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Teoria da História
Aula 2: História e Crise dos Paradigmas – os campos da
História e a multiplicidade complexa de alternativas na
historiogra�a
Apresentação
Nesta aula, aprenderemos um pouco da diversidade da historiogra�a contemporânea. Para isso, trataremos dos conceitos
de campo histórico e paradigma.
Objetivos
Aprofundar a compreensão sobre os conceitos de campo histórico e paradigma.
Conhecer, para posterior posicionamento crítico, a discussão das últimas décadas sobre a crise dos paradigmas.
A História, desde o momento em que começou a postular um status de cienti�cidade, não cessou de se tornar cada vez mais
complexa, abrangente, so�sticada, e internamente diversi�cada. Já em princípios do século XIX, começaram a se contrapor
diferentes maneiras de conceber a História, e variadas maneiras de entendê-la como ciência.
A primeira modi�cação importante no novo universo historiográ�co foi o incremento, na passagem do século XVIII ao XIX, da
chamada “crítica documental” – uma expressão que remete aos cuidados e procedimentos que devem orientar os
historiadores ao abordarem suas fontes históricas.
De igual maneira, desde essa época, os historiadores começaram a perceber
que poderiam ser utilizados como fontes históricas quaisquer vestígios,
resíduos, discursos, imagens ou objetos materiais deixados pelos homens
de uma época anterior.
 Fonte: Pixabay
No século XIX ainda predominou, no trabalho historiográ�co, a utilização de fontes textuais; mas a partir do século XX
assistimos a uma inovação crescente com relação aos tipos de fontes históricas que poderiam ser utilizadas pelos
historiadores.
Ao mesmo tempo em que os historiadores, nos dois últimos séculos, assistiram a uma extraordinária expansão do seu
universo de possíveis fontes históricas, também houve uma expansão igualmente signi�cativa com relação aos objetos de
estudo dos historiadores.
No século XIX, estes ainda se concentravam no universo político e institucional. Os historiadores de então estudavam
principalmente as guerras, as revoluções, as relações entre as grandes potências, a história de grandes instituições como a
Igreja, a vida dos generais, políticos e outros personagens que se tornaram famosos.
Com o tempo, contudo, os historiadores foram se ocupando também de outros aspectos tão importantes para a
compreensão das diversas sociedades humanas quanto a dimensão política. Assim, começaram a surgir estudos
sobre aspectos materiais, econômicos, culturais e mentais.
Particularmente, as primeiras décadas do século XX podem ser apontadas como o momento no qual essa expansão
de objetos históricos começa a se intensi�car.
 Fonte: Unsplash
Além da expansão de fontes históricas e objetos de estudos, outro aspecto de crescente complexidade no mundo dos
historiadores foi o diálogo que estes passaram a estabelecer com outros campos de saber.
No início do século XX, disciplinas como a Geogra�a, Antropologia, Sociologia e Economia já estavam su�cientemente
desenvolvidas para atrair o interesse dos historiadores com relação às possibilidades de utilização de conceitos, métodos e
abordagens desenvolvidas no âmbito destas disciplinas. Logo viriam outros diálogos da História com os demais campos de
saber, tais como a Linguística e a Psicologia, entre outros. Mesmo a Literatura, como forma de expressão, passou a se abrir aos
historiadores como diálogo que permitiria uma constante rediscussão de suas instâncias estética e narrativa.
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Chamamos a este diálogo de um campo de saber com outros de
Interdisciplinaridade. À medida que a História vai avançando no século XX,
os seus diálogos interdisciplinares foram se tornando mais diversi�cados e
mais intensos.
Um quarto elemento de crescente complexidade que
passou a afetar a História, a partir do seu desenvolvimento
como disciplina cientí�ca, foi a sua multidiversi�cação
teórica e metodológica. Paradigmas diversos passaram a
orientar os historiadores com relação aos seus fazeres
historiográ�cos, e muitas correntes teóricas, cada qual com
a sua riqueza conceitual, passaram a se oferecer como
alternativas para os historiadores.
A História, como outras Ciências Sociais e Humanas,
passou a se mostrar aberta a variados paradigmas, isto é, a
distintos modos de conceber a História como campo
especí�co de conhecimento. Apenas para citar três modelos
historiográ�cos importantes do século XIX, podemos
lembrar o Positivismo, o Historicismo e o Materialismo
Histórico.
 Fonte: Freepik
É esta complexidade historiográ�ca – que atinge simultaneamente
uma expansão no universo de fontes históricas, uma
multidiversi�cação de alternativas teóricas, uma multiplicação de
objetos de estudo, e a ampliação e intensi�cação de diálogos
interdisciplinares – o que irá se unir em �ns do século XX a diversos
outros fatores para produzir um contexto que muitos autores
entenderão como uma crise disciplinar.
Entre radicais mudanças no quadro político, cultural e econômico internacional, o que incluiu o �m da Guerra Fria após a crise
do socialismo real, a globalização e desenvolvimentos tecnológicos diversos, a historiogra�a vive este momento no qual é
preciso re�etir sobre a sua complexidade crescente, e mesmo sobre as suas inquietações. Resgatar este debate é importante
para compreender o que é a própria História nos dias de hoje.
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Crise dos paradigmas
Conforme vimos na última aula, a noção de “paradigma” apresenta alguns sentidos possíveis. Um deles se refere a estes
grandes modelos que se oferecem aos historiadores, tais como o Positivismo, o Historicismo e o Materialismo Histórico, além
de outras contribuições teóricas que também se encontram incorporadas ao repertório historiográ�co.
Por outro lado, vimos que alguns autores têm também empregado em um sentido mais ampliado o conceito de paradigma,
como é o caso de Ciro Flamarion Cardoso, na obra Domínios da História.
O paradigma, aqui, corresponderia a um modo mais
abrangente de fazer a História que predominaria em toda
uma época, apesar da sua incontornável diversidade interna.
Para Cardoso, desde o século XVIII até �ns do século XX,
a�rmou-se um grande paradigma hegemônico ou
dominante não apenas no que se refere ao pensamento
historiográ�co, como também relativamente a outros
campos de saber.
Esse paradigma é chamado pelo autor de “moderno” ou
“iluminista” (em homenagem ao momento, no século XVIII,
que o viu se fortalecer), e seu principal traço seria um
racionalismo francamente assumido, além de outros traços
como a busca de máxima inteligibilidade e do interesse em
oferecer explicações sistemáticas com a maior
objetividade possível em relação aos diversos objetos de
estudo tratados pelos vários campos de saber.
 Fonte: Pixabay
Em contrapartida ao grande campo paradigmático, já vinham sendo contrapostas outras tendências teóricas, com maior
abertura para o que Cardoso chama de “irracionalismo”, e com maior espaço para o acaso, para a radicalização da perspectiva
relativista, ou para o risco de imobilismo diante do reconhecimento das intersubjetividades que afetam o pensamento. Esse
segundo campo paradigmático, porém, apenas em �ns do século XX teria se fortalecido su�cientemente para ameaçar o
predomínio do paradigma “moderno” ou “iluminista” no âmbito das ciências sociais e humanas.
Ciro Flamarion Cardoso o denomina “paradigma pós-moderno”, uma designação que tem sido objeto de debates entre
inúmeros autores.
Saiba mais
Clique aqui para saber mais sobre paradigmas rivais.
Na verdade, a História, como campo de saber com suas próprias especi�cidades, tem enfrentado crises diversas desde o
momento em que passou a postular um estatuto de cienti�cidade. Essas crises (ou os questionamentos que as produziram)
têm retornado frequentemente na história da historiogra�a.
Nas últimas décadas do século XX, um momento de mudanças radicais no cenário histórico mundial, algumas destas antigas
motivações de crises retornaram e vieram a se juntar a algumas novas crises, típicas dos novostempos. Não será o caso de
recuperarmos aqui cada uma destas crises, que, de resto, poderão ser estudadas em textos especí�cos. Mas convém
esclarecer este entremeado de crises que se apresentaram na modernidade historiográ�ca.
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Crises da modernidade historiográ�ca
A discussão sobre a cienti�cidade da História, e sobre o tipo de ciência que a História seria, caso se trabalhe com esta
perspectiva, remete aos primórdios do século XIX:
1
Positivistas
Buscavam aproximar a História do modelo das Ciências
Naturais.
2
Historicistas
Buscavam constituir um modelo próprio para as Ciências
Humanas.
Para os Historicistas, esse modelo próprio deveria considerar as intersubjetividades que afetam os historiadores e demais
cientistas sociais, impedindo-os de postular uma neutralidade absoluta diante de seu objeto de estudo.
Rigorosamente, este debate nunca se encerrou. Ao mesmo tempo, não faltou naquele mesmo século uma voz para questionar
a ideia de que valeria realmente a pena para os historiadores esta pretensão de cienti�cidade. Em um texto intitulado Sobre a
utilidade e a desvantagem da História para a vida (1873), Friedrich Nietzsche contrapõe, ao modelo do historiador-cientista, o
modelo do historiador-artista.
Discutir a dimensão estética da História não ameaça necessariamente a permanência da História como campo de saber que
apresenta pretensões cientí�cas.
Existe, inclusive, um caminho intermediário neste debate que combina a possibilidade de pensar a História como ciência,
naquilo que se refere à dimensão da pesquisa e da análise, e como arte, considerando que, ao �m de seu trabalho, o historiador
precisa desenvolver um texto com qualidades literárias para expor os resultados de sua pesquisa e construir uma narrativa.
O problema principal, capaz de abalar os pressupostos em que a História foi se edi�cando como campo de saber
cientí�co, ocorre quando surge a ideia de que a História possa se reduzir apenas à sua dimensão estética ou
discursiva, confundindo-se, no limite, com a criação literária.
Esta aproximação entre História e Literatura parece ameaçar a identidade da História como campo de saber
especí�co, e também se sintoniza ocasionalmente com outra crise, que se intensi�cou a partir de �nal dos anos 1960:
a chamada “crise dos referentes”.
 Fonte: Freepik
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Outra crise que também con�ui para o debate sobre o pós-modernismo historiográ�co é a da fragmentação das temáticas
históricas. Muitos historiadores de décadas recentes, movidos tanto pela perda de con�ança nos grandes modelos explicativos
como atraídos pelas modas editoriais, teriam abandonado o projeto de escrever uma “História total” (uma História que procura
examinar os temas históricos integrando na sua análise diversos aspectos da vida social e vinculando a análise a um contexto
histórico mais amplo) para passar a escrever o que François Dosse (1973) chamou de “História em migalhas”.
Esta seria uma História fragmentada e gratuita, movida apenas pela curiosidade descritiva; uma História não problematizada
que buscaria apenas atender às demandas de consumo de um público ávido por curiosidades e às vezes por temáticas
bizarras.
A ideia de fragmentação historiográ�ca também pode se referir às demandas de minorias e grupos sociais especí�cos em
escrever cada qual a sua própria história, desligada do todo.
Embora motivadas por reivindicações legítimas, as ideias de escrever uma
“História feminista” ou histórias destinadas a serem lidas apenas por
minorias especí�cas, entre outras possibilidades, ofereceu mais um abalo
possível aos antigos projetos de produção de uma História total.
 Fonte: Wikipedia  Fonte: Wikipedia  Fonte: Wikipedia
Além das polêmicas até aqui mencionadas, muitas outras poderiam ser evocadas como indicativas de uma crise de rede�nição
do saber histórico.
O século XX conheceu, por exemplo, exemplos clássicos de manipulação da História por autoridades políticas e pelo capital
empresarial. O Stalinismo várias vezes obrigou os historiadores soviéticos a reescreverem a história de uma nova maneira, e no
período posterior ao Nazismo algumas empresas alemãs que haviam colaborado com o totalitarismo nazista resolveram
contratar historiadores para reescrever a História a seu favor.
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A ideia de que a História pudesse ser manipulada além de um limite
aceitável pelas forças políticas trouxe certamente o seu abalo para os
meios historiográ�cos, embora fosse já antiga a ideia de que, dentro
de determinados limites, existem intersubjetividades que de fato
afetam o trabalho do historiador mesmo que de forma involuntária.
Por �m, uma crise que se tornou evidente nos anos 1980 referiu-se ao questionamento da e�cácia dos grandes modelos ou
paradigmas para dar conta de toda a realidade a ser examinada.
Em vários campos de saber, começaram a ser questionados modelos como os de setores mais tradicionais do materialismo
histórico ou da psicanálise freudiana, que até então vinham tendo sucesso em fornecer explicações convincentes sobre a
realidade nos seus vários aspectos.
Também perderam credibilidade algumas das tradicionais
metanarrativas que difundiam a ideia de que a humanidade
avança gradualmente para um mundo melhor, seja através
de um progresso linear, seja através de círculos dialéticos
que, no �m das contas, terminariam por conduzir a
humanidade ao melhor dos mundos possíveis.
Certamente que contribuíram para o questionamento da
noção iluminista de progresso, contextos diversos, tais
como os da ameaça ao ecossistema e as diversas crises
econômicas e políticas que adquiriram visibilidade mundial,
isto sem falar no uso frequente de tecnologia avançada para
projetos bélicos.
 Fonte: Pixabay
Foi assim que, contra o pano de fundo do entusiasmo modernista pela ciência como o principal �o condutor para um mundo
melhor, foram surgindo também correntes que se confrontaram contra a ideia de que a humanidade avança necessariamente
para o melhor, tal como um dia prepuseram diversas das �loso�as da história desde Immanuel Kant e até Hegel, e também
como agora propunha, de uma maneira diferenciada, a metanarrativa marxista sobre a inevitável caminhada da humanidade
para o socialismo.
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Retornemos à discussão sobre uma possível crise dos paradigmas. Para
além das crises e polêmicas entrecruzadas que acabamos de mencionar,
devemos lembrar também que, concomitante aos dilemas e problemas
historiográ�cos de nosso tempo, a História foi se tornando cada vez mais
complexa como decorrência do seu próprio desenvolvimento como campo
de saber.
É óbvio que, diante do quadro de complexidades crescentes que apontamos bem no início desta aula – envolvendo a
simultânea expansão das fontes históricas, dos objetos de estudo, das relações interdisciplinares, e a multidiversi�cação
teórico-metodológica – é muito difícil separar dicotomicamente (isto é, considerando apenas dois lados da questão) todo o
vasto universo de contribuições geradas pela crescente complexidade da História como campo de saber.
Conforme vimos na aula anterior, correntes como o Materialismo histórico ou o Historicismo (paradigmas no sentido mais
restrito) referem-se a alternativas teóricas que se disponibilizam aos historiadores, e movimentos como a Escola dos Annales
relacionam-se a outro conceito distinto: o de escola histórica.
Historiadores pertencentes à Escola dos
Annales ou à Micro-História italiana
podem se associar ou dialogar com
paradigmas tão distintos como o
Materialismo histórico, o Historicismo, o
Positivismo, ou outras correntes, como
as inspiradas em Max Weber ou Michel
Foucault.

Historiadores ligados a paradigmas e
escolas historiográ�cas diversi�cadas
podem produzir trabalhos relacionados
a campos históricos variados, como a
História cultural, a História política, a
História econômica, a Micro-História, ou
ainda, o que na verdade é o mais
comum (ou mesmo uma situação
inevitável), inscrever suapesquisa e
re�exão historiográ�ca em uma
determinada conexão de campos
históricos.
O mundo contemporâneo é constituído por identidades compartilhadas, identidades que se entrecruzam, que se combinam
para a produção de perspectivas complexas.
Uma historiadora pode ser feminista, ativista do movimento negro, defensora das causas ecológicas e interessada em
pesquisas historiográ�cas relacionadas à História Cultural, o que não a impediria de se vir identi�cada com alguma das
correntes habitualmente relacionadas ao Materialismo histórico, e mesmo combinar esta perspectiva a uma outra, além de se
associar a determinada escola histórica por conta de certo programa de ação em comum no que se refere a seus objetos ou
práticas de pesquisa.
Di�cilmente, nos dias de hoje, algum autor pode ser confortavelmente
classi�cado no interior de uma única identidade teórica. Esse traço
característico de nosso tempo, que parece multiplicar as identidades,
exige também daqueles que pensam a historiogra�a, nos dias de
hoje, uma perspectiva mais complexa.
Campos históricos
Começaremos por abordar a complexidade historiográ�ca examinando a sua multiplicação de modalidades internas – que
aqui denominaremos “campos históricos” – no decorrer do século XX.
Nos tempos recentes têm surgido com frequência cada vez maior livros e coletâneas de livros que discorrem sobre as
inúmeras especialidades da História, tais como a História política, a História cultural, a História econômica, a Micro-História e
inúmeras outras.
Leitura
Uma análise mais completa sobre a multiplicação de campos históricos na atualidade pode ser encontrada nas seguintes
obras:
O campo da História, de José D'Assunção Barros (2005);
A escrita da História, organizado por Peter Burke (1992);
A História nova, de Jacques le Goff (2005).
O próprio livro Domínios da História, organizado por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, também é um indicativo da
preocupação historiográ�ca de compreender a diversidade de modalidades históricas que hoje precisam ser conhecidas por
todos os historiadores pro�ssionais.
Clique aqui para saber mais.1
http://estacio.webaula.com.br/cursos/esteh1/aula2.html
A partir do momento em que a historiogra�a foi se tornando mais complexa, sobretudo das primeiras décadas do século XX
em diante, e à medida que foram sendo produzidas especialidades nas várias esferas de saber, também foi se veri�cando a
mesma multiplicação de espaços intradisciplinares no interior da História.
Podemos dizer que, diante das expansões e complexidades crescentes citadas no início desta aula – relacionadas às fontes,
objetos, interdisciplinaridades e variedades teórico-metodológicas – os historiadores precisaram pensar cada vez mais o seu
próprio campo de estudos em termos de modalidades internas.
Era necessário, por assim dizer, organizar e tornar mais inteligível este enorme espaço de saberes historiográ�cos que foi
sendo gerado pela expansão da noção de “fonte histórica”, pela multiplicação dos interesses temáticos dos historiadores, pela
proliferação de diálogos interdisciplinares, pelo acúmulo de novas metodologias e aportes teóricos, e pela crescente
complexidade do estudo da história, en�m.
Desde o século XX começamos a ouvir falar cada vez mais em História Econômica, em História das Mentalidades, em História
Cultural, em Micro-História, em História Serial, em História Quantitativa, apenas para citar uma quantidade muito pequena das
expressões a partir das quais os historiadores começaram a pensar o tipo de trabalho que realizam dentro da História.
“O que de�ne cada um destes e de outros campos pode
corresponder desde a um âmbito especí�co de fenômenos e
processos que são examinados em primeiro plano pelo
historiador, até um tipo de fonte a ser trabalhada, uma
abordagem que conduzirá o trabalho historiográ�co, ou um
eixo temático fundamental. A multiplicação de critérios a
partir dos quais podem ser propostas as subdivisões da
História – e nem mencionaremos aqui os já tradicionais
critérios de temporalidade que criam divisões como a História
Antiga, a História Medieval ou a História Moderna – parece
mergulhar o ofício do historiador em um complexo oceano de
especialidades ou especializações possíveis.
- Barros, 2005
Domínios e dimensões historiográ�cas
Alguns domínios surgem e desaparecem um pouco ao sabor das modas historiográ�cas – motivados por eventos sociais e
políticos, ou mesmo por ditames editoriais e tendências de mercado. Outros surgem quando para eles se mostra preparada a
sociedade na qual se insere a comunidade de historiadores (por exemplo, uma ‘História da Sexualidade’ di�cilmente poderia
surgir na Inglaterra puritana, e uma ‘História da Mulher’ não poderia surgir senão quando, no século XX, a mulher começa a
conquistar o mercado de trabalho e surgem os movimentos feministas e de valorização social da mulher). Outros domínios, por
�m, são quase tão antigos quanto a própria História – como é o caso da História Religiosa e da História Militar – e tendem a
ser perenes na sua durabilidade.
Tal como dissemos, os critérios de classi�cação que estabelecem o que aqui estamos chamando de “domínios” da
História referem-se primordialmente às temáticas (ou campos temáticos) escolhidas pelos historiadores. São já áreas
de estudo mais especí�cas, dentro das quais se inscreverá o objeto de investigação e a problemática constituídos pelo
historiador.
 Fonte: Freepik
A maioria dos domínios temáticos presta-se a historiadores que trabalham com diferentes dimensões históricas, e certamente
abre-se às várias abordagens. Mas existem domínios que têm mais a�nidade com uma determinada dimensão, dada a
natureza dos temas por eles abarcados. Assim, a História da Arte ou a História da Literatura podem ser eventualmente
consideradas sob o signo da História Cultural.
De modo análogo, um domínio como o da História das Imagens (entendida como história das imagens visuais obtidas a partir
de fontes iconográ�cas, fotográ�cas, etc) mostra-se não raro como um desdobramento da História do Imaginário. Mas, bem
entendido, uma série de imagens visuais tomadas como fontes históricas sempre poderá dar a perceber qualquer das
dimensões que discutimos atrás, como a História Econômica, a História Política, a Geo-História ou a História da Cultura
Material.
Pense-se em uma iluminura de Livro de Horas, da qual o
historiador lança mão para perceber aspectos da economia
rural no ocidente medieval, suas representações políticas, as
relações do homem medieval com seu meio natural ou
traços da cultura material.
Ou pense-se em uma pintura impressionista utilizada para
captar aspectos da História Social na Belle Époque; ou ainda
nas cerâmicas gregas utilizadas para levantar aspectos da
História Política da Atenas da Antiguidade Clássica.
Conforme vemos, os domínios temáticos tendem a ser
englobados por uma dimensão (são poucos os casos) ou
então partilhados preferencialmente por duas ou mais
dimensões.
 Fonte: Wikipedia
Mas é possível ainda que algum campo que hoje esteja sendo tratado como
‘domínio’, mas que possua uma abrangência em potencial, possa vir a
transformar-se futuramente em uma ‘dimensão’.
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A História da Sexualidade tem sido pouco estudada em relação à importância da sexualidade para a vida humana na
concretude diária, e é talvez isto o que lhe dá um status de domínio.
Mas, seguramente, esta poderia ser vista como uma dimensão historiográ�ca tão basilar e fundamental como a Economia, a
Política ou as Mentalidades. O que ocorre é que estas não apenas são dimensões signi�cativas que de�nem a vida humana,
elas constituem na verdade “macro-campos”, ou tornaram-se “macro-campos” devido à atenção que lhes prestaram os
historiadores e outros pensadores.
Saiba mais
Clique aqui para saber mais sobre dimensão historiográ�ca.
As fronteiras entre as modalidades historiográ�cas produzidas a partir dos três critérios – dimensões, abordagens e domínios
– são por vezes ambíguas e interpenetrantes, mas de todo modoconstituem um problema teórico bastante interessante.
Por outro lado, apesar da vertiginosa multiplicação contemporânea de modalidades internas ao saber historiográ�co, é preciso
neste momento tocar em uma questão de máxima importância para a historiogra�a de nossos dias, considerando que esta
presentemente luta contra crises provocadas por fragmentações diversas em relação ao tipo de conhecimento que é produzido
pelos historiadores. Na verdade, os “campos históricos”, ou as modalidades da história, não devem ser vistos como
compartimentos nos quais se situariam os historiadores, ou mesmo seus trabalhos mais especí�cos.
Para utilizar uma imagem emprestada à Física, diremos que os “campos
históricos” são como campos de força que se interconectam em função de
uma pesquisa ou re�exão historiográ�ca que está sendo produzida por
determinado historiador em um momento especí�co.
Os “campos históricos”, ou aquilo que se produz na interconexão entre eles, são espaços de interatividade, dimensões nas
quais se operam os diálogos historiográ�cos. Nada mais danoso para o conhecimento histórico do que a hiperespecialização
de um historiador, que passe a trabalhar ou a se de�nir em termos de um único campo histórico.
Em confronto contra esta prática, o fato é que os diversos trabalhos e pesquisas historiográ�cas não se realizam no interior de
um só campo da história, como a História Econômica ou a História Cultural. Os temas historiográ�cos examinados pelos
historiadores, e também os modos de ver e de tratar metodologicamente com estes temas, chamam para si uma certa
conexão de “campos históricos”.
Exemplo
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Digamos, por exemplo, que um determinado historiador esteja estudando as “canções de protesto no período da Ditadura
Militar no Brasil (1965-1985)”.
Um tema como este – ao tratar de Música, de Poesia e de Cultura Popular – parece inscrever-se de imediato no âmbito da
História Cultural. Contudo, se pretendemos investigar o papel das canções de protesto na crítica do Regime Militar, não
podemos deixar de pensar também na História Política. Duas dimensões, a História Cultural e a História Política, são chamadas
aqui a uma interconexão, sem contar o domínio da História da Música, que também deve ser evocado.
Contudo, se a pesquisa pretende ser desenvolvida principalmente a partir de entrevistas com agentes históricos que
vivenciaram aquele período (os músicos, os censores, o público, os diversos pro�ssionais da indústria cultural, os críticos
musicais), estaremos necessariamente chamando para o nosso estudo um outro campo histórico, que é a ‘abordagem’ da
História Oral – uma modalidade da história que pode ser de�nida pelo trabalho especí�co com a ‘memória’ dos agentes
históricos que vivenciaram determinados processos histórico-sociais, e pela utilização de metodologias especí�cas, como a
das entrevistas.
Qualquer exercício de imaginar que “campos históricos” estariam sendo evocados por determinado trabalho historiográ�co que
está sendo realizado, ou que está em vias de começar a ser realizado, pode conduzir-nos a raciocínios análogos.
Os “campos históricos” não são prisões para os historiadores, mas meios para que possam ser estabelecidos certos diálogos –
diálogos no interior da história, quando são colocados em conexão dois ou mais “campos históricos”, ou diálogos
“interdisciplinares”, que são aqueles produzidos pelas relações da História com outras modalidades de saber como a
Antropologia, a Economia, a Psicologia, a Linguística, a Geogra�a, e inúmeros outros âmbitos de conhecimento.
Conhecer mais a fundo determinado “campo histórico” deve ser visto, na verdade, como uma oportunidade de evocar
toda uma historiogra�a já realizada em diálogo com aquele campo. Os campos históricos não devem ser tratados
como compartimentos, como “lotes” nos quais se divide a História. Devem ser compreendidos como dimensões,
abordagens e domínios que se interpenetram.
O que possibilita a conexão de certos campos históricos, em um momento especí�co que é o da realização da
pesquisa e da re�exão historiográ�ca, é o objeto de estudo constituído pelo historiador. É este objeto de estudo que
chamará a si certas possibilidades de conexões entre os campos históricos.
 Fonte: Freepik
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Podemos avançar agora na questão das identidades entrecruzadas que podem se referir a um historiador, ou a um trabalho
especí�co realizado por um historiador. Independentemente do campo histórico, ou da conexão de campos históricos que
constitui determinado trabalho ou produção historiográ�ca, esta pode ter sido produzida sob a perspectiva de um paradigma
historiográ�co ou outro, e conforme certa perspectiva teórica. Vejamos alguns exemplos:
Esses exemplos, e inúmeros outros que poderiam ser evocados, podem nos mostrar como os historiadores constroem as suas
identidades de maneira complexa.
Também nos mostram que identidades como materialismo histórico (um paradigma) correspondem a âmbitos diferentes de
identidades como a história cultural (um campo histórico), ou de identidades como a Escola dos Annales (uma escola). Essas
identidades não são comparáveis entre si. Elas combinam-se na de�nição de um historiador. Mas não é possível comparar o
materialismo histórico à escola dos Annales.
Apenas o materialismo histórico oferece uma perspectiva teórica. A Escola dos Annales oferece um programa de ação (e os
historiadores a ela pertencentes podem se relacionar com perspectivas teóricas diversas, inclusive o materialismo histórico).
Essa maneira de ver as coisas, naturalmente, é divergente da que foi proposta por Ciro Flamarion Cardoso em sua análise dos
“paradigmas rivais”.
Ali, Cardoso situava no interior de um mesmo paradigma iluminista o materialismo histórico e a Escola dos Annales, como se
ambos fossem correntes teóricas comparáveis, e localizava no mesmo paradigma pós-moderno a Escola de Frankfurt (na
verdade uma escola que se autodenomina marxista), os foucaultianos (que remetem a uma certa visão teórica), os
historiadores da Nouvelle Histoire (novamente uma escola), e a História Cultural (agora um campo histórico).
Conforme dissemos antes, aquele texto expressa as di�culdades de simpli�car em esquemas mais redutores as
complexidades relativas à historiogra�a contemporânea. O próprio Ciro Flamarion Cardoso revela, a certa altura de seu texto,
que percebe uma tensão entre sua proposta de discorrer sobre os “dois paradigmas rivais” e toda a diversidade que é
apresentada nos capítulos internos do livro Domínios da História, para o qual seu texto serve de Introdução.
Isto porque os artigos que constituem este livro correspondem, cada um deles, a campos históricos, e não a identidades
produzidas por posições teóricas no interior de uma guerra de paradigmas.
Edward Thompson, o célebre historiador ligado à Escola Inglesa, integrava-se ao paradigma do materialismo histórico, e, ao
mesmo tempo, trabalhava dentro de âmbitos temáticos que facilmente podemos localizar em uma combinação de história cultural
com história social, e eventualmente com a história política.
01
Carlo Ginzburg, historiador cultural ligado à escola micro-historiográfica italiana, relaciona-se a partir de certo momento ao
campo histórico que definimos atrás como Micro-História.02
Ernst Labrousse foi um historiador-economista ligado à Escola dos Annales que, trabalhando com a perspectiva teórica do
materialismo histórico, pode ter a sua produção historiográfica relacionada à História Econômica, e também à História Serial, que
constitui uma abordagem que não só foi utilizada por historiadores econômicos, mas também por historiadores demográficos e
historiadores das mentalidades.
03
Michel Vovelle, historiador marxista que também pertencia à escola dos Annales, também atuava assumidamente no campo das
mentalidades.04
Atividade
1- O cenário de transformações historiográ�cas que costumamos chamar de "crise dos paradigmas historiográ�cos" foi,
sobretudo:
a) a crise da micro história.
b) a crítica, exclusiva, do marxismo.c) a crise, exclusiva, do historicismo.
d) a crise, exclusiva, da história política.
e) a crise dos modelos que visavam uma "história total".
2- Pode-se a�rmar em relação à História que:
a) A chamada História positivista recusava-se a admitir a História como ciência apenas do passado.
b) A pesquisa das fontes e a crítica dos documentos são partes fundamentais do processo de produção historiográfica.
c) Atualmente ela está voltada preferencialmente para o estudo dos grandes fatos políticos, com destaque para a biografia dos
governantes.
d) Diferente do que ocorreu no século passado, hoje a História busca um caminho próprio, desvinculado totalmente das demais ciências
sociais.
e) Tendo em vista sua atual opção por compreender globalmente a sociedade, a História não mais se preocupa com a investigação dos
eventos de pequenos grupos sociais.
Notas
Historiadores franceses1
Os historiadores franceses ligados à “História Nova”, por exemplo, organizaram algumas coletâneas de ensaios sobre as
diversas modalidades da História, sendo dois dos mais conhecidos a coletânea La Nouvelle Histoire (1978), organizada por
Jacques Le Goff, e a coletânea Faire de l’Histoire (1974), organizada por Pierre Nora e Le Goff. Essas coletâneas constituem,
hoje, fontes importantes para a própria história da historiogra�a, já que re�etem um contexto especí�co que é o da passagem
da era dos grandes paradigmas historiográ�cos para um novo momento na história da historiogra�a, trazido pelas últimas
décadas do século XX.
Procurando abarcar um circuito historiográ�co para além da França, o historiador inglês Peter Burke fez algo similar com a
coletânea A Escrita da História (1992). Há ainda coletâneas de ensaios sobre uma única modalidade, como a História Cultural
ou a História Política. Foi o caso, e aqui damos apenas dois dos muitos exemplos, do livro organizado por Lynn Hunt sob o título
A Nova História Cultural (1992), ou da coletânea Por uma Nova História Política, organizada por René Remond (1988).
No Brasil, temos na coletânea Domínios da História (1997), organizada por Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, um bom
exemplo do interesse pelo estudo das modalidades da história. De nossa parte, abordamos o tema em O Campo da História
(2005).
Referências
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Orgs). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
ÜSEN, Jörn. Razão Histórica – Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins.
Brasília: Ed. UNB, 2001.
Próxima aula
A história econômica: seus problemas e seus dilemas.
Metodologias aplicáveis à história econômica.
Serialização e quanti�cação.
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