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Pediatria – Dra. Erica Naomi Naka REUMATOLOGIA PEDIÁTRICA A. DOR DOR EM MEMBROS Partes moles Óssea Artrite Aguda Crônica (> 6 semanas) Tendinites Osteomielite Artrite séptica AIJ Mialgia/miosites Febre reumática LES juvenil Dor de crescimento Patologias ortopédi- cas Sinovite transitória de quadril (< 15 dias) DM juvenil Hipermobilidade Esclerodermia - AIJ = artrite idiopática juvenil - DM = dermatomiosite - Febre reumática: duração de 15 a 20 dias, com 3 a 5 dias em cada articulação (migratória) - Avaliação requer boa anamnese o Localização: permite diferenciar dor óssea de articular e de partes moles o Duração da dor e de cada episódio o Periodicidade: constante, diária, semanal, mensal o Horário preferencial o Intensidade: uso de escala visual em crianças maiores e avaliação pelo impacto nas atividade diárias nas crianças menores o Fatores de modulação (melhora/piora): rigidez matinal na AIJ, piora com exercício nas patologias mecânicas o História familiar: doenças reumatológicas, hematológicas (uma das primeiras mani- festações de leucemia) e tumores ósseos - Ao exame físico, deve-se atentar para o Marcha e postura: criança pode mancar por dor ou deformidades o Presença de deformidades e atrofia ou hipertrofia muscular o Exame da coluna o Palpação dos pulsos arteriais: alteração na arterite de Takayasu o Exame físico completo: para pesquisa de sinais sistêmicos o Palpação e avaliação de força dos grupos musculares o Comprimento dos membros inferiores: da espinha ilíaca anterossuperior ao meio do joelho ao maléolo medial (diferença ≤ 0,5-0,8 é normal) o Exame articular, de ligamentos, meniscos, enteses e dor à digitopressão (tender points da fibromialgia) o Avaliação da hipermobilidade articular Dor recorrente em membros - 3 causas principais o Dores de crescimento o Síndrome da hipermobilidade articular benigna o Fibromialgia: dor muscular generalizada, não só em membros 1. Dor de crescimento Acomete crianças na faixa dos 3 aos 13 anos, podendo se estender até os 16 anos em meninos. Caracteriza-se por uma dor recorrente, isto é, com duração maior que 3 meses, geralmente bi- lateral, profunda e vaga. Pode ser unilateral, mas nesses casos é necessário sempre afastar tu- mores ósseos como hipótese principal. Costuma ser de predomínio no final da tarde ou noturna, com piora com o exercício intenso ou tempo frio e melhora com repouso ou massagem. Sua intensidade é variável, podendo ser leve, moderada ou severa, às vezes acordando a criança de madrugada, e dura de minutos a horas. Quanto à localização, trata-se uma dor não articular, geralmente em membros inferiores, em região anterior de coxas ou pernas, em cavo poplíteo, panturrilhas ou região maleolar, mas tam- bém podendo ocorrer em membros superiores. Não é possível fechar diagnóstico na primeira consulta: necessário acompanhamento por, no mínimo, 6 meses a 1 ano. Os exames a serem solicitados inicialmente são hemograma, VHS e radiografia dos segmentos acometidos, que não apresentam alterações. O tratamento, por se tratar de condição benigna e autolimitada, portanto, consiste em orienta- ção familiar, com indicação de esportes adequados e psicoterapia se necessário. São sinais de alerta para a exclusão deste diagnóstico os seguintes: - Dor localizada: tumor ósseo? - Dor intensa, persistente e noturna - Manifestações sistêmicas - Dor à palpação muscular: miosite? - Redução da força muscular: miosite? - Presença de artrite - Alteração da marcha 2. Doenças linfoproliferativas e leucemia Dor musculoesquelética, seja dor em membros ou artrite, foi observada como sendo a primeira manifestação dessas em até 25% dos pacientes. Artrite foi vista em 13%. Nesses casos, a dor pode ser noturna ou matutina, de forte intensidade, com alívio apenas parcial ao uso de anal- gésicos. Apresenta possível associação com anemia, emagrecimento, febre baixa e adinamia. De achados laboratoriais, podem ser encontrados leucopenia, plaquetopenia e aumento de DHL. Na suspeita de doenças linfoproliferativas como causa de dor musculoesquelética, o exame de escolha para investigação é o mielograma. O atraso de diagnóstico foi visto em 35% dos casos devido uso indevido de corticoide para alívio da queixa álgica, não devendo esse ser empregado na ausência de diagnóstico etiológico bem estabelecido. 3. Síndrome da hipermobilidade articular benigna Trata-se de uma variação da normalidade, sendo causa de dor recorrente em membros, em ge- ral periarticulares e/ou artralgia, em 10 até 50% das crianças. Costuma haver antecedentes de outros casos na família e quanto menor é a criança, maior é a hipermobilidade. Notoriamente, os indivíduos acometidos são marcados por excelente desempenho em esportes como balé, gi- nástica olímpica e capoeira. Na sua presença, é preciso descartar síndrome genéticas associadas a ela, como síndrome de Ehlers-Dahlos e síndrome de Marphan. Os critérios diagnósticos são 9, fechando quando 5 ou mais deles estão presentes: - Hiperextensão dos dedos paralelos à face extensora dos antebraços: 1 ponto cada lado - Oposição dos polegares até face flexora dos antebraços: 1 ponto cada lado - Hiperextensão de cotovelos > 10°: 1 ponto cada lado - Hiperextensão de joelhos > 10°: 1 ponto cada lado - Apoiar as mãos no chão durante flexão do tronco com joelhos em extensão: 1 ponto É importante a avaliação desses critérios no exame pré-participação em esportes, pois crianças com SHMAB devem evitar atividades como balé, ginástica olímpica, capoeira e esportes compe- titivos devido a ocorrência de microtraumas, risco de ruptura de ligamentos e tendões e artrose precoce. O tratamento é feito com analgésicos (anti-inflamatórios não esteroidais se necessá- rios) e orientação esportiva, sendo a natação o esporte recomendado, pois fortalece os múscu- los periarticulares e fornece proteção à articulação mais solicitada. Dor muscular O termo mialgia designa a presença exclusiva de dor muscular, sem alterações no exame físico, estando presente em quadros virais e após exercício físico intenso. A miosite, por sua vez, engloba a dor muscular associada a sinais clínicos como fraqueza muscu- lar, dor à palpação e empastamento. Nela, há aumento das enzimas musculares. Na cronificação da miosite, é necessário pensar em dermato/polimiosite juvenil. Outras patologias que apresen- tam miosite são a LER ou overuse e a dengue, essa última com uma miosite reacional aguda, com aumento de enzimas musculares. 1. Dermatomiosite juvenil Os critérios para dermatomiosite incluem 1 cutâneo associado a 3 critérios clínico-laboratoriais, enquanto a polimiosite possui pelo menos 3 critérios clínico-laboratoriais, sem sinais cutâneos associados. 1. Fraqueza muscular proximal: acometimento de cintura pélvica, cintura escapular e flexores do pescoço 2. Alterações cutâneas a. Heliotropo: eritema violáceo em pálpebras b. Sinal de Gottron: eritema em dorso de articulações interfalangeanas proximais e metacarpofalangeanas, também podendo ocorrer em cotovelos e joelhos, corres- pondendo a um processo de vasculite 3. Aumento de 1 ou mais enzimas musculares: TGO, TGP, CPK, DHL, aldolase 4. Eletroneuromiografia com miopatia e desnervação 5. Biópsia muscular com evidência de miosite inflamatória: infiltrado perivascular com atrofia perifascicular e necrose focal 2. Fibromialgia juvenil É pouco comum e possui mesmos critérios diagnósticos que em adultos, sendo, tal qual, um diagnóstico de exclusão. O arsenal terapêutico é, todavia, mais reduzido, limitando-se à amitrip- tilina, anti-inflamatórios e psicoterapia. B. ARTRITE Diferentemente de artralgia, artrite implica na associação a processo inflamatório, isto é, dor associada a edema, limitação de movimento, sinais flogísticos locais, etc. Na artrite idiopática juvenil, anteriormente chamada de artrite reumatoidejuvenil, é necessário diagnóstico precoce para evitar deformidades. Artrite idiopática juvenil Para caracterizar AIJ, é preciso que haja artrite por pelo menos 6 semanas em 1 ou mais articu- lações, com idade de início inferior a 16 anos, excluídos outras causas de artrite (diagnóstico de exclusão). A doença é classificada em tipos ou categorias, conforme as manifestações dos pri- meiros 6 meses da doença, mutuamente exclusivas, sendo elas: - AIJ sistêmica ou doença de Still: artrite associada a febre, hepatoesplenomegalia e rash cu- tâneo migratório que piora com a febre - AIJ oligoarticular: acomete até 4 articulações, podendo evoluir com uveíte se FAN positivo - AIJ poliarticular (fator reumatoide positivo ou negativo): acomete 5 ou mais articulações, incluindo coluna, articulação temporomandibular, interfalangeanas proximais e metacar- pofalangeanas, podendo evoluir com deformidades, sobretudo quando FR positivo, que apresenta mesma evolução que artrite reumatoide do adulto - Artrite psoriática: associação com psoríase, pouco comum em crianças - Artrite relacionada à entesite: espondilite anquilosante na criança - Artrites indiferenciadas: características de mais de um tipo concomitantes Todas as formas apresentam rigidez matinal. O tratamento é feito com anti-inflamatórios não hormonais, metotrexato (droga modificadora da doença) e imunobiológicos (uso por até 2 anos sem atividade clínica), esquema que permite grande melhora do prognóstico da doença. 1. AIJ sistêmica Apresenta-se com artrite crônica, podendo essa ser poli ou oligoarticular, caracteristicamente simétrica e aditiva, acometendo grandes e pequenas articulações e coluna cervical. Marcada por importante rigidez matinal e podendo acometer todas as articulações. Geralmente associada a febre alta vespertina ou noturna, de frequência diária, além de hepatoesplenomegalia e rash cutâneo migratório que piora com a febre. 2. AIJ poliarticular com FR positivo Corresponde a 5 a 10% dos casos de AIJ poliarticular. Incide principalmente em crianças de 10 a 16 anos e apresenta início insidioso. Apresenta evolução semelhante à artrite reumatoide do adulto, evoluindo artrite prolongada e erosiva capaz de causar deformidades. É possível a pre- sença de nódulos subcutâneos e associação a anorexia e fadiga. 3. AIJ poliarticular com FR negativo É a forma mais comum de AIJ poliarticular, correspondendo a 90 a 95% dos casos, sem pico de incidência, porém mais frequente no sexo feminino. Acomete grandes e pequenas articulações, associada a febre baixa. Possui melhor prognóstico que a AIJ poliarticular com FR positivo, com baixa evolução com deformidades. 4. AIJ oligo ou pauciarticular Acomete de 1 a 4 articulações, sobretudo joelhos, cotovelos e tornozelos, de forma assimétrica. O subtipo com FAN positivo corresponde a 30 a 50% dos casos e possuir maior incidência de iridociclite crônica, que evolui com cegueira em 15 a 20%. Entretanto, apresenta bom prognós- tico articular. Nos casos de monoartrite crônica, é obrigatória a realização de punção com biópsia de mem- brana sinovial ou ressonância para descartar outras hipóteses de pior desfecho como tumores e sinovite vilonodular. 5. Artrite relacionada à entesite É a espondilite anquilosante juvenil, de evolução semelhante, subtipo de AIJ com HLA-B27 posi- tivo. Incide mais em menino acima dos 9 anos de idade. Apresenta espondiloartropatias, irite sem sequelas e pode ter artrites periféricas assimétricas em joelhos, tornozelos e articulações coxofemorais e metacarpofalangeanas. C. FEBRE Febre de origem indeterminada Conceitualmente definida por: - TAX > 38,3°C - Pelo menos 3 semanas de evolução - Sem diagnóstico após 1 semana de investigação hospitalar Entre as causas de FOI, a primeira hipótese a ser elencada sempre dever ser infecção, seguida de doenças neoplásicas, em terceiro doenças inflamatórias não infecciosas e, por fim, febres medicamentosas e causas factícias. Infecciosas Bacterianas: brucelose, endocardite, leptospirose, salmonelose, tuberculose, mastoidite, tularemia, sinusite, osteomielite Virais: CMV, EBV, hepatite Fúngicas Doenças neoplásicas Linfoma de Hodking, leucemia, neuroblastoma Distúrbios inflamatórios não-infecciosos Colagenoses: AIJ, poliarterite nodosa, LES, dermatomiosite DII: Doença de Cronh Febres medicamentosas Causas factícias Doença de Kawasaki Primeira causa de febre por mais de 5 dias, sendo importante aventar como hipótese diagnóstica devido ter como consequência cardiopatia potencialmente fatal. É a segunda vasculite mais fre- quente na faixa etária pediátrica (primeira é a púrpura de Henoch-Schönlein), acometendo cri- anças menores de 5 anos, sobretudo lactentes (50% menores de 2 anos). Possui discreto predo- mínio no sexo masculino. É a segunda causa mais comum de doença cardíaca adquirida na in- fância. Quadro clínico e diagnóstico Trata-se de uma vasculite de vasos de pequeno e médio calibre, acometendo inclusive as arté- rias coronárias. Pode levar a infarto agudo do miocárdio ainda na infância ou na idade adulta. Para o diagnóstico é preciso ter febre por mais de 5 dias e pelo menos 4 de 5 critérios: As alterações de mucosa oral podem lembrar as encontradas na escarlatina, mas essa se dife- rencia da doença de Kawasaki pela epidemiologia, pois acomete crianças mais velhas, na faixa etária escolar. A doença é dividida em 3 fases. A primeira é a fase febril, que dura de 1 a 2 semanas (1º a 14º dia), em que há febre e outros sinais agudos da doença (critérios diagnósticos). Em seguida há a fase subaguda, que dura até a 4ª semana (15º a 30º dia), período em que a febre e os outros sinais agudos desaparecem, persistindo irritabilidade, anorexia e irritação conjuntival. Nesse momento, aparecem a descamação, trombocitose, há o desenvolvimento de aneurismas nas artérias acometidas e aumento do risco de morte súbito pelo seu rompimento. Por fim, há a fase de convalescença, de 6 a 8 semanas (30 a 60 dias), em que os sinais da doença desaparecem e o VHS retorna ao normal. O comprometimento cardíaco é a manifestação mais grave. Pode ocorrer insuficiência cardíaca congestiva resultante da miocardite ou do infarto do miocárdio, além de pericardite e arritmias. A administração de imunoglobulina até o 9º dia de febre previne a formação de aneurismas. A doença de Kawasaki também pode causar outros comprometimentos, como: artralgia/artri- tes, meningite asséptica, pneumonite, gastroenterite, disúria, otite, surdez, uveíte anterior, pa- ralisia facial e hidropsia de vesícula biliar. As alterações laboratoriais são inespecíficas, podendo ter anemia aguda, leucocitose, plaquetose (especialmente a partir da segunda semana da do- ença), elevação das provas da fase aguda e piúria estéril. Tratamento Ao diagnóstico, durante a fase aguda, é mandatória a realização de imunoglobulina na dose de 2g/kg IV, em dose única, associada a AAS em altas doses (80 a 100 mg/kg/dia de 6/6h VO) até 48h afebril. A partir de 48h, o AAS é reduzido a dose antiagregante plaquetária (3 a 5 mg/kg/dia 1x/dia VO) até que se comprove a ausência de anormalidades coronarianas, habitualmente en- tre 6-8 semanas de seguimento. Nos casos com alterações coronarianas, essa dose deve ser mantida indefinidamente. Doença de Kawasaki incompleta Definida pela presença de febre por mais de 5 dias com 2 ou 3 critérios e presença de aneurisma coronariano. É, na realidade, um diagnóstico retroativo. Na presença de febre por mais de 5 dias com 2 ou 3 critérios diagnósticos em lactentes, é ne- cessária reavaliação clínica diária, com realização de ecocardiograma para visualização das co- ronárias no 7º dia e consulta precoce com o especialista. Na dúvida, a melhor conduta é tratar, pelo risco de evolução com aneurisma coronário. Uma situação especial é na presença de febre por mais de 5 dias, 3 critérios diagnósticose alte- ração laboratorial sugestiva, determinada por: - VHS ≥ 40 mm ou PCR ≥ 3 mg + - ≥ 3 alterações laboratoriais suplementares o Albumina ≤ 3 mg/dl o Anemia para a idade o Aumento de TGP (ALT) o Plaquetose > 450 mil o Leucocitose > 15 mil o Leucocitúria > 10 leucócitos por campo Nesses casos, deve-se pensar em Kawasaki ou infecção. D. VASCULITES Podem ser primárias ou secundárias. As primárias são doenças em si (doença de Kawasaki, arterite de Takayasu, PHS), enquanto as secundárias decorrem de outros processos, como infecções (bacterianas, varicela) e doenças sistêmicas (LES, SAF, esclerodermia). Púrpura de Henoch-Schonlein É a vasculite mais frequente na infância. Ocorre predominantemente em pré-escolares e esco- lares com idade média de 6 anos, com discreta predominância no sexo masculino (1,5:1). Entre os fatores desencadeantes estão IVAS (50% dos casos), vacinas, medicamentos, alimentos (cho- colates, conservantes), picadas de inseto e exposição ao frio. Devido a isso, costuma ter ocor- rência sazonal, com maior incidência entre o outono e o inverno. Quadro clínico As lesões são inicialmente pequenas e, em 24 a 48h, tornam-se maiores, confluentes, elevadas e purpúricas, não desaparecendo à digitopressão. Podem surgir em qualquer parte do corpo, incluindo membros inferiores, nádegas e face. Após 1 a 2 semanas, adquirem coloração acasta- nhada, que pode persistir por 1 a 2 meses, com períodos de agravamento de atenuação. Associa-se a edema subcutâneo com localização predominante em mãos e pés em 70% dos pa- cientes. Também está presente artrite e/ou artrite transitória secundária de grandes articula- ções em 60 a 84% dos casos. Manifestações gastrointestinais são a apresentação inicial em 20% dos pacientes. A dor abdo- minal importante decorre da vasculite também presente nas alças intestinais, com edema e he- morragia comprometendo a sua parede. Essa costuma localizar-se periumbilical, tipo cólica, de intensidade variável, correlacionada ao grau de hemorragia da parede intestinal, e estar associ- ada a náuseas, vômitos e diarreia sanguinolenta. Sua complicação aguda mais grave é a invagi- nação intestinal, que ocorre em 3,5% dos pacientes. O diagnóstico é feito por ultrassom abdo- minal. Outros acometimentos incluem orquite (dor importante), epididimite e balanite. Tanto o com- prometimento intestinal (dor abdominal) quanto genital, bem como presença de úlceras com presença de necrose de lábios ou pavilhão auricular são indicativos de internação para realiza- ção de pulsoterapia com corticoide pelo risco de necrose dessas estruturas. http://www.spapex.org/spapex/purpurash.jpg O envolvimento renal é deiterminante prognóstico da PHS, estando presente em 10 a 50% dos pacientes nos primeiros 3 meses. É o comprometimento mais preo- cupante devido ao potencial de cronificação e o mo- tivo pelo qual realiza-se seguimento dos pacientes por 5 a 10 anos após resolução do quadro. A forma mais frequente é hematúria isolada (31%) seguida de he- matúria associada a proteinúria (11%), ambas costu- mando ser transitórias (primeiros 3 meses). Todavia, 1 a 5% dos pacientes evoluem com insuficiência renal crônica até 10 anos após a doença. Em mulheres, a in- suficiência renal pode culminar durante a gestação, sendo importante a constatação desse histórico. Tratamento É feita administração de sintomáticos, com controle das manifestações articulares e cutâneas com analgésicos e anti-histamínicos e dos sintomas gastrointestinais com omeprazol (anterior- mente ranitidina). Também é preciso realizar manutenção das condições de hidratação, nutrição e equilíbrio eletrolítico, bem como remoção de possíveis agentes etiológicos (infecções, alimen- tos, corantes, drogas, vacinas). O uso de corticoides é indicado apenas em casos de: - Comprometimento gastrointestinal - Nefrites graves – glomerulonefrite rapidamente progressiva - Orquiepididimite - Necrose das lesões cutâneas - Hemorragia pulmonar - Comprometimento do SNC Seu uso não reduz o risco de desenvolvimento de nefrite. Pode ser feito com prednisona 1 a 2 mg/kg/dia por 3 a 7 dias (quadros mais leves), com posterior redução em 2 a 4 semanas, ou na forma de pulsoterapia com metilprednisolona 30 mg/kg/dia por 3 dias. Prognóstico ou segmento Sua evolução é autolimitada e não costuma deixar sequelas, exceto o comprometimento renal que pode manter alterações persistentes (7,5%) e doença renal grave (1 a 4,5%), principalmente na gravidez. Seguimento Na ausência de comprometimento renal inicial, é necessário realizar avaliações periódicas da função renal por 5 a 10 anos. Na presença de alterações renais transitórias ou persistentes, essas devem ser acompanhadas rigorosamente por toda a vida, uma vez que sempre haverá risco de desenvolver insuficiência renal desencadeada por gestação, cirurgias, etc., mesmo na ausência de doença renal ativa. Edema hemorrágico agudo da infância Variante da PHS que acomete lactentes dos 3 meses aos 2 anos de idade. A tríade típica envolve febre, edema e lesões purpúricas. As lesões cutâneas características são púrpuras palpáveis, que se localizam em face, orelhas e extremidades, e lembram a figura de um medalhão. Apresenta menor comprometimento renal em comparação à PHS. E. PRESENÇA DE AUTOANTICORPOS, FAN E LES JUVENIL A presença de FAN positivo não indica presença de lúpus, embora esse seja positivo em 95% dos pacientes com LES. Esse também é encontrado na AIJ pauciarticular, tireoidite de Hashimoto, falso positivo em doenças virais (p. ex. parvovírus) e sífilis, síndrome paraneoplásica, etc. Seu achado isolado não tem valor diagnóstico, sendo frequente em crianças saudáveis, que nunca irão desenvolver qualquer doença autoimune ao longo da vida. Desse modo, na ausência de sinais e sintomas sugestivos, não deve ser solicitado. Outra informação importante é que uma vez positivo, tende a ser sempre positivo, não havendo necessidade de realizar múltiplas dosagens, sendo raros os casos de títulos flutuantes. O padrão do FAN também deve ser levado em consideração, uma vez que, por exemplo, padrão nuclear pontilhado fino denso é encontrado também em pessoas sadias. Em paciente autoimu- nes, costuma apresentar títulos moderados (1/160 e 1/320) a elevados (≥ 1/640), enquanto em indivíduos sadios, os títulos tendem a ser baixos (≤ 1/80). As autoanticorpos anti-dsDNA e anti-Sm são mais específicos para LES. Anti-Ro e anti-La podem estar presentes em outras doenças, como síndrome de Sjögren. O anti-RNP pode ser encontrado na doença mista do tecido conjuntivo e sua positividade no lúpus fala a favor de comprometi- mento do sistema nervoso central. O anti-dsDNA é ligado ao comprometimento renal e é utili- zado para monitorizar o grau de atividade da doença. O diagnóstico de LES baseia-se nos critérios diagnósticos, considerados positivos na presença de pelo menos 4 deles: Colégio Americano de Reumatologia (ACR) 1997 Systemic Lupus International Collaborating Clinics (SLICC) 2011 1. Eritema malar 1. Lúpus cutâneo agudo: eritema malar, fo- tossensibilidade, etc. 2. Lesão discoide 2. Lúpus cutâneo crônico: lúpus discoide 3. Fotossensibilidade 3. Úlcera oral ou nasal 4. Úlcera oral ou nasal 4. Alopecia não cicatricial 5. Artrite não erosiva 5. Sinovite ou artralgia 6. Serosite: pleura e/ou pericárdio 6. Serosite: pleura e/ou pericárdio 7. Proteinúria ou cilindros celulares 7. Proteinúria ou cilindros hemáticos 8. Alterações neurológicas: crise convulsiva ou psicose 8. Alterações neurológicas: crise convulsiva ou psicose 9. Citopenia 9. Anemia hemolítica 10. Leucopenia ou linfopenia 11. Trombocitopenia 12. Distúrbio imunológico 12. Anti-dsDNA (2 ocasiões) 13. Anti-Sm 14. Anticorpo antifosfolipídio 15. Hipocomplementemia (novo) 16. Coombs direto + (se 9 ausente - novo) 17. FAN positivo 17. FAN positivo A suspeitade lúpus também é instaurada da presença de outros sinais e sintomas, como em pacientes com quadro de PHS, podendo essa ser a primeira manifestação e, portanto, devendo- se solicitar exames (FAN, complemento, etc.) para investigação. Desse modo, a solicitação de FAN está bem indicada em crianças com aftas orais indolores, qua- dro de PHS, fenômeno de Reynauld, lesões bolhosas (sugestivas de lúpus bolhoso) e livedo reti- cular. As aftas orais do LES são não dolorosas e grandes, sendo de diagnóstico diferencial com a doença de Beçhet, cujas aftas são dolorosas. Lúpus eritematoso neonatal Acometem filhos de mães com LES, síndrome de Sjögren ou assintomáticas, mas com anti-Ro ou anti-La positivos. Ocorre pela passagem transplacentária de autoanticorpos maternos da classe IgG contra as proteínas SSA/Ro e SSB/La, os únicos capazes de atravessá-la. Esses, todavia, são transitório, permanecendo de 6 a 9 meses, até, no máximo, pouco mais de 1 ano de idade. A síndrome pode causar bloqueio cardíaco, potencialmente fatal, sendo necessário colocação de marca-passo quando bradicardia ao nascimento, pois essa é indício clínico de lesão do músculo cardíaco. Pode também apresentar associada ou isoladamente rash malar e lesões discoides secundárias aos anticorpos maternos, bem como plaquetopenia e alteração de enzimas hepáti- cas, todas alterações transitórias, exceto a lesão miocárdica, que é permanente. F. ASLO ELEVADO E FEBRE REUMÁTICA A presença de ASLO (anticorpo antiestreptolisina O) elevado traduz basicamente uma infecção estreptocócica recente, nos últimos 6 meses. Após uma infecção orofaríngea por estreptococo, os títulos de ASLO ascendem após 1 semana, com pico em 1 mês, permanecendo detectável por até 6 meses. O cut-off do ASLO varia com a idade, época do ano, localização geográfica e preva- lência de infecções estreptocócicas, em geral adotando-se o valor médio de 320 UI/ml. A febre reumática é uma doença inflamatória sistêmica e autoimune, que manifesta-se de 1 a 5 semanas após quadro de faringoamigdalite (aparente ou não) causada por Streptococcus pyo- genes. Acomete indivíduos suscetíveis e com resposta imunológica hiperreativa. Seu diagnóstico, assim como a maioria das doenças reumatológicas e autoimunes, depende de critérios diagnósticos, não bastando pura e simples associação de dor articular não característica e ASLO positivo. Os critérios diagnósticos para a febre reumática são denominados Critérios de Jones e são positivos na presença de 1 critério maior e 2 menores ou 2 maiores, acrescidos da evidência de infecção pelo estreptococo do Grupo A, por meio de cultura de orofaringe, teste rápido para EBGA ou elevação dos títulos de anticorpos (ASLO). A artrite é migratória, com du- ração de 3 a 5 dias em cada articulação acometida. Quando quadro clínico característico, preenchendo critérios diagnósticos, mas sem evidência de infecção estreptocócica, recomenda-se, por prudência, realizar penicilina G benzatina e repetir ASLO após 2 semanas. Caso esse permaneça baixo, descarta-se febre reumática. Quando tratar- se de febre reumática de instalação precoce, após esse período, os títulos estarão elevados ou em ascensão (também válido como evidência de infecção recente). A instituição de tratamento com penicilina em faringoamigdalite até o 9º dia de doença objetiva erradicar a infecção e evitar a reação autoimune, tendo potencial de evitar a febre reumática. Uma vez estabelecido o quadro de febre reumática, é feito tratamento profilático com penicilina G benzatina a cada 21 dias para evitar novas faringoamigdalite, novas agressões valvares e novos surtos de febre reumática. Caso não haja cardite, essa é instituída até os 21 anos ou por 5 anos após surto precedente, o que cobrir maior período de vida. Na presença de histórico de cardite, insuficiência mitral leve residual ou lesão valvar, é realizada até os 25 anos ou por 10 anos após o surto, o que durar mais. Quando há lesão valvar residual moderada a severa, a profilaxia é até os 40 anos ou pela toda vida. Após cirurgia valvar, essa é mantida pelo resto da vida. A dose é de 600.000 UI IM para menores de 20 kg e 1.200.000 UI IM para aqueles com 20 kg ou mais. A alternativa aos alérgicos à penicilina é a sulfadiazina VO 1x/dia. A terceira linha de tra- tamento é a eritromicina VO 1x/dia.