultados sequenciais. 1.7.2 Enzimas Celulares de Interesse Clínico 1.7.2.1 Alanina aminotransferase, ALT, (GTP), EC 2.6.1.2 Enzima citoplasmática, considerada espe- cífica do hepatócito, ainda que também seja encontrada no músculo. Sua atividade sérica é de interesse para avaliar altera- ções do parênquima hepático. Sua baixa atividade hepática nos herbívoros limita sua utilidade clínica nestas espécies. Encontram-se aumentada em caninos e fe- linos com dano hepático agudo de origem degenerativa (hipóxia), metabólica (lipi- dose, diabetes), neoplásica (linfoma, carci- noma), inflamatória (hepatite, cirrose), tó- xica (cobre, esteroides, tetraciclina) e trau- mática. Alcança seu maior valor após qua- tro dias da lesão, retornando em duas se- manas ao seu valor basal. A administração de glicocorticoides e barbitúricos aumen- tam a ALT sérica, observando-se também um aumento moderado em lesão muscular severa. 1.7.2.2 Aspartato aminotransferase, AST (GOT), EC 2.6.1.1 Enzima citosólica e mitocontrial, semi-es- pecífica de hepatócitos, músculo estriado e cardíaco. A determinação de sua atividade sérica é de interesse em suspeitas de enfermidades hepáticas, musculares esqueléticas e/ou miocárdicas, sendo principalmente empre- gada em equinos e ruminantes, ainda que sua baixa especificidade limite seu uso. Au- menta devido lesão do hepatócito, em he- patopatias degenerativas (hipóxia), meta- bólicas (lipidose, hiperlipidemia), neoplási- cas (linfoma), inflamatórias (hepatite, cir- rose) ou tóxicas (alcalóides, aflatoxinas) e em danos musculares (exercício físico in- tenso, injeção intramuscular). 1.7.2.3 Glutamato desidrogenase, GMD (GLDH), EC 1.4.1.3 Enzima específica do hepatócito, localizada principalmente na zona centro lobular e de localização mitocondrial que é liberada ao sangue como consequência de uma ne- crose celular. A determinação de sua atividade sérica é de interesse em herbívoros frente a sus- peita de alteração hepatocelular, já que se encontra aumentada por um período breve em hepatopatias agudas. 1.7.2.4 Sorbitol desidrogenase, SDH, EC 1.1.1.14 Enzima específica do hepatócito que é libe- rada ao sangue por necrose celular. É inati- vada rapidamente, de modo que deve ser analisada dentro de 12 horas. A determinação da sua atividade sérica é de interesse em equinos frente a suspeita de alteração hepatocelular aguda, nas quais aumenta por um período breve. 1.7.2.5 Fosfatase alcalina ALP (SAP), EC 3.1.3.1 Enzima da membrana microssomal de ca- nalículos biliares, ossos, intestino, rim e placenta, que é liberada ao sangue em res- posta a colestase ou indução com corticoi- des ou barbitúricos. Por seu papel no pro- cesso de ossificação sua atividade é duas ou três vezes maior em animais em cresci- mento. Sua atividade sérica encontra-se aumen- tada em cães com colestase intra ou pós- hepática (Figura 0.4). Observa-se igual- mente aumentada por indução nos casos de hiperadrenocorticismo e como resposta ao uso de corticoides, barbitúricos e este- roides. Pode aumentar em animais com al- terações na ossificação (raquitismo, oste- omalacia, osteomielite, osteossarcoma), e em cães com patologias variadas como en- terites, pancreatite, hipertiroidismo, gesta- ção, piometra, nefrite e tumores de tecido ósseo. Sua vida média em gatos é muito curta, de modo que sua determinação é de baixa sensibilidade. 1.7.2.6 Gama glutamil transpeptidase, GGT, EC 2.3.2.2 Enzima semi-específica da membrana celu- lar do conduto biliar hepático, túbulo renal e glândula mamária. A determinação de sua atividade sérica é empregada para ava- liar alterações obstrutivas hepáticas por dano ou hiperplasia no conduto biliar em herbívoros. Sua atividade sérica está aumentada em equinos e ruminantes com colestase ou hi- perplasia biliar resultante de indução e proliferação celular. É considera específica do fígado, já que em lesão renal se excreta por via urinária, de modo que seu aumento indica obstrução hepática ou dano do con- duto biliar. O colostro tem uma elevada atividade de GGT, de modo que o recém-nascido apre- senta uma atividade sérica elevada du- rante a primeira semana de vida, consti- tuindo uma alternativa para avaliar o con- sumo de colostro em terneiros. 1.7.2.7 Creatina quinase, CK, EC 2.7.3.2 Enzima semi específica que se localiza pre- ferencialmente em células do músculo es- quelético e cardíaco. Sua atividade no cé- rebro, útero e intestino é baixa. A determinação de sua atividade sérica é empregada para avaliar enfermidades musculares e lesão devido ao exercício fí- sico. Encontra-se aumentada em proble- mas musculares degenerativos (rabdomió- lise), nutricionais (deficiência de selênio e vitamina E), inflamatórios, tóxicos (monen- sina) ou traumáticos (exercício, estresse do transporte, infecção). O grau de aumento relaciona-se com a magnitude do dano muscular. Em geral, se observa valores maiores a 10 e inclusive maiores a 100 ve- zes o LSR. A determinação da isoenzima CK-MB como indicador de dano no miocárdio em cães é útil por sua curta vida média. 1.7.2.8 Amilase, AMS, EC 3.2.1.1 e Li- pase, LIP, EC 3.1.1.3 Enzimas celulares originadas principal- mente pelas células acinares do pâncreas e excretada pelo rim, ainda que se descreva uma isoenzima intestinal. A amilase hidro- lisa o amido e o glicogênio, e a lipase os li- pídios. Bioquímica Clínica A determinação de sua atividade sérica é empregada para avaliar alterações agudas do pâncreas nos caninos e felinos, encon- trando-se aumentada na pancreatite, atro- fia juvenil e neoplasias pancreáticas. Sua atividade sérica está aumentada em dis- funções renais, pela diminuída excreção. A lipase também se encontra aumentada em neoplasias hepáticas e pela terapia com corticoides. Em cães com pancreatite aguda a AMS aumenta mais de 10 vezes o LSR. 1.7.2.9 Desidrogenase láctica, LDH, EC 1.1.1.27 Enzima citoplasmática inespecífica encon- trada nas células do fígado, coração, mús- culo, sangue e outras células, de modo que sua utilidade clínica é muito limitada. É uti- lizada em equinos para avaliar a adaptação ao exercício. São reconhecidas cinco isoenzimas tetra- méricas formadas pelos protômetro H (co- ração) e M (músculo), sendo de interesse a determinação de LDH1 ou HHHH em suínos e cavalos ao encontrar-se aumentadas em lesão do miocárdio. 1.7.3 Outras Enzimas Sanguíneas de In- teresse Clínico 1.7.3.1 Pseudocolinesterase, pseudo- ChE, EC 3.1.1.8 Enzima endógena do plasma já que cumpre seu papel metabólico no sangue catali- sando a hidrólise do neurotransmissor ace- tilcolina. Existem duas colinesterases, a acetil-colinesterase ou verdadeira (AChE), e a butiril-colinesterase ou pseudocolines- terase (ButChE), tendo esta última maior atividade plasmática e maior utilidade clí- nica. Sua determinação é de interesse clínico em casos de suspeita de intoxicação por orga- nofosforados e carbamatos, em que sua atividade plasmática diminui ao ser inibida pelo tóxico.1.7.3.2 Glutationa peroxidase, GPx, EC 1.11.1.9 Metaloenzima de localização principal- mente celular, e que em sua estrutura mo- lecular contém selênio. Sua atividade no sangue está relacionada diretamente com o balanço metabólico nutricional do micro- elemento, sendo assim de utilidade sua de- terminação nos eritrócitos para diagnosti- car quadros de carência de selênio, nos quais está diminuída, como comentado an- teriormente na seção sobre o selênio. 1.8 HORMÔNIOS Os hormônios são mensageiros específicos que regulam funções do organismo. Tradi- cionalmente têm sido definidos como com- postos químicos sintetizados por glândulas endócrinas e secretados ao sangue em quantidades mínimas para serem transpor- tados aos órgãos alvo, onde regulam pro- cessos bioquímicos específicos. Quimica- mente se classificam como hormônios pep- tídeos e proteicos (LH, FSH, ACTH, TSH, GH, insulina, hormônios liberadores, entre ou- tros), esteroides (progesterona, prosta- glandina, testosterona, estradiol, cortisol) e as aminas (catecolaminas, hormônios da tireoide). A determinação de hormônios em amos- tras de fluidos de animais, como o cortisol, T3 e T4, insulina e progesterona, tem pas- sado a constituir uma ferramenta básica na prática da clínica veterinária, seja no diag- nóstico de alterações endócrinas em ani- mais de esporte ou de companhia, ou na avaliação de situações de estresse e infer- tilidade em animais de produção. Devido sua baixa concentração nas amostras são necessárias técnicas de alta sensibilidade analítica, como radio imunoanálise (RIA), ensaio por imunoabsorção ligado a enzi- mas (ELISA) ou eletroquimioluminiscência (EQL), técnicas que apresentam um custo elevado, porém entregam resultados com uma adequada precisão, CV menor a 10% e exatidão maior a 90%. Os resultados são expressos de acordo com o SI em nmol/L. Sua principal limitação para amplificação do uso na rotina da medicina veterinária está associada a disponibilidade e custo dos reativos para as diferentes espécies, já que ao serem técnicas baseadas em imu- noensaio nem sempre é factível utilizar os reativos desenvolvidos para medicina hu- mana, devido a heterologia entre espécies. Deve-se considerar que a concentração de hormônios em um indivíduo apresenta uma elevada variação durante o dia, pro- duzidos por alterações fisiológicas associa- das ao ritmo circadiano. Esta situação li- mita dispor dos valores de referência, e os limites estabelecidos apresentam uma ele- vada variação produzido pela flutuação ho- rária e entre indivíduos de uma espécie. Este fato limita a sensibilidade diagnóstica e, portanto, sua utilidade clínica. Contudo, para melhorar sua sensibilidade utilizam- se provas de estimulação ou de inibição nas quais logo de uma amostra basal admi- nistra-se um fármaco que estimula ou inibe sua liberação ao sangue, avaliando-se sua variação as 2, 4 ou 8 horas posteriores. 1.8.1 Insulina A insulina é um hormônio secretado pelas células β das ilhotas de Langerhans do pân- creas em resposta ao aumento da glicemia. Seus principais órgãos-alvo são o tecido adiposo, fígado e músculo, favorecendo o metabolismo de hidratos de carbono ao potencializar a captação celular da glicose. Indicação: diagnóstico de insulinoma e di- ferenciação do tipo de diabetes mellitus (DM). Amostra: soro. Análises: imunoensaios comerciais para humanos validados para canino e baseados em técnicas de ELISA, RIA ou EQL, que de- terminam insulina. A unidade empregada é o pmol/L (1 mU/L x 7,175 = 1 pmol/L). Interpretação: as concentrações séricas de insulina refletem a quantidade de hormô- nio que está sendo mobilizado no mo- mento, sendo dependente de sua libera- ção que é pulsátil e dependente da glice- mia. Seus valores devem ser determinados em jejum. A maioria dos mamíferos são muito flutuantes e variáveis entre espé- cies: vacas de 0 a 36 pmol/L, e cães de 36 a 144 pmol/L, de modo que se requerem de valores de referência para sua adequada interpretação. Nos cães com DM tipo 1 possuem valores de insulina diminuídos, enquanto que os com DM tipo 2 suas con- centrações estão dentro dos intervalos de referência ou estão aumentadas. 1.8.2 Tiroxina (T4) e Triiodotironina (T3) Os hormônios da tireoide T4 e T3 aumen- tam o metabolismo celular e estimulam o crescimento nos animais jovens. Induzem a síntese de proteínas associadas ao cresci- mento celular, fosforilação oxidativa e o transporte de eletrólitos através de mem- branas. O T4 é um hormônio produzido pela glândula tireoide como resposta ao TRH, e o T3 é produzido a partir do T4 pela glândula tireoide e outros tecidos. Ambos se encontram no sangue em forma ligada a proteínas e na forma livre. Indicação: diagnóstico e avaliação de tera- pia em hipotireoidismo ou hipertireoi- dismo, primário ou secundário. Amostra: soro, ou plasma com EDTA ou he- parina. Análises: imunoensaios comerciais valida- dos para caninos, felinos, equinos e bovi- nos baseados em técnicas de RIA ou EQL Bioquímica Clínica que determinam T4 e T3 total ou T4 livre. A unidade empregada é o nmol/L (para T4 1µd/dL x 12,87 = 1 nmol/L, e para T3 1µg/dL x 0,015 = 1 nmol/L). Interpretação: as concentrações séricas de T4 e T3 total refletem a quantidade de hor- mônio que está sendo mobilizada no mo- mento, a qual é basicamente dependente de sua síntese, e deste modo pela função da tireoide. Seus valores na maioria dos mamíferos variam para T4 entre 13 a 56 nmol/L, e para T3 entre 0,3 a 2,4 nmol/L, com diferenças entre espécies de modo que são necessários valores de referência para a adequada interpretação. As condi- ções mais frequentemente descritas que cursam com aumento ou diminuição são: • T4 dentro do intervalo de referência permite descartar o hipotireoidismo; • T4 diminuído suporta uma suspeita de hipotireoidismo primário ou secundário, ou por síntese inadequada em deficiências de iodo ou da inclusão de substâncias bocí- genas na dieta de ruminantes; • T4 aumentado suporta uma suspeita de hipertireoidismo (adenoma ou adenocarci- noma de tireoide em caninos, felinos e equinos) • T3 tem pouco valor diagnóstico na ro- tina da clínica veterinária. 1.8.3 Cortisol Os glicocorticoides, cortisol, cortisona e corticosterona, são produzidos pelas célu- las do córtex da adrenal em resposta ao ACTH hipofisário liberado frente ao estí- mulo do hormônio liberador, CRH, do hipo- tálamo. Sua secreção é pulsátil e manifesta um forte ciclo circadiano regulado medi- ante retroalimentação que inibe a libera- ção de CRH. Indicação: confirmar o diagnóstico de insu- ficiência adrenal e hiperadrenocorticismo adrenal ou hipofisário (síndrome de Cus- hing). Amostra: de preferência plasma com EDTA, podendo-se utilizar soro ou plasma com heparina. Análises: o cortisol constitui o glicocorti- coide detectado por várias técnicas usadas nos laboratórios. Podem-se empregar as técnicas desenvolvidas para humanos, as que sejam baseadas em imunoensaios de RIA, ELISA ou EQL que devem ser validados para cada espécie. A unidade empregada é o nmol/L (1µg/dL x 27,6 = 1 nmol/L). Interpretação: a concentração plasmática de cortisol reflete a quantidade de hormô- nio mobilizado no momento, que é depen- dente de sua síntese, e assim da função adrenal. Seus valores, na maioria dos ma- míferos flutuam entre 10 a 240 nmol/L, com diferenças entre espécies, sendo su- perior em cavalos, de modo que são neces- sários valores de referência para sua ade- quada interpretação. As condições mais frequentemente descritas que cursam com aumento ou diminuição são: • Hipercortisolemia Observada no hiperadrenocorticismo pitui- tário ou síndrome de Cushing, neoplasia adrenal (adenoma, adenocarcinoma), es- tresse e de origem iatrogênico (administra- ção de ACTH). • Hipocortisolemia É visto no hipoadrenocorticismo primário ou Addison, e secundário a deficiência de ACTH, e por iatrogenia (cetoconazol, e pos- terior à terapia