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Diarreia e constipação

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Diarreia e constipação
Diarreia aguda
A diarreia pode ser definida pela ocorrência de três ou mais evacuações amolecidas ou líquidas nas últimas 24 horas. A diminuição da consistência habitual das fezes é um dos parâmetros mais considerados. Na diarreia aguda ocorre desequilíbrio entre a absorção e a secreção de líquidos e eletrólitos e é um quadro autolimitado4. De acordo com a OMS, a doença diarreica pode ser classificada em três categorias:
1. Diarreia aguda aquosa: diarreia que pode durar até 14 dias e determina perda de grande volume de fluidos e pode causar desidratação. Pode ser causada por bactérias e vírus, na maioria dos casos. A desnutrição eventualmente pode ocorrer se a alimentação não é fornecida de forma adequada e se episódios sucessivos acontecem. 
2. Diarreia aguda com sangue (disenteria): é caracterizada pela presença de sangue nas fezes. Representa lesão na mucosa intestinal. Pode associar-se com infecção sistêmica e outras complicações, incluindo desidratação. Bactérias do gênero Shigella são as principais causadoras de disenteria. 
3. Diarreia persistente: quando a diarreia aguda se estende por 14 dias ou mais. Pode provocar desnutrição e desidratação. Pacientes que evoluem para diarreia persistente constituem um grupo com alto risco de complicações e elevada letalidade. 
Assim, doença diarreica aguda pode ser entendida como um episódio diarreico com as seguintes características: início abrupto, etiologia presumivelmente infecciosa, potencialmente autolimitado, com duração inferior a 14 dias, aumento no volume e/ou na frequência de evacuações com consequente aumento das perdas de água e eletrólitos. Apesar da definição de diarreia aguda considerar o limite máximo de duração de 14 dias, a maioria dos casos resolve- -se em até 7 dias. A doença diarreica na maior parte das vezes representa uma infecção do tubo digestivo por vírus, bactérias ou protozoários e tem evolução autolimitada, mas pode ter consequências graves como desidratação, desnutrição energético-proteica e óbito. Nem sempre é possível identificar o agente causador do episódio diarreico.
Etiologia
A diarreia aguda pode ter causas infecciosas e não infecciosas. Mundialmente, as causas infecciosas apresentam uma maior prevalência e impacto na saúde das crianças, principalmente nas menores de 5 anos. Alergias, intolerâncias e erros alimentares, além de certos medicamentos, estão entre as causas não infecciosas mais frequentes. 
As diarreias agudas de origem infecciosa têm como principais agentes os vírus, as bactérias e os protozoários. No mundo inteiro, os vírus são os principais causadores das diarreias infecciosas, sendo os mais prevalentes os rotavírus, os calicivírus, os astrovírus e os adenovírus entéricos. Os vírus são altamente infectantes e necessitam de baixa carga viral para causar doença. Os rotavírus têm ocorrência universal, sendo os principais responsáveis por episódios de diarreia aguda, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, representando 40% dos casos graves com hospitalização. A infecção por rotavírus é autolimitada, com pico de incidência na faixa etária de 6 a 24 meses. Os norovírus são os principais agentes de surtos epidêmicos de gastroenterites virais transmitidos por água ou alimentos, ocorrendo em todas as faixas etárias. Também podem ser encontrados em quadros esporádicos, e 30% dos casos são assintomáticos. Os adenovírus causam, com mais frequência, infecção do aparelho respiratório, mas, dependendo do sorotipo, podem causar quadros de gastroenterite. Os astrovírus são menos prevalentes. Apesar de poder ocorrer em adultos e crianças, os lactentes são os mais acometidos. A transmissão é de pessoa a pessoa e geralmente provoca casos de diarreia leve e autolimitada. As diarreias agudas de causa bacteriana e parasitária são mais prevalentes nos países em desenvolvimento e têm pico de incidência nas estações chuvosas e quentes. O Quadro 1 resume as características dos principais agentes bacterianos. Os agentes parasitários mais frequentemente envolvidos na etiologia da diarreia aguda são: Cryptosporidium parvum, Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica e Cyclospora cayetanensis. O Cryptosporidium e a Cyclospora são agentes observados em crianças nos países em desenvolvimento e com frequência são assintomáticos. Casos graves de infecção por esses parasitas podem ser encontrados nos pacientes imunodeprimidos. 
A transmissão da maioria dos patógenos que causam diarreia é fecal-oral.
Os seguintes agentes infecciosos são os que causam a maior parte dos quadros da diarreia aguda: 
Vírus - rotavírus, coronavírus, adenovírus, calicivírus (em especial o norovírus) e astrovírus. 
Bactérias - E. coli enteropatogênica clássica, E. coli enterotoxigenica, E. coli enterohemorrágica, E. coli enteroinvasiva, E. coli enteroagregativa18, Aeromonas, Pleisiomonas, Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia Parasitos - Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Cryptosporidium, Isosopora 
Fungos – Candida albicans 
Pacientes imunocomprometidos ou em antibioticoterapia prolongada, podem ter diarreia causada por: Klebsiella, Pseudomonas, Aereobacter, C. difficile, Cryptosporidium, Isosopora, VIH, e outros agentes.
Fisiopatologia e quadro clínico 
O pH ácido gástrico, a flora bacteriana normal, o peristaltismo intestinal, as mucinas presentes na camada de muco que reveste a superfície luminal dos enterócitos, fatores antimicrobianos como lisozimas e lactoferrina e o sistema imune entérico compõem a barreira de defesa do sistema digestório potencializado em crianças que usam leite materno exclusivo. Para que ocorra diarreia aguda infecciosa, os microrganismos precisam romper essa barreira e aderir à superfície mucosa, mecanismo este comum a todos os patógenos. Depois da aderência à superfície celular, os microrganismos exercem seus fatores de virulência por meio da produção de enterotoxina, citotoxina e lesão da mucosa intestinal de intensidade variada, podendo até determinar em alguns casos infecção generalizada. 
Dependendo do fator de virulência do microrganismo, podem ocorrer quatro mecanismos fisiopatológicos de diarreia aguda: mecanismo osmótico, secretor, inflamatório e de alteração da motilidade. Em algumas situações, há sobreposição desses mecanismos, podendo a diarreia, nesses casos, apresentar mais de uma forma clínica.
A diarreia osmótica predomina nos quadros virais. O rotavírus causa lesões focais, com infecção das células vilositárias apicais, que concentram as dissacaridases, principalmente a enzima lactase. Com a destruição desses enterócitos e a reposição por células imaturas, há diminuição da atividade enzimática, reduzindo a absorção dos carboidratos, com ênfase na lactose. Os açúcares não absorvidos aumentam a pressão osmótica na luz intestinal, o que determina a maior passagem de água e eletrólitos para o espaço intraluminal para manter o equilíbrio osmótico. Esse tipo de diarreia caracteriza-se pela eliminação de fezes líquidas e volumosas, amareladas, com caráter explosivo e com grande perda hidreletrolítica. Os vômitos são frequentes e precoces, em 80 a 90% dos casos, precedendo a diarreia e causando a desidratação, principalmente nos lactentes, faixa etária em que se concentram os quadros mais graves. A febre, geralmente alta, ocorre em aproximadamente metade dos casos. 
A diarreia secretora caracteriza-se por perda de grande volume de água e de eletrólitos, por ação de enterotoxinas que estimulam os mediadores da secreção, a adenosina monofosfato cíclico (AMPc), guanosina monofosfato cíclico (GMPc) e o cálcio (Ca2+), levando à diminuição da absorção de água e íons e à secreção ativa pela criptas. 
São exemplos típicos desse tipo de diarreia a ETEC e o Vibrio cholerae. Nesse tipo de diarreia, há poucos sintomas sistêmicos, a febre está ausente ou é baixa e os vômitos surgem com a desidratação, que é a principal complicação pela perda rápida e volumosa de água e eletrólitos pelas fezes. 
A diarreia inflamatória é causada por patógenos que invadema mucosa do intestino delgado ou grosso, ocasionando resposta inflamatória local ou sistêmica, dependendo da extensão da injúria. 
O quadro clínico caracteriza-se por febre, mal-estar, vômitos, dor abdominal do tipo cólica e diarreia disentérica, com fezes contendo sangue, muco e leucócitos. Os sintomas sistêmicos serão tão mais intensos quanto maior for o potencial invasivo do patógeno. Em algumas situações, os microrganismos podem atingir a circulação sistêmica, afetando órgãos a distância como articulações, fígado, baço e sistema nervoso central. 
A principal complicação da diarreia aguda é a desidratação, que nos casos de maior gravidade pode levar a distúrbio hidreletrolítico e acidobásico, choque hipovolêmico e até morte. As crianças menores de 1 ano são as mais vulneráveis. Nas populações mais carentes, a diarreia aguda pode ser um fator determinante ou agravante da desnutrição, que por sua vez aumenta a predisposição à infecção, além de uso prévio recente de antibióticos.
Diagnóstico 
De acordo com a OMS, a anamnese da criança com doença diarreica deve contemplar os seguintes dados: duração da diarreia, número diário de evacuações, presença de sangue nas fezes, número de episódios de vômitos, presença de febre ou outra manifestação clínica, práticas alimentares prévias e vigentes, outros casos de diarreia em casa ou na escola. Deve ser avaliado, também, a oferta e o consumo de líquidos, além do uso de medicamentos e o histórico de imunizações6. É importante, também, obter informação sobre a diurese e peso recente, se conhecido. 
A história e o exame físico são indispensáveis para uma conduta adequada. Não se deve esquecer que alguns pacientes têm maior risco de complicações, tais como: idade inferior a dois meses; doença de base grave como o diabete melito, a insuficiência renal ou hepática e outras doenças crônicas; presença de vômitos persistentes; perdas diarreicas volumosas e frequentes (mais de oito episódios diários) e a percepção dos pais de que há sinais de desidratação. 
Ao exame físico é importante avaliar o estado de hidratação, o estado nutricional, o estado de alerta (ativo, irritável, letárgico), a capacidade de beber e a diurese. O percentual de perda de peso é considerado o melhor indicador da desidratação. Mesmo quando o peso anterior recente não é disponível, é fundamental que seja mensurado o peso exato na avaliação inicial do paciente. A avaliação nutricional é muito importante na abordagem da criança com doença diarreica. O peso é fundamental no acompanhamento tanto em regime de internação hospitalar como no ambulatório. Considera-se que perda de peso de até 5% represente a desidratação leve; entre 5% e 10% a desidratação é moderada; e perda de mais de 10% traduz desidratação grave. Essa classificação proporciona uma estimativa do volume necessário para correção do déficit corporal de fluído em consequência da doença diarreica: perda de 5%, ou seja, 50 mL/Kg; de 5 a 10%, ou seja, 50 a 100 mL/Kg e mais do que 10%, ou seja, mais de 100 mL/Kg7.
Outro ponto fundamental na avaliação da hidratação da criança com doença diarreica é vincular os achados do exame clínico à conduta a ser adotada. Assim, apesar de existirem outras estratégias para avaliar o estado de hidratação, a proposta da OMS, também adotada pelo MS deve continuar sendo utilizada (Quadro 1)5-7,9. A avaliação do estado de hidratação do paciente com diarreia deve ser criteriosa e inclui o exame do estado geral do paciente, dos olhos, se há lágrimas ou não, se o paciente tem sede, o nível de consciência, presença do sinal da prega cutânea, e como se encontra o pulso e o enchimento capilar. Outros achados podem ser importantes quando presentes, traduzindo a gravidade do quadro, tais como nível de alerta, fontanela baixa, saliva espessa, padrão respiratório alterado, ritmo cardíaco acelerado, pulso débil, aumento do tempo de enchimento capilar, extremidades frias, perda de peso, turgência da pele e sede.
1 – Para avaliar o enchimento capilar, a mão da criança deve ser mantida fechada e comprimida por 15 segundos. Abrir a mão da criança e observar o tempo ]no qual a coloração da palma da mão volta ao normal. A avaliação da perfusão periférica é muito importante, principalmente em desnutridos nos quais a avaliação dos outros sinais de desidratação é muito difícil.
A solicitação de exames laboratoriais não é necessária rotineiramente para o tratamento da diarreia aguda, habitualmente autolimitada, ficando reservada para os casos de evolução atípica, grave ou arrastada, presença de sangue nas fezes, lactentes menores de 4 meses e para os pacientes imunodeprimidos. O hemograma completo deve ser solicitado para avaliar anemia e padrão leucocitário; ionograma, ureia e creatinina, nos casos com distúrbio hidreletrolítico grave e impacto na função renal. Nas fezes, pH fecal, substâncias redutoras, leucócitos, hemácias, sangue oculto e coprocultura, ELISA para vírus e pesquisa de toxina para Clostridium são os exames mais frequentemente solicitados. O pH fecal igual ou menor de 5,5 e a presença de substâncias redutoras nas fezes indicam intolerância aos carboidratos, normalmente de natureza transitória. A ausência de leucócitos fecais não exclui a presença de bactéria invasiva, mas a sua presença indica inflamação e organismos que invadem a mucosa intestinal. O exame de coprocultura geralmente tem uma positividade baixa. O material fecal deve ser transportado em meio especial ou cultivado até 2 horas após a coleta, com as fezes mantidas em refrigeração a 4°C.
Tratamento 
Após ser estabelecido o diagnóstico, conforme as definições apresentadas acima, e realizado exame físico completo com definição do estado de hidratação, deve ser seguido o esquema clássico de tratamento, distribuído em três categorias segundo a presença ou não de desidratação. Se o paciente está com diarreia e está hidratado deverá ser tratado com o Plano A. Se está com diarreia e tem algum grau de desidratação, deve ser tratado com o Plano B. Se tem diarreia e está com desidratação grave, deve ser tratado com o Plano C. É fundamental para o tratamento adequado a reavaliação pediátrica contínua. 
1. Plano A: tratamento no domicílio. É obrigatório aumentar a oferta de líquidos, incluindo o soro de reidratação oral (reposição para prevenir a desidratação) e a manutenção da alimentação Tratamento com alimentos que não agravem a diarreia. Deve- -se dar mais líquidos do que o paciente ingere normalmente. Além do soro de hidratação oral, são considerados líquidos adequados: sopa de frango com hortaliças e verduras, água de coco, água. São inadequados: refrigerantes, líquidos açucarados, chás, sucos comercializados, café. Ainda no Plano A, deve-se iniciar a suplementação de zinco e manter a alimentação habitual. Os sinais de alarme devem ser enfatizados nesta fase, para serem identificados prontamente na evolução se ocorrerem (aumento da frequência das dejeções líquidas, vômitos frequentes, sangue nas fezes, recusa para ingestão de líquidos, febre, diminuição da atividade, presença de sinais de desidratação, piora do estado geral). O Quadro 2 especifica as condutas do Plano A.
2. Plano B: administrar o soro de reidratação oral sob supervisão médica (reparação das perdas vinculadas à desidratação). Manter o aleitamento materno e suspender os outros alimentos (jejum apenas durante o período da terapia de reparação por via oral). Após o término desta fase, retomar os procedimentos do Plano A. De acordo com a OMS é importante que a alimentação seja reiniciada no serviço de saúde para que as mães sejam orientadas quanto à importância da manutenção da alimentação. A primeira regra nesta fase é administrar a solução de terapia de reidratação oral (SRO), entre 50 a 100 mL/Kg, durante 2 a 4 horas. A SRO deve ser oferecida de forma frequente, em quantidades pequenas com colher ou copo, após cada evacuação. A mamadeira não deve ser utilizada. O Quadro 3 apresenta as condutas do Plano B. Considera-se fracasso da reidratação oral se as dejeções aumentam, se ocorrem vômitosincoercíveis, ou se a desidratação evolui para grave6,9. Nesta fase deve-se iniciar a suplementação de zinco.
3. Plano C: corrigir a desidratação grave com terapia de reidratação por via parenteral (reparação ou expansão). Em geral, o paciente deve ser mantido no serviço de saúde, em hidratação parenteral de manutenção, até que tenha condições de se alimentar e receber líquidos por via oral na quantidade adequada. As indicações para reidratação venosa são: desidratação grave, contraindicação de hidratação oral (íleo paralítico, abdômen agudo, alteração do estado de consciência ou convulsões), choque hipovolêmico. Idealmente deve-se conseguir a punção de veia calibrosa. Quando necessário, sobretudo em casos de choque hipovolêmico, podem ser necessários dois acessos venosos. Caso não seja possível infusão venosa, considerar infusão intraóssea. Podem ser utilizados os seguintes critérios para internação hospitalar11: choque hipovolêmico, desidratação grave (perda de peso maior ou igual a 10%), manifestações neurológicas (por exemplo, letargia e convulsões), vômitos biliosos ou de difícil controle, falha na terapia de reidratação oral, suspeita de doença cirúrgica associada ou falta de condições satisfatórias para tratamento domiciliar ou acompanhamento ambulatorial. 
Cuidados com a alimentação da doença diarreica
A manutenção da alimentação com oferta energética apropriada é um dos pilares mais importantes no tratamento da diarreia aguda. Todas as diretrizes são unânimes que o aleitamento materno deve ser mantido e incentivado durante o episódio diarreico. Quando necessário, deve-se recomendar jejum durante o período de reversão da desidratação (etapa de expansão ou reparação). A alimentação deve ser reiniciada logo que essa etapa for concluída (em geral, no máximo, 4 a 6 horas). Vale destacar que, de acordo com a OMS, cerca de um terço das crianças com diarreia aguda, nos países em desenvolvimento, infelizmente continuam sendo mantidas em jejum ou com uma quantidade muito reduzida de alimentos durante a diarreia. A alimentação deve ser reiniciada de acordo com o esquema habitual do paciente, sendo uma oportunidade para a correção de erros alimentares. A fórmula infantil ou preparação láctea oferecidas para crianças não devem ser diluídas. Deve-se cuidar para que as necessidades energéticas sejam plenamente atendidas. Na diarreia aguda, não há recomendação de fórmula sem lactose para lactentes tratados ambulatorialmente com diarreia aguda. Entretanto, para os pacientes hospitalizados com diarreia aguda e nos com diarreia persistente tratados no hospital ou ambulatorialmente, há vantagens na prescrição de fórmula sem lactose. A OMS aponta a alternativa de iogurtes, entretanto, esse alimento não faz parte da cultura alimentar brasileira para esta faixa etária e não atende adequadamente às necessidades nutricionais do lactente como pode ser conseguido com as fórmulas infantis.
Os pacientes hospitalizados com diarreia persistente devem receber, de acordo com a OMS, 110 calorias/kg/dia7. São critérios fundamentais para avaliar a evolução clínica: a redução das perdas diarreicas e a recuperação nutricional ou retomada do ganho de peso esperado para a idade. Ainda, de acordo com a OMS deve-se cuidar para que o paciente com diarreia persistente receba diariamente as quantidades de micronutrientes: 50ug de folato, 10mg de zinco, 400µg de vitamina A, 1mg de cobre e 80mg de magnésio. Apesar das diretrizes não abordarem esse tema, para os pacientes com diarreia persistente que não respondem adequadamente à dieta sem lactose, deve ser considerada a possibilidade do desenvolvimento de intolerância às proteínas do leite de vaca. Nessa situação, deve ser prescrita dieta isenta das proteínas do leite de vaca, ou seja, pode-se empregar fórmula hipoalergênica para sua substituição, no caso dos lactentes, (por exemplo, fórmula
 com proteína extensamente hidrolisada ou fórmula de aminoácidos, dependendo da gravidade do paciente; nas crianças maiores em algumas situações tenta-se a proteína de soja ou a dieta isenta de leite e derivados). Deve ser destacado que estas mudanças dietéticas não são necessárias em pacientes com diarreia aguda.
Terapia de reidratação oral
A utilização dos soros de reidratação oral pode ser feita com dois objetivos: a) Reposição de perdas para prevenir a desidratação no paciente com diarreia (Plano A) e b) Reversão da desidratação, ou fase de reparação, para o paciente com desidratação por diarreia (Plano B). Na prevenção da desidratação, deve-se optar por soros com menor concentração de sódio.
Terapia de reidratação parenteral 
Indicada para pacientes com desidratação grave ou que não apresentam reversão da desidratação após 2 horas de TRO. Nos dias atuais as soluções mais empregadas são soro fisiológico ou Ringer lactato. Após a correção da desidratação pela via parenteral, os pacientes devem ser realimentados. Nesta fase, em geral, são mantidos com terapia de reidratação de manutenção por via parenteral. O volume diário do soro de manutenção pode ser calculado pela regra de Holiday & Segar: - peso corporal de até 10 kg: 100 mL/kg; - peso corporal entre 10 e 20 kg: 1000 mL + 50mL por quilo acima dos 10 kg; - peso corporal superior a 20 kg: 1500 mL + 20mL por quilo que ultrapassar os 20 quilos. 
Em quadros muito graves pode ser necessário adicionar volume adicional de soro para repor as perdas diarreicas. Deve ser lembrado que para parcela dos pacientes este objetivo pode ser atingido com os fluídos dos alimentos e a solução de reidratação oral. A solução de reposição para a via parenteral utilizada no Brasil é o soro fisiológico 0,9% e soro glicosado 5% em partes iguais que contém 77 mmol/L de sódio). O volume depende da gravidade da diarreia (20 a 50 mL/kg por dia). O paciente deve ser pesado com frequência para evitar a administração excessiva de soro. 
Nos casos de desidratação grave e os que não responderam a TRO, quando não for possível o início imediato de terapia de hidratação parenteral, deve ser administrado soro de reidratação oral por sonda nasogástrica (20 mL/kg/hora por 4 a 6 horas). Se o abdome ficar distendido, deve ser reduzida a velocidade de administração do soro de reidratação através da sonda nasogástrica.
Zinco
Pode reduzir a duração do quadro de diarreia, a probabilidade da diarreia persistir por mais de sete dias e a ocorrência de novos episódios de diarreia aguda nos três meses subsequentes. O racional para seu emprego é a prevalência elevada de deficiência de zinco nos países não desenvolvidos. De acordo com a OMS deve ser usado em menores de cinco anos, durante 10 a 14 dias, sendo iniciado a partir do momento da caracterização da diarreia. A dose para maiores de seis meses é de 20mg por dia e 10mg para os primeiros 6 meses de vida. Tanto a ESPGHAN como a Diretriz Íbero-Latinoamericana questionam a validade da terapia com zinco no primeiro semestre de vida. A ESPGHAN não recomenda zinco no tratamento da diarreia aguda nos países da Europa, pois considera que a deficiência de zinco não é comum naquele continente. No Brasil, é comercializado um soro de reidratação oral com 6 mg de gluconato de zinco em cada 100 mL. São comercializadas, também, soluções de zinco (solução com 2mg/0,5 mL na forma de gliconato de zinco; 4mg/mL na forma de sulfato de zinco), para serem administradas conforme as recomendações da OMS e MS.
Vitamina A
Deve ser administrada a populações com risco de deficiência desta vitamina. O uso da vitamina A reduz o risco de hospitalização e mortalidade por diarreia e tem sido administrada nas zonas mais carentes do norte e nordeste.
Antibióticos
Na grande maioria das vezes os antibióticos não são empregados no tratamento da diarreia aguda, pois os episódios são autolimitados e grande parte se deve a agentes virais. O uso de antibióticos na diarreia aguda está restrito aos pacientes que apresentam diarreia com sangue nas fezes (disenteria), na cólera, na infecção aguda comprovada por Giardia lamblia ou Entamoeba hystolitica, em imunossuprimidos, nospacientes com anemia falciforme, nos portadores de prótese e nas crianças com sinais de disseminação bacteriana extraintestinal. Nos casos de disenteria, a antibioticoterapia está indicada, especialmente quando o paciente apresenta febre e comprometimento do estado geral. Se possível, deve ser coletada amostra de fezes para realização de coprocultura e antibiograma. Inicialmente, mesmo que não comprovada laboratorialmente, prevalece a hipótese de infecção por Shigella. Outros agentes que podem necessitar antibióticos quando causam casos graves: E.coli enteroinvasiva, Yersinia, V. chorelae, C. difficille, Salmonela não tifoide. 
De acordo com o MS9 e a OMS devem ser prescritos, nos quadros disentéricos, os seguintes antibióticos, considerando a possibilidade de infecção por Shigella:
1. ciprofloxacino (primeira escolha): crianças, 15mg/kg, duas vezes ao dia, por 3 dias; adultos, 500mg duas vezes por dia por 3 dias.
 2. como segunda escolha, pode ser adotada a recomendação da ESPGHAN11 (azitromicina, 10 a 12mg/kg no primeiro dia e 5 a 6mg/kg por mais 4 dias, via oral) para o tratamento dos casos de diarreia por Shigella (casos suspeitos ou comprovados). 
3. ceftriaxona, 50-100mg/kg EV por dia por 3 a 5 dias nos casos graves que requerem hospitalização. Outra opção é a cefotaxima, 100mg/kg dividida em quatro doses. 
Até recentemente, era recomendado no Brasil o uso de sulfametoxazol-trimetropim ou ácido nalidíxico19. Levantamento da literatura mostrou que, no Brasil, as amostras de Shigella testadas apresentam alta taxa de resistência ao sulfametoxazol-trimetropim. Por sua vez, apresentam boa sensibilidade ao ciprofloxacino e ao ceftriaxone. Os estudos realizados no Brasil não testaram a sensibilidade à azitromicina. Deve ser lembrado que no Brasil não existe ciprofloxacino na apresentação em suspensão ou solução para uso oral. Quando a diarreia aguda é causada por giardíase ou amebíase comprovada, o tratamento deve ser feito com metronidazol ou análogos.
Antieméticos 
Segundo a OMS, os antieméticos não devem ser utilizados no tratamento da diarreia aguda. Considera-se que os vômitos tendem a desaparecer concomitantemente à correção da desidratação. O MS não faz menção ao emprego de antieméticos. No entanto, há algumas situações onde são necessários. A ESPGHAN considera que a ondansetrona pode proporcionar redução na frequência de vômitos, na necessidade de hidratação parenteral e de internação hospitalar. A diretriz Íbero- -Latinoamericana recomenda o emprego da ondansetrona para os pacientes com diarreia aguda com vômitos frequentes. A dose de ondasentrona é de 0,1mg/kg (0,15-0,3/kg), até o máximo de 4 mg por via oral ou intravenosa. Pode ser encontrada em duas apresentações: comprimidos com 4 mg e ampola com 4mg/2 mL.
Probióticos 
Os probióticos são microorganismos vivos que, quando consumidos em quantidades adequadas, proporcionam efeito benéfico para a saúde do indivíduo. Os probióticos interagem com a microbiota intestinal. A microbiota intestinal exerce várias ações no intestino, que repercutem em vários órgãos do indivíduo. O emprego de probióticos no tratamento e na prevenção da diarreia aguda tem sido ultimamente bem estudado. A OMS e o MS não mencionam a possibilidade de uso de probióticos no tratamento da diarreia aguda. Por outro lado, A ESPGHAN e a diretriz Íbero-Latinoamericana, com base em evidências científicas, consideram que determinados probióticos podem ser utilizados como coadjuvantes no tratamento da diarreia aguda.
As cepas consideradas como tendo evidências suficientes e que foram recomendadas tanto pela ESPGHAN como pela diretriz Íbero-Latinoamericana para o tratamento coadjuvante da diarreia aguda são: Lactobacillus GG, Saccharomyces boulardii e Lacotobacillus reuteri DSM 17938. Vale lembrar que o Lactobacillus GG não é comercializado no Brasil. As doses dos principais probióticos que tem efeito comprovado para reduzir a duração da diarreia aguda: - Saccharomyces boulardii- 250-750mg/dia (habitualmente 5-7 dias) - Lactobacillus GG - ≥ 1010 CFU/dia (habitualmente 5-7 dias) - L reuteri - 108 a 4 x 108 (habitualmente 5-7 dias) - L acidophhilus LB –min 5 doses de 1010 CFU >48 h; máximo 9 doses de 1010 CFU por 4 a 5 dias. De acordo as diretrizes mencionadas, existem outros probióticos em investigação, mas no presente, apenas estas cepas têm evidências suficientes para merecer recomendação como coadjuvante no tratamento da diarreia aguda.
Racecadotrila
A racecadotrila é um inibidor da encefalinase, enzima responsável pela degradação das encefalinas produzidas pelo sistema nervoso entérico. As encefalinas com ação mais duradoura, em função da menor atividade da encefalinase, reduzem a secreção intestinal de água e eletrólitos que se encontra aumentada nos quadros de diarreia aguda. A ESPGHAN e a diretriz Ibero-Latinoamericana consideram que a racecadotrila pode ser utilizada como coadjuvante no tratamento da diarreia aguda, uma vez que, foi demonstrado, em ensaios clínicos e metanálise, seu papel na redução das perdas diarreicas e na duração da diarreia aguda. Trata-se de medicamento com eficácia e segurança, que não interfere na motilidade intestinal. A dose recomendada é de 1,5mg/kg de peso corporal, três vezes ao dia. É contraindicado para menores de 3 meses. Esta substância é encontrada em sachês (pó) com 10mg e 30mg ou comprimidos com 100mg. Em adultos não deve ser utilizada dose superior a 400mg por dia. O tratamento com a racecadotrila deve ser interrompido assim que cesse a diarreia.
Diarreia crônica 
A diarreia é caracterizada por perda de fluidos e eletrólitos nas fezes. Quando o processo em curso ultrapassa 14 dias, define-se como diarreia crônica. Alguns autores utilizam o termo “diarreia persistente” quando o processo em questão decorre de etiologia infecciosa, e denominam crônica quando não associada à infecção pregressa. A diarreia crônica é definida como perda entérica fecal de pelo menos 10 g/kg/dia em lactentes e 200 g/dia para crianças maiores, pelo prazo superior a 14 dias de duração. A frequência evacuatória, em geral, é superior a 3 dejeções/dia, sendo o volume fecal difícil de ser mensurado em crianças. 
Etiologia 
O espectro etiológico da diarreia crônica é extremamente amplo e variável, dependendo da idade de início, estado nutricional, condições ambientais e doenças associadas. 
Apresentação clínica 
Infecções 
As infecções entéricas estão comumente relacionadas à diarreia crônica nos países em desenvolvimento. A Escherichia coli enteroaderente, variante enteroagregativa e o Criptosporidium parvum são muitas vezes determinantes de diarreia crônica pós-infecção aguda. As enteroparasitoses ainda são responsáveis por processos disabsortivos em crianças que vivem em áreas endêmicas. Protozoários como a Giardia lamblia podem determinar diarreia crônica mesmo em pacientes imunocompetentes, exigindo tratamento específico. Crianças desnutridas, imunodeficientes primárias e portadoras de HIV podem não autolimitar infecções entéricas por protozoários, como Cryptosporidium, Cyclospora, Isospora e estrongiloides. As síndromes pós-enterites apresentam-se com diarreia grave em razão do dano à mucosa intestinal, sensibilização contra proteínas heterólogas da dieta alimentar, desequilíbrio da microflora e excesso de secreção de enterotoxinas. O sobrecrescimento bacteriano intestinal promove desconjugação e desidroxilação de sais biliares, além de hidroxilação de ácidos graxos com efeito catártico sobre a mucosa intestinal.
Resposta imune anormal 
A doença celíaca ocorre em indivíduos geneticamente predispostos, após exposição ao glúten da dieta alimentar. Dependendo do grupo étnico, a doença celíaca incide em 0,5 a 1,0% da população de diferentes países. As crianças de baixo grupo etário apresentam, com mais frequência, diarreia crônica e má absorção, enquanto em outras faixas etárias predominam os casos oligossintomáticos ou atípicos. A doença inflamatória intestinal crônica (DIIC) compreende a retocolite ulcerativa, a doença de Crohn e a colite indeterminada. Os sintomascardinais são dores abdominais de caráter intermitente, cólicas, diarreia crônica e evacuações mucossanguinolentas. Aproximadamente 10 a 15% dos casos de DIIC iniciam-se antes dos 10 anos de idade, sendo de difícil reconhecimento pelos pediatras, o que acarreta retardo de diagnóstico e tratamento. A enteropatia alérgica acompanhada ou não de colite resulta de resposta anormal à proteína alimentar, sendo o leite de vaca o alérgeno predominante. A diarreia, com ou sem sangue, a anemia e a inapetência estão presentes. Nos primeiros meses de vida, predominam as reações alérgicas não IgE mediadas, de difícil reconhecimento, por não haver comprovação laboratorial disponível. As reações IgE mediadas tendem a determinar igualmente sintomas cutâneos e/ou respiratórios, sendo confirmada pelos anticorpos IgE específicos ou teste cutâneo de puntura. A colite microscópica e a colite colagenosa são raras na infância e determinam diarreias volumosas, não sanguinolentas, de caráter aquoso. As enteropatias autoimunes são entidades raras, complexas e de manuseio terapêutico. A diarreia crônica pode ser isolada ou associada ao diabete melito tipo I, como parte da síndrome IPEX (imunodesregulação, poliendocrinopatia, enteropatia e alterações no cromossomo X). A doença é determinada por mutações no gene FOXP3. O quadro clínico é grave, compreendendo diarreia crônica, dermatite, tireoidite e diabete melito. 
Diarreia colerética 
As denominadas diarreias coleréticas ocorrem nos pacientes com má absorção de ácidos biliares. O íleo terminal apresenta processo inflamatório extenso e grave, ou pode estar com superfície de absorção reduzida, como nos casos de síndrome do intestino curto. Os sais biliares não completamente absorvidos excedem a capacidade absortiva do íleo distal, o que acarreta igualmente diarreia de caráter secretor. 
Má absorção de carboidrato 
A má absorção de carboidrato mais comum é a intolerância à lactose decorrente da redução da atividade lactásica nas microvilosidades do epitélio intestinal. A redução enzimática inicia-se, na maioria das vezes, a partir da faixa etária escolar, porém 20% dos casos são descritos em pré-escolares. O gene responsável pela hipolactasia encontra-se no cromossomo 2(2q 21-22), e as mutações são identificadas como C/T-13910 e G/A-22018. A intolerância à lactose (IL) pode ser adquirida, relacionada às lesões da mucosa do intestino delgado, secundárias às gastroenterites aguda e persistente, que determinam lesões ultraestruturais do epitélio intestinal, com redução significativa da concentração de lactase. A lactose não completamente hidrolisada é fermentada pelas bactérias colônicas, resultando em produção de ácidos orgânicos, butirato e gases voláteis. As fezes são ácidas e provocam em lactentes assaduras de difícil controle. Há, ainda, raros casos em que se constata diarreia osmolar por déficit da enzima sacarase-isomaltase, após ingestão de sucos açucarados.
Má absorção proteica intestinal 
Os sinais e sintomas decorrentes da má absorção de proteínas estão relacionados à hipoalbuminemia e à redução das imunoglobulinas séricas. Nos casos de evolução crônica, o edema clínico pode ocorrer. São comuns perdas proteicas, na doença celíaca, na doença inflamatória crônica intestinal e enteropatias alérgicas. A linfangiectasia primária representa uma causa rara de perda proteica fecal.
Má absorção de gordura 
Fezes volumosas, de aspecto brilhante, odor pútrido e que boiam no vaso sanitário caracterizam a esteatorreia, frequentemente observada na fibrose cística. A má absorção decorre da insuficiência pancreática exócrina. Ao nascimento, o íleo meconial pode ser uma manifestação. Na abetalipoproteinemia, não há formação dos quilomícrons necessários para a absorção das vitaminas lipossolúveis. Sintomas neurológicos podem estar presentes em virtude do déficit de vitamina E. A doença de retenção de quilomícrons acarreta má absorção de gordura, desnutrição e diarreia crônica, geralmente acompanhada de alterações hematológicas nas hemácias, que assumem aspecto espiculado (acantose).
Alterações da motilidade
 A doença de Hirschsprung caracteriza-se fundamentalmente por distensão abdominal e extrema dificuldade evacuatória decorrente da ausência dos gânglios mioentéricos. Nesses pacientes, são comumente observadas crises de distensão abdominal seguidas de diarreias profusas, caracterizando o megacolo tóxico. A pseudo-obstrução intestinal crônica é uma condição rara determinante de distensão crônica das alças intestinais, retardo do transito colônico e surtos de diarreia decorrentes do sobrecrescimento bacteriano do intestino. A diarreia crônica inespecífica é tida como entidade funcional, comum em crianças de baixo grupo etário. A diarreia decorre do aumento da velocidade do trânsito intestinal. Não há processo inflamatório em curso ou déficit de absorção. O apetite está preservado e o estado nutricional é normal. As evacuações são amolecidas, por vezes líquidas e frequentemente contém restos alimentares. 
Defeitos estruturais dos enterócitos 
As diarreias são de caráter grave, tendo início, em geral, nos primeiros dias de vida. Na doença de inclusão microvilositária, há formação de vacúolos nos enterócitos, alteração do bordo em escova e desarranjo da arquitetura das microvilosidades. Na enteropatia em tufos (displasia epitelial intestinal), o acometimento básico é na estrutura da membrana basal dos enterócitos que apresentam anomalias na composição da lamilina e proteoglicano, acarretando perda da função absortiva. Os defeitos congênitos de transporte de eletrólitos são raros e incluem a diarreia congênita perdedora de cloro e a diarreia perdedora de sódio. A mutação no transportador de cloro determina a ausência de troca Cl- /HCO3 - , com consequente alcalose metabólica e acidificação do teor intestinal.19 Diarreias osmolares podem ocorrer nos primeiros dias de vida em decorrência de mutações no transportador glicose/ sódio. A diarreia é deflagrada pela ingestão de lactose, glicose ou galactose, cessando quando há interrupção da ingestão desses açúcares na dieta alimentar. Na deficiência congênita sacarase-isomaltase, os lactentes não apresentam diarreia quando ingerem leite humano ou fórmulas lácteas, porém apresentam fezes diarreicas quando da ingestão de alimentos que contenham sacarose.
Tumores neuroendócrinos 
O gastrinoma (síndrome de Zollinger-Ellison) caracteriza-se pelo aumento da secreção de gastrina, hipersecreção ácida, úlcera péptica e diarreia crônica decorrente do aumento da motilidade. Há ainda raros casos de VIPomas, ganglioneuroma ou ganglioneuroblastomas, tumores neuroendócrinos que determinam diarreia profusa. Algumas crianças portadoras de mastocitose cutânea apresentam dores abdominais, diarreia por hipersecreção de histamina, aumento de secreção ácida gástrica e hipermotilidade, que determinam quadro de diarreia crônica. 
Diagnóstico 
O espectro etiológico das diarreias crônicas é extremamente amplo e diversificado, de acordo com a faixa etária e o meio ambiente de convívio. O pediatra deve procurar seguir algoritmos de investigação que contemplem número reduzido de exames, testes menos invasivos, quando possível, mas que apresentem sensibilidade e especificidade para indicar o diagnóstico em questão.
Idade
As diarreias congênitas determinam perda hídrica considerável nos primeiros dias de vida e, em geral, são de herança autossômica recessiva. Má absorção de gorduras, com ou sem quadro respiratório associado indica possibilidade de fibrose cística. Em famílias atópicas, a possibilidade de alergia alimentar sempre deve ser lembrada. Entre 1 e 3 anos de idade, a diarreia crônica, a distensão abdominal e a desnutrição exigem triagem para doença celíaca. Em faixas etárias maiores, as diarreias, dores abdominais e febres intermitentes devem levantar suspeita de doença inflamatória intestinal crônica.
Características das evacuações
Devem ser consideradas, na investigação, as características das evacuações quanto ao número, consistência e aspecto das fezes; se aquosas,com ou sem muco, presença de pus ou sangue e restos alimentares. Quando o acometimento é de intestino delgado, as fezes podem ser volumosas e de aspecto mais claro. A presença de muco e sangue provém das afecções do colo, podendo ser decorrente de processos infecciosos, parasitários, alérgicos ou inflamatórios. Fezes líquidas, volumosas e de odor ácido são frequentes nas diarreias osmolares, por má absorção de carboidratos. Fezes oleosas, claras, volumosas e de odor pútrido são características de esteatorreia, comuns na fibrose cística ou na doença celíaca.
Estado nutricional
A avaliação nutricional é fundamental, pois dimensiona para o pediatra a ocorrência de má absorção intestinal e a sua cronicidade. O comprometimento dos parâmetros de peso/idade e altura/idade alerta para processos instalados de longa duração. O peso é afetado antes do parâmetro de altura. Marcadores bioquímicos podem auxiliar na determinação do grau de desnutrição e indicar o tipo de abordagem terapêutica e nutricional a ser tomado. A albumina sérica está abaixo de 3,0 g/dL nos casos de desnutrição moderada ou grave. A dosagem de pré-albumina e proteína ligada ao retinol é mais sensível para detecção dos casos iniciais ou mais leves de desnutrição. A avaliação da composição corporal pode ser obtida por meio de medidas da circunferência do braço e espessura das dobras cutâneas do tríceps. As mensurações de massa gorda e magra podem ser tomadas a partir da análise de impedância bioelétrica ou absortometria de dupla emissão de raios X (DEXA).
Sinais e sintomas associados
Nas intolerâncias alimentares, é comum a ocorrência de vômitos após ingestão da proteína ofensiva ou carboidrato não totalmente digerido. A distensão abdominal gasosa é comum após a ingestão de leite ou derivados nos casos de intolerância a lactose. A assadura perineal, denotando emissão de fezes ácidas, é comum em lactentes com diarreias fermentativas. Artralgias, febre e aftas de repetição podem ser indicativos de doença inflamatória intestinal crônica em crianças maiores e adolescentes.
Testes para avaliação de função digestivo- -absortiva, pancreática e inflamatória
A má absorção de carboidrato pode ser avaliada pela presença de substâncias redutoras nas fezes após ingestão do substrato. As fezes devem ser recém-emitidas, e observa-se mudança do padrão de cor pelo teste utilizado (p.ex., Clinitest® ), denotando a presença do açúcar não absorvido (a má absorção da sacarose não é identificada por esse teste). Provas de sobrecarga dos dissacarídios, na dose de 2 g/kg em solução aquosa ou 1 g/kg nos casos de monossacarídios, são utilizadas para identificar os casos de má absorção, tomando-se em conta a variação das glicemias seriadas. A concentração de hidrogênio no ar expirado por cromatografia indica igualmente se o carboidrato foi plenamente absorvido. Quando ocorre má absorção, a fermentação pelas bactérias colônicas produz gases voláteis que aumentam a concentração de hidrogênio em pelo menos 10 ppm. Picos de H2 no ar expirado em tempos precoces indicam sobrecrescimento bacteriano do intestino delgado. A concentração de enzimas dissacaridases em fragmentos obtidos de biópsias de delgado é um método invasivo com pouca utilização na prática médica diária.
A má absorção de gordura é testada por métodos simples, como presença de valores elevados pelo esteatócrito ou método de Sudam III fecal. Teste quantitativo, como dosagem de gordura em fezes de 72 horas (método de Van de Kamer), constitui prova de difícil execução na prática diária. 
A alfa-1-antitripsina nas fezes é uma proteína que se faz presente em pequena quantidade no intestino. Níveis mais elevados decorrem de exsudação de proteína para luz intestinal, presente em processos inflamatórios e/ou doenças malabsortivas. Quimiotripsina nas fezes indica atividade proteolítica presente, e níveis baixos relacionam-se com falta de atividade pancreática, exigindo investigação específica para tal.
A presença de sangue oculto e leucócitos nas fezes são indicativos de ocorrência de processo inflamatório do intestino, presente em distintas afecções. A calprotectina fecal eleva-se quando há processo inflamatório agudo em curso, com participação de neutrófilos no infiltrado. É um marcador que, em concentração elevada, orienta para realização de colonoscopia.
Marcadores sorológicos não invasivos 
Os marcadores sorológicos não invasivos são utilizados para orientação diagnóstica final, reduzindo a necessidade de execução de testes invasivos e biópsias. Para doença celíaca, a dosagem de anticorpos antitransglutaminase e antiendomísio, com sensibilidade e especificidade superior a 95%, representou um avanço para a detecção diagnóstica. Marcadores como p-ANCA para diagnóstico de RCUI e ASCA (anticorpo anti- Saccharomyces cerevisiae) para doença de Crohn demonstram sensibilidade ao redor de 60 a 70% e especificidade acima de 90% para detecção das respectivas doenças inflamatórias. A prova da absorção da D-xilose, utilizada para observar integridade da mucosa intestinal nas enteropatias, hoje é muito pouco utilizada, pois acaba por não fornecer subsídios importantes para o diagnóstico final.
Imagem 
A ultrassonografia (USG) abdominal tem sido útil por não representar método invasivo e não utilizar irradiação. Como é possível, por meio da USG abdominal, ser observado espessamento da parede intestinal e a complementação com Doppler, é igualmente possível a USG sugerir áreas com envolvimento inflamatório. Métodos como a enterotomografia e a enterorressonância magnética do abdome têm permitido localizar coleções, observar espessamento da parede intestinal, detectar fístulas entéricas e observar áreas de estenose ou subestenose.
 
Abordagem terapêutica 
Em geral, os processos determinantes de diarreia crônica estão associados a grave comprometimento do estado geral e nutricional. Medidas de suporte e recuperação nutricional devem ser rapidamente instituídas. A correção adicional do equilíbrio acidobásico e dos eletrólitos é mandatória. A instalação de dieta enteral que forneça pelo menos 50% das necessidades calóricas é importante no sentido de estabilizar as perdas pelo catabolismo. 
Nas crianças com algum grau de esteatorreia, a dieta enteral deve contemplar gordura composta de triglicérides de cadeia média. Em relação ao carboidrato, a fórmula deve ser livre de lactose e sacarose, contendo maltodextrina e polímeros de glicose de fácil absorção. 
Nos casos mais graves, dietas semielementares com a proteína parcialmente ou extensamente hidrolisada facilitam o trabalho digestivo-absortivo. Algumas situações exigem emprego de fórmula à base de aminoácidos. Nesses casos, a dieta enteral deve ser ofertada por sonda nasogástrica ou gastrostomia, em gotejamento contínuo. Essa técnica otimiza o tempo absortivo, respeitando situações em que a mucosa intestinal esteja atrófica ou com a área de absorção reduzida, como nos casos de síndrome do intestino curto. Se houver persistência do quadro diarreico e intolerâncias às fórmulas enterais propostas, deve ser suspensa a dieta enteral e empregada a nutrição parenteral.
A suplementação das vitaminas e oligoelementos deve ser prescrita. O zinco exerce funções importantes que permitem melhorar a absorção de nutrientes, proliferação das células epiteliais e resposta imune. Drogas antimicrobianas podem ser utilizadas no sentido de combater o sobrecrescimento bacteriano do delgado e controlar infecções entéricas bacterianas ou parasitárias. O arsenal terapêutico inclui o metronidazol, nitazoxanida, albendazol e sulfametoxazol-trimetoprima. Quando comprovada a diarreia de caráter secretor com perdas eletrolíticas elevadas, o emprego do racecadotrila, droga inibidora da encefalinase, pode diminuir o fluxo de íons. 
Na síndrome do intestino curto, o emprego do hormônio do crescimento (GH) promove efeito trófico no epitélio remanescente, podendo melhorar a condição absortiva. Quando não houver alternativas de tratamento, o emprego de nutrição parenteral prolongada e o transplante intestinal devemser considerados.
Estes pacientes sempre devem ser avaliados por gastroenterologistas pediatras.
Objetivo 2) Explicar sobre constipação (conceito, diagnóstico e tratamento). 
Os sintomas que sugerem constipação em bebês e crianças incluem evacuação intestinal infrequente; fezes duras e pequenas; evacuação difícil ou dolorosa de fezes de grande diâmetro; e incontinência fecal (evacuação voluntária ou involuntária de fezes para a roupa íntima, também conhecida como encoprese). A maioria das crianças com incontinência fecal, mas não todas, tem constipação subjacente.
A constipação afeta até 30 por cento das crianças e é responsável por cerca de 3 a 5 por cento de todas as visitas ao pediatra. O pico de prevalência ocorre durante os anos pré-escolares na maioria dos relatórios. A constipação funcional é responsável por mais de 95 por cento dos casos de constipação em crianças saudáveis ​​de um ano ou mais e é particularmente comum entre crianças em idade pré-escolar. Embora seja comum, é importante avaliar as crianças afetadas para identificar as poucas que apresentam causas orgânicas de constipação. Além disso, crianças com constipação funcional se beneficiarão de intervenções de tratamento imediatas e completas.
A constipação frequentemente inclui dificuldade ou frequência reduzida na defecação. Por causa das mudanças com o crescimento e desenvolvimento, a frequência e o tipo de fezes devem ser comparados com os padrões normais esperados para a idade da criança, dieta e estágio de maturação:
●Bebês
•No recém-nascido a termo, a primeira evacuação geralmente ocorre dentro de 36 horas após o nascimento, mas pode acontecer mais tarde em bebês que nascem prematuramente; 90 por cento dos recém-nascidos normais passam mecônio nas primeiras 24 horas de vida.
•Durante a primeira semana de vida, os bebês evacuam em média quatro fezes por dia, embora isso seja variável dependendo se os bebês são amamentados ou recebem fórmula. Bebês amamentados podem ter apenas uma fezes por dia durante os primeiros dias de vida; então, a frequência geralmente aumenta com o aumento da produção de leite materno.
•Durante os primeiros três meses de vida, a frequência das evacuações é influenciada pelo modo de alimentação e tipo de fórmula:
-Bebês amamentados passam em média três fezes por dia. Alguns recém-nascidos normais amamentados podem evacuar a cada mamada ou não evacuar com mais freqüência do que a cada sete dias.
-Bebês alimentados com fórmula passam em média duas fezes por dia, mas há variação entre as fórmulas. Algumas fórmulas de soja tendem a produzir fezes mais duras e menos frequentes em comparação com as fórmulas à base de leite, enquanto9= as fórmulas de caseína hidrolisada produzem fezes mais soltas e mais frequentes.
●Crianças - Aos dois anos de idade, o número médio de evacuações cai para pouco menos de dois por dia.
●Crianças - Após os quatro anos de idade, o número médio de evacuações é ligeiramente superior a uma por dia.
A diminuição gradual na frequência do movimento intestinal com o avanço da idade se correlaciona com mudanças no tempo de trânsito e padrões variáveis ​​de motilidade colônica. O tempo médio de trânsito gastrointestinal total é de 8,5 horas de 1 a 3 meses de idade, 16 horas de 4 a 24 meses, 26 horas de 3 a 13 anos de idade e 30 a 48 horas após a puberdade.
CAUSAS DE CONSTIPAÇÃO
Constipação funcional- a constipação funcional é responsável por mais de 95% dos casos de constipação em crianças saudáveis ​​de um ano ou mais e é particularmente comum durante os anos pré-escolares. A constipação funcional é definida pela presença de pelo menos dois dos seis critérios que descrevem a frequência, dureza e tamanho das fezes; incontinência fecal; ou retenção volitiva de fezes. O diagnóstico também requer a exclusão das causas orgânicas dos sintomas.
Causas orgânicas- as causas orgânicas são responsáveis ​​por menos de 5% das crianças com constipação, mas são mais comuns entre os bebês. As principais causas estão listadas na tabela para bebês ou crianças mais velhas e são descritos com mais detalhes em uma revisão de tópico separada. 
Diagnóstico diferencial de esforço em bebês
Disquezia infantil  -  A disquezia descreve a defecação ineficaz, manifestada como esforço na ausência de constipação. A disquezia infantil é um distúrbio funcional, definido como pelo menos 10 minutos de esforço e choro antes da eliminação bem-sucedida das fezes moles em uma criança saudável com menos de nove meses de idade. O sintoma é provavelmente causado por falha em relaxar o assoalho pélvico durante o esforço de defecação. Além disso, os bebês também apresentam tônus ​​muscular abdominal inadequado para produzir uma manobra de Valsalva. A disquezia infantil geralmente se resolve espontaneamente conforme a criança amadurece, e a garantia dos pais é apropriada . A estimulação retal pode ser contraproducente e os laxantes geralmente são desnecessários.
Doença de Hirschsprung  - A  doença de Hirschsprung é uma consideração importante em recém-nascidos e bebês com constipação. A doença de Hirschsprung é um distúrbio motor do cólon causado pela ausência congênita de células ganglionares no reto e no cólon distal. Como resultado, o segmento afetado do cólon não consegue relaxar, causando uma obstrução funcional.
Constipação por trânsito lento  - a  constipação por trânsito lento descreve um subgrupo de pacientes com movimento anormalmente lento de resíduos de alimentos através do cólon, nos quais nenhuma doença subjacente pode ser identificada. Geralmente é definido como um tempo de trânsito do cólon> 100 horas, conforme definido por marcadores radiopacos.
Fibrose cística  - a  fibrose cística é a doença autossômica recessiva fatal mais comum entre as populações brancas. Nos Estados Unidos e em muitos outros países ricos em recursos, a maioria dos casos agora é detectada por triagem neonatal de bebês assintomáticos. Se os sintomas estiverem presentes em um recém-nascido, geralmente são causados ​​por íleo meconial, que geralmente se apresenta durante os primeiros três dias de vida com distensão abdominal e falha na passagem de mecônio, com ou sem vômito. Outros sintomas de fibrose cística que se desenvolvem durante a infância incluem infecção pulmonar persistente e insuficiência pancreática. No entanto, muitos pacientes apresentam sintomas leves ou atípicos, incluindo constipação, e os médicos devem permanecer alertas para a possibilidade de fibrose cística, mesmo quando apenas algumas das características usuais estão presentes. Crianças e adultos com fibrose cística são propensos a desenvolver constipação e também episódios de obstrução do intestino delgado, conhecidos como "síndrome obstrutiva ileal distal". 
Doença celíaca  -  embora a doença celíaca classicamente se manifeste com diarreia, também pode estar associada à constipação. A doença celíaca é comum na maioria das populações e pode apresentar sintomas mínimos.  
Classificação clínica do grau de desidratação
Referência: 
Tratado de Pediatria. Vol 1

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