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1 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . BREVES CONCEITOS DE SARTRE NA PSICOLOGIA CARLOS VITOR ESMERALDO ALBUQUERQUE BESERRA1 EVANDRO MAMEDE MOREIRA JUNIOR2 Resumo: No artigo em questão tentamos trazer um aparato sobre a teoria de Sartre, conectando-a com os estudos da psicologia fenomenológica-existencial que assume uma identidade próxima a filosofia existencial do filósofo, caracterizando-a como um conjunto de reflexões com similaridade de estudos sobre diversos fenômenos tratados ao longo do texto, como o corpo, relações com o outro e consigo, a angústia, dentre outros. Para poder ser realizado o trabalho, muniu-se de uma metodologia de revisão bibliográfica, explorando textos originais, artigos e obras de comentadores que puderam ser essenciais para a pesquisa. Tenta-se assim, questionar se é possível tal relação entre as esferas. Palavras-Chave: Sartre. Psicologia. Filosofia. Correlação. Abstract: In the article in question we try to bring an apparatus on Sartre’s theory, connecting it whith the studies of phenomenological-existential psychology that assumes an identity close to the phylosopher’s existential psychology that assumes an identity close to the philosopher’s existential philosophy, characterizing it as a set of reflections whith similarity of studies on several phenomena treated throughout the next, such as the body, relations with others and whith oneself, anguish, among others. Key words: Sartre. Psychology. Philosophy. Correlation. INTRODUÇÃO O presente estudo tem como objetivo: apresentar alguns dos conceitos fenomenológico- existenciais da teoria sartreana, e como tais noções se aproximam da psicoterapia com base fenomenológica, intentando elucidar a forma como esse filósofo se aproximou dos temas e de uma percepção de homem das abordagens ditas humanistas na psicologia. Para isso, como ferramenta metodológica, utilizou-se de revisão bibliográfica e de abordagem qualitativa, a partir das principais obras do autor, e em alguns releitores tanto de Sartre, como da filosofia fenomenológica e da psicologia, a fim de aprofundar os conteúdos que se concentram na pesquisa. Ainda é válido salientar que a proposta do trabalho diz respeito a uma breve amostra da teoria sartreana e de seu diálogo com a fenomenologia-existencial na psicologia, podendo, desse modo, articular saberes e propor a discussão em meio a conceitos como de corpo, projeto, consciência, que é: Para-si e Em-si. Para-outro, má-fé e temporalidade, todos com possíveis interfaces à psicologia. Deixando em boa parte do trabalho os questionamentos formulados através dos conceitos que motivaram a feitura desse texto, para que se tente entender se Sartre pode ou não 1 Aluno do 10º período do curso de Psicologia da Faculdade Uninassau. E-mail: carlosvitoranimes@hotmail.com. 2 Docente do curso de Psicologia da Faculdade Uninassau. E-mail: evandro-moreira@hotmail.com. 2 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . contribuir para a psicoterapia em sua teoria e prática. Para situar a discussão, cremos ser importante discorrer sobre a biografia de Sartre, já que o filósofo francês, conhecido entre outros motivos por sua prolífera produção nos campo da filosofia, literatura, política e até cinema, também, ficou conhecido por suas questões pessoais, desde seu romance com a filósofa Simone De Beauvoir, relação essa, que rompia com os paradigmas da época em que viviam, subvertendo regras sociais e colocando-os como representantes de atos políticos e singulares, endossando um conceito de relacionamento amoroso inovador. Além de tudo, Sartre era crítico de outros filósofos e até da psicanálise freudiana, mas encontrou nas fenomenologias de Husserl e Heidegger, inspiração para escrever e desenvolver uma filosofia que tem muito a dizer para a psicologia (COLLETE, 2009). Nesse sentindo Collete (2009) disse que: “a filosofia de Sartre é uma filosofia da liberdade. Quer se trate da origem da negação, da finitude, da temporalidade, das relações concretas com outrem, da corporeidade, do ser-em-situação, a questão da liberdade é sempre determinante” (p. 62). Portanto, desdobrar os conceitos da teoria desse autor, buscando correlacioná-las com os processos da psicologia, se faz uma tarefa dentro dessa pesquisa, maximizando a filosofia existencial que há dentro da psicologia humanista, mas, também, em seu todo filosófico, desejando demonstrar a probabilidade de andarem juntas no fazer psicologia. Não obstante, o intelectual que se apegou ao tema da liberdade, tinha dentro desse excerto teórico, uma extrema admiração pela psicologia, percebida em seus escritos, ligando-a tanto ao significado do homem psíquico, como no que essa liberdade poderia prover ao sujeito de sua teoria existencial. É fato que a existência por ser comprometida entre homem, suas relações e mundo, se faz com base de cunho psicológico e, portanto, inerente a condição da existência de sentimentos, cabendo a Sartre, desenvolver as ideias referentes a suas observações do cenário cultural, social e histórico de homem. Essa conjuntura fica evidente na seguinte afirmação de Erthal (2013): Todos os momentos da vida de Sartre foram uma forma permanente de reflexão engajada sobre os problemas da existência humana. (...). Estudou filosofia, e depois de passar um ano em companhia de Husserl estudando fenomenologia, estando também em contato com as filosofias de Heidegger, Jaspers e mesmo de Kierkegaard, Sartre elaborou a sua própria filosofia existencialista (p. 44). Nesse momento, Sartre pôde aproveitar as influências de autores que faziam parte da psicologia fenomenológica existencial, provendo assim, saberes e adendos a uma forma de avaliar 3 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . o ser no mundo e facilitar seus processos psicológicos, tão discutidos nas matérias de psicologia e na sua prática. No ano de 1945, Sartre proferiu uma conferência em Paris, intitulada de: “o Existencialismo é um humanismo” (1945/2010) para explanar o que teria sido sua obra O Ser e o Nada (1943/2009), e desbravar o teor humanista encontrado em sua doutrina. Para tanto, Sartre elaborou um texto que tratava de diversos assuntos de sua teoria, pautadas no homem em sua liberdade de escolha e suporte das consequências dessa escolha, também do indivíduo interpessoal que tende a angustiar-se mediante as relações com os outros, que por serem diferentes de seus desejos, lhe frustram e abalam as perspectivas. Muitos desses encontros lhe exigem respostas, pois, para que se tenha um convívio satisfatoriamente moral é preciso arcar com o peso de alguns trajetos sociais. Essa obra de 1945, criada a partir de uma palestra, rendeu críticas ao filósofo, mas foi responsável por concretizar a Sartre, uma identidade humanista, trazendo mais afirmação na ligação com a psicologia de estudo. Nela, foi enfatizado o teor humano da escolha, onde é discorrido sobre o privilégio de em todos os momentos da existência, terem como fim, a passagem pelo próprio homem, em sua consciência seu comportamento e suas relações (SARTRE, 2010). O existencialista costuma declarar que o homem é angústia; isso significa o seguinte: o homem que se engajae que se dá conta de que ele não é apenas o que escolher ser, mas é também um legislador que escolhe ao mesmo tempo o que será a humanidade inteira, não poderia furtar-se do sentimento de sua total e profunda responsabilidade (SARTRE, 2010, p. 21). Nesse sentido, o que Sartre indica em sua filosofia como condição de existência encontra- se na clínica psicoterapêutica, sendo sua epistemologia uma maneira implicativa ao trabalho do psicólogo das vertentes fenomenológicas existenciais. Assegurando um formato de indagação inteiramente humana que se faz mister e congruentes na facilitação do processo terapêutico, como serão vistos nos tópicos seguintes, embasando o chamado de psicologia sartreana ou sartriana às meditações da linha humanista da psicologia. METODOLOGIA A metodologia proposta no trabalho, foi uma revisão bibliográfica na qual foi feita uma pesquisa em diversas obras do autor e de alguns comentaristas, dentre elas, selecionou-se as obras de Sartre: O Ser e o nada, O existencialismo é um humanismo, A náusea; Já dos releitores, utilizou-se a 4 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . Trilogia da existência de Tereza Cristina Erthal, e obras de Jacques Colette e Gary Cox (Existencialismo e Compreender Sartre, respectivamente) e alguns artigos símiles ao tema, para auxiliar no diálogo dos textos. Não obstante, se fez uma correlação com a psicologia, resultando em uma comum articulação entre psicologia e filosofia, mais especificamente em Sartre, definindo a importância e a relevância desse autor em meio a matéria psicologia. Nesse quesito, o trabalho segue o modelo metodológico que, para Gil (2008), diz respeito a um trabalho organizado por várias publicações, onde pode haver diálogo em detrimento de uma ideia articulada entre essas reflexões propostas. Para tanto, a intertextualização envolveu particularidades teóricas que se cruzam, dando entonação de significado ao sugerido. O trabalho pretende dessa forma, adequar duas perspectivas, que seriam a do filósofo Sartre e a da psicologia, determinando uma intersecção entre elas, de modo a desenvolver alguns apontamentos pertinentes a esses dois temas, bastante discutidos, porém de pouca incidência nos cursos de psicologia, mesmo eles, nos cursos específicos. Por fim, as obras e todo o contexto abordado, são capazes de fazer meditar acerca da literatura filosófica existencialista de Sartre, a epistemologia da fenomenologia existencial e a psicologia clínica humanista, equacionando na psicologia fenomenológico existencial, procurando através desse coeficiente, produzir provocação reflexiva em quem os lê. Sugerindo, assim, uma leitura dialógica, definida por Larrosa (2003), como uma leitura de compartilhamento de sentido, onde as obras conversam e dão capacidade de instigar pensamentos profundos no leitor, que as repassam e condensam com possíveis matérias de atrelamento. RESULTADOS E DISCUSSÕES Falemos do primeiro ponto, o corpo. Para Sartre, o corpo é, eminentemente, da ordem do ser, isto é, o próprio ser humano, total, coalescente, íntegro e inseparável, porém facilmente objetificado e dicotomizado pela cultura. Por outra forma, um ser vivente que tem em sua existência a denotação única de experienciar material e psiquicamente os fatos do mundo (COX, 2006). O corpo de uma pessoa é sua consciência, no sentido de que a pessoa não está no mundo como uma percepção passiva, mas sim como um ser que age em direção ao futuro. Podemos dizer que este corpo é absorvido pela sua consciência, apesar de esta forma de palavras ter a tendência de sugerir que a consciência e o corpo são dois fenômenos distintos, que poderiam existir separadamente, mas que estão unidos (COX, 2006, p. 78- 79). 5 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . Além de aplacar a ideia de corpo como um monismo que é unívoco em substância, o organismo para Sartre é sua própria ideia existencial, já que passa por diversos fatores de trânsito do homem, desde questões intrapsíquicas, temporalidade, afetos, autenticidade e má-fé, todos fatores propriamente modificáveis no universo singular de cada um, que vão colocar o ser humano em uma circunstância de reflexão dos atos e fatos que o permeiam. Erthal (2013), autora que trabalha com psicoterapia vivencial Sartreana, traz para a psicologia uma maneira de contemplar e questionar o ser humano na clínica, de uma forma a lhe dar espaço a compromissar-se com suas causas e tentar de alguma forma superá-las. Para isso, o trabalho orientador e centralizador do psicólogo é catalisar a expressão e o autoconhecimento do corpo que vive em relações bloqueadas, ou de despersonalização com outros corpos agrupados no mundo, figurando uma aproximação de quem se é, dando chance a liberdade do arbítrio, não mais optando que os outros fatores mundanos (tradições, pessoas, leis), escolham aparentemente por ela (ERTHAL, 2013). Desse modo, utiliza conceitos como self percebido e self ideal, que seriam respectivamente e sucintamente, o como o sujeito se percebe e o modelo ideal de personalidade que tem para si. Desenvolvendo na relação terapêutica os entendimentos de si próprio, as cobranças do outro para esse si, o papel do desejo original dentre esses quesitos do para si mesmo e do para o outro, dando autonomia e reponsabilidade de escolher, ou deixar ser afetado pelo sentido do outro. Mais especificamente, quando o outro interfere nas rédeas da sua vida, falseando as escolhas próprias, configurando uma vida levada em função desse outro que não o próprio dono dela, no caso o cliente, configurando para Sartre a ideia de má-fé (SARTRE, 2009). Após essas anotações é possível perceber que tais situações são comuns em meio a contemporaneidade, já que, viver em meio a adaptação social, é a maneira inconsciente e consciente de se apresentar ao mundo e não se marginalizar (ser posto a margem do convívio social). Diante dessa situação, na psicoterapia sartreana é proposto criar um projeto de vida que seja saudável e suscetível a uma quebra de comportamento nocivo à autenticidade da existência desse indivíduo, que não se encontra mais protagonista de sua existência. Estipulando, assim que, em meio aos determinismos cotidianos, se possa emergir a subjetividade do corpo. “Evidentemente, a percepção do corpo se liga à percepção dos aspectos mais amplos do eu. Ele é 6 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . sentido como uma parte do eu, muitas vezes constituindo o seu limite externo” (ERTHAL, 2013, p.70). Portanto, o corpo para Sartre, é um conglomerado de experiências, resultado de escolhas e apreensões em meio as relações transcendidas nos locais que esse ser passa, ganhando através de sua liberdade experiencial, o resultado de todas as suas decisões até onde sua temporalidade consegue se impor. Fadando, tal qual Heidegger (2005) decretara, para um vir a ser na morte. Na qual para Sartre, a noção é de uma vida livre, a partir da consciência de seus determinismos e limites, até que se chegue no fim de seus projetos, ou a afirmação do limite de sua finitude, a morte dos seres, único fator capaz de definir um episódio da essência, de forma imodificável (SARTRE, 2009). Indo ao encontro do posicionamento de Erthal (2013):Independentemente da época em que o sujeito nasce, todas as pessoas sabem que estão no mundo, trabalham para sobreviver, precisam se relacionar e sabem que sua existência tem um limite – a morte. No projeto de cada um, esses limites podem aparecer sendo negados ou sendo aceitos ou mesmo vencidos (...) (p. 59). Tais ideias, também são trabalhadas em alguns capítulos da obra O ser e o nada (1943/2009), na qual o filósofo põe em discussão a ontologia, que seria simplesmente explicada como o sentido dado a existência, sentido esse, que perpassa os caminhos da consciência, até que se entenda que os condicionamentos podem ser quebrados e ressignificados, gerando o sentimento mais comum para o sujeito do existencialismo, a angústia, que é também um fator gerador de habilidade para lidar com os próprios fantasmas da vida. Como segundo domo, temos o projeto sartreano. Para entender o conceito de projeto em Sartre, é preciso entender o conceito de intencionalidade, promulgado pelo filósofo, Edmund Husserl, fonte de inspiração para Sartre. Nesse conceito, Husserl aplica que para todo fenômeno que se apresenta à consciência, essa mesma consciência, tem um direcionamento de intenção ao que se mostra, quer dizer que, em todos os movimentos cientes de homem no mundo, há um desejo e uma força volitiva que movimenta os órgãos do sentido à apreensão do que se mostra (CERBONE, 2014). O projeto de ser é identificado na temporalidade de preparação do presente para o vir a ser do futuro nela o ser que é desejante por algo, procura elaborar em intenção esclarecedora a seu organismo, o que se quer possuir (ERTHAL, 2013). Por exemplo: um dependente químico que procura se destituir do uso da droga, projeta em sua vida uma busca de ajuda, e por entre ela, a difusão dos atos desse projeto, que configuram-se, hipoteticamente, em modos de agir como: 7 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . procurar inicialmente reduzir o uso, se afastar de locais e pessoas em que seja fácil conseguir a substância, procurar apoio psicoterapêutico ou de equipamentos de saúde, preparando assim, planos singulares de enfrentamento, a partir de um intento fenomenológico inicial, que é conseguir obter o êxito na finalidade de não mais usar a droga. Igualmente é o que Sartre chamaria de engajamento, um empreendimento ativo diante de uma demanda que afeta, e nessa afetação, propõe modificação comportamental, através da ação regeneradora de existir a favor da metamorfose da existência, que emerge na possibilidade emocional e racional do homem, dando sentido novo ao seu presente. Sobre esse método fenomenológico Sartreano, acrescenta Erthal (2013): Sendo o ser humano criador do seu mundo e de si (ultrapassagem da constituição), esta abordagem procura compreendê-lo na base dessa verdade. O objetivo é detectar os padrões comportamentais para chegar ao projeto original pelo qual o indivíduo se faz uma pessoa. O indivíduo se define por seu projeto, por ser capaz de fazer e desfazer o que fizeram dele (p. 210-2011). É assim, identificando os projetos, que o indivíduo, segundo Sartre, toma consciência de sua existência e de seu horizonte suscetível de construção da essência, que acontece em todo agora existente perante ele, cabendo nesse presente, dentre este insight que urge, confirmá-lo como propulsor do alcance dos objetivos. O filósofo com seu conceito de projeto, trouxe contribuições à psicologia, apresentando uma metáfora consistente sobre a anunciação das capacidades inatas de cada indivíduo. No que concerne a consciência, Sartre nos coloca o conceito de Para-si e Em-si. Nessa vereda, intui que a essência procede à existência, implicando-se contra as teorias platônicas e niilistas modernas de Descartes, já que, diferentemente dos objetos, o homem primeiro precisa existir no mundo para diante de suas sujeições, encontrar a liberdade de construir sua essência, sua personalidade, sua identidade passível de constante criação e desobstrução da identidade derradeira, já que, quanto mais adquirir vivência de mundo, mais é inclinado a aderir novas nuances da existência, amadurecendo o modus vivendi (modo de viver). Com o objeto não acontece dessa maneira, pois esse, antes mesmo de ser gerado, já tem uma utilidade, uma eficiência teórica para o seu feitio, um caminho único de segmento para sua existência, uma essência preestabelecida para seguir quando originado. Uma tesoura, mesmo antes de ser fabricada, terá por missão cortar, um cachorro só poderá ser cachorro a vida toda, 8 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . sendo previsível por demais. Já o homem, que é condenado a ser livre, pode ser o que se quiser ser, bastando primeiro existir (MARQUES; TIBAJI, 1998). Sobretudo na clínica psicoterapêutica, percebemos cada vez mais o homem resultado de objetificações, fruto de sua cultura patológica, competitiva e diagnosticadora. Logo, é encontrado, assim, o indivíduo concretizado em uma categoria, onde por possuir sintomas de tédio e angústia, é enquadrado em um modelo psicopatológico de ser, trazendo uma analogia aos apontamentos sartreanos (ERTHAL, 2013). Perante esse fato, sua primazia em primeiro existir para depois ser é trocada por um prévio entendimento de sua essência, sendo enquadrada em uma estatística sintomatológica, sem ao menos dar a chance de saber o sentido dado diante da aflição sofrida. “Assim, na visão sartreana, o fato da existência preceder a essência, ocorre única e exclusivamente, somente se ele é livre, ao contrário dos outros seres que são predeterminados. Somente o homem existe, as outras coisas não, elas apenas são” (MARQUES; TIBAJI, 1998, p.77). A banalidade do viver na contemporaneidade (BESERRA; BEZERRA, 2017) é muito próxima desse entendimento sartreano, já que, no viver pós-moderno, se é dado uniformidades de comportamento ao homem, que, ou o segue e aninha-se a sociedade de massa, ou rompe com esse território do correto social, e é locado na marginalidade de sua singularidade. A abordagem humanista, trabalha esse homem que chega modelado e angustiado na clínica, vertendo-o para ação de possibilitar o esvaziamento de todos essas instâncias de nomeação (conceitos), ou seja, se há mesmo uma patologia, ou uma maneira, ideal de viver preestabelecida teoricamente, essa não será privilegiada como figura, e sim, como parte da condição vivente desse indivíduo, trabalhando seu manuseio com essas categorias perniciosas e constantemente atribuídas ao homem do convívio grupal e consuetudinário (MOTA, 2009). Cada apontamento explanado nos parágrafos anteriores, diz respeito a como Sartre interpretava a ideia de consciência, esta estimulada pelas experiências, e de forma completa, responsável na captação dos fatos apreendidos pelas funções dos sentidos. O homem, que vive em relação com o mundo, logo transcendido, é o homem do Para-si, lançado ao mundo e voltado para as afetações no convívio com os outros, criando hipóteses de viver no universo de relações, diante do que lhe é proposto como contato inter-relacional. Nesse sentido, diz Cox (2006, p. 62) sobre o Para-si: “O para-si refletido parece o reflexivo como um presente, intencional e 9 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . transcendenteobjeto. Através da reflexão, determinadas fases fugazes do para-si, como são em sua imediata relação com o mundo – reações, aversões, desejos, etc.” O Em-si, consequência natural do Para-si, é a auto-validação e autoconceituação do indivíduo que vive no mundo das relações, é como reflete a existência e dá adjetivação a seus fatores de ser. Por exemplo: o indivíduo do Em-si, quando relacionado com os outros seres viventes, encontrará adereços que o caracterizam, encontrará também influências devido as suas diversidades de vínculos, e na sua intimidade saberá, de alguma forma, como se definir em algum momento que for proposto que se defina, até por si próprio (COX, 2006). Vede, Sartre vai contemplar o trazido por Cox, ao dizer: “é por meio dos conceitos do outro que conheço o meu corpo” (SARTRE, 2009, p. 445). Sartre, ao dizer que esse ser que é voltado em si mesmo, pode colocar predicados a sua existência, após e antes de se relacionar com os outros (Para-si), bastando tomar consciência disso, formula uma compreensão utilizada na psicologia, viável ao entendimento de como esse indivíduo se vê a luz dos outros e a luz de si. Nesse sentido, vai revelar Sartre (2009, p.37) “O ser não pode ser causa sui à maneira da consciência. O ser é si-mesmo. Significa que não é passividade nem atividade. Duas noções humanas designando condutas humanas ou instrumentos de condutas humanas”. Mormente, a relação que é Para-si e Em-si, se faz presente na existência de todo ser humano, seja ele afirmando o que se é, ou postergando essa capacidade inerente de propor para si uma maneira de encontrar-se no mundo. Em meio a psicoterapia humanista, tais ideias são eminentemente somatórias para o entendimento do ser angustiado que procura questionar-se no setting terapêutico, perfazendo mais uma vez, que a filosofia sartreana, é uma combinação salutar à psicologia fenomenológica existencial, dita humanista. Grande parte da teoria existencialista ateia de Sartre, tem relação com um elemento de estudos na psicologia: a autenticidade e suas incidências por entre todos os fatores que atravessam as decisões humanas. A questão do Para-outro, conflui com os quesitos anteriormente tratados e também com o fenômeno da má-fé (incoerência de si), trazido com veemência no existencialismo de Sartre, sendo exemplificado com mais aplicabilidade na obra A náusea (1938/2015) em que o filósofo, trata da narrativa literária de um historiador que resolve investigar a vida de um barão e escrever a biografia desse, em virtude da busca de revitalização de sua vida, que andava nauseante e vazia (SARTRE, 2015). O Para-outro é o campo do indivíduo 10 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . ligado as trocas informativas com o meio, com o outro, com os objetos, com a natureza, toda demonstração consciente de si para essas instâncias, configuram o conceito de Para-outro. O exemplo mais famoso de Sartre sobre a má-fé, vem ilustrado na cena do garçom, que naquele momento da obra age roboticamente como um garçom, exímio no atendimento com seus movimentos estritamente do serviço prestado, não sendo em nenhum instante, uma pessoa compromissada com sua identidade total por trás da fachada e estereótipo de garçom, portanto, sujeitando-se a viver uma mentira, já que deixou de lado, sua forma de ser e suas atitudes idiossincráticas, se dando satisfeito pela escravização de uma representatividade social. “(..) é como a má-fé do garçom de Sartre que desempenha com grande convicção o papel de garçom” (COX, 2006). Todavia, o conceito de má-fé se entrelaça ao conceito de Para-outro, pois este, designa o modo de ser alienado do Em-si (quem se é), que ao se relacionar dissimuladamente com o Para-si (os outros), inaugura uma conduta falseada, sem vontade, inautêntica no modo de existir, pois devido ao senso de exigência de comportamento taxado, para inserção no contexto apresentável aos outros, tem-se desvalorizado a liberdade pessoal, que nesse momento é desprivilegiada para fazer jus ao desejo dos outros de forma teatral. Sua expressão não autêntica de viver indica não saber diferenciar os poucos valores que possui daqueles que lhe foram impostos. É continuador passivo de sua história. (..). O raro contato consigo mesmo faz exacerbar comportamento defensivos necessário à manutenção da reduzida autoestima (ERTHAL, 2013, p. 214). Na psicoterapia vivencial, o cliente que se demonstra alienado, vivendo sem poder de escolha convicta, fazendo atos diários que não lhe agradam, mas que os faz para agradar outrem, tem por configuração um exemplo de má-fé. Situada em um bloqueio da liberdade experiencial, cabendo ao facilitador do processo, identificar, demonstrar e desenvolver um diálogo cabível ao entendimento e amplitude do determinado fenômeno causador da má-fé. Sobre esse aparecimento constante no fazer terapêutico, Erthal (2013) conclui: Muitos indivíduos vivem como se aceitassem passivamente sua existência, atribuindo significados superficiais à sua própria vida. Age-se mecanicamente como para fugir de um enfrentamento com dados reais, o que lhe exigiria uma atitude decisória. Esse comportamento é a própria má-fé (p. 121). Entretanto, não se pode esquecer, que um movimento puxa o outro, isto é, a má-fé advém da ênfase dada no modo de ser Para-outro em detrimento do modo de ser do Em-si-Para- 11 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . si, onde nesta genuinidade de relação, tem-se o equilíbrio. Desse modo, viver para si e para o outro na medida dessa fronteira, configura um ato que passa pela investigação do que é bom para mim e do que pode ser aproveitado para o outro na relação, quando validando as causalidades necessárias da existência. Exemplificando esse fenômeno, há a situação em que uma pessoa precisa trabalhar para prover recursos a família, mas esse trabalho possui regras que de alguma forma incomodam a liberdade do sujeito, que tendo que adaptar-se, usando o estilo de ser que lhe é próprio, tentará balancear-se no peso de um emprego que não faz jus as suas vontades principais, até que consiga algo de seu agrado. A noção de temporalidade é discutida desde o início do pensamento filosófico (MARCONDES, 2007). Sartre que valorizava a liberdade perante todos as ocorrências da vida, trouxe para a questão do tempo, a noção de tentativa do homem livre em controlar esse evento. Ao passo disso, expôs o presente, o passado e o futuro, como estâncias temporais que se cruzam, atrapalhando ou permitindo os processos do indivíduo (MARQUES; TIBAJI, 1998). O passado na teoria de Sartre não é aceito como existente, mas quando esse atrapalha o desenvolvimento do presente, causa repressão na evolução perceptiva do sujeito existencial. (MARQUES; TIBAJI, 1998). Assim, mais uma situação comum que se apresenta nas dificuldades das experienciações dos fatos presentes, é a supressão da presentificação do ser, impelida pelo tempo passado. Nela aspectos existenciais muito comumente intitulados de náusea e melancolia, causam impedimentos na condição de estar psicofisiologicamente inteiro no tempo do agora, livre de fenômenos que já aconteceram, mas teimam em persistir, bloqueando contato com o mundo fenomenológico do presente. Quando algum fator se torna incompreensivo em primeiro plano, e tal motivo se faz bloqueado por um fenômeno do passado, como algo não resolvido, um drama reprimido, ou uma temporada da vida que não foi vivenciada e sim tentada ser esquecidaa força antinatural, o indivíduo que as detém em seu presente, terá dificultada na condição de compreensão e elaboração. Fazendo-se necessário para uma evolução saudável diante de tais compreensões, a desenvoltura dessas emoções, que até então incomodam, por estarem fazendo parte de uma temporalidade que não é o adequado a elas. Em suma, afirmará Marques e Tibaji (1998, p.78), acerca do tema da temporalidade passada: “dessa forma, eu vivo o passado, inserido em mim e sem cogitação de transformá-lo, pois ele “foi” e por isso “está-ali”, dotado de características não modificáveis e de não variação. 12 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . Mas, eu não “sou” o passado, da mesma forma que eu o “era”. De fato, o passado tende a atrapalhar quando não coagulado na memória, e a função do psicólogo, quando percebe a dificuldade de libertação, é identificar junto com o cliente, dando abertura a sua reflexão, engajando formas de reverter o bloqueio temporal na vida de quem os sofre, adaptando-os (ERTHAL, 2013). O futuro, semelhantemente ao passado, pode afetar negativamente a existência, pois quando esse tempo é valorizado mais que o tempo do presente, não se torna um projeto de ser, e sim, estigma de ansiedade e depressão, incapacitando na concentração do desvelo temporal do aqui e agora, sabendo que é o único momento realmente existente para a teoria sartreana (MARQUES; TIBUJI, 1998). Destarte, tanto para a filosofia, como para a psicologia em questão, a aderência à temporalidade excessiva do passado e do futuro, impedem o movimento originário da existência do homem, que é o do presente. E enquanto, cronificado em futuro ou passado, estará impedido de experienciar o verdadeiro fenômeno da vida e seu real valor, que é imensurável e passageiro. CONCLUSÃO A psicologia sartreana, se faz ímpar em sua maneira de avaliar o ser no mundo, mas sua ontologia e modo de investigar o homem, são tão congruentes com a psicologia fenomenológica existencial, quanto o é, a de Heidegger e Husserl. Nesse entendimento, Sartre foi objeto de estudo e desenvolvimento de comparação teórica, trazendo resultados cabíveis a um entendimento no campo da psicologia humanista. Diante do exposto, considera-se que a abordagem sartreana na psicologia, é algo ainda em estudo, mas que, apesar da incipiência, tem construção viável para que se obtenha posicionamentos favoráveis ao estudo clínico de homem. Portanto, o artigo apresentado, procurou trazer os conceitos e desenvolvê-los de forma breve, mas provocadora em algum sentido para a pesquisa desse prolífero filósofo e de sua certa contribuição nos estudos de psicologia existencial. Os princípios filosóficos de Sartre se equiparam com alguns princípios psicológicos do homem contemporâneo. Sua teoria é atenta aos fatores de mundo que enlaçam o compromisso entre ser que existe e escolhas emergentes. Nesse intuito, o trabalho apresentou os apontamentos da filosofia de Sartre e as desdobrou para poder de forma sintética, tentar auxiliar a psicologia 13 A N A IS d o I II E n co n tr o s A ca d êm ic o s d a F ac u ld ad e L u ci an o F ei jã o . S o b ra l- C E , n o v em b ro d e 2 0 1 8 . fenomenológica existencial, a procurar entender alguns atos derivados desse homem que trafega livremente pela existência. Em desfecho, a pesquisa procurou representar um mapeamento entre Sartre e a compreensão da psicologia diante dos percursos comportamentais do homem, demonstrando sua liberdade experiencial, como um foco de investigação cultural, social, e individual, ocasionando angústia, mas mediante essa angústia, protuberar a capacidade de libertação, através da facilitação de processos psíquicos no sentido de corpo e mente unificados. Para isso, foram apresentados conceitos do existencialismo do autor, que simetrizam com casos psicológicos, que exercem um modelo de ação e reação do homem, investigados pela psicologia, relacionando assim, uma preocupação em se tratar desses temas mediante a prática terapêutica dos psicólogos com inclinação fenomenológica existencial. REFERÊNCIAS BESERRA, C. V. E. A., BEZERRA, K. A. A banalidade do viver na contemporaneidade: sobre depressão, luto e felicidade. Intratextos, n. (1), v, 8, 294 – 307, 2017. CERBONE, D, R. Fenomenologia. Rio de Janeiro: Vozes, 2014. 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