Prévia do material em texto
Objetivo 01: Fisiologia do sono O sono é um processo fisiológico caracterizado por um conjunto de alterações comportamentais fisiológicas que ocorrem de forma conjunta, desde fechamento dos olhos, redução da atividade motora, postura tipicamente relaxada e em decúbito, atividades elétricas características e elevado limiar para resposta a estímulos externos. As principais funções do sono são relacionadas ao descanso e a regeneração orgânica que são essenciais para o funcionamento do corpo e mente, conservação da energia diária, consolidação do aprendizado e memória, além da função imunológica, auxiliando processos de defesa do organismo frente a estímulos externos ou do próprio corpo. Em consonância, noites mal dormidas tem efeitos adversos bem conhecidos como fadiga, cansaço, indisposição, alteração de sintomas cognitivos como atenção e memória, baixo rendimento escolar e em atividades de trabalho sendo um fator de risco importante para acidentes como os automobilísticos. Ainda tem relação independente com complicações cardiovasculares sendo fator de risco para obesidade, diabetes, hipertensão arterial e doenças psiquiátricas. O sono e o estado de vigília ocorrem em alternância circadiana, sendo regulado nas 24 horas pela interferência da luz. Esse ciclo não é semelhante em todos os indivíduos porque diversos processos estão associados como idade, sexo, características individuais como estados de humor e questões culturais relacionadas aos horários de descanso e trabalho. É também influenciado por substancias como álcool e drogas, além de citocinas e hormônios justificando a variedade natural pela idade e também em indivíduos que utilizam substâncias exógenas. O sono dura em média de 7:30 horas ou 8 horas e a vontade é o principal controlador desse horário de sono. Dentre estes existem as variações consideradas dormidores curtos que tem noites de sono menores que 6 horas e dormidores longos com sono ultrapassando 10 horas por noite. A distribuição habitual do horário de dormir também não é um elemento fixo, mas em geral essa distribuição se dá entre o período das 22h ou 23h da noite e o despertar ocorre entre as 6/7 horas da manhã. No adulto, os estágios do sono estão divididos em sono REM e não-REM (NREM). Esses dois estágios alternam-se em um ciclo que dura entre 70 e 120 minutos. Em geral, ocorrem 4 a 6 ciclos de NREM/REM por noite. O primeiro período de REM dura entre 5 e 10 minutos; à medida que a noite progride, os períodos de REM tendem a tornar-se mais longos e mais próximos e exibem de forma progressiva uma maior densidade de REM. O Termo REM significa movimento rápido dos olhos, este que ocorre durante a fase mais profunda do sono. O sono Não REM é característico pela fase inicial de sonolência, com diminuição progressiva do tônus, cérebro em estado tranquilo e com baixa atividade psicológica. O Eletroencefalograma (EEG) é sincrônico, com ondas características de complexos K, fusos de sono e ondas lentas de alta voltagem. Ele é subdivido em três fases N1, N2 e N3 ou SWS (S3 + S4). Os estágios desde a vigília ou estágio 0 que registra ondas rápidas, de baixa amplitude (curtas e pequenas), que indicam alto grau de atividade dos neurônios corticais. Também faz parte desse estágio o movimento aleatório dos olhos e um acentuado tônus muscular. Os estágios do sono normal de um adulto são os seguintes: • Estágio 0: é um período de vigília com os olhos fechados que ocorre imediatamente antes do início do sono. Os registros eletrencefalográficos (EEG) mostram sobretudo ondas alfa sinusoidais sobre o occipício, que têm uma frequência de 8 a 13 ciclos por segundo e uma amplitude (ou voltagem) bem baixa. O tônus muscular tende a estar aumentado. A atividade alfa diminui com o aumento da sonolência. • Estágio 1: é chamado de estágio de início do sono, porque proporciona uma breve transição da vigília ao sono quando a melatonina (o hormônio do sono) é liberada, induzindo- o. Há uma redução do tônus muscular. A atividade alfa diminui para menos de 50% dos registros do EEG. Há um sinal de amplitude baixa e frequência mista, composto principalmente de atividade beta e atividade teta mais lenta (4 a 7 ciclos por segundo). Esse estágio é responsável por cerca de 5% do período total de sono. • Estágio 2: é dominado pela atividade teta e caracterizado pelo aparecimento de fusos de sono e complexos K. Os fusos de sono são explosões breves de ondas rítmicas (12 a 14 ciclos por segundo com uma duração de 500 a 1.500 ms). Os complexos K são ondas de EEG agudas, negativas e de alta voltagem, seguidas de atividade positiva mais lenta, com uma duração de 500 ms. São considerados a representação da resposta do sistema nervoso central (SNC) aos estímulos internos; também podem ser suscitados durante o sono com estímulos externos, como um ruído alto. Esse estágio em geral é responsável por cerca de 45 a 55% do tempo total de sono. Ocorre a redução da atividade dos neurônios corticais, com isso diminuem o ritmo cardíaco e respiratório e começa o sono leve. Relaxam-se os músculos e a temperatura corporal cai. Os estágios 1 e 2 podem se alternar com a vigília antes que entre em sono profundo. • Estágio 3: é caracterizado por 20 a 50% da atividade das ondas delta de alta voltagem, com uma frequência de 1 a 2 ciclos por segundo. Como no Estágio 2, o tônus muscular é aumentado, mas os movimentos dos olhos estão ausentes. • Estágio 4: ocorre quando as ondas delta compõem mais de 50% dos registros do EEG. Os Estágios 3 e 4 são com frequência indistinguíveis e coletivamente referidos como sono de onda lenta, sono delta ou sono profundo. Esses estágios, juntos, são responsáveis por cerca de 15 a 20% do tempo total de sono. • O sono REM é caracterizado por um registro de EEG similar àquele observado no Estágio 1, com uma explosão de movimentos rápidos e conjugados dos olhos e um nível reduzido do tônus muscular. Os períodos de REM ocorrem em explosões fásicas e são acompanhados por flutuações na frequência respiratória e cardíaca, assim como por um entumescimento do pênis e do clitóris. Esse estágio constitui entre 20 e 25% do período total de sono e é também conhecido como sono dessincronizado. No sono REM ocorre total atonia com movimento periódico rápido dos olhos, atividade intensa cerebral e EEG ativado, dessincronizado. Os sonhos noturnos são originados nessa fase do sono. Logo, há um cérebro ativo em corpo completamente paralisado. Um adulto jovem normal passa da vigília a um período de sono NREM, que dura aproximadamente 90 minutos, antes do primeiro período de REM; essa porção do sono NREM é referida como latência de REM. A sequência dos estágios do sono durante um ciclo inicial do sono é a seguinte: Estágios NREM 1, 2, 3, 4, 3 e 2; depois, ocorre um período de REM. O número de ciclos de sono REM varia de 4 a 6 por noite, dependendo da duração do sono. Em adultos jovens, o sono REM constitui cerca de 25% do tempo total de sono, mas pode exceder a 50% em recém-nascidos. O ciclo de sono (tempo de REM até tempo de REM) é mais curto em bebês do que em adultos. Os períodos de REM emergem a cada 50 a 60 minutos durante o sono dos bebês e aumentam de forma gradual até a duração do ciclo de sono dos adultos de 70 a 100 minutos durante a adolescência. No nascimento, os períodos de REM e NREM são igualmente dispersos durante o período do sono; à medida que um indivíduo envelhece, os períodos de REM são em geral confinados ao terço final da noite. Os núcleos e as vias que contêm serotonina desempenham um importante papel na regulação do sono NREM. Os sistemas noradrenérgicos estão envolvidos de modo especial no controle do sono REM. Os neurônios que contêm serotonina estão localizados sobretudo no grupo dos núcleos na parte inferior do mesencéfalo e nas pontes superiores, referidas como núcleos da rafe. A ativação desses neurôniosregula o sono NREM. Os neurônios noradrenérgicos são encontrados em todo o tronco cerebral. Atingem sua concentração mais elevada no locus ceruleus, nas pontes, que se imagina regularem o sono REM; A acetilcolina também desempenha um papel importante no sono, e a interação recíproca entre os sistemas serotonérgico e noradrenérgico, por um lado, e os sistemas colinérgicos, por outro, pode subjazer à oscilação básica do ciclo NREM/REM. Existe a correlação direta com neurotransmissores no processo de sono, durante a vigília predominam cinco neurotransmissores que fazem parte do sistema reticular ativador ascendente, sendo eles: histamina, dopamina, noradrenalina, serotonina e acetilcolina. Outros neurotransmissores ativadores são orexina e hipocretina. Dentre os neurotransmissores inativadores destacam-se o Gaba e a melatonina. As principais regiões envolvidas na transmissão de mecanismos ativadores e inativadores estão na região do hipotálamo. A histamina é um neurotransmissor que estimula o estado de vigília, sendo assim, anti- histaminérgicos ou antialérgicos são medicamentos que promovem sono, enquanto isso, o neurônio GABAérgico é o principal estimulador do sono. As regiões do hipotálamo lateral e núcleo supraquiasmático produzem substâncias como orexina e melatonina e regulam o estado de sono-vigília, sendo a orexina estimulando a vigília e a melatonina o sono. Transtornos do sono e tratamentos farmacológicos Os transtornos do sono envolvem uma variedade de condições com origens fisiológicas, neurológicas ou comportamentais. O DSM-IV-TR classifica os transtornos do sono em dissonias (insônias, hipersonias e TRCSs), parassonias e transtornos do sono secundários. A ICSD-2 divide os transtornos do sono em seis grupos: insônias, transtornos respiratórios relacionados ao sono, TRCSs, parassonias e transtornos de movimento relacionados ao sono. Transtorno de insônia A insônia se caracteriza por incapacidade de iniciar ou manter o sono, sono de má qualidade, sintomas diurnos de fadiga ou baixo rendimento e insatisfação com a qualidade de sono obtida. Pode significar sono de curta duração, insuficiente para manter-se alerta e conservar o bem estar físico e mental durante o dia. A prevalência da insônia aguda é de 30 a 50%; da crônica, de 9 a 15%. A prevalência é maior em mulheres, idosos e indivíduos de segmentos socioeconômicos inferiores. A insônia é a queixa de sono mais comum em adultos, e pode estar associada a doenças clínicas, psiquiátricas, transtornos do ritmo circadiano, uso de medicamentos e substâncias, além de transtornos primários do sono. Independentemente de sua etiologia, a insônia está associada a uma gama de sintomas adversos, como distúrbios de humor, dificuldade de concentração e memorização, além de associação com doenças clínicas e psiquiátricas. A insônia pode ser inicial, intermediária ou terminal. Na insônia inicial, o paciente apresenta dificuldade de iniciar o sono com duração superior a 30 min. A insônia intermediária é caracterizada por despertares durante a noite que podem ser de curta ou de longa duração. A insônia terminal tem como principal sintoma o despertar precoce, ou seja, o paciente passa a acordar mais cedo que o habitual. Outra característica importante é que o transtorno do sono resulta em perdas diurnas, prejudicando o alerta e o humor, com impacto no desempenho profissional e intelectual e na qualidade de vida. Classificação da insônia De acordo com Classificação Internacional dos Transtornos do Sono, a insônia pode ser classificada, conforme a duração, em aguda ou crônica. A insônia aguda dura menos de 3 meses e, em geral, surge como resposta a fatores estressores de natureza psicogênica, médica ou ambiental em uma pessoa com sono previamente normal, causando, sobretudo, dificuldade para iniciar o sono. A insônia é considerada crônica a partir de 3 meses de duração. Segundo a 5a edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM5), os sintomas de insônia devem ocorrer pelo menos 3 vezes por semana, há pelo menos 3 meses, para que possam ser considerados transtorno de insônia crônica. Boa parte dos casos de insônia são comórbidos a outras doenças, como depressão. A Classificação Internacional dos Transtornos do Sono de 201412 contempla os critérios AF para o diagnóstico de transtorno de insônia, independentemente das suas causas: A – O paciente relata, ou os pais ou cuidadores observam, um ou mais dos seguintes: 1 – Dificuldade em iniciar o sono. 2 – Dificuldade em manter o sono. 3 – Despertar antes do desejado. 4 – Resistência a ir para a cama no horário apropriado. 5 – Dificuldade para dormir sem a intervenção dos pais ou cuidadores. B – O paciente relata, ou os pais ou cuidadores observam, um ou mais dos seguintes sintomas relacionados com dificuldade para dormir no período noturno: 1 – Fadiga/mal-estar. 2 – Comprometimento da atenção, concentração ou memória. 3 – Prejuízo no desempenho social, familiar, ocupacional ou acadêmico. 4 – Distúrbio do humor/irritabilidade. 5 – Sonolência diurna. 6 – Problemas comportamentais (p. ex., hiperatividade, impulsividade, agressividade). 7 – Redução da motivação/energia/iniciativa. 8 – Propensão para erros/acidentes. 9 – Insatisfação ou preocupação com o sono C – As queixas relacionadas ao ciclo vigília-sono não podem ser explicadas somente por oportunidades inadequadas para o sono (ou seja, tempo suficiente é alocado para o sono) ou circunstâncias inadequadas para o sono (ou seja, o ambiente é seguro, escuro, silencioso e confortável). D – O distúrbio do sono e sintomas diurnos associados ocorrem pelo menos três vezes na semana. E – O distúrbio do sono e sintomas diurnos associados estão presentes por pelo menos três meses. F – A dificuldade para dormir não é melhor explicada por outro transtorno do sono. Na versão anterior da classificação, a insônia foi dividida em subtipos de acordo com a etiologia: psicofisiológica, idiopática, paradoxal, causada por higiene do sono inadequada, secundária a transtorno mental, decorrente de condição médica e insônia devido a uso de substância ou medicamento. Insônia psicofisiológica Também denominada insônia aprendida, insônia condicionada ou insônia primária, é o subtipo mais comum de insônia crônica primária, com taxas de prevalência de 1 a 2% na população geral, e representa 12 a 15% dos quadros de insônia. Os critérios diagnósticos incluem duração mínima de 3 meses e os sintomas de sono não serem causados por nenhum outro transtorno mental, neurológico ou clínico, nem por outros transtornos do sono, pelo uso de medicamentos ou abuso de substâncias. O portador de insônia psicofisiológica apresenta, principalmente, sintomas de dificuldade de adormecer (insônia inicial), podendo apresentar também insônia de manutenção com despertares noturnos de longa duração, sono de má qualidade e sintomas neurocognitivos com fadiga e irritabilidade. Há também má higiene do sono. Alguns pacientes apresentam, paradoxalmente, facilidade para adormecer em locais distintos do ambiente habitual de sono, como em hotéis ou em situações monótonas não intencionais (p. ex., assistindo à televisão na sala ou no laboratório de sono). Uma das características principais é a existência de um estado de hiperalerta associado a comportamentos disfuncionais e aprendidos, causando sintomas noturnos e diurnos de insônia. O estado de hiperalerta é representado pela hiperativação fisiológica do SNC e do SNA. A comprovação da hiperatividade do SNC é documentada em estudos do metabolismo cerebral mediante tomografia com emissão de pósitrons com fluorodeoxiglicose marcada. Há aumento do metabolismo cerebral em regiões específicas do tronco cerebral relacionadas com o estado de alerta, bem como aumento do metabolismo de glicose no córtex pré-frontal e no sistema límbico. A elevação da atividadedo SNA simpático e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é representada pelo aumento da temperatura corporal, da frequência cardíaca, da atividade eletrodérmica, do consumo de oxigênio corporal e cerebral, da secreção de corticoides e da atividade eletroencefalográfica com aumento de ritmos rápidos durante o sono. Esse estado de hiperatividade do SNC, do SNA e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal produz um estado de hiperalerta fisiológico e cognitivo durante a vigília e o sono, interferindo na neurofisiologia e na percepção do sono normal. Apesar do sono de má qualidade, relatado subjetivamente pelo paciente ou documentado na polissonografia, o paciente com insônia psicofisiológica não apresenta sonolência diurna, mesmo após privação de sono, o que confirma o estado de hiperalerta. Incomum em crianças e adolescentes, o transtorno de insônia é mais frequente em mulheres idosas e adultos jovens do sexo feminino e, se não tratado adequadamente, pode persistir por décadas. O transtorno de insônia é um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos (depressão, ansiedade, abuso de álcool e hipnóticos) e aumento da mortalidade. Insônia idiopática A insônia idiopática se inicia antes da puberdade e persiste durante a vida adulta. Há, em geral, histórico familiar de insônia. Além das queixas de sono, costumam ocorrer sintomas de hiperatividade e desatenção, prejudicando o rendimento escolar e socioprofissional. A prevalência da insônia idiopática é de 0,5 a 0,7% da população de adolescentes e adultos jovens. O diagnóstico é confirmado pela idade de início dos sintomas e pela ausência de outros transtornos médicos ou psiquiátricos que possam explicar o início precoce da insônia. Insônia paradoxal O ponto essencial desse subtipo de insônia é a existência de queixas subjetivas de sono de má qualidade e de sintomas diurnos de leve intensidade na ausência de alterações objetivas de sono no exame de polissonografia. Esse subtipo de insônia está relacionado com má percepção do sono. Insônia associada a transtorno mental O fator essencial dessa modalidade de insônia é a relação causal e temporal com um transtorno mental subjacente. A evolução da insônia é paralela ao transtorno mental. Transtornos de humor (p. ex., depressão, distimia, ciclotimia, transtorno bipolar, ansiedade, esquizofrenia e transtornos somatoformes) são exemplos de transtornos mentais associados a esse tipo de insônia. A intensidade dos sintomas de má qualidade do sono e dos sintomas diurnos são as queixas principais, mais que os sintomas do transtorno mental subjacente. Os sintomas de insônia se tornam o foco principal, levando o portador a buscar tratamento médico. Tratando- se a doença de base, em geral há remissão da insônia. Insônia aguda, transitória ou de ajustamento O elemento essencial desse diagnóstico é a ocorrência de sintomas de insônia aguda secundária, causada por um fator precipitante causal claramente identificável, em uma pessoa com sono previamente normal sem queixas de insônia. O quadro clínico deve durar alguns dias ou, no máximo, 1 mês. A prevalência é de 15 a 20%, mais comum em mulheres e em adultos mais velhos. O fator estressor precipitante pode ser psicológico ou físico (p. ex., demissão de trabalho, prova, viagem, diagnóstico de uma condição médica, hospitalização, ambiente de sono desconfortável). A insônia aguda caracteristicamente se resolve com a suspensão do fator estressor precipitante ou com a adaptação ao estresse. Insônia causada por higiene do sono inadequada Higiene do sono inadequada abrange a prática de hábitos que não são adequados para uma boa qualidade do sono, causando sintomas de insônia e prejuízo do bem-estar diurno. Essas práticas estão sob o controle do portador. Os sintomas de insônia não são causados por nenhum outro transtorno mental, neurológico ou clínico, nem por outros transtornos do sono, nem pelo uso de medicamentos ou abuso de substâncias. A descontinuação dessas práticas leva ao desaparecimento dos sintomas de insônia, com normalização do padrão de sono. Entre as práticas de má higiene do sono estão consumo de cafeína, nicotina e álcool no mínimo 6 h antes de dormir, refeições pesadas à noite, atividade física vigorosa até 4 h antes de dormir, atividade psicologicamente estressante à noite, horários inconstantes para dormir e acordar, cochilos longos ou próximos do horário do sono principal. Insônia associada a transtorno mental É causada ou decorrente de uma condição psiquiátrica coexistente, sendo uma queixa comum em transtornos depressivos e ansiosos. O fator essencial dessa modalidade de insônia é a relação causal e temporal com um transtorno mental subjacente. A evolução da insônia é paralela ao transtorno mental. Transtornos de humor (p. ex., depressão, distimia, ciclotimia, transtorno bipolar, ansiedade, esquizofrenia e transtornos somatoformes) são exemplos de transtornos mentais associados a esse tipo de insônia. A intensidade dos sintomas de má qualidade do sono e dos sintomas diurnos são as queixas principais, mais que os sintomas do transtorno mental subjacente. Os sintomas de insônia se tornam o foco principal, levando o portador a buscar tratamento médico. Tratando- se a doença de base, em geral há remissão da insônia. Insônia decorrente de condição médica É causada ou decorrente de uma doença clínica, como por exemplo, desconforto por dor, noctúria e problemas respiratórios do sono. Insônia devido ao uso de substância ou medicamento Esse tipo de insônia está associado ao uso ou retirada de algum medicamento ou substância, sendo que os sintomas da insônia aparecem quando a substância/medicamento é utilizado e desaparecem com a retirada do mesmo. Tratamento farmacológico O tratamento farmacológico de insônia baseia-se nas recomendações das diretrizes brasileiras, com citação dos medicamentos recomendados e opcionais. Consiste no uso de substâncias hipnóticas que atuam, principalmente, no sistema GABA, o principal sistema inibitório do SNC. Outras substâncias com efeito sedativo, como os antidepressivos sedativos, ou que atuem nos receptores melatoninérgicos, são fármacos promissores para o tratamento da insônia. Hipnóticos não benzodiazepínicos são considerados tratamento padrão para insônia, sendo o zolpidem o medicamento de primeira escolha. Hipnóticos não benzodiazepínicos Essa classe inclui agentes conhecidos como moduladores alostéricos positivos (MAP) do receptor GABA, que se ligam a este de maneira que o canal de cloro se abre mais vezes e de maneira mais fisiológica que com os benzodiazepínicos, os barbitúricos e o álcool, causando menores riscos de tolerância e dependência. Existem dois hipnóticos não benzodiazepínicos no Brasil: zolpidem e zopiclona. O zolpidem é um agonista seletivo do receptor GABAA pós-sináptico na subunidade alfa 1, com potência intermediária nas subunidades alfa 2 e alfa 3. Seu perfil farmacocinético é de rápida absorção, com concentração máxima de 1 h, biodisponibilidade oral de 70%, meia- vida de eliminação de 2,5 h, metabolismo hepático e eliminação renal. O zolpidem é considerado um agente padrão em virtude de sua segurança, com riscos limitados, e de primeira escolha para o tratamento do transtorno de insônia (aguda e crônica). Preconiza-se o uso do zolpidem imediatamente antes de se deitar, evitando outras atividades antecedendo o sono, para minimizar os riscos de amnésia ou confusão mental. O zolpidem pode ser usado de modo intermitente, de acordo com critérios estabelecidos pelas necessidades do paciente. Estudos demonstram persistência do efeito em uso prolongado, com redução da latência do sono e do número de despertares. Esse tipo de regime terapêutico é eficaz e seguro, com menor risco de desenvolver tolerância e dependência, incorrendo em menores custos financeiros para o paciente. Os efeitos indesejáveisdo zolpidem relacionados com o SNC são cefaleia, sonolência, vertigem, confusão mental, amnésia, alucinações, irritabilidade, tremor, ansiedade e fadiga. Outros efeitos não relacionados com o SNC são náuseas, dispepsia, gosto metálico ou amargo na boca, diarreia, mialgia e artralgia. Raramente o zolpidem pode causar parassonias, como sonambulismo, episódios de comportamentos alimentares noturnos com amnésia e condução de veículos sob o estado de sono. Os usuários devem ser avisados sobre esses efeitos e evitar situações de risco. O medicamento não deve ser utilizado em gestantes e em pacientes com insuficiência hepática, mas é seguro para uso em insuficiência renal. A dose indicada para idosos é de 5 mg.9,14 As apresentações disponíveis no mercado brasileiro são de 10 mg por via oral (VO), 5 mg sublingual e 6,25 e 12,5 mg de liberação controlada. A zopiclona promove efeitos semelhantes aos benzodiazepínicos. A molécula da zopiclona se liga ao complexo receptor GABA próximo ao local de ligação dos benzodiazepínicos. A zopiclona tem afinidade pelas subunidades alfa 1 e alfa 2, tal como os benzodiazepínicos. É rapidamente absorvida (concentração máxima de 1 a 1,3 h) e tem meia- vida relativamente longa, de 5 a 6 h em adultos jovens e de 9 h em idosos, o que sugere a possibilidade de melhores resultados na manutenção de sono que o zolpidem. O metabolismo é hepático e a eliminação é renal. Os principais efeitos colaterais relatados são gosto amargo e boca seca, dores de cabeça e enxaquecas. Raramente pode ocorrer edema periférico, náuseas, sonolência e pesadelos ao despertar. Há potencial de produzir dependência, abuso e alterações cognitivas. A zopiclona é recomendada para o tratamento do transtorno de insônia. Sua dose em idosos varia de 3,7 a 7,5 mg. A apresentação no mercado brasileiro é de comprimidos de 7,5 mg. Benzodiazepínicos Segundo as diretrizes brasileiras, os benzodiazepínicos são classificados como agentes opcionais para o tratamento do transtorno de insônia. Sua utilização deve ser muito criteriosa, tendo sempre em mente as complicações dessas substâncias e seus efeitos sobre o organismo, principalmente em idosos. Os benzodiazepínicos podem ser indicados com propriedade para o transtorno de insônia comórbida com transtornos psiquiátricos ansiosos. São medicamentos psicoativos com variadas ações: hipnótica, sedativa, ansiolítica, anticonvulsivante, relaxante muscular e com propriedades amnésticas. Podem causar dependência, tolerância e, frequentemente, abuso, e sua retirada deve ser gradual devido à possibilidade de abstinência. Há estudos que demonstram aumento do risco de morte para indivíduos que fazem uso crônico de benzodiazepínicos. As contraindicações dos benzodiazepínicos são síndrome de apneia no sono, histórico de dependência química, uso lesivo de álcool, situações de operação de máquinas ou veículos, riscos de quedas. Dentre as diversas substâncias que compõem essa classe de medicamentos, as que podem ser utilizadas são clonazepam, midazolam e estazolam. As demais não são recomendadas para o uso em insônia. Antidepressivos com efeito sedativo Esses medicamentos são recomendados para uso alternativo aos hipnóticos não benzodiazepínicos. É importante lembrar que não há estudos randomizados duploscegos que comprovem sua eficácia. Como primeira escolha, são recomendadas a trazodona e a doxepina; para uso opcional, mirtazapina, mianserina, amitriptilina e agomelatina. Sonolência excessiva é manifestação subjetiva, definida como dificuldade de permanecer alerta ou facilidade para iniciar o sono durante o período de vigília principal. Pode variar de intensidade e ser mais perceptível em situações sedentárias que exigem menor nível de atenção. TRANSTORNO DE HIPERSONOLÊNCIA A sonolência excessiva (hipersonolência) é uma condição grave, debilitante, potencialmente fatal e não transmissível. Ela afeta não só o indivíduo afligido como também sua família, seus colegas de trabalho e o público em geral. A sonolência pode ser consequência de (1) sono insuficiente, (2) disfunção neurológica básica nos sistemas cerebrais reguladores do sono, (3) sono perturbado ou (4) fase do ritmo circadiano de um indivíduo. Um questionário da história do sono costuma ajudar a diagnosticar o transtorno do sono. A dívida do sono produzida por sono insuficiente é cumulativa. Se uma pessoa reduz a duração do sono em 1 a 2 horas por noite e continuar com esse regime por uma semana, a sonolência irá alcançar níveis patológicos. Quando a dívida de sono é adicionada à perturbação do sono ou a uma disfunção neurológica básica nos mecanismos do sono, há um risco aumentado de que o indivíduo pegue no sono inesperadamente. O início do sono, nessas circunstâncias, caracteristicamente ocorre sem aviso. A sonolência pode ser episódica e ocorrer como ataques irresistíveis de sono, ocorrer de manhã como embriaguez de sono ou ser crônica. Fadiga, cansaço e sonolência são termos empregados pela maioria das pessoas como sinônimos; contudo, é possível estar cansado, mas sem sono; ter sono, mas não estar cansado; ou estar com sono e cansado. Nesta seção, o termo sonolência irá referir-se à propensão a pegar no sono e, quando extrema, à incapacidade de se manter acordado. A sonolência afeta adversamente a atenção, a concentração, a memória e os processos cognitivos mais elevados. Resultados graves da sonolência incluem fracasso escolar, perda de emprego, acidentes com veículos automotores e desastres industriais. A indústria de transportes, incluindo rodoviária, ferroviária, marítima e aérea, tem particular tendência a sofrer acidentes relacionados a sono. Há muitos transtornos do sono associados com sonolência excessiva durante o dia; porém, o transtorno respiratório associado ao sono é, de longe, a dissonia mais comum vista nos centros de transtornos do sono. A hipersonia primária é diagnosticada quando não se pode encontrar outra causa para sonolência excessiva que ocorre por pelo menos um mês. Algumas pessoas têm sono longo e, como as pessoas com sono curto, apresentam variação normal. Seu sono, apesar de longo, é normal em arquitetura e psicologia. A eficiência do sono e os horários de sono-vigília são normais. Esse padrão não traz reclamações com a qualidade do sono, sonolência durante o dia ou dificuldades com o humor ao acordar, motivação e desempenho. O sono longo pode ser um padrão vitalício e parece ter uma incidência familiar. Muitas pessoas apresentam sono variável, podendo ter sono longo em certos períodos da vida. Alguns indivíduos têm reclamações subjetivas de sentir sono sem apresentar achados objetivos. Eles não tendem a pegar no sono com mais frequência que o normal nem têm outros sinais objetivos. Os médicos devem tentar excluir causas claras da sonolência excessiva. Tipos de hipersonia Síndrome de Kleine-Levin. A síndrome de Kleine-Levin é uma condição relativamente rara, consistindo em períodos recorrentes de sono prolongado (do qual os pacientes podem ser despertados) com períodos intercalados de sono normal e vigília alerta. Durante os episódios hipersônicos, períodos despertos costumam ser marcados por retração de contato social e retorno à cama na primeira oportunidade. Essa síndrome é a hipersonia recorrente mais reconhecida, apesar de ser incomum. Ela afeta sobretudo homens no início da adolescência; contudo, pode ocorrer posteriormente na vida e em mulheres. Com poucas exceções, o primeiro ataque surge entre as idades de 10 e 21 anos. Exemplos raros de início na quarta e quinta décadas de vida também foram relatados. Em sua forma clássica, os episódios recorrentes são associados com sonolência extrema (períodos de sono de 18 a 20 horas), alimentação voraz, hipersexualidade e desinibição (p. ex., agressão). Os episódios costumam durar de alguns dias a várias semanas e aparecem de 1 a 10 vezes por ano. Uma formahipersonolenta monossomática pode ocorrer. A frequência do antígeno leucocitário humano (HLA) é aumentada em indivíduos com essa síndrome. Hipersonia relacionada à menstruação. Em algumas mulheres, episódios recorrentes de hipersonia estão relacionados ao ciclo menstrual, em que elas apresentam episódios intermitentes de hipersonia marcante no início (ou pouco tempo antes) da menstruação. Os sintomas costumam durar por uma semana, resolvendo-se com a menstruação. Fatores endócrinos provavelmente estão envolvidos, mas nenhuma anormalidade específica em medidas de laboratório foi relatada. O tratamento com contraceptivos orais é efetivo, então se acredita que o transtorno seja secundário a um desequilíbrio hormonal. Hipersonia idiopática. A hipersonia idiopática (HI) apresenta- se de várias formas. Ela pode estar associada com períodos de sono muito longos, após os quais o indivíduo continua com sono. Também pode ocorrer sem períodos de sono longo. Essa hipersonia é um transtorno de sonolência excessiva em que os pacientes não apresentam os sintomas auxiliares relacionados com narcolepsia. Diferentemente da narcolepsia, o sono costuma ser bem preservado, e a eficiência do sono permanece alta, mesmo em formas associadas com horários de sono muito prolongados (12 horas ou mais). Além do mais, o paciente adormece logo se recebe a oportunidade de cochilar no dia seguinte. Com frequência, há grande quantidade de sono com ondas lentas; contudo, o padrão de sono no EEG é essencialmente o mesmo que o encontrado em indivíduos sadios que são privados do sono. Diferentemente dos indivíduos privados de sono, o padrão de sono não se modifica até mesmo após várias noites de sono estendido. Como o nome indica, a etiologia da hipersonia idiopática não é conhecida; no entanto, presume-se uma causa no sistema nervoso central. Três categorias gerais foram desenvolvidas. O subgrupo 1 inclui indivíduos que são positivos para HLA-Cw2, têm disfunções no sistema nervoso autônomo e outros familiares afetados. O subgrupo 2 inclui pacientes com infecção pós-viral (p. ex., síndrome de Guillain-Barré [polineuropatia ascendente], mononucleose e pneumonia viral atípica). Os pertencentes ao subgrupo 3 não são familiares nem são pós-virais (i.e., verdadeiramente idiopáticos). A idade de início costuma ser dos 15 aos 30 anos, e a hipersonia torna-se um problema vitalício. Além do sono noturno prolongado, não perturbado e não revigorante, a HI está associada com longos cochilos não revigorantes, dificuldade para despertar, embriaguez de sono e comportamentos automáticos com amnésia. Outros sintomas que sugerem disfunção do sistema nervoso autônomo são típicos, incluindo enxaquecas, desmaios, síncope, hipotensão ortostática e fenômenos do tipo Raynaud com mãos e pés gelados. Alguns pacientes com HI dormem menos de 10 horas por noite, têm dificuldade para despertar, acordam não revigorados e até confusos e podem tirar cochilos não intencionais e não revigorantes durante o dia por conta de sua sonolência. O início do transtorno costuma ser antes dos 25 anos, tendo um curso persistente. Síndrome do sono insuficiente induzida por comportamento. A síndrome do sono insuficiente surge da não observância do indivíduo aos horários de sono-vigília. Ela costuma ser subclínica e ocorre em uma grande proporção da população. O indivíduo tende a não buscar ajuda médica, visto que está ciente da causa de sua sonolência. No entanto, o sono insuficiente é um assassino insidioso, estando relacionado a muitos acidentes veiculares e industriais. Quando um indivíduo vai se privando cada vez mais de sono, em algum momento, sua dívida de sono terá de ser paga. A sonolência excessiva associada com sono insuficiente pode ser provocada por uma refeição pesada, ingestão de pequenas doses de álcool, um ambiente quente e atividade sedentária. A síndrome do sono insuficiente é diagnosticada quando um indivíduo não reserva quantidade de tempo suficiente para dormir e, como resultado, sofre de sonolência ao longo do dia, fadiga, perda de concentração, prejuízo de memória, irritabilidade e problemas de humor. Frequentemente, a pessoa dorme de menos ou dorme demais, tira sonecas e aumenta os períodos de sono no fim de semana. Apesar de bebidas cafeinadas serem, em geral, autoadministradas, o tratamento adequado envolve o aumento da duração e da regularidade do sono. Estudos recentes indicam que transtornos metabólicos e resistência à insulina podem ser o resultado de sono insuficiente crônico. Hipersonia devida a condição clínica. Condições clínicas conhecidas por causarem hipersonia incluem trauma encefálico, AVC, encefalite, doença de Parkinson, condições inflamatórias, doenças genéticas e doenças neurodegenerativas. Hipersonia devida a droga ou substância. A sonolência pode ser causada por uso ou abuso de hipnóticos sedativos, anti-histamínicos sedativos, antiepilépticos, neurolépticos e apioides analgésicos. A hipersonia também pode ser provocada por abstinência de estimulantes tradicionais (cocaína, anfetaminas), cafeína ou nicotina. Tratando hipersonia A hipersonia causada por sono insuficiente é tratada estendendo-se e regularizando- se o período de sono. Se, contudo, for resultado de narcolepsia, condições clínicas ou hipersonia idiopática, a sonolência costuma ser manejada farmacologicamente. Não há cura para essas condições, mas os sintomas são tratados com a substância promotora de vigília modafinil (primeira linha de tratamento) ou psicoestimulantes tradicionais, como anfetaminas e seus derivados (se modafinil falhar). Para narcolepsia (discutida a seguir), fármacos de supressão do sono REM (p. ex., muitos antidepressivos) são usados para tratar a cataplexia. Essa abordagem faz uso das propriedades anticolinérgicas supressoras de REM desses fármacos. Como a cataplexia é, presumivelmente, uma intrusão dos fenômenos do sono REM no estado de vigília, o raciocínio é claro. Muitos relatos indicam que a imipramina e a protriptilina são bastante efetivas para reduzir ou eliminar a cataplexia. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) ganharam popularidade por estar associados com menos efeitos colaterais do que os antidepressivos tricíclicos. Mais recentemente, o oxibato de sódio provou ser de extrema eficácia para reduzir a cataplexia, mesmo em casos refratários a outros tratamentos. Estudos também sugerem que o oxibato de sódio ajude a melhorar o sono e alivie um pouco da sonolência associada com a narcolepsia. Apesar de as farmacoterapias serem os tratamentos de primeira escolha, a abordagem de tratamento geral deve incluir cochilos programados, ajuste de estilo de vida, aconselhamento psicológico, intervalos dos fármacos para reduzir a tolerância (se forem usados estimulantes) e monitoramento cuidadoso de uso de medicamentos além do prescrito, da saúde geral e do estado cardíaco. Narcolepsia A narcolepsia é caracterizada pelo sono excessivo associado a ataques de sono irresistíveis, que ocorrem como o único sintoma ou em combinação com um ou mais sintomas auxiliares de cataplexia, paralisia do sono ou alucinações hipnagógicas. O transtorno afeta cerca de uma em 2.000 pessoas; homens e mulheres têm a mesma probabilidade de desenvolvê-lo. Esse transtorno pode ter uma base hereditária, porque até metade dos pacientes com narcolepsia tem um parente de primeiro grau com o transtorno. Os sintomas da narcolepsia são impressionantes. Os ataques de sono podem durar de alguns segundos a 30 minutos ou mais; podem ser precipitados por atividade sedentária e monótona, como assistir à televisão. Os pacientes narcolépticos também podem experienciar ataques de sono no trabalho, durante as conversas ou sob outras circunstâncias normalmente consideradas estimulantes, como durante uma relação sexual. Entre 60 e 90% desses pacientes experienciam episódiosde cataplexia, em que ocorre perda repentina do controle muscular. Isso pode fazer a pessoa cair (como se estivesse desmaiando) sem perda da consciência. Essa perda de tônus muscular ocorre de forma característica em resposta a emoções fortes, como ao rir ou ter uma surpresa. A paralisia do sono e as alucinações hipnagógicas ocorrem com menos frequência do que a cataplexia. A paralisia do sono causa uma perda temporária do tônus muscular, resultando em incapacidade para mover-se. As alucinações hipnagó]]gicas são percepções alucinatórias vívidas, em geral visuais ou auditivas, que ocorrem enquanto a pessoa está adormecendo. (As alucinações hipnopômpicas acontecem assim que a pessoa acorda.) Embora esses sintomas às vezes ocorram em pessoas não-narcolépticas, os indivíduos com narcolepsia podem experienciá-las várias vezes por semana. Esses sintomas auxiliares em geral aparecem vários anos após o início dos ataques de sono. Seu mecanismo exato é desconhecido, mas os ataques de sono e outros sintomas narcolépticos parecem ter íntima relação com os mecanismos neurofisiológicos subjacentes ao sono REM. Uma história cuidadosa do sono é útil para fazer o diagnóstico de narcolepsia, assim como descrições proporcionadas por pais e cônjuges. O diagnóstico é relativamente fácil de fazer quando os sintomas auxiliares (p. ex., cataplexia) estão presentes. A polissonografia com o MSLT é usada para diagnosticar narcolepsia e permite ao clínico descartar outros transtornos do sono, como transtorno do sono relacionado com a respiração (apnéia do sono). Pessoas com narcolepsia tendem a entrar no sono REM no início do sono, em vez de após os mais típicos 90 a 120 minutos, e durante os cochilos diurnos. Os pacientes com freqüência desenvolvem problemas psicológicos, que provavelmente são conseqüência dos efeitos adversos do transtorno na vida de suas famílias, situações de trabalho e interações sociais; esses problemas precisam ser explorados. Tratando a narcolepsia Não existe cura para a narcolepsia, mas é possível administrar os sintomas. Um regime de cochilos forçados em um período específico do dia às vezes ajuda os pacientes com essa condição, e, em alguns casos, o regime sozinho, sem medicação, chega perto de curá- -la. Quando a medicação é requerida, os estimulantes são os mais usados. O modafinil, um receptor agonista α1-adrenérgico, foi aprovado pela FDA para reduzir o número de ataques de sono e para melhorar o desempenho psicomotor na narcolepsia. Essa observação sugere o envolvimento de mecanismos noradrenérgicos no transtorno. O modafinil não tem alguns dos efeitos adversos dos psicoestimulantes tradicionais. Ainda assim, o clínico deve monitorar seu uso e estar atento ao desenvolvimento de tolerância pelo paciente. Os especialistas do sono frequentemente prescrevem fármacos tricíclicos ou ISRSs para reduzir a cataplexia. Essa abordagem faz uso das capacidades de suprimir o sono REM desses fármacos. Como a cataplexia é presumivelmente uma intrusão de fenômenos do sono REM no estado de vigília, o raciocínio é claro. Muitos relatos indicam que a imipramina, o modafinil e a fluoxetina são efetivos na redução ou na eliminação da cateplexia. Apesar de a farmacoterapia ser o tratamento de escolha, a abordagem terapêutica geral deve incluir sonecas programadas, ajuste do estilo de vida, aconselhamento psicológico, intervalos dos medicamentos para reduzir a tolerância e monitoramento cuidadoso do uso dos medicamentos além do prescrito, da saúde geral e do estado cardíaco. Apneia e hipopneia obstrutivas do sono Apneia e hipopneia obstrutivas do sono, também conhecidas como apneia obstrutiva do sono (AOS), são caracterizadas por obstrução repetitiva ou parcial da via aérea superior durante o sono. Conforme a pessoa adormece, a resistência das vias aéreas aumenta. Em alguns indivíduos, isso leva a um esforço respiratório aumentado ou a oclusão das vias aéreas. Esses períodos de obstrução funcional da via aérea superior resultam na redução de saturação arterial de oxigênio e despertar transitório, após o que a respiração (ao menos por um curto período) recomeça normalmente. Um episódio de apneia do sono é definido como cessação de respiração por 10 segundos ou mais durante o sono. Durante um episódio de apneia obstrutiva, o esforço respiratório continua, mas o fluxo de ar cessa devido a perda de patência aérea. Uma redução na respiração de pelo menos 10 segundos é chamada de hipopneia. Obstruções parciais (hipopneia) podem causar despertar e fragmentação do sono. Uma redução consequente da ventilação pode reduzir as concentrações de oxi-hemoglobina. Fatores de predisposição a AOS incluem ser do sexo masculino, alcançar a meia-idade, ser obeso ou ter micrognatia, retrognatia, anormalidades nasofaríngeas, hipotireoidismo e acromegalia. Uma revisão com mais de 4 milhões de registros da Veterans Health Administration (VHA) encontrou uma prevalência de 2,91% de apneia do sono nessa população. Diagnósticos comórbidos incluem hipertensão (60,1%), obesidade (30,5%), diabetes melito (32,9%) e doença cardiovascular, incluindo angina e infarto do miocárdio (27,6%), insuficiência cardíaca (13,5%) e AVC, incluindo ataques isquêmicos transitórios (5,7%). A comorbidade psiquiátrica no grupo de apneia do sono foi significativamente mais elevada (P < 0,0001) do que no grupo sem essa condição para os diagnósticos de transtornos do humor, de ansiedade e de estresse pós-traumático, psicose e demência. Há várias teorias sobre os motivos dessa associação. Os transtornos psiquiátricos podem ser uma consequência da apneia do sono (e de sono perturbado e hipoxia). No entanto, os transtornos psiquiátricos podem predispor as pessoas a desenvolver perturbação do sono, como a apneia do sono. Diagnóstico. Características clínicas associadas com AOS e hipopneia incluem sonolência excessiva, ronco, obesidade, sono inquieto, despertar noturno engasgado ou em busca de ar, boca seca pela manhã, dores de cabeça de manhã e suor noturno pesado. Os pacientes também podem apresentar hipertensão, problemas de ereção, depressão, insuficiência cardíaca, noctúria, policitemia e comprometimento da memória como resultado de apneia e hipopneia obstrutivas do sono. Episódios desses transtornos podem ocorrer em qualquer estágio do sono, mas são mais típicos durante o sono REM, o estágio 1 não REM e o estágio 2 não REM. No polissonograma, episódios de AOS em adultos são caracterizados por múltiplos períodos de pelo menos 10 segundos de duração em que o fluxo aéreo oral cessa completa (uma apneia) ou parcialmente (uma hipopneia), enquanto a expansão abdominal e torácica indica esforços contínuos do diafragma e dos músculos acessórios da respiração para que o ar passe pela obstrução. A saturação de oxigênio arterial diminui, e com frequência se observa bradicardia, que pode ser acompanhada de outras arritmias, como contrações ventriculares prematuras. Ao final, ocorre um reflexo de despertar, visto como um sinal de vigília e possivelmente como um artefato motor dos canais de EEG. Nesse momento, o paciente pode ser visto realizando nítidos movimentos breves de agitação na cama. De acordo com o manual de classificação da American Academy of Sleep Medicine, os registros polissonográficos são avaliados para eventos de acordo com as regras a seguir. A obstrução das vias aéreas que produz cessação completa da respiração por 10 segundos ou mais é classificada como apneia. Obstruções parciais com consequentes quedas na saturação de oxigênio são designadas como hipopneia (4% ou mais de queda é requerida pelas regras do Medicare), e obstruções parciais sem queda significativa da saturação do oxigênio, mas finalizadas com despertar, são classificadas como episódios de despertar, relacionados a sforço respiratório (RERA). O número de episódios de apneia por hora de sono é chamadode índice de apneia (IA), o número de episódios de apneia mais hipopneia por hora é chamado de índice de apneia mais hipopneia (IAH), e o número de episódios de apneia mais hipopneia mais RERA é chamado de índice de perturbação respiratória (IPR). Tratamento. Diversos tratamentos estão disponíveis para apneia e hipopneia obstrutivas do sono, incluindo perda de peso, intervenção cirúrgica, pressão positiva das vias aéreas e aparelhos orais. A perda de peso ajuda muitos pacientes. Contudo, uma vez que perder peso e se manter assim é difícil e sem garantias, o médico prudente deve recomendar perda de peso, mas também confiar em outras terapias. Em alguns pacientes, a respiração perturbada do sono ocorre apenas na posição supinada. Nessas situações, impedi-los de dormir sobre as costas pode produzir resultados benéficos. Bolas de tênis costuradas ou colocadas nos bolsos de trás do pijama ou tacos de isopor podem ajudar a alcançar esse objetivo. Apesar de essas intervenções serem consideradas úteis na prática clínica, ensaios clínicos de grande escala dessa abordagem não foram realizados. Por fim, as farmacoterapias foram tentadas para AOS, mas sem sucesso. Originalmente, acreditava-se que o acetato de medroxiprogesterona ajudasse, mas seu uso hoje é raro. De maneira semelhante, antidepressivos tricíclicos às vezes diminuem a gravidade da apneia reduzindo o sono REM, o estágio do sono em que a apneia do sono é mais frequente. Relatou-se que a teofilina reduz a apneia, mas mais estudos são necessários. Também houve estudos com animais sugerindo que a mirtazapina e compostos semelhantes com ação serotonérgica pré-sináptica melhoram a respiração; todavia, estudos com seres humanos foram desapontadores. A única farmacoterapia aprovada para uso em pacientes com AOS é o modafinil, uma substância que promove a vigília. O modafinil, porém, não trata a fisiopatologia da oclusão das vias aéreas, sendo usado como um adjunto para o tratamento da sonolência residual que persiste em cerca de 8 a 12% dos pacientes corretamente tratados e com o uso adequado da terapia PAP. Transtorno do ritmo circadiano do sono (transtorno do ritmo sono-vigília) O sono perturbado pode ocorrer quando o ciclo sono-vigília não está corretamente sincronizado com a programação diária de uma pessoa. Por exemplo, pessoas com trabalho de turno noturno ou que com freqüência mudam seu turno de trabalho (p. ex., enfermeiros, trabalhadores fabris) podem desenvolver transtorno do ritmo circadiano do sono. Pessoas que viajam de modo freqüente e cruzam diferentes fusos horários também desenvolvem sono perturbado, conhecido como fadiga de vôo (jet leg). Indivíduos com esses transtornos podem nunca se sentir totalmente descansados. Quando querem dormir, não conseguem, e quando se espera que estejam despertos e alertas, estão sonolentos e letárgicos. A melhor maneira de evitar essas situações é renunciar a deslocamentos de horário. As indústrias têm pouco a pouco se conscientizado desses problemas, e muitas têm replanejado seus horários, descobrindo que a produtividade aumenta e a rotatividade do pessoal diminui. Algumas pessoas sempre serão intolerantes a mudança nos horários de trabalho; é provável que esses indivíduos devam procurar outros tipos de emprego. A pessoa que viaja com freqüência talvez não possa evitar a fadiga de vôo. Devido ao sistema humano de cronometragem circadiana, em geral é mais fácil as pessoas se ajustarem quando o ciclo é aumentado do que quando é diminuído, viajando para oeste em vez de para leste. O tratamento para jet leg baseia-se em duas recomendações: 1) prever um tempo para que o indivíduo se recupere; 2) manter as horas habituais de sono na nova zona temporal. Segundo a sabedoria convencional, a maioria dos adultos demora um dia para adaptar-se a cada zona de tempo cruzada para leste e um pouco menos após viajar para oeste. Os viajantes podem minimizar a perda de sono com o uso criterioso de agentes hipnóticos (p. ex., zolpidem, 5 a 10 mg na hora de dormir) e evitando o álcool e outras substâncias que interfiram no sono. A melatonina, recentemente recomendada como uma cura para a fadiga de vôo, não tem se mostrado eficaz nos testes controlados. PARASSONIAS As parassonias consistem em pesadelos, terrores noturnos e deambular durante o sono (ou sonambulismo). Todos os três transtornos são comuns em crianças, mas raramente chamam a atenção médica, a menos que sejam frequentes e graves. Esses transtornos em geral se resolvem no fim da adolescência, mas podem persistir na idade adulta. Transtorno de pesadelo (ansiedade do sonho) O transtorno de pesadelo consiste em despertares repetidos com lembrança detalhada de sonhos longos e aterrorizantes, com frequência envolvendo ameaças à sobrevivência, à segurança e à auto-estima. Os despertares em geral ocorrem durante a segunda metade do período de sono. Ao despertar, o indivíduo rapidamente fica alerta e orientado. Essa condição afeta até 5% da população em geral e pode se tornar crônica. Os pesadelos tendem a ocorrer durante o sono REM. Podem ocorrer a qualquer momento durante a noite, mas estão mais presentes durante a segunda metade, quando os ciclos REM aumentam em frequência e duração. Na infância, os pesadelos estão em geral relacionados a fases desenvolvimentais específicas e são particularmente comuns durante os anos de pré-escola e início da escola primária. Nessa faixa etária, as crianças podem ser incapazes de distinguir a realidade do conteúdo dos sonhos. Os pesadelos também têm sido associados a doença febril e delirium, sobretudo em idosos e em pessoas com doenças crônicas. A retirada de algumas drogas, como benzodiazepínicos, também pode resultar em pesadelos. O aumento do sono REM após a retirada de barbitúricos ou álcool pode estar associado a um aumento temporário na intensidade de sonhos e pesadelos. Mais recentemente, o uso de inibidores seletivos da recaptação da serotonina (p. ex., citalopram, fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, sertralina) e sua retirada foram associados a sonhos vívidos ou pesadelos. O principal diagnóstico diferencial para transtorno de pesadelo inclui uma doença psiquiátrica maior que possa conduzir a pesadelos (p. ex., depressão maior), os efeitos de uma medicação e a retirada de uma droga ou do álcool. Quando o transtorno psiquiátrico é diagnosticado e tratado, os pesadelos podem se resolver. Os pesadelos causados por eventos psicologicamente traumáticos podem se resolver com aconselhamento de curto prazo ou com o uso criterioso de sedativo-hipnóticos. Transtorno de terror noturno Os terrores noturnos, ou pavor nocturnus, são um despertar parcial repentino do sono delta associado a gritos e atividade motora frenética. Esses episódios ocorrem durante o primeiro terço do episódio do sono e com freqüência começam com um grito aterrorizante seguido de intensa ansiedade e sinais de hiperexcitação autonômica, como taquicardia e respiração acelerada. As pessoas que sofrem de terrores noturnos podem não acordar completamente após um episódio e em geral não têm uma lembrança detalhada do evento na manhã seguinte. Qualquer tentativa de contenção pode resultar em dano tanto para quem está experienciado os terrores quanto para quem está tentando contê-la. A causa dos terrores noturnos é desconhecida, mas eles costumam ocorrer em concomitância com o deambular durante o sono, que é discutido na próxima seção. As duas condições são familiares, têm início na infância e de modo geral se resolvem no final da adolescência. Quando os episódios ocorrem com muita freqüência ou persistem até o fim da adolescência ou a idade adulta, pode estar presente um transtorno psiquiátrico de base. Deambular durante o sono (sonambulismo) O sonambulismo é definido como episódios repetidos de despertar do sono e deambular. Em geral ocorre durante o primeiro terço doepisódio do sono. Durante a deambulação, a pessoa tem um olhar vazio, é relativamente apática aos esforços dos outros para se comunicar, e é muito difícil acordá-la. Quando acorda, tem amnésia em relação ao fato e normalmente fica alerta e orientada em minutos. Os episódios de sonambulismo e de terrores noturnos em geral ocorrem nas três horas iniciais do sono. Os registros eletrencefalográficos mostram ondas lentas de alta amplitude precedendo a ativação muscular que desencadeia o ataque; o sonambulismo ocorre durante os Estágios 3 e 4 do sono NREM. As ocorrências de sonambulismo costumam durar menos de 10 minutos. As pessoas podem se mover sem propósito, de uma maneira desajeitada, e são indiferentes ao seu ambiente. Os portadores de sonambulismo via de regra têm a capacidade de se locomover entre objetos e realizar tarefas simples, como abrir portas ou janelas, um fato que torna o transtorno potencialmente perigoso. A consideração mais importante no manejo de pacientes com episódios de sonambulismo e terror noturno é protegê-los de se machucarem. Tentativas de interromper os episódios devem ser evitadas porque a intervenção pode confundir ou amedrontar o paciente. Precauções especiais podem incluir colocar travas nas janelas do quarto, instalar alarme nas portas e colocá-lo para dormir no primeiro andar da casa. O transtorno tem maior probabilidade de ocorrer em crianças do que em adultos. Quase 15% das crianças tiveram pelo menos um episódio de sonambulismo, enquanto menos de 3% experienciaram terrores noturnos. Menos de 5% dos adultos sadios relatam história de sonambulismo. É necessário dizer aos pais que o problema de seu filho provavelmente será superado no final da adolescência. Em adultos, o sonambulismo está com freqüência associado à presença de um transtorno psiquiátrico importante, como a depressão. As drogas que reprimem os Estágios 3 e 4 do sono, como os benzodiazepínicos (p. ex., diazepam, 5 a 20 mg à noite), podem ser prescritas para adultos com sonambulismo ou terrores noturnos. A recaída é provável quando elas são interrompidas ou em ocasiões de estresse. Os antidepressivos tricíclicos (p. ex., a imipramina, 50 a 100 mg à noite) também podem ser eficazes na redução da freqüência dos episódios de sonambulismo e terror noturno. As drogas também podem ser administradas a crianças, embora sejam usadas dosagens menores. Uma higiene do sono melhorada pode conduzir à resolução de transtornos leves. Automedicação nos profissionais de saúde O uso de medicamentos para o benefício próprio e sem a devida prescrição é chamado automedicação. Nessas circunstâncias, o indivíduo não procura ajuda médica para solucionar aquilo que julga ser um problema de saúde, recorrendo a conselhos dos vizinhos, amigos ou familiares; consumindo sobras de antigos medicamentos que foram guardados; usando as suas prescrições ou de outras pessoas para comprar o mesmo fármaco, que em algum momento no passado foi efetivo.1 Mesmo que muitas vezes essa prática proporcione o alívio dos sintomas, efeitos indesejáveis podem ser experimentados, como enfermidades iatrogênicas, mascaramento de doenças evolutivas, intoxicações, reações adversas, interações medicamentosas, desenvolvimento de resistência e reações alérgicas.2 A automedicação minimiza os sinais e sintomas, mas por vezes não soluciona propriamente o problema e adiciona o risco de piora.3 Não é difícil observar no cotidiano a naturalidade com que a automedicação está inserida na vida das pessoas, cultuando a ideia de ser um benefício em qualquer circunstância. Além disso, a aceleração da vida contemporânea tem estimulado as pessoas a desejarem soluções imediatas para os males que as perturbam. A saúde passa, então, a ser mais um bem de consumo que pode ser adquirido por meio dos fármacos. A mensagem apresentada posterior às propagandas de fármacos, nos distintos meios de comunicação: "ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado", recomendada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)4, poderia estar sendo interpretada de forma errônea pela população. Desta forma, poderia estar induzindo a população a procurar um profissional habilitado para prescrever o medicamento correto somente após os sintomas não terem passado. Podem ser sugestiva, portanto, da automedicação. Essa questão é acentuada pelo livre acesso a alguns medicamentos, que podem ser facilmente encontrados em prateleiras nas farmácias para compra sem restrição. Diante do exposto, deve-se considerar que a propaganda e o livre acesso a determinados fármacos estariam estimulando e possibilitando o hábito da automedicação, podendo justificar a suposição de que essa prática é elevada entre os brasileiros1-2,5-7, tais como profissionais da saúde, estudantes e população em geral. A automedicação tem sido um hábito relatado também entre estudantes universitários.5-7 Em estudo de base populacional realizado na cidade de Bambuí-MG com cerca de 15.000 habitantes, observou-se prevalência de 46% de automedicação nos últimos 90 dias.1 Entre os cidadãos que procuram alento para os problemas na automedicação, destacam-se os profissionais da saúde, que além de terem as mesmas expectativas de solução imediata de dores e sofrimentos, ainda possuem acesso facilitado aos medicamentos. Os profissionais da saúde encontram-se expostos a riscos biológicos, ergonômicos e psicossociais, por isso são mais suscetíveis à manifestação ou instalação de determinadas doenças em função do labor3, o que também contribui para a necessidade de aliviar sintomas por meio da automedicação. Entre trabalhadores da saúde têm sido relatado dores lombares, em membros inferiores, estresse, mudança de humor, transtornos do sono, varizes, entre outros.8 Os trabalhadores da saúde detêm conhecimento e acesso aos medicamentos disponíveis e passam a representar um grupo de destaque no que se refere à prática da automedicação3, sendo este o tema de interesse da presente investigação. Diante do exposto, o objetivo desta revisão foi identificar as evidências disponíveis na literatura sobre automedicação em profissionais da saúde.