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Infecções das Vias Aéreas Superiores

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Infecções das Vias Aéreas Superiores 
Referência: 
Tratado de clínica Médica.USP Vol 7
Tratado de Pediatria Vol 1 
As infecções da via aérea superior (IVAS) são processos infecciosos, virais ou bacterianos, que podem acometer, isoladamente ou em associação, nariz, seios paranasais, orelha média, faringe (rinofaringe, orofaringe e/ou hipofaringe) e laringe. 
A incidência de IVAS na população pediátrica é elevada, sendo uma das maiores causas de procura por consulta médica. Estima-se que uma criança em fase pré-escolar possa apresentar uma média de 6-7 episódios de IVAS anualmente, sendo que 10-15% apresentam 12 ou mais episódios ao ano. Crianças que frequentam creches no primeiro ano de vida apresentam 50% mais IVAS virais do que as que não frequentam. Aproximadamente 75% das prescrições de antimicrobianos em nível ambulatorial são creditadas a algum diagnóstico de IVAS. Esse dado é alarmante, uma vez que é sabido que a maior parte das IVAS são de etiologia viral e que o uso indiscriminado de antibióticos tem levado a um aumento acentuado na indução de resistência bacteriana.
 A maior parte dos quadros de IVAS é causada por vírus. Os vírus que mais acometem a via aérea superior são os rinovírus, coronavírus, adenovírus, vírus influenza e o vírus sincicial respiratório (VSR). Muitas crianças, mesmo em contato com vírus, não apresentam infecção viral. A infecção depende da aderência do vírus às células do aparelho respiratório do hospedeiro, de sua invasão e posterior replicação. A infecção viral em atividade causa lesão à mucosa respiratória, gerando uma resposta inflamatória mediada por citocinas, e é desse processo que se originam os sintomas apresentados pelos pacientes. Diversos fatores, intrínsecos e extrínsecos, podem frear ou acelerar o processo de infecção no caso de exposição viral, variando de acordo com o estado imunológico do indivíduo. Os pacientes atópicos parecem apresentar maior facilidade de aderência de vírus nas células da mucosa nasal.
Resfriado Comum 
O resfriado comum é uma infecção viral aguda do trato respiratório superior, na qual os sintomas de rinorreia e obstrução nasal são proeminentes. Os sinais e sintomas sistêmicos, como dor de cabeça, mialgia e febre, estão ausentes ou são leves. O resfriado comum é frequentemente chamado de rinite infecciosa, mas também pode incluir o envolvimento autolimitado da mucosa sinusal, sendo mais corretamente denominado rinossinusite. 
Etiologia Os patógenos mais frequentemente associados ao resfriado comum são os mais de 200 tipos de rinovírus humanos, porém a síndrome pode ser causada por muitas famílias de diferentes vírus. Os rinovírus estão associados a mais de 50% dos resfriados em adultos e crianças. Em crianças pequenas, outras etiologias virais do resfriado comum incluem o vírus sincicial respiratório (VSR), o metapneumovírus humano, os vírus parainfluenza e os adenovírus. Os sintomas do resfriado comum também podem ser causados por vírus influenza, enterovírus não pólio e coronavírus humanos. Muitos vírus que causam rinite também estão associados a outros sinais e sintomas, como tosse, sibilância e febre.
Resfriados ocorrem durante todo o ano, mas a incidência é maior a partir do início do outono até o final da primavera, refletindo uma prevalência sazonal dos patógenos virais associados aos sintomas de resfriado.
Patogênese 
Os vírus que causam o resfriado comum são disseminados por três mecanismos: contato manual direto (autoinoculação da própria mucosa nasal e conjuntiva depois de tocar uma pessoa ou objeto contaminados), inalação de pequenas partículas aerossóis que estão no ar após a tosse ou deposição de partículas grandes de aerossóis que são expelidas durante um espirro e atingem a mucosa nasal ou conjuntiva. Apesar de os diferentes patógenos causadores do resfriado comum poderem se disseminar por qualquer um desses mecanismos, algumas vias de transmissão parecem ser mais eficientes do que outras para determinados vírus. Estudos com rinovírus e o VSR sugerem que o contato direto seja um mecanismo eficiente de transmissão destes vírus, embora a transmissão por partículas grandes de aerossóis também possa ocorrer. Em contrapartida, os vírus influenza e coronavírus parecem ser mais eficientemente dispersos por partículas pequenas de aerossóis. 
Os vírus respiratórios desenvolveram diferentes mecanismos para evitar as defesas do hospedeiro. As infecções por rinovírus e adenovírus resultam no desenvolvimento de imunidade protetora sorotipo-específica. As infecções repetidas com estes agentes patogênicos ocorrem porque há um grande número de sorotipos diferentes para cada vírus. Os vírus influenza têm a capacidade de alterar os antígenos presentes na superfície do vírus e, assim, comportam-se como se houvesse múltiplos sorotipos virais. A interação dos coronavírus com a imunidade do hospedeiro não está bem definida, mas parece que múltiplas cepas distintas de coronavírus são capazes de induzir pelo menos uma imunidade protetora de curta duração. Existem quatro tipos de vírus parainfluenza e dois subgrupos antigênicos de VSR. Além da diversidade antigênica, muitos destes vírus são capazes de reinfectar as vias aéreas superiores devido à imunoglobulina A de mucosa induzida pela infecção anterior ser de curta duração, e o período de incubação breve destes vírus permite o estabelecimento da infecção antes das respostas imunes de memória. Embora a reinfecção não seja completamente evitada pela resposta adaptativa do hospedeiro a estes vírus, a gravidade da doença é moderada pela imunidade preexistente. 
A infecção viral do epitélio nasal pode estar associada à destruição do revestimento epitelial, como acontece com os vírus influenza e adenovírus, ou pode não haver dano histológico aparente, como com rinovírus e VSR. Independentemente dos achados histopatológicos, a infecção do epitélio nasal está associada a uma resposta inflamatória aguda caracterizada pela liberação de uma variedade de citocinas inflamatórias e pela infiltração da mucosa por células inflamatórias. Esta resposta inflamatória aguda parece ser parcialmente ou em grande parte responsável por muitos dos sintomas associados ao resfriado comum. A excreção viral da maioria das viroses respiratórias atinge o ápice de 3 a 5 dias após a inoculação, muitas vezes coincidindo com o início dos sintomas; baixos níveis de excreção viral podem persistir por até 2 semanas no hospedeiro aparentemente saudável. A inflamação pode obstruir os óstios dos seios ou a tuba auditiva, predispondo à sinusite bacteriana ou à otite média. 
O sistema imune do hospedeiro é responsável pela maioria dos sintomas do resfriado, em vez dos danos diretos ao trato respiratório. As células infectadas liberam citocinas, tais como a interleucina-8, que atraem as células polimorfonucleares na submucosa e no epitélio nasal. Os rinovírus também aumentam a permeabilidade vascular na submucosa nasal, liberando bradicinina e albumina, o que pode contribuir para os sintomas. 
Manifestações clínicas 
Os sintomas do resfriado comum podem variar com a idade e o vírus. Em lactentes, febre e rinorreia podem predominar. A febre é incomum em crianças mais velhas e adultos. O aparecimento de sintomas do resfriado comum ocorre normalmente de 1 a 3 dias após a infecção viral. Em geral, o primeiro sintoma observado é dor ou sensação de arranhado na garganta, seguido por obstrução nasal e coriza. A dor de garganta geralmente se resolve rapidamente e, pelo 2 o ou 3 o dia da doença, os sintomas nasais predominam. A tosse está associada a dois terços dos resfriados em crianças e, na maioria das vezes, inicia-se após o início dos sintomas nasais. A tosse pode persistir por 1 ou 2 semanas adicionais após a resolução dos outros sintomas. Os vírus influenza, VSR, metapneumovírus humanos e adenovírus são mais propensos do que os rinovírus ou coronavírus a estarem associados a febre e outros sintomas constitucionais. Outros sintomas de um resfriado podem incluir dor de cabeça, rouquidão, irritabilidade, dificuldade para dormir oudiminuição do apetite. Vômitos e diarreia são incomuns. O resfriado geralmente persiste por cerca de 1 semana, embora 10% perdurem por 2 semanas. Os achados físicos do resfriado comum estão limitados ao trato respiratório superior. A secreção nasal aumentada é normalmente óbvia; é comum uma alteração na cor ou consistência das secreções durante o curso da doença e não indica sinusite ou superinfecção bacteriana, mas pode sugerir o acúmulo de células polimorfonucleares. O exame da cavidade nasal pode revelar cornetos nasais eritematosos e edemaciados, embora este achado não seja específico e tenha valor diagnóstico limitado. Pressão anormal do ouvido médio é comum durante o curso de um resfriado. Uma linfadenopatia cervical anterior ou hiperemia conjuntival também podem ser observadas no exame. 
Diagnóstico 	
A tarefa mais importante do médico ao cuidar de um paciente com resfriado é a de excluir outras condições que são potencialmente mais graves ou tratáveis. O diagnóstico diferencial do resfriado comum inclui doenças não infecciosas, bem como outras infecções do trato respiratório superior.
Achados laboratoriais 
Exames laboratoriais de rotina não são úteis para o diagnóstico e tratamento do resfriado comum. Um esfregaço nasal para pesquisa de eosinófilos pode ser útil se houver a suspeita de rinite alérgica. A predominância de polimorfonucleares nas secreções nasais é característica de resfriados sem complicações e não indica superinfecção bacteriana. Anomalias radiográficas autolimitadas dos seios paranasais são comuns durante um resfriado simples; o exame de imagem não é indicado para a maioria das crianças com rinite simples. Os agentes patogênicos virais associados ao resfriado comum podem ser detectados por reação em cadeia da polimerase, cultura, detecção de antígenos ou métodos sorológicos. Estes estudos não são geralmente indicados em pacientes com resfriados, pois um diagnóstico etiológico específico só é útil quando o tratamento com um agente antiviral é contemplado, tal como para os vírus influenza. As culturas bacterianas ou a detecção de antígeno são úteis apenas quando há suspeita de estreptococos do grupo A ou Bordetella pertussis . O isolamento de outros patógenos bacterianos a partir de amostras da nasofaringe não é uma indicação de infecção bacteriana nasal e não constitui um marcador específico do agente etiológico na sinusite.
Tratamento 
O tratamento do resfriado comum consiste principalmente em cuidados de suporte e orientação preventiva, como recomendado pelas diretrizes da American Academy of Pediatrics e do United Kingdom National Institute for Health and Clinical Excellence. 
Tratamento Antiviral 
A terapia antiviral específica não está disponível para infecções por rinovírus. A ribavirina, que está aprovada para o tratamento de infecções graves por VSR, não tem eficácia no tratamento do resfriado comum. Os inibidores da neuraminidase, como o oseltamivir e o zanamivir, têm um efeito modesto sobre a duração dos sintomas associados a infecções por vírus influenza em crianças. O oseltamivir também reduz a frequência de otite média associada à influenza. A dificuldade em distinguir o vírus influenza de outros patógenos do resfriado comum e a necessidade de instituir a terapia no início da doença (dentro de 48 horas do início dos sintomas) para que seja benéfica são limitações práticas para a utilização destes agentes para infecções leves do trato respiratório superior. A terapêutica antibacteriana não apresenta benefício no tratamento do resfriado comum e deve ser evitada para minimizar os possíveis efeitos adversos e o desenvolvimento de resistência aos antibióticos. 
Cuidados de Suporte e Tratamento Sintomático 
Intervenções de suporte são frequentemente recomendadas pela equipe de saúde. Manter a hidratação oral adequada pode ajudar a fluidificar as secreções e aliviar a mucosa respiratória. O tratamento caseiro comum com ingestão de líquidos aquecidos pode aliviar a mucosa, aumentar o fluxo de muco nasal ou liberar as secreções respiratórias. O uso de soro fisiológico nasal tópico pode remover temporariamente as secreções, e a irrigação salina nasal pode reduzir os sintomas. Ar fresco, umidificado, não foi bem estudado, mas pode liberar as secreções nasais; no entanto, umidificadores e vaporizadores devem ser limpos após cada utilização. A Organização Mundial da Saúde sugere que vaporizadores, bem como a terapia com umidificadores não sejam utilizados no tratamento de um resfriado. 
O uso de terapias orais sem receita médica (normalmente contendo antihistamínicos, antitussígenos e descongestionantes) para os sintomas do resfriado em crianças é controverso. Embora alguns destes medicamentos sejam eficazes em adultos, nenhum estudo demonstra um efeito significativo nas crianças e pode haver efeitos colaterais graves. As crianças pequenas não conseguem cooperar na avaliação da gravidade dos sintomas, por isso os estudos destes tratamentos em crianças têm sido geralmente baseados em observações por parte dos pais ou de outros observadores, um método que é suscetível de ser insensível para a detecção dos efeitos do tratamento. Como resultado da falta de evidência direta para a eficácia e o potencial de efeitos colaterais indesejados, a American Academy of Pediatrics recomenda que produtos para tosse e resfriado sem prescrição não sejam utilizados em lactentes e mesmo em crianças com menos de 6 anos de idade. Uma decisão de utilizar esses medicamentos em crianças mais velhas deve considerar a probabilidade de benefício clínico em comparação aos potenciais efeitos adversos desses medicamentos. Os sintomas proeminentes ou mais incômodos dos resfriados variam no decorrer da doença. Se forem utilizados tratamentos sintomáticos, é razoável direcionar a terapia para sintomas específicos e deve-se tomar cuidado para assegurar que cuidadores compreendam o efeito a que se destinam e possam determinar a dosagem apropriada dos medicamentos. 
O zinco, administrado como pastilhas orais a pacientes previamente saudáveis, reduz a duração, mas não a gravidade dos sintomas de um resfriado comum se iniciado no prazo de 24 horas dos sintomas. A função da protease 3C do rinovírus, uma enzima essencial para a replicação do rinovírus, é inibida pelo zinco, mas não houve nenhuma evidência de um efeito antiviral do zinco in vivo. O efeito do zinco nos sintomas tem sido inconsistente, com alguns estudos relatando efeitos dramáticos do tratamento (em adultos), enquanto outros estudos não encontram nenhum benefício. Os efeitos colaterais são comuns e incluem diminuição do paladar, paladar ruim e náuseas. 
Febre A febre não está normalmente associada a um resfriado comum simples, e o tratamento antipirético geralmente não é indicado. 
Obstrução Nasal Tanto agentes adrenérgicos tópicos quanto orais podem ser utilizados como descongestionantes nasais em crianças mais velhas e adultos. Os agentes adrenérgicos tópicos eficazes, como xilometazolina, oximetazolina ou fenilefrina, estão disponíveis como gotas intranasais ou sprays nasais. As formulações de menor potência desses medicamentos estão disponíveis para uso em crianças mais jovens, embora elas não sejam recomendadas para administração em crianças com menos de 6 anos de idade. A absorção sistêmica das imidazolinas (oximetazolina, xilometazolina) tem sido muito raramente associada a bradicardia, hipotensão e coma. A utilização prolongada de agentes adrenérgicos tópicos deve ser evitada para prevenir o desenvolvimento de rinite medicamentosa, um efeito rebote aparente que provoca a sensação de obstrução nasal quando o medicamento é interrompido. Os agentes adrenérgicos orais são menos eficazes do que as preparações tópicas e estão ocasionalmente associados a efeitos sistêmicos, tais como estimulação do sistema nervoso central, hipertensão e palpitações. Os vapores aromáticos (p. ex., mentol) para esfregar no esterno podem melhorar a sensação de permeabilidade nasal, mas não afetam a espirometria. Gotas salinas nasais (lavagem, irrigação) podem melhoraros sintomas nasais e ser utilizadas em todos os grupos etários. 
Rinorreia Os anti-histamínicos de primeira geração podem reduzir rinorreia em 25% a 30%. O efeito dos anti-histamínicos na rinorreia parece estar relacionado com as propriedades anticolinérgicas destes medicamentos em vez das anti-histamínicas e, por conseguinte, os anti-histamínicos de segunda geração ou “não sedativos” não têm efeito sobre os sintomas do resfriado comum. Os principais efeitos adversos associados ao uso dos antihistamínicos são sedação ou hiperatividade paradoxal. A superdosagem pode ser associada a depressão respiratória ou alucinações. Rinorreia também pode ser tratada com brometo de ipratrópio, um agente anticolinérgico tópico. Este medicamento produz um efeito comparável com os anti-histamínicos, mas não está associado à sedação. Os efeitos colaterais mais comuns do ipratrópio são irritação nasal e sangramento. 
Dor de Garganta A dor de garganta associada a resfriados geralmente não é grave, mas o tratamento com analgésicos moderados é ocasionalmente indicado, particularmente se estiver associada à mialgia ou dor de cabeça. O uso de acetaminofeno durante a infecção por rinovírus está associado à supressão de respostas de anticorpos neutralizantes, mas essa observação não tem significado clínico aparente. A aspirina não deve ser administrada a crianças com infecções respiratórias por causa do risco de síndrome de Reye em crianças com infecção por influenza (Cap. 361). Anti-inflamatórios não hormonais podem ser eficazes no alívio da dor causada por um resfriado, mas não há nenhuma evidência clara do seu efeito sobre os sintomas respiratórios. O balanço entre danos e benefícios deve ser considerado quando se utilizam anti-inflamatórios não hormonais para resfriados. 
Tosse A supressão da tosse geralmente não é necessária em pacientes com resfriados. A tosse em alguns pacientes parece ser decorrente da irritação do trato respiratório superior associada ao gotejamento pós-nasal. A tosse nestes pacientes é mais proeminente durante os período de maiores sintomas nasais, e o tratamento com um anti-histamínico de primeira geração pode ser útil. Pastilhas para a tosse podem ser temporariamente eficazes e é pouco provável que sejam nocivas a crianças para as quais não representem risco de aspiração (com idade superior a 6 anos). O mel (5-10 mL em crianças ≥ 1 ano de idade) tem um efeito modesto para o alívio da tosse noturna e é pouco provável que seja prejudicial para crianças com mais de 1 ano de idade. O mel deve ser evitado em crianças com menos de 1 ano de idade por causa do risco de botulismo. Em alguns pacientes, a tosse pode ser resultado de uma doença reativa das vias aéreas induzida por vírus. Esses pacientes podem ter tosse que persiste por dias ou semanas após a doença aguda e podem se beneficiar de broncodilatadores ou outras terapias. A codeína ou o bromidrato de dextrometorfano não têm efeito sobre a tosse de resfriados e apresentam maior potencial de toxicidade. Expectorantes, como a guaifenesina, não são agentes antitussígenos eficazes. A combinação de cânfora, mentol e óleos de eucalipto pode aliviar a tosse noturna, mas os estudos de eficácia são limitados. 
Tratamentos Ineficazes A vitamina C, a guaifenesina e a inalação de ar quente umidificado não são mais eficazes do que o placebo para o tratamento de sintomas do resfriado. A equinácea é uma erva de tratamento popular para o resfriado comum. Embora os extratos de equinácea tenham efeitos biológicos, a mesma não é eficaz como tratamento do resfriado comum. A falta de padronização de produtos comerciais contendo equinácea também representa um tremendo obstáculo para a avaliação racional do uso desta terapia. Não há evidência de que o resfriado comum ou a rinite purulenta aguda persistente com menos de 10 dias de duração sejam beneficiados com o uso de antibióticos. De fato, há evidências de que os antibióticos causam efeitos adversos significativos quando administrados para rinite purulenta aguda.
INFECÇÃO POR INFLUENZA 
A apresentação clínica da infecção por influenza varia de acordo com a faixa etária, em geral após 4-5 dias de incubação. O quadro clínico é mais intenso que o do resfriado comum, em geral com obstrução nasal, rinorreia, tosse não produtiva, dor de garganta, mialgia, mal-estar, calafrios e febre. Em lactentes jovens, a febre sem localização pode ser uma das únicas manifestações clínicas. Devido à facilidade de disseminação e à alta taxa de mutação dos antígenos de superfície viral, anualmente ocorrem surtos da infecção. Estima-se que a taxa anual de infecção varie entre 15 e 42% entre escolares e pré-escolares. No sul do Brasil, a época de maior circulação do vírus é entre abril e setembro. A maior parte dos quadros é autolimitado, durando em média 10 dias. Entretanto, eventualmente a infecção por influenza pode causar complicações mais graves, como miosite, encefalite, miocardite, rabdomiólise e síndrome de Reye, associada ao uso concomitante de ácido acetilsalicílico. Atualmente encontra-se disponível o teste rápido para detecção de influenza por meio de swab nasal, permitindo diferenciar, nas síndromes gripais, os quadros de resfriados comuns de infecções por esse agente etiológico. Com a confirmação diagnóstica, pode-se optar pelo uso de antivirais hoje disponíveis para o tratamento do influenza. O uso de antiviral no início do processo infeccioso parece diminuir o tempo de doença, e acredita-se que possa estar associado à diminuição das complicações, mas as evidências a esse respeito ainda são escassas. A constatação de que a infecção por influenza causa significativa morbidade em crianças previamente saudáveis levou o Comitê de Práticas de Imunização da Academia Americana de Pediatria a recomendar, a partir de 2002, a vacinação para lactentes entre 6 e 24 meses. A vacinação em massa das crianças para influenza parece diminuir a incidência de hospitalização e óbito por doença respiratória em idosos.
Sinusite 
A sinusite é uma doença comum na infância e adolescência. Existem dois tipos de sinusite aguda: viral e bacteriana, com morbidade aguda e crônica significativa, além do potencial para complicações graves. O resfriado comum produz uma rinossinusite viral autolimitada. Aproximadamente 0,5% a 2% das infecções virais do trato respiratório superior em crianças e adolescentes são complicadas por sinusite bacteriana aguda sintomática. Algumas crianças têm condições subjacentes que predispõem à doença sinusal crônica que não parece ser contagiosa. Os meios para o diagnóstico adequado e tratamento ideal da sinusite permanecem controversos. Normalmente, os seios etmoidal e maxilar estão presentes ao nascimento, mas somente os seios etmoidais são pneumatizados. Os seios maxilares não estão pneumatizados até 4 anos de idade. Os seios esfenoidais estão presentes aos 5 anos de idade, enquanto os seios frontais iniciam o desenvolvimento nos 7 a 8 anos de idade e não estão completamente desenvolvidos até a adolescência. Os óstios de drenagem dos seios são estreitos (1-3 mm) e drenam para o complexo óstio-meatal no meato médio. Os seios paranasais são normalmente estéreis, mantidos pelo sistema de limpeza mucociliar. Etiologia Os patógenos bacterianos que causam sinusite bacteriana aguda em crianças e adolescentes incluem Streptococcus pneumoniae (cerca de 30%;), Haemophilus influenzae não tipável (cerca de 20%;) e Moraxella catarrhalis (cerca de 20%;). Aproximadamente 50% dos casos de H. influenzae e 100% dos casos de M. catarrhalis são β-lactamase positivos. Cerca de 25% das infecções por S. pneumoniae podem ser resistentes à penicilina. O Staphylococcus aureus, outros estreptococos e anaeróbios são causas incomuns de sinusite bacteriana aguda em crianças. Embora S. aureus seja um patógeno incomum para sinusite aguda em crianças, o aumento da prevalência de S. aureus resistente à meticilina é uma preocupação significativa. H. influenzae, estreptococos α- e β-hemolíticos, M. catarrhalis, S. pneumoniae e estafilococos coagulasenegativos sãocomumente encontrados em crianças com doença crônica dos seios nasais.
Patogênese Sinusite bacteriana aguda normalmente acompanha uma infecção viral do trato respiratório superior. Inicialmente, a infecção viral produz uma rinossinusite viral; avaliação com RM dos seios paranasais demonstra anormalidades (espessamento, edema e inflamação da mucosa) dos seios paranasais em 68% das crianças saudáveis no curso normal do resfriado comum. Foi demonstrado que o ato de assoar o nariz produz uma força suficiente para impulsionar secreções nasais para as cavidades dos seios. As bactérias da nasofaringe que entram nos seios costumam ser prontamente eliminadas, mas durante uma rinossinusite viral, a inflamação e o edema podem bloquear a drenagem do seio e prejudicar a eliminação mucociliar de bactérias. As condições de crescimento são favoráveis e promovem-se concentrações elevadas de bactérias.
Manifestações clínicas Crianças e adolescentes com sinusite podem apresentar queixas inespecíficas, incluindo congestão nasal, secreção nasal purulenta (unilateral ou bilateral), febre e tosse. Os sintomas menos comuns abrangem mau hálito (halitose), diminuição do sentido do olfato (hiposmia) e edema periorbital. As queixas de dor de cabeça e dor facial são raras em crianças. Sintomas adicionais incluem desconforto dos dentes maxilares, dor ou pressão exacerbada pela inclinação para frente. O exame físico pode revelar eritema e edema da mucosa nasal com secreção nasal purulenta. Pode ser detectada a sensibilidade do seio em adolescentes e adultos. A transiluminação revela um seio opaco que transmite pouco a luz. A diferenciação entre sinusite bacteriana e um resfriado pode ser difícil, mas certos padrões sugestivos de sinusite têm sido identificados. Estes incluem persistência da congestão nasal, rinorreia (de qualquer qualidade) e tosse diurna por mais de 10 dias sem melhora; sintomas graves de temperatura igual ou superior a 39°C, com secreção nasal purulenta por 3 dias ou mais; e agravamento dos sintomas, seja por recorrência dos sintomas após uma melhora inicial ou por novos sintomas de febre, corrimento nasal e tosse diurna.
Diagnóstico O diagnóstico clínico da sinusite bacteriana aguda baseia-se no histórico. Os sintomas persistentes de infecção do trato respiratório superior, incluindo secreções nasais e tosse durante mais de 10 dias sem melhora, ou sintomas respiratórios graves, incluindo temperatura de pelo menos 39°C e secreção nasal purulenta durante 3 a 4 dias consecutivos, sugerem uma sinusite bacteriana aguda complicada. As bactérias foram encontradas a partir de aspirados dos seios maxilares em 70% das crianças avaliadas com esses sintomas persistentes ou graves. Crianças com sinusite crônica têm uma história de sintomas respiratórios persistentes, incluindo tosse, secreções nasais, ou congestão nasal, com duração superior a 90 dias. A cultura do aspirado dos seios é o único método preciso de diagnóstico, mas não é prático para uso rotineiro em pacientes imunocompetentes. Pode ser um procedimento necessário para pacientes imunossuprimidos com suspeita de sinusite fúngica. Em adultos, a endoscopia nasal rígida é um método menos invasivo para a obtenção de material para cultura do seio, mas detecta um número excessivo de culturas positivas em comparação com aspirados. Os achados dos estudos radiográficos (radiografias simples de sinusite, TC), incluindo opacificação, espessamento da mucosa ou presença de um nível hidroaéreo, não são diagnósticos (Fig. 380-1) e não são recomendados em crianças saudáveis. Tais descobertas podem confirmar a presença de inflamação dos seios, mas não podem ser usadas para diferenciar entre as causas virais, bacterianas ou alérgicas da inflamação.
Dado o quadro clínico inespecífico, as considerações para o diagnóstico diferencial incluem infecção viral do trato respiratório superior, rinite alérgica, rinite não alérgica e corpo estranho nasal. As infecções virais do trato respiratório superior são caracterizadas por uma secreção nasal clara e, em geral, não purulenta, tosse e febre inicial; os sintomas normalmente não persistem além de 10 a 14 dias, embora algumas crianças (10%) tenham sintomas persistentes, mesmo após 14 dias. A rinite alérgica pode ser sazonal; a avaliação das secreções nasais deve revelar uma eosinofilia significativa. 
Tratamento 
Não está claro se o tratamento antimicrobiano das sinusites bacterianas agudas diagnosticadas clinicamente oferece algum benefício substancial. Um estudo randomizado controlado com placebo, comparando 14 dias de tratamento de crianças com sinusite clinicamente diagnosticada com amoxiciclina, amoxiciclina-clavulanato ou placebo, concluiu que a terapia antimicrobiana não afetou a resolução dos sintomas, a duração dos sintomas ou os dias de ausência escolar. Um estudo semelhante em adultos demonstrou melhora dos sintomas no 7 o dia, mas não no 10 o dia do tratamento. As diretrizes da American Academy of Pediatrics recomendam o tratamento antimicrobiano para sinusite bacteriana aguda com início grave ou em caso de agravamento para promover a resolução dos sintomas e prevenir complicações supurativas, embora 50% a 60% das crianças com sinusite bacteriana aguda se recuperem sem terapia antimicrobiana. 
A terapia inicial com amoxicilina (45 mg/kg/dia em dose fracionada) é adequada para a maioria das crianças com sinusite bacteriana aguda leve a moderada sem complicações. Os tratamentos alternativos para os pacientes alérgicos à penicilina incluem cefdinir, cefuroxima axetil, cefpodoxima ou cefixima. Em crianças mais velhas, a levofloxacina é um antibiótico alternativo. A azitromicina e o sulfametoxazol-trimetoprim não são mais indicados em razão de uma elevada prevalência de resistência a esses antibióticos. Para as crianças com fatores de risco (tratamento anterior de 1 a 3 meses com antibióticos, frequentadores de creches ou idade menor que 2 anos de idade) para a presença de espécies bacterianas resistentes, e para aquelas que não respondem à terapia inicial com amoxicilina no prazo de 72 horas, ou com sinusite grave, o tratamento com doses elevadas de amoxicilina-clavulanato (80-90 mg/kg/dia de amoxicilina) deve ser iniciado. Ceftriaxona (50 mg/kg, IV ou IM) pode ser administrada a crianças que estão vomitando ou que estão em risco de baixa adesão; devese, em seguida, instituir um tratamento com antibióticos orais. A falta de resposta a esses regimes requer encaminhamento a um otorrinolaringologista para uma avaliação mais aprofundada, pois pode ser necessária a aspiração do seio maxilar para a cultura e o teste de sensibilidade. A duração adequada da terapia para sinusite ainda está por ser determinada; individualização da terapia é uma abordagem razoável, com o tratamento recomendado por um período mínimo de 10 dias ou 7 dias após a resolução de sintomas . A sinusite frontal pode rapidamente evoluir para complicações intracranianas graves e necessitar de tratamento com ceftriaxona parenteral até que ocorra uma melhora clínica substancial. O tratamento é, então, completado com antibioticoterapia oral.
O uso de descongestionantes, anti-histamínicos, mucolíticos e corticosteroides intranasais não foi adequadamente estudado em crianças e não é recomendado para o tratamento de sinusite bacteriana aguda não complicada. Da mesma forma, lavagens nasais com solução salina ou uso de sprays nasais podem ajudar a liquefazer as secreções e atuar como vasoconstritores leves, mas os efeitos não foram sistematicamente avaliados em crianças.
Faringite Aguda 
Faringite refere-se à inflamação da faringe, incluindo eritema, edema, exsudados ou um enantema (úlceras, vesículas). A inflamação da faringe pode estar associada a exposições ambientais, tais como tabagismo, poluentes do ar e alérgenos; ao contato com substâncias cáusticas, comida quente e líquidos; e com agentes infecciosos. A faringe e a boca podem estar envolvidas em vários estados inflamatórios, como síndrome de febre periódica (FPAFA), estomatite aftosa, faringite, adenite, doença deKawasaki, doença inflamatória do intestino, síndrome de Stevens-Johnson e lúpus eritematoso sistêmico. As etiologias não infecciosas estão normalmente evidentes no histórico e exame físico, entretanto pode ser mais difícil a diferenciação entre as inúmeras causas infecciosas de faringite aguda. Infecções agudas do trato respiratório superior são responsáveis por um número substancial de visitas aos pediatras e muitas apresentam dor de garganta como um sintoma ou evidência de faringite no exame físico. A importância clínica consiste em distinguir causas importantes, potencialmente graves, e tratáveis de faringite aguda daquelas que são autolimitadas e não requerem tratamento específico ou acompanhamento. Especificamente, a identificação de pacientes que têm faringite por estreptococos do grupo A (EGA; Streptococcus pyogenes) e a prescrição do antimicrobiano específico constituem o cerne do paradigma do tratamento.
Vírus Na América do Norte e nos países mais industrializados, o EGA é a causa bacteriana mais importante de faringite aguda, mas os vírus predominam como as etiologias infecciosas agudas de faringite. As infecções virais do trato respiratório superior são normalmente transmitidas pelo contato com secreções orais ou respiratórias e ocorrem mais frequentemente no outono, inverno e primavera, isto é, a “estação respiratória”. Os vírus importantes que causam faringite incluem influenza, parainfluenza, adenovírus, coronavírus, enterovírus, rinovírus, vírus sincicial respiratório, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, vírus herpes simples e metapneumovírus humano. A maioria das faringites virais, exceto a mononucleose, costuma ser leve. Os sintomas inespecíficos comuns, como coriza e tosse, desenvolvem-se gradualmente antes que se tornem proeminentes. No entanto, os achados específicos, por vezes, são úteis na identificação do agente infeccioso viral. 
Gengivoestomatite e vesículas ulcerosas por toda a faringe anterior e nos lábios são vistas na infecção primária pelo vírus herpes simples oral. Febre alta e dificuldade em tomar líquidos por via oral são comuns. Esta infecção pode durar por 14 dias. 
Lesões papulovesiculares discretas ou ulcerações na orofaringe posterior, dor de garganta significativa e febre são características de herpangina, causada por vários enterovírus. Na doença mão-pé-boca, há vesículas ou úlceras em toda a orofaringe, vesículas nas palmas das mãos e plantas dos pés, e, por vezes, no tronco e extremidades; Coxsackie A16 é o agente mais comum, mas Enterovírus 71 e Coxsackie A6 também podem causar esta síndrome. As infecções por enterovírus são mais comuns no verão. Vários adenovírus provocam faringite. Quando há conjuntivite concomitante à síndrome esta é chamada de febre faringoconjuntival. Em seguida, a faringite tende a se resolver no prazo de 7 dias, mas a conjuntivite pode persistir por até 14 dias. A febre faringoconjuntival pode ser epidêmica ou esporádica; surtos têm sido associados à exposição em piscinas. 
O eritema faríngeo difuso e as manchas de Koplik intensos, o enantema patognomônico, ocorrem antes da erupção característica do sarampo. Esplenomegalia ou hepatomegalia podem ser as pistas para o diagnóstico da mononucleose infecciosa pelo vírus Epstein-Barr em um adolescente com amigdalite exsudativa. A infecção primária com HIV pode manifestarse como a síndrome retroviral aguda, com faringite não exsudativa, febre, exantema maculopapular, artralgia, mialgia, adenopatias e, muitas vezes, uma erupção maculopapular. 
Outras Bactérias não Estreptococos do Grupo A 
Além de EGA, as bactérias que causam faringite incluem Estreptococos do grupo C e grupo G, Arcanobacterium haemolyticum, Francisella tularensis, Neisseria gonorrhoeae, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila (anteriormente Chlamydia) pneumoniae, Chlamydia trachomatis, Fusobacterium necrophorum, e Corynebacterium diphteriae. Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae podem ser cultivados a partir das orofaringes de crianças com faringite, mas seu papel na causa da faringite não foi estabelecido. 
Faringites por Estreptococos do Grupo C e Grupo G e A. haemolyticum foram diagnosticadas mais comumente em adolescentes e adultos. Elas lembram as faringites por Estreptococos β-hemolítico do grupo A (EBHGA), e uma erupção semelhante à escarlatina pode estar presente com as infecções por A. haemolyticum. 
F. necrophorum tem sido sugerido como uma causa muito comum de faringite em adolescentes mais velhos e adultos (15 a 30 anos de idade). A prevalência em estudos tem variado de 10% a 48% dos pacientes com faringite não EBHGA, mas grandes estudos de vigilância não foram realizados. A faringite por F. necrophorum está associada ao desenvolvimento de síndrome de Lemierre, que cursa com tromboflebite séptica da veia jugular interna. Aproximadamente 80% dos casos de síndrome de Lemierre são causados por esta bactéria. Os pacientes apresentam-se inicialmente com febre, dor de garganta, faringite exsudativa e/ou abscessos peritonsilares. Os sintomas podem persistir, desenvolver dor e edema no pescoço, e o paciente parece intoxicado. O choque séptico pode acontecer simultaneamente a complicações metastáticas de êmbolos sépticos que podem envolver pulmões, ossos e articulações, sistema nervoso central, órgãos abdominais, e tecidos moles. A taxa de letalidade é de 4% a 9%. 
Infecções gonocócicas da faringe são geralmente assintomáticas, mas podem causar faringite aguda, com febre e linfadenite cervical. As crianças pequenas com doença gonocócica comprovada devem ser avaliadas para abuso sexual. 
A difteria é extremamente rara em países mais desenvolvidos graças à extensa imunização com toxoide diftérico. No entanto, continua a ser endêmica em muitas áreas do mundo, incluindo os países do antigo bloco soviético, África, Ásia, Oriente Médio e América Latina. Ela pode ser considerada em pacientes com viagem recente de ou para estas áreas e em pacientes não imunizados. Os principais achados físicos incluem pescoço de touro (edema extremo do pescoço) e uma pseudomembrana cinza da faringe que pode causar obstrução respiratória. 
A ingestão de água, leite ou carne malcozida contaminados por F. tularensis pode levar à tularemia orofaríngea. Dor de garganta significativa, amigdalite, adenite cervical, ulcerações orais e uma pseudomembrana (como na difteria) podem estar presentes. M. pneumoniae e C. pneumoniae causam faringite, mas outras infecções respiratórias superiores e inferiores são mais importantes e mais facilmente reconhecidas. O desenvolvimento de uma tosse grave ou persistente após a faringite pode ser o indicativo para a infecção por um desses organismos. 
Estreptococos do Grupo A 
A faringite estreptocócica é relativamente incomum antes de 2 a 3 anos de idade, é bastante usual entre as crianças de 5 a 15 anos de idade, e diminui de frequência no final da adolescência e na idade adulta. A doença ocorre durante todo o ano, porém é mais prevalente no inverno e na primavera. É facilmente transmitida entre irmãos e colegas de escola. Os EGA provocam 15% a 30% das faringites em crianças em idade escolar. 
A colonização da faringe por EGA pode resultar em portadores assintomáticos ou infecções agudas. Após um período de incubação de 2 a 5 dias, a infecção da faringe com o EGA apresenta-se classicamente como início rápido de dor de garganta significativa e febre. A faringe fica avermelhada, as amígdalas aumentadas e frequentemente cobertas com um exsudado branco, cinzento ou amarelo, que pode estar tingido de sangue. Pode haver petéquias ou lesões “em formato de rosca” no palato mole e faringe posterior, e a úvula pode estar avermelhada e edemaciada. A superfície da língua pode assemelhar-se a um morango quando as papilas estão inflamadas e proeminentes (“língua de morango”). A princípio, a língua está frequentemente revestida de branco e com as papilas inchadas, sendo chamada de “língua de morango branco”. Quando o revestimento branco desaparece depois de alguns dias, a língua está frequentemente bastante vermelha,sendo denominada “língua de morango vermelho”. Os linfonodos cervicais anteriores aumentados e macios estão frequentemente presentes. Dor de cabeça, dor abdominal e vômitos estão frequentemente associados à infecção, mas na ausência de faringite clínica, sinais e sintomas gastrointestinais não devem ser atribuídos ao EGA. Dor de ouvido é uma queixa frequente, mas as membranas do tímpano geralmente estão normais. Diarreia, tosse, coriza, ulcerações, difteria, laringite, rouquidão e conjuntivite não estão associados à faringite por EGA e aumentam a probabilidade de uma etiologia viral. 
Pacientes infectados por EGA que produzem exotoxina estreptocócica pirogênica A, B, ou C podem apresentar a escarlatina com erupção papular vermelha (“em lixa”). Ela começa no rosto e, em seguida, torna-se generalizada. As bochechas ficam vermelhas e a área ao redor da boca, mais pálida, dando o aspecto de palidez perioral. A erupção empalidece com a pressão e pode ser mais intensa nas dobras da pele, especialmente nas fossas antecubitais, axilas e pregas inguinais (“linhas” ou sinais de Pastia). As linhas de Pastia são, por vezes, petéquias ou hemorragias leves. A fragilidade capilar pode causar petéquias distais a um garrote ou constrição de vestuário, uma prova do laço positiva ou o fenômeno Rumpel-Leeds. O eritema desaparece em poucos dias e quando a erupção resolve-se, geralmente, a pele descasca como uma queimadura leve de sol. Às vezes, há uma descamação em folhas ao redor das margens livres das unhas dos dedos. A exotoxina estreptocócica pirogênica A, codificada pelo gene spe A, é a exotoxina mais comumente associada à febre escalatiforme. A proteína M é um importante fator de virulência EGA que facilita a resistência à fagocitose. A proteína M é codificada pelo gene de emm e determina o tipo M (ou tipo emm). Os métodos moleculares identificaram mais de 200 genes emm (tipos emm). A proteína M é imunogênico; um indivíduo pode experimentar vários episódios de faringite EGA na vida porque a imunidade natural é específica para o tipo M. Vários EGA tipo M podem circular em uma comunidade ao mesmo tempo, e eles entram e saem das comunidades de forma imprevisível e por motivos desconhecidos.
Diagnóstico 
As apresentações clínicas da faringite estreptocócica e viral muitas vezes se sobrepõem. Em particular, a faringite da mononucleose pode ser difícil de distinguir da faringite por EGA. Médicos, confiando apenas na avaliação clínica, costumam superestimar a probabilidade de uma etiologia estreptocócica. Vários sistemas de pontuação clínica têm sido descritos para ajudar a identificar pacientes que possam ter faringite por EGA. Os critérios desenvolvidos para adultos e modificados para as crianças por McIsaac dão um ponto para cada um dos seguintes critérios: histórico de temperatura > 38°C (100,4°F); ausência de tosse; adenopatia cervical anterior suave; edema ou exsudato tonsilar; e idade entre 3 e 14 anos. Ele subtrai um ponto para ≥ 45 anos. Na melhor das hipóteses, uma pontuação de McIsaac ≥ 4 está associada a um teste laboratorial positivo para EGA em menos de 70% das crianças com faringite (Tabela 381-2), por isso, também, superestima a probabilidade de EGA. Consequentemente, testes de laboratório são essenciais para um diagnóstico preciso. Os achados clínicos e/ou sistemas de pontuação podem ser mais bem utilizados para auxiliar o clínico na identificação de pacientes com necessidade de testes. Os testes de anticorpos de estreptococos não são úteis na avaliação de pacientes com faringite aguda.
A cultura da orofaringe e testes rápidos de detecção de antígeno (TRDAs) são os testes de diagnóstico disponíveis para EGA no atendimento clínico de rotina. A cultura continua a ser o “padrão-ouro” para o diagnóstico de faringite estreptocócica. Há tanto culturas falsonegativas, como consequência de erros de coleta de amostras ou por tratamento anterior com antibiótico, quanto culturas falso-positivas, como consequência de erro na identificação de outras bactérias como EGA. Alguns laboratórios preferem teste de ácido nucleico que é específico para EGA e não utilizam mais a cultura para confirmar o diagnóstico. Uma criança que é cronicamente colonizada com EGA (portadora estreptocócica) pode ter uma cultura positiva se esta for obtida quando a criança for avaliada para faringite que é na realidade causada por uma infecção viral. Os TRDAs estreptocócicos detectam os hidratos de carbono dos EGA grupo A. Eles são utilizados pela grande maioria dos pediatras clínicos. Todos os TRDAs têm especificidade muito elevada, em geral ≥ 95%, de modo que quando um TRDA é positivo, assume-se como sendo preciso e torna-se desnecessária a cultura de garganta. Uma vez que os TRDAs são geralmente menos sensíveis que a cultura, é recomendada a confirmação de um teste rápido negativo com uma cultura de orofaringe. 
Os TRDAs e cultura de orofaringe apresentam um espectro tendencioso: eles são mais sensíveis quando a probabilidade pré-teste de EGA é elevada (sinais e sintomas são típicos de infecção por EGA), e menos sensíveis quando a probabilidade pré-teste é baixa. Recomenda-se evitar os testes quando os pacientes apresentam sinais e sintomas mais sugestivos de uma infecção viral. 
Testes para outras bactérias que não EGA são realizados com pouca frequência, e devem ser reservados para pacientes com sintomas persistentes e sintomas sugestivos de uma faringite bacteriana não EGA específica, por exemplo, quando há preocupação com infecção gonocócica ou abuso sexual. Meios de cultura especiais e uma incubação prolongada são obrigatórios para a detecção de A. haemolyticum. As culturas virais são escassas e, em geral, muito caras e lentas para ser clinicamente úteis. A reação em cadeia da polimerase é mais rápida e ensaios de reação em cadeia da polimerase em multiplex para agentes patogênicos respiratórios podem identificar uma variedade de agentes virais e bacterianos dentro de algumas horas. Isso pode ser útil na determinação da necessidade de isolamento de pacientes hospitalizados, auxiliando no prognóstico do paciente e na epidemiologia, mas na ausência de um tratamento específico para a maioria das infecções virais, tais testes geralmente não são necessários. Um hemograma completo que mostra muitos linfócitos atípicos e um teste de aglutinação em lâmina para mononucleose positivo podem ajudar a confirmar um diagnóstico clínico de mononucleose infecciosa por vírus Epstein-Barr.
Tratamento 
Uma terapia específica não está disponível para a maioria das faringites virais. No entanto, a terapia não específica, sintomática, pode ser uma parte importante do plano global de tratamento. Um agente oral antipirético e analgésico (acetaminofeno ou ibuprofeno) pode aliviar a febre e a dor de garganta. Sprays anestésicos e pastilhas (muitas vezes contendo benzocaína, fenol ou mentol) podem proporcionar alívio local em crianças com desenvolvimento adequado para sua utilização. Corticosteroides sistêmicos são por vezes utilizados em crianças que têm evidências de comprometimento das vias aéreas superiores devido à mononucleose. Embora os corticosteroides sejam comumente utilizados em adultos com faringite, estudos em larga escala capazes de fornecer dados de segurança e eficácia são escassos em crianças. Corticosteroides não podem ser recomendados para o tratamento da maioria das faringites pediátricas. 
A terapia com antibióticos para faringite bacteriana depende do organismo identificado. Com base em dados de suscetibilidade in vitro, penicilina oral é muitas vezes sugerida para pacientes com isolados de estreptococos do grupo C e a eritromicina oral é recomendada para pacientes com A. haemolyticum, mas o benefício clínico de tal tratamento é incerto. 
A maioria dos episódios não tratados de faringite EGA resolve-se sem intercorrências no prazo de 5 dias, mas a antibioticoterapia precoce acelera a recuperação clínica entre 12 a 24 horas. O principal benefício e objetivo do tratamento antibiótico é a prevenção da febre reumática aguda (FRA), sendo altamenteeficaz quando começado dentro de 9 dias do início da doença. A antibioticoterapia não impede a glomerulonefrite pósestreptocócica aguda (GNPEA). A antibioticoterapia não deve ser adiada para crianças com faringite sintomática e um TRDA para EGA ou uma cultura de orofaringe positivos. O tratamento antibiótico presuntivo pode ser iniciado quando existe: um diagnóstico clínico de escarlatina, uma criança sintomática que teve contato domiciliar com caso de faringite estreptocócica documentada, ou um histórico de FRA no paciente ou um membro da família, porém testes diagnósticos devem ser realizados para confirmar a presença de EGA. 
Uma variedade de agentes antimicrobianos mostra-se eficaz para a faringite por EGA (Tabela 381-3). Os estreptococos do grupo A são universalmente sensíveis à penicilina e todos os outros antibióticos β- lactâmicos. A penicilina tem baixo custo, um espectro estreito de atividade e poucos efeitos adversos. A amoxicilina é a preferida para as crianças por causa do sabor, da disponibilidade na forma de comprimidos mastigáveis e líquidos e da conveniência de dosagem única diária. A duração da penicilina oral e da terapia com amoxicilina é de 10 dias. Uma dose intramusculapr única de penicilina benzatina ou uma combinação de penicilina G benzatina-procaína é eficaz e segura. Testes de acompanhamento de EGA são desnecessários após a conclusão da terapia e não são recomendados a menos que os sintomas retornem.
Os pacientes alérgicos à penicilina podem ser tratados com um curso de 10 dias de uma cefalosporina (cefalexina ou cefadroxil) espectro estreito (primeira geração) se a reação anterior à penicilina não foi uma reação de hipersensibilidade imediata do tipo I. Na maioria das vezes, os pacientes alérgicos à penicilina são tratados durante 10 dias com eritromicina, claritromicina, clindamicina ou durante 5 dias com azitromicina. O aumento da utilização de macrolídeos e antibióticos relacionados para uma variedade de infecções, especialmente o azalido, azitromicina, está associado ao aumento das taxas de resistência a estes fármacos entre EGA em muitos países. Cerca de 5% dos EGA nos Estados Unidos e mais de 10% no Canadá são macrolídeo-resistentes (a resistência a macrolídeos inclui a resistência a azalido), mas há uma variação local considerável em ambos os países. Alguns isolados de EGA macrolídeo-resistentes são também resistentes à clindamicina. Apesar de não ser um grande obstáculo para o tratamento da faringite, a resistência à clindamicina pode ser importante no tratamento de infecções invasivas por EGA. A utilização destes antibióticos deve ser restrita a pacientes que não podem receber com segurança um fármaco β-lactâmico para faringite por EGA. Tetraciclinas, sulfonamidas ou fluoroquinolonas não devem ser utilizadas no tratamento de faringite por EGA.
LARINGITES 
Quando se utiliza o termo laringite, em geral se está fazendo referência à laringotraqueobronquite viral aguda, chamada, na literatura internacional, de crupe. O agente etiológico em geral é o parainfluenza tipo 1, sendo também possível identificar casos de parainfluenza 2 e 3, VSR, adenovírus e influenza 2 e 3. O quadro clínico típico é de tosse ladrante, disfonia e estridor inspiratório (eventualmente, em casos de maior obstrução, estridor bifásico), tendo sido precedido por quadro de sintomas nasais e febre baixa por 2 ou 3 dias. Os sintomas laríngeos são causados pelo edema subglótico, gerado pelo processo inflamatório local, e podem ser bastante assustadores para os cuidadores. O diagnóstico é clínico e o manejo do paciente varia de acordo com a intensidade dos sintomas. Quadros leves podem ser observados no próprio domicílio. O manejo medicamentoso do paciente com laringite aguda em geral requer utilização de corticoide e nebulização com adrenalina. Ensaios clínicos já demonstraram que o corticoide pode ser utilizado em dose única, não havendo diferença entre prednisona (1-2 mg/kg) e dexametasona (0,3-0,6 mg/kg). Prefere-se sempre a via oral para evitar maior agitação do paciente e a consequente piora respiratória. A nebulização com adrenalina pode ser repetida até a cada 20 minutos, dependendo da gravidade da obstrução. Crianças que necessitem de 3 nebulizações seguidas sem alívio dos sintomas devem ser observadas cuidadosamente porque apresentam maior risco de necessitarem de entubação endotraqueal (1-2% dos casos atendidos em âmbito hospitalar). Os pacientes com laringite devem ser mantidos em um ambiente o mais calmo possível mesmo dentro de uma emergência, pois a agitação aumenta o turbilhonamento do ar na via aérea estreitada e pode piorar muito a obstrução respiratória. Não há qualquer evidência de que a umidificação do ar possa trazer qualquer benefício.
OTITE MÉDIA 
Definição. Processo inflamatório, agudo ou crônico, infeccioso ou não, localizado focal ou generalizadamente na orelha média (OM). 
Epidemiologia. Há um pico de prevalência entre 6 e 24 meses de idade por imaturidade imunológica e características anatômicas da tuba auditiva, que parece ter papel central na patogênese de todas as formas de otite média. Estima-se que 95% de todas as crianças apresentem pelo menos um episódio de OMA antes dos 5 anos e que 10% daquelas em idade escolar apresentem líquido na OM. A incidência de OMA é maior no inverno e no outono. 
Etiologia. A bacteriologia da OMA é igual para todas as faixas etárias e inclui Streptococcus pneumoniae (40-50%), Haemophilus influenzae não tipável (30- 40% do total; 30-50% das cepas produzem β-lactamase) e Moraxella catarrhalis (10-15% do total; 90% produzem β -lactamase) como agentes mais frequentes. Cepas de pneumococo resistente à penicilina são a causa mais comum de OMA resistente e recorrente. Com os avanços das técnicas microbiológicas, os vírus têm sido cada vez mais encontrados nos fluidos da OM, isolados ou associados às infecções bacterianas. 
Fatores de risco ◗ Predisposição familiar ◗ Uso de chupeta ◗ Permanência em creches ◗ Tabagismo no domicílio ◗ Sexo masculino (diferença leve) ◗ Aleitamento materno por menos de 3 meses ◗ Primeiro episódio de OMA antes dos 9 meses ◗ Rinite alérgica e outras causas de obstrução nasal ◗ Síndromes de imunodeficiência, incluindo deficiência de IgA e IgG ◗ Malformações craniofaciais e doenças ciliares ◗ Fatores socioeconômicos 
Quadro clínico. Sintomas de OMA incluem otalgia, febre e hipoacusia, sendo a otalgia a manifestação mais comum. Esse quadro de instalação rápida frequentemente é precedido por uma infecção da via aérea superior. Em crianças menores, a OMA geralmente se apresenta de forma inespecífica, com febre, irritabilidade, choro prolongado, vômitos, anorexia e diarreia. A otorreia é uma manifestação de OMA supurada, que geralmente alivia a dor. Excluídas otite externa, otite média crônica (OMC) ou tubo de ventilação prévio, a otorreia purulenta estabelece o diagnóstico de OMA. A perfuração pós-OMA costuma ser pequena e nem sempre é visualizada. Quando se identifica perfuração ampla e precoce da membrana timpânica (MT), alertar para OMA necrotizante, geralmente causada por Streptococcus pyogenes, no curso de uma doença sistêmica aguda e tóxica, como sarampo, escarlatina ou pneumonia. Quando há conjuntivite associada, há maior probabilidade de se tratar de H. influenzae como agente causador. Nos pacientes menores de 2 anos com doença bilateral, o curso clínico da OMA costuma ser mais prolongado. Figura 41.6.1 Classificação das otites médias. 
O exame físico, por meio de otoscopia, apesar de nem sempre ser fácil de realizar em crianças, é o que oferece a melhor evidência diagnóstica (Fig. 41.6.2). O abaulamento é o sinal mais indicativo de OMA. A simples hiperemia da MT não é critério confiável, já que pode ser causada por choro, febre alta, infecção de via aérea ou trauma. A presença de bolhas associada à otalgia intensa é sugestiva de miringite bolhosa, infecção da MT, que ocorre geralmente associada à OMA ou à otite externa, e tem etiologia incerta. Alguns trabalhos sugerem como causa patógenos com distribuição semelhanteà OMA, outros, sugerem para vírus respiratórios ou Mycoplasma pneumoniae. A diferenciação entre OMA e otite média com efusão (OME) é fundamental. Na otite média serosa, há visualização de líquido com MT translúcida e nível hidroaéreo. Já na secretora, a MT encontra-se espessada com aumento da vascularização. 
Tratamento. O principal aspecto na orientação terapêutica é o diagnóstico correto. A simples presença de líquido na OM sem sinais e sintomas de doença aguda, na maioria das vezes, não requer tratamento antibacteriano. Além disso, 70-90% das OMA têm resolução espontânea. Portanto, antibióticos não devem ser prescritos inicialmente de rotina na OMA. Essa reserva na prescrição de antibióticos em crianças selecionadas diminui custos, evita efeitos adversos e minimiza o surgimento de cepas resistentes (Fig. 41.6.3). A terapia antibacteriana deve ser prescrita nos seguintes casos: 
◗ qualquer criança menor de 6 meses, independentemente do grau de certeza do diagnóstico; 
◗ crianças entre 6 meses e 2 anos, se houver certeza do diagnóstico ou se o diagnóstico for incerto, mas a doença for severa (otalgia moderada a grave ou febre ≥ 39°C nas últimas 24 horas). A observação é uma opção, portanto, se o diagnóstico for incerto e a doença for leve/moderada;
◗ crianças maiores de 2 anos se houver certeza do diagnóstico e a doença for grave. A observação é uma opção, portanto, se o diagnóstico for certo com doença leve/moderada ou se o diagnóstico for incerto. 
Vale lembrar que a observação só é recomendada quando há certeza do acompanhamento do paciente e que a antibioticoterapia deve ser iniciada se houver persistência ou piora dos sintomas. 
É importante ressaltar que a recomendação do uso inicial de amoxicilina em dose alta provém de guidelines norte-americanos, onde a prevalência de pneumococo de resistência intermediária e plena é em torno de 40%. Em nosso meio, apesar de poucos estudos e das variações locais, essa prevalência parece ser menor (em torno de 20%), o que justifica o uso de amoxicilina, 50 mg/kg/dia, como primeira escolha. 
A timpanocentese com cultura do fluido da OM está indicada nos casos de quadro toxêmico, complicações, otite persistente apesar do tratamento adequado, imunodeficientes ou neonatos (quando um microrganismo não usual pode estar presente). O manejo da dor também é fundamental, principalmente nos primeiros dois dias. As opções incluem paracetamol, 15 mg/kg, a cada 4-6 horas, ou ibuprofeno, 10 mg/kg, a cada 6 horas. Anti-histamínicos e descongestionantes não têm valor no tratamento da OMA, exceto se houver doença alérgica associada. Líquido na OM pós-OMA persiste por duas semanas em 70% das crianças, por 1 mês em 40% e por 3 meses em 10%, não devendo, portanto, ser interpretado como falência do tratamento. Prescrever antibiótico visando a evitar a permanência da efusão não é uma prática recomendada. 
A profilaxia para OMA recorrente (mais de três episódios em 6 meses ou quatro em 12) deve ser evitada pelo aumento do risco de resistência bacteriana. Quanto ao papel da vacinas na prevenção das otites, a vacina antipneumocócica heptavalente, apesar de não provocar grande queda na incidência geral de otite média, mudou o perfil de seus microrganismos causadores, diminuindo os episódios de otite média com efusão e recorrente e aumentando as otites causadas por H. influenzae, M. catarrhalis e por sorotipos do pneumococo inexistentes na vacina (sorotipos com menor resistência). A vacina anti-influenza com vírus inativado mostrou-se efetiva na redução da OMA nos períodos de maior incidência desse vírus. A vacina contra H. influenzae tipo B não previne contra otite média. Nos casos de OMA recorrente, suspeita de hipoacusia, efusão persistente ou OMC, deve-se encaminhar para consulta especializada para avaliação de necessidade de tratamento cirúrgico. 
Complicações. A propagação do germe infeccioso da OM para o osso temporal e/ou para o encéfalo pode ocorrer tanto na OMA quanto na OMC. Apesar de raras, a gravidade das complicações intratemporais (mastoidite, fístula labiríntica, labirintite, petrosite, paralisia facial periférica) e intracranianas (abscesso, empiemas, meningite, trombose do seio sigmoide, hidrocéfalo otítico) exige suspeição clínica para que o diagnóstico seja feito o mais precocemente possível. Os exames de imagem são fundamentais se houver suspeita de complicação, e a abordagem deve ser multidisciplinar, com antibioticoterapia de amplo espectro e resolução do foco primário (OM).
Objetivo 2) Abordar como deve ser realizado exame físico pediátrico.
Ricardo Neves Godinho– Interamerican Association of Pediatric Otorhinolaryngology, EXAME OTORRINOLARINGOLÓGICO DA CRIANÇA 
EXAME OTOLÓGICO DA CRIANÇA
Recomenda-se iniciar o exame da criança pela otoscopia. A mãe abraça o filho, envolvendo-o com firmeza pelos braços e tórax com uma das mãos e com a outra firma a cabeça da criança para direita ou para esquerda, dependendo do lado a ser examinado. Não conter as pernas da criança, impedindo um ponto de apoio, para que a mesma não fique se sacudindo, evitando-se traumas acidentais durante o exame.
Examina-se primeiramente a orelha que não é motivo da queixa principal e a seguir a orelha afetada. O exame é constituído pela inspeção visual, palpação do pavilhão auricular, mastóide e adjacências e finalmente pela otoscopia.
Inspeção
A Inspeção visual e palpação englobam o pavilhão auricular, tragus, conduto auditivo externo, região retroauricular da mastóide e linfonodos regionais, procurando identificar a presença de edema, rubor, calor e dor.
Otoscopia
Na Otoscopia, exame essencial no diagnóstico das otites, utiliza-se um otoscópio que tem a capacidade de aumentar em até duas vezes a imagem. A iluminação é muito importante para um exame adequado, proporcionando maiores chances de acerto diagnóstico. Por isto, a manutenção do aparelho deve ser sistemática, trocando pilhas, baterias e lâmpadas regularmente. Existem vários tipos e marcas de otoscópio e a escolha recai por aqueles que oferecem excelente iluminação e visibilidade sem distorções. O pneumo-otoscópio é uma excelente escolha para ser empregado no pequeno paciente. Além da visualização, oferece informações adicionais sobre a mobilidade da MT e sobre a presença de líquido na orelha média. Não é um aparelho de difícil manuseio, mas necessita de treinamento especial. Otoscópios que utilizam tecnologia em vídeo (vídeo-otoscópio) proporcionam visão amplificada da MT que pode ser digitalizada (Fig 15). São muito úteis para o processo educativo junto aos pais.
O especulo ideal para o exame é aquele com maior diâmetro possível, respeitando as dimensões do conduto auditivo a ser examinado, garantindo uma visão abrangente e um exame confortável para criança.
Ao exame, o pavilhão é tracionado póstero-superiormente nas crianças maiores e inferiormente nos recém nascidos, retificando o conduto externo, facilitando a introdução do especulo e promovendo boa visualização do conduto e da MT. Sempre evitar a pressão do especulo contra a parede do conduto auditivo externo, principalmente na sua porção óssea, região de maior sensibilidade à dor. É comum a presença de cerúmen impedindo a boa visualização do conduto e MT, sendo necessária a sua remoção com cuidado, técnica e treinamento adequados, evitando os traumatismos e sofrimento ao pequeno paciente (Fig. 16 e17).
Figura 17. Ganchinhos auriculares amigos das crianças
Na otoscopia, a MT no seu estado normal é moderadamente translúcida, de superfície lisa e reflete à luz do otoscópio uma pequena área triangular no seu quadrante ântero-inferior, facilitando a identificação da MT ao exame. Algumas alterações na integridade, forma, cor, mobilidade e vascularização podem caracterizar doenças ou disfunções da orelha externa, média e interna.
Durante o exame físico deve ser dada especial atenção àquelas características observadas em crianças especiais que estão associadas com perda auditiva (Quadro 4).
Quadro 4. Características Físicas associadas com Perda Auditiva em Crianças Especiais
· Anomaliascraniofaciais
· Malformações da orelha, apêndices ou colobomas pré-auriculares
· Alterações da implantação da orelha
· Alterações de pigmentação da pele
· Mechas de cabelo branco ou outras malformações do cabelo 14
· Heterocromia, telecanto, miopia severa, retinopatias
· Cistos, fístulas branquiais, pócio
EXAME NASAL DA CRIANÇA
Inspeção
A presença de hiperemia da ponta nasal e de rágades no vestíbulo se associa aos quadros de rinite. A rinite alérgica pode produzir a marca alérgica nasal, pequena prega cutânea na ponta da pirâmide nasal, causada pelo hábito de coçar.
A observação cuidadosa do terço médio facial pode indicar a presença de sinais relacionados com complicações das sinusites, mais freqüentes em crianças especiais. Edema e hiperemia da região malar, em crianças febris, aponta para complicação regional da sinusite. Pálpebras edemaciadas e
hiperemiadas podem estar presentes nas complicações das sinusites frontais e etmoidais.
Prurido ocular, acompanhado de hiperemia conjuntival está presente nas crianças alérgicas. Edema palpebral uni ou bilateralmente, acompanhado ou não de edema labial ou facial, apontam para quadros alérgicos mais graves.
A face inexpressiva e os lábios entreabertos, que podem se associar à alterações da oclusão (mordida aberta e projeção dos dentes incisivos superiores), são observados nas crianças que respiram predominantemente pela boca
Alterações da pirâmide nasal podem sugerir malformações faciais. Tumores nasais congênitos são observados através da inspeção realizada ao nascimento ou nos primeiros meses de vida.
Percussão e palpação
Na sinusite, a pressão digital na área de saída do nervo infra-orbitário, assim como a pressão na região geniana pode ser dolorosa. A pressão digital pode ser dolorosa na área de saída do nervo supra-orbitário (sinal de Grunwald) e no ângulo interno da órbita (sinal de Ewing). A pressão digital da área inter-ocular também pode ser dolorosa. Quando a percussão e palpação desencadeiam considerável desconforto nas crianças, deve-se pensar em quadros infecciosos sinusais mais severos.
Rinoscopia Anterior
No consultório é possível avaliar o vestíbulo nasal, o septo nasal anterior e a cabeça das conchas inferiores usando-se o otoscópio. Com a criança assentada, introduz-se a ponta adequada do otoscópio no vestíbulo nasal, simultaneamente com a elevação da ponta do nariz e afastamento lateral da asa nasal do lado a ser examinado.
Figura 18. Spray nasal
No vestíbulo nasal pode-se observar a presença de dermatoses e foliculite, além de se observar a presença de secreções ou crostas. O septo nasal anterior cartilaginoso pode se encontrar desviado no recém-nascido, em conseqüência de traumatismo no canal do parto. Nos lactentes e pré-escolares também pode ser observado esse desvio do bordo anterior septal (luxação septal) que nem sempre é acompanhado de desvio da pirâmide nasal. Entretanto, a maioria dos desvios septais se encontra mais posteriormente.
A cabeça das conchas nasais se encontra na porção mais estreita das narinas, denominada válvula nasal. Essa região pode estar completamente obstruída pela hipertrofia da mucosa da concha. O uso de gotas vasoconstritoras, que podem ser aplicadas no consultório pediátrico causa retração do volume das conchas, permitindo melhor visualização das fossas nasais (Fig 18 e 19). Em algumas crianças pode-se visualizar a cabeça da concha média e o processo unciforme, além de alterações inflamatórias e infecciosas. A mucosa pálida sugere processos inflamatórios alérgicos e a hiperemia associa-se com processos infecciosos.
A presença de rinorréia mucopurulenta no assoalho nasal é vista na sinusite ou está associada à estase da secreção do nariz congestionado. Rinorréia mucopurulenta ou francamente purulenta entre a cabeça da concha média e o processo unciforme sugere juntamente com a história clínica, sinusite bacteriana. Em crianças com fissura de palato é mais frequente a presença de secreção e crostas no cavum.
Figura 20. Pico de fluxo inspiratório nasal
A avaliação da função nasal pode ser feita de maneira objetiva em crianças maiores através da medida do Pico de Fluxo Inspiratório Nasal. Trata-se de equipamento de baixo custo que fornece importantes informações sobre o monitoramento da função nasal do pequeno paciente (Fig. 20).
A via aérea inferior também deve ser avaliada, através da ausculta pulmonar cuidadosa. Sobretudo na infância, o conceito das vias aéreas unificadas apresenta um valor muito prático e as informações da ausculta devem ser associadas aos achados da rinoscopia. O pico de fluxo expiratório também pode ser medido em crianças maiores e nesse momento também pode se verificar se o paciente está fazendo o uso adequado dos medicamentos pulmonares por via nasal (Fig 21 e 22). Aquela criança que usa inadequadamente a aerocâmara ou está com obstrução nasal importante pode apresentar resultado insatisfatório do tratamento da pneumopatia quando em uso de medicamentos pulmonares pelo nariz.
Fig 21 Pico de fluxo
expiratório
Os corpos estranhos geralmente se localizam no vestíbulo e válvula nasal. A retirada dos corpos estranhos nasais é realizada preferencialmente com iluminação de fotóforo e com a utilização de ganchos especiais. O exame das fossas nasais, com a criança assentada sozinha ou no colo da mãe, também é realizado com especulo de tamanho especial (rinoscópios pediátricos) e com o auxílio da iluminação proporcionada pelo fotóforo. A endoscopia nasal pode complementar a rinoscopia anterior.
A dinâmica da via aérea durante o sono não pode ser determinada pelo exame estático no ambiente do consultório. A avaliação por fibra ótica da nasofaringe, adenóide e tonsilas é conveniente para se determinar a obstrução coanal e da orofaringe, mas, não demonstrará as modificações da dinâmica da faringe e da língua observadas durante o sono. Similarmente, a avaliação radiográfica do tecido da adenóide não mostra tais modificações, além de não apresentar sensibilidade adequada para a avaliação criteriosa do grau de obstrução.
Fig 22 Medicação pulmonar
por via nasal
A polissonografia (PSG) permanece como o padrão ouro para a correlação objetiva das anormalidades ventilatórias associadas com as alterações respiratórias do sono. Entretanto, as dificuldades associadas ao custo da PSG e suas dificuldades de realização nas crianças, fazem deste um incômodo método de avaliação na prática pediátrica. Outras técnicas de avaliação incluem gravação de áudio, PSG em casa. Tais métodos têm demonstrado resultados favoráveis, mas requerem estudos adicionais. A PSG simplificada (oximetria noturna ou PSG do cochilo) tem demonstrado um valor preditivo positivo alto e um valor preditivo negativo baixo, sugerindo que pacientes com resultados negativos ainda precisem de estudos adicionais.
A PSG pré-operatória pode ser reservada para avaliação de crianças com elevado risco cirúrgico, incluindo aquelas com malformações complexas das vias aéreas, com problemas cardiopulmonares, crianças obesas, com déficit neurológico, aquelas que apresentam história inconsistente com o exame físico e aquelas cujos pais ou o médico não confiam nos resultados da gravação da obstrução respiratória durante o sono. A PSG é também indicada quando a apnéia do sono persiste no pós-operatório (SAOS residual).

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