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07 [E FRANCO] Ciclos Econômicos A Escola Austríaca como Alternativa à Teoria Keynesiana (UNIJUÍ)

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul 
 
Pós-Graduação Lato Sensu em “Finanças e Mercado de Capitais” 
 
Artigo de conclusão de curso - abril de 2015 
 
 
 
CICLOS ECONÔMICOS: A ESCOLA AUSTRÍACA COMO 
ALTERNATIVA À TEORIA KEYNESIANA 
 
Eduardo Evandro Franco 
 
 
RESUMO 
 
Após a crise de 2008, o debate sobre ciclos econômicos volta à tona. Mas o que se vê é uma 
discussão parcial, que sugere como causa das crises, e dessa em específico, os mesmos 
problemas que a causaram; relacionada, notadamente, a Teoria Geral de John M. Keynes. Se 
faz necessário então a apresentação de uma abordagem esquecida no debate: a Teoria 
Austríaca dos Ciclos Econômicos. O objetivo desse trabalho foi, em um primeiro momento, 
apresentar as duas teorias econômicos, e depois, realizar uma análise empírica a respeito da 
crise de 2008 nos EUA, e da atual crise vivida no Brasil. A conclusão que se chega é que a 
teoria keynesiana é insuficiente para o entendimento da crise, e os remédios sugeridos por 
Keynes tendem a causar os ciclos econômicos e a agravar seus efeitos, como foi lembrado 
pela Escola Austríaca de Economia. 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Homens práticos, que acreditam serem completamente isentos de qualquer influência 
intelectual, geralmente são os escravos de algum economista defunto.” 
(John M. Keynes) 
 
 "Ideias, e somente ideias, podem iluminar a escuridão.” 
(Ludwig von Mises) 
3 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
As crises e as oscilações da economia têm se mostrado cada vez mais constantes e 
mais severas. Faz-se, então, necessário a busca pelo entendimento de como se originam as 
crises e como se deve resolvê-las. Entretanto, são poucos os economistas, políticos, jornalistas 
e profissionais do mercado financeiro que conseguem, tanto entender, como prever uma crise 
econômica. 
 
Percebe-se, portanto, que são necessárias alternativas às teorias econômicas 
estudadas pelo mainstream, principalmente no que tange ao entendimento dos ciclos 
econômicos, que é o foco principal desse estudo. 
 
Nesse sentido, a temática escolhida para a realização do trabalho foi a de ciclos 
econômicos, sendo o mesmo direcionado ao estudo da teoria econômica de Keynes e da 
Escola Austríaca de Economia. 
 
Com a frequente ocorrência de crises financeiras, especialmente após a crise de 
2008, o entendimento dos ciclos econômicos passou a ter um destaque maior no debate 
econômico. Diante desta realidade, surge a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos como 
alternativa à teoria keynesiana que, apesar de dominar o entendimento econômico 
contemporâneo, é considerada por muitos falha e insuficiente no tratamento dado ao tema. 
 
Essa busca pelo entendimento dos ciclos econômicos se faz necessária por uma série 
de fatores que vão desde a otimização de ganhos no mercado de capitais passando pelo 
planejamento empresarial e pessoal. 
 
A ampla maioria das informações divulgadas a respeito dos ciclos econômicos e, em 
especial, as referentes à crise de 2007/08, mostram um ponto em comum que é o fato da crise 
ter sua origem na falta de regulamentação do mercado pelo Estado. Keynesianos apontam a 
intervenção estatal como a solução, enquanto seguidores da Escola Austríaca de Economia 
apontam a intervenção estatal como causadora e geradora da crise. 
Nesse contexto, o presente artigo busca responder ao seguinte problema: seria a 
Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos válida como alternativa à economia keynesiana no 
que diz respeito a análise, previsão e tratamento de crises financeiras? 
4 
 
 
O objetivo geral é analisar os ensinamentos da Escola Austríaca de Economia 
enquanto alternativa à economia keynesiana no tratamento de ciclos econômicos. O mesmo é 
complementado com a apresentação da Escola Austríaca de Economia; uma revisão da 
bibliografia da Escola Austríaca a respeito dos ciclos econômicos; a revisão da Teoria Geral 
de Keynes; e a construção de evidências empíricas que propiciem comparar as duas vertentes 
de pensamento. 
 
O trabalho justifica-se pela importância no entendimento dos ciclos econômicos, 
considerado um assunto atual, e quando bem compreendido e aplicado, além de trazer 
melhores resultados para empresas e investidores, através da melhora no planejamento de 
produção e investimentos, tem um efeito social benéfico muito grande, evitando que as 
distorções econômicas gerem uma falsa sensação de prosperidade que vem, logo depois, 
cobrar seu alto preço. Particularmente, o tema tem grande importância haja vista a relevância 
que tem no mercado de capitais, podendo, inclusive, servir como apoio para estruturação de 
investimentos no mercado financeiro. 
 
Para os diversos setores da economia, mercado financeiro, empresas em geral e 
governo, esse trabalho pretende ser uma semente plantada que chame a atenção de uma linha 
de pensamento praticamente ignorada no atual debate econômico. 
 
O estudo está dividido em duas partes, além desta introdução e das considerações 
finais. A primeira parte apresenta a metodologia utilizada para a produção deste artigo. A 
segunda parte recupera elementos da teoria existente em torno do tema, pela qual se realiza o 
desenvolvimento da análise em busca da resposta ao problema central levantado. 
 
 
 
 
 
2 REFERENCIAL TEÓRICO 
 
5 
 
Esta parte tem como objetivo apresentar o embasamento teórico que contribui para a 
realização e sustentação da pesquisa, permitindo a investigação e o aprimoramento do 
conhecimento já adquirido. 
 
Assim, o referencial teórico apresenta os conceitos Ciclos Econômicos. Em seguida 
traz o entendimento dos ciclos econômicos dentro das duas doutrinas destacadas. Por fim, faz 
uma análise da crise de 2008 e da história econômica recente do Brasil. 
 
2.1 Ciclos Econômicos 
 
Por ciclo econômico se entende a variação, ora positiva (expansão), ora negativa 
(contração) da atividade econômica de um país, ou de um conjunto de países, baseado na 
análise de variáveis econômicas relevantes, tais como produção, emprego, renda, consumo e 
investimento, dado que essas variáveis não se comportam de forma linear ao longo do tempo. 
 
De Lima (2011, p. 1) ressalta que: 
 
entender as razões do movimento ondulatório das economias de mercado e procurar 
precaver-se contra ele é um dos principais desafios da pesquisa macroeconômica e 
da formulação de políticas de estabilização. 
 
 
 Nessa busca pelo entendimento, surgem diferentes teorias tentando entender e explicar 
a causa dos ciclos econômicos (a partir de agora CE) e propor soluções. Mas, como lembra 
Rothbard (2012), o estudo dos ciclos econômicos deve partir de uma teoria que esteja 
integrada ao restante da teoria econômica geral. Portanto, diferentes teorias devem ser 
analisadas sob a luz dos diferentes pressupostos teóricos nas quais estão assentadas. 
 
2.2 Escola Austríaca de Economia e a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos 
 
2.2.1 Uma introdução à Escola Austríaca 
 
A Escola Austríaca de Economia, com base robusta nos pensadores Escolásticos, é 
assim chamada pelo fato de seus fundadores e membros iniciais terem nascido na Áustria. 
Tem seu início na figura de Carl Menger, mais precisamente no ano de 1871, quando Menger 
constrói a Teoria Subjetiva do Valor e a Lei da Utilidade Marginal Decrescente. 
6 
 
Entusiasmado com as ideias de Menger, Eugen von Böhm-bawerk começou um longo e 
brilhante trabalho publicado em três volumes na obra “Capital e juro”, obra essa que lhe 
rendeu o convite a assumir o Ministério das Finanças austríaco em 1889. Forte crítico da obra 
de Karl Marx, Böhm-bawerk teve entre seus alunos de maior destaque Joseph Schumpeter e 
Ludwig von Mises. Mises teve, por sua vez, um importante e destacado aluno: Friedrich 
Hayek que recebeu o prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel no anode 
1974. Ainda entre os alunos de Mises, surge a figura de Murray Rothbard, que trouxe 
importantes contribuições não somente para teoria econômica como para a ciência política, e 
Israel Kirzner estudioso da função empresarial. 
 
Como lembrado por Iorio (2011) a tríade básica da Escola Austríaca de Economia é a 
ação, o tempo e o conhecimento. Mais precisamente, o estudo da ação humana através da 
praxeologia, pois a economia nada mais é do que a interação de homens movidos por suas 
insatisfações buscando uma situação com maior nível de conforto que a atual. O tempo é, na 
concepção austríaca, dinâmico. O oposto à concepção estática e linear de tempo da visão 
newtoniana, uma vez que ao passar do tempo o homem vai acumulando experiências e 
conhecimentos, devido ao fato de algo novo sempre estar acontecendo, e com isso seus planos 
podem se alterar ou, ainda, se mostrarem errados. A questão do conhecimento, último 
elemento da tríade austríaca, nos remete ao fato de que o conhecimento humano detém 
componentes de indeterminação e de imprevisibilidade, dotando a ação humana de efeitos 
involuntários e que não podem ser calculados a priori, uma vez que o conhecimento é prático, 
disperso e tácito. 
 
Para o correto entendimento da Escola Austríaca é necessário traçar uma comparação 
entre suas bases teóricas e a da escola neoclássica (predominante no estudo da Economia 
Mainstream). Soto (2010) nos traz um quadro que mostra sinteticamente essas principais 
diferenças: 
 
Diferenças essenciais entre a Escola Austríaca e a Neoclássica: 
 
Pontos de comparação 
 
 
Paradigma austríaco 
 
 
Paradigma neoclássico 
 
 
1. Conceito 
 
Teoria da ação humana entendida 
 
Teoria da decisão: maximização sujeita 
7 
 
de economia (princípio 
essencial): 
 
como um processo dinâmico 
(praxeologia). 
 
a restrições (conceito estrito de 
"racionalidade"). 
 
 
2. Perspectiva 
metodológica: 
 
 
Subjetivismo. 
 
 
Estereótipo do individualismo 
metodológico (objetivista). 
 
 
3. Protagonista dos 
processos sociais: 
 
 
Empreendedor criativo. 
 
 
Homo economicus. 
 
 
4. Possibilidade de os 
agentes se equivocarem a 
priori e natureza do ganho 
empresarial: 
 
 
Admite-se a possibilidade de serem 
cometidos erros empresariais puros 
que poderiam ter sido evitados com 
maior perspicácia empresarial na 
percepção de oportunidades de lucro. 
 
 
Não se admite que existam erros dos 
quais alguém possa arrepender-se, uma 
vez que todas as decisões passadas se 
racionalizam em termos de custos e 
benefícios. Os lucros empresariais são 
considerados como a renda de mais um 
fator de produção. 
 
 
5. Concepção 
da informação: 
 
 
O conhecimento e a informação são 
subjetivos, estão dispersos e alteram-
se constantemente (criatividade 
empresarial). Distinção radical entre 
conhecimento científico (objetivo) e 
prático (subjetivo). 
 
 
Pressupõe-se a existência de informação 
perfeita (em termos certos ou 
probabilísticos), objetiva e constante a 
propósito de fins e de meios. Não se 
distingue entre conhecimento 
prático (empresarial) e científico. 
 
 
6. Ponto de referência: 
 
 
Processo geral com tendência 
coordenadora. Não se distingue 
entre a micro e a macroeconomia: 
todos os problemas econômicos são 
estudados de forma inter-
relacionada. 
 
 
Modelo de equilíbrio (geral ou 
parcial). Separação entre a micro e a 
macroeconomia. 
 
 
7. Conceito 
de «concorrência»: 
 
 
Processo de rivalidade empresarial. 
 
 
Situação ou modelo de «concorrência 
perfeita». 
 
8 
 
 
8. Conceito de 
custo: 
 
 
Subjetivo (depende da capacidade 
empresarial para descobrir novos 
fins alternativos). 
 
 
Objetivo e constante (pode ser 
conhecido e medido por uma terceira 
parte). 
 
 
9. Formalismo: 
 
 
Lógica verbal (abstrata e formal) que 
permite a consideração do tempo 
subjetivo e da criatividade humana. 
 
 
Formalismo matemático (linguagem 
simbólica própria da análise de 
fenômenos atemporais e constantes). 
 
 
10. Relação com o mundo 
empírico 
 
Raciocínios apriorístico—dedutivos: 
Separação radical e, quando 
necessário, coordenação entre 
teoria (ciência) e história (arte). A 
história não pode ser utilizada para 
testar as teorias. 
 
 
Verificação empírica das hipóteses 
(pelo menos retoricamente). 
 
 
11. Possibilidades de 
previsão específica: 
 
 
Impossível, uma vez que o que vai 
suceder no futuro depende de um 
conhecimento empresarial ainda não 
criado. Apenas são possíveis pattern 
predictions de tipo qualitativo e 
teórico sobre as consequências 
descoordenadoras do 
intervencionismo. 
 
 
A previsão é um objetivo que se procura 
de forma deliberada. 
 
 
12. Responsável pela 
previsão: 
 
 
O empresário. 
 
 
O analista econômico (engenheiro 
social). 
 
 
13. Estado atual do 
paradigma: 
 
 
Notável renascimento nos últimos 25 
anos (especialmente depois da crise 
do keynesianismo e da queda do 
socialismo real). 
 
 
Situação de crise e mudança acelerada. 
 
 
14. Quantidade de 
 
Minoritário, mas crescente 
 
Maioritário, mas com sinais de 
9 
 
"capital humano" investido: 
 
 crescente dispersão e desagregação. 
 
 
15. Tipo de 
"capital humano" investido: 
 
 
Teóricos e filósofos 
multidisciplinares. Liberais radicais. 
 
 
Especialistas em intervencionismo 
econômico (piecemeal social 
engineering). Grau de compromisso 
com a liberdade muito variável. 
 
 
16. Contribuições mais 
recentes: 
 
 
Análise crítica da coação 
institucional (socialismo e 
intervencionismo). 
Teoria do sistema bancário livre e 
dos ciclos econômicos. 
Teoria evolutiva das instituições 
(jurídicas, morais). 
Teoria da função empresarial. 
Análise crítica do conceito de 
«Justiça Social». 
 
 
Teoria da Escolha Pública. 
Análise econômica da família. 
Análise econômica do direito. 
Nova macroeconomia clássica. 
Teoria econômica da "informação" 
(economics of information). 
Novos keynesianos. 
 
 
17. Posição relativa 
de diferentes autores: 
 
 
Rothbard, Mises, Hayek, Kirzner 
 
 
Coase, Friedman, Becker, Samuelson, 
Stiglitz 
 
 
2.2.2 Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos 
 
Como dito por Arroyo 2010, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (daqui em 
diante, TACE), pode ser considerada a condensação de todo o pensamento da Escola 
Austríaca; apesar de parecer uma teoria a respeito de um único fenômeno a mesma só pode 
ser plenamente compreendida se for estudada sob a luz de um conjunto de temas como base 
teórica. Por isso se faz necessário um estudo mais aprofundado, em relação ao resumo já 
apresentado aqui, sobre as bases de pensamento dessa escola. 
Ciclos econômicos, diferentemente das flutuações econômicas, não são específicos 
de algum setor da economia. Ocorrem de forma geral atingindo diferentes áreas e tomam 
proporções enormes. Empreendedores erram de forma estapafúrdia suas previsões de 
demanda e seus investimentos de longo prazo. De repente, a demanda diminui; os 
10 
 
investimentos, que antes eram atrativos, se mostram errados. Um período de prosperidade é 
encerrado e se inicia uma recessão. Mas qual é o motivo por trás de tantos erros cometidos de 
forma conjunta e em larga escala? 
 
A Escola Austríaca de economia no seu entendimento sobre os ciclos econômicos 
acredita que algumas informações são interpretadas de forma errada pelo mercado fazendo 
com que os investidores e empreendedores errem em seus cálculos e tenham prejuízos. Mas, 
levando em conta que a essência da atividade empresarial é fazer previsões, a única forma de 
vários empresários errarem ao mesmo tempo é quando há alteração na oferta de moeda no 
mercado. 
 
O boom seinicia no momento em que a base monetária é expandida. Para melhor 
entendimento, imaginemos uma economia livre de intervenção onde existe uma determinada 
quantidade de moeda (base monetária) a disposição. Dessa base monetária uma parte é gasta 
em consumo e outra é dividida entre poupança e investimento. A fatia da base monetária que 
cabe a cada um é definida pela preferência temporal dos agentes econômicos. A preferência 
temporal dos agentes revela os desejos entre satisfazer uma necessidade no presente ou no 
futuro: Segundo Rothbard (2012): “quanto menos elas (as pessoas) preferirem no presente, 
menor será sua taxa de preferência temporal, e menor, portanto, sua taxa pura de juros”. 
Ainda segundo Rothbard, “uma taxa mais baixa de preferência temporal será refletida em 
maiores proporções entre investimento e consumo, no prolongamento da estrutura de 
produção e formação de capital”. Assim como uma maior preferência temporal traz o efeito 
contrário: maior taxa de juros natural, menor proporção entre consumo e investimento e 
menor formação de capital. Dessa forma, a taxa de juros está sempre alinhada a preferência 
temporal dos agentes econômicos refletindo o desejo desses entre consumir ou adiar seu 
consumo. 
 
De outra forma, analisemos como funciona a economia hoje, com um sistema 
bancário altamente inflacionário, através do sistema de reservas fracionadas, e com a taxa de 
juros determinada arbitrariamente pelo governo. Primeiramente o governo emite nova moeda 
se utilizando da emissão de títulos da dívida pública; tais títulos vão, em sua maioria, para o 
caixa dos grandes bancos comerciais que, por sua vez, multiplicam esse valor inicial se 
valendo do, já mencionado, sistema de reservas fracionadas. Por si só esse processo já é 
altamente perigoso para economia, pois ele aumenta as reservas disponíveis para empréstimos 
11 
 
nos bancos o que força uma redução dos juros reais do mercado estimulando empresários e 
consumidores a tomar crédito. Isso se torna ainda mais danoso quando o governo intervém 
diminuindo as taxas de juros. 
 
A consequência primeira do processo é de que as proporções entre investimento e 
consumo são alteradas artificialmente graças ao novo dinheiro posto em circulação: ao mesmo 
tempo em que há um aumento no consumo via aumento do crédito, há um aumento nos 
investimentos em bens de capital, ou de longo prazo, que são aqueles investimentos que se 
encontram, dentro da estrutura de produção, mais longe do consumidor final. Por isso um fato 
comum dos ciclos econômicos é o de que a empresas de bens de capital, geralmente, são mais 
vulneráveis as flutuações nas taxas de juros e oferta de moeda do que as indústrias de bens de 
consumo. A explicação de tal fato se dá graças ao entendimento em finanças coorporativas de 
que o maior custo em um projeto de investimento é o custo de capital, portanto, quando o 
custo de capital é reduzido os investimentos de longo prazo são estimulados. 
 
Vejamos que se essa situação (de menores taxas de juros e maiores investimentos de 
longo prazo) ocorresse em um cenário livre de intervenção, ela seria consequência da baixa 
preferência temporal dos agentes econômicos, sendo assim, sustentável em longo prazo, uma 
vez que a consequência primeira seria a formação de poupança e redução natural das taxas de 
juros. 
 
Consequência inevitável do processo de expansão da base monetária, a inflação 
surge no momento em que o dinheiro recém criado entra em circulação aumentando o preço 
os fatores de produção (alugueis, salários e juros) empregados nos novos investimentos. 
Como não houve, ou pelo menos não podemos crer que houve, uma mudança na preferência 
temporal, a proporção natural entre consumo e investimento tende a voltar, ou seja, os agentes 
econômicos vão consumir e poupar na mesma proporção de antes do início do processo, o que 
acarreta em redução da formação de poupança e aumento do consumo. Consequentemente, 
haverá um aumento do nível geral de preços e um aumento no nível de endividamento das 
famílias e das empresas, fato esse que se deve ao cenário convidativo de juros baixos e oferta 
de crédito. 
 
Rothbard (2012) resume bem o fenômeno: 
 
12 
 
os empresários foram iludidos pela inflação do crédito bancário a investir de mais 
em bens de capital de ordens superiores, que só poderiam mantidos com 
prosperidade, por meio de preferências temporais mais baixas, e maiores poupança e 
investimento; assim que a inflação chega a massa do povo, a inflação se restabelece, 
e os investimentos empresariais nas ordens superiores revelam-se um desperdício. 
Os empresários foram induzidos a esse erro pela expansão do crédito e por sua 
interferência na taxa de juros do livre mercado. 
 
O boom, então, se resume a uma fase de investimento equivocados. A recessão 
começa no momento em que a expansão de crédito cessa: ora pelo fato da inflação se tornar 
alarmante, ora pelo excesso de endividamento dos agentes econômicos, estando esses fatores 
diretamente relacionados à mudança de expectativa do mercado. Faz-se necessário lembrar 
que o ciclo não se dá de forma mecânica, quando os primeiros investimentos começam a se 
mostrarem equivocados, geralmente, as empresas se socorrem nos bancos comerciais que, por 
sua vez, concedem novos empréstimos e continuam a inflar a expansão monetária e creditícia 
até a chegada da recessão. 
 
A recessão, apesar de dolorosa, se faz necessária para que os investimentos errados 
sejam liquidados. A fase de recessão (ou depressão) também pode ser chamada de fase de 
recuperação porque é justamente quando os investimentos errados são liquidados que a 
economia se reestabelece para iniciar um novo ciclo. 
 
Um importante comentário feito por Rothbard (2012) sobre o desemprego se mostra 
pertinente: 
 
o desemprego será agravado pelas muitas falências, e pelos grandes erros revelados, 
mas ele não precisa ser mais do que temporário. (...) O desemprego ultrapassará a 
fase ‘friccional’, tornando-se realmente agudo e duradouro, somente se os salários 
forem mantidos artificialmente altos e impedidos de cair. 
 
 
Em suma, se durante o período de recessão os salários forem aumentados por alguma 
força além da demanda e oferta, como aumento dos salários mínimos por exemplo, o 
desemprego é inevitável. Quanto maior for a diferença entre valor real da mão-de-obra e valor 
dos salários cobrados maior será o desemprego. 
2.3 A Teoria Keynesiana e os Ciclos Econômicos 
 
2.3.1 Introdução à Teoria Keynesiana 
 
13 
 
Por economia keynesiana, ou keynesianismo, se entende a teoria econômica pensada 
por John Mayer Keynes e consolidada na obra “A teoria geral do emprego, do juro e da 
moeda” publicada pela primeira vez em 1936. Obra essa que resulta em um pensamento 
político-econômico contrário aos ideais do liberalismo econômico, ou capitalismo laissez-
faire, uma vez que outorga ao Estado o direito e o dever de intervir na economia objetivando 
uma situação de pleno emprego. 
 
Segundo Fernando Ferrari Filho (1991): 
 
Como se sabe, o projeto de Keynes na Teoria Geral consiste basicamente em, por 
um lado, negar o sistema econômico de mercado auto equilibrante e auto regulador 
e, por outro, apresentar mecanismos econômicos que evitem as depressões e 
flutuações econômicas. 
 
Para tanto Keynes desenvolve seu projeto a partir de três proposições teóricas: teoria 
da determinação da renda (propensão a consumir e multiplicador), teoria do 
investimento (eficácia marginal do capital) e teoria da taxa de juros (preferência pela 
liquidez). 
 
 
2.3.1.1 Princípio da demanda efetiva 
 
O ponto de partida da teoria de Keynes é o da demanda efetiva: o pleno emprego 
depende da demanda agregada e o desemprego é o resultado de uma carência de demanda 
agregada. Dillard (1993): 
 
Quando o emprego aumenta, aumenta o rendimento. É um princípio fundamental 
que quando o rendimento real dumacomunidade aumenta, aumentará também o 
consumo, porém menos que o rendimento. Em consequência, para que haja uma 
procura suficiente para manter o aumento de emprego tem que haver um aumento no 
investimento real igual a diferença entre o rendimento e a procura de consumo 
originada desse rendimento. Em outras palavras, o emprego não pode aumentar a 
não ser que aumente o investimento. Esta é a viga mestre do princípio da procura 
efetiva. 
 
2.3.1.2 As três funções “psicológicas” de Keynes 
 
Consumo, poupança e investimento, essas três decisões que são o cerne da atividade 
econômica são trabalhadas por Keynes, de forma deliberada, como agregados, ou seja, 
Keynes renuncia o detalhe das decisões individuais e se interessa sobre suas variações globais 
ao longo do tempo e por sua maior ou menor estabilidade. 
 
14 
 
Keynes (1982) na página 243, a respeito dos ciclos econômicos nos diz o seguinte: 
“Visto que pensamos ter demonstrado nos capítulos anteriores o que determina o volume de 
emprego em qualquer momento, deduz-se, se estivermos certos, que a nossa teoria deve ser 
capaz de explicar o fenômeno do ciclo econômico.” Como fundamentação de sua constatação, 
Keynes prossegue, na mesma passagem: 
 
Quando examinamos em detalhe qualquer exemplo concreto de ciclo econômico (...) 
Verifica-se, em especial, que as flutuações nas propensão a consumir, no estado de 
preferência pela liquidez, e na eficiência marginal do capital desempenham todos o 
seu papel. 
 
Dando continuidade, Keynes sugere que todo ciclo tem sua origem nas flutuações da 
eficiência marginal do capital, somados a isso algumas outras variáveis pontuais de curto 
prazo. Dillar (1993) explica: 
 
Keynes encontra a essência do ciclo econômico nas variáveis da taxa de 
investimento motivada pelas flutuações cíclicas da eficiência marginal do capital. A 
taxa de juros que juntamente com a eficácia marginal do capital determina a taxa de 
investimento, é relativamente rígida ou estável e não constitui uma força impulsora 
das flutuações cíclicas, se bem que atue, isto sim, como um fator vigorizador, 
especialmente nas crises financeiras que amiúde caracterizam o começo das etapas 
da depressão. De igual modo, a propensão a consumir é relativamente estável e não 
constitui um fator importante que explique as flutuações cíclicas. Temos assim que 
das três variáveis independentes que determinam o volume do emprego (a eficácia 
marginal do capital, a taxa de juros e a propensão a consumir) , a que desempenha 
papel principal nos ciclos econômicos é a eficácia marginal do capital. 
 
Fica claro portando que na óptica de Keynes, apesar de complexo, o ciclo econômico 
tem uma única, e principal, fonte causadora. Entretanto, para melhor compreensão, não só da 
teoria de Keynes, mas do modo de pensar é preciso fazer uma análise dos demais pontos de 
sua obra. 
 
2.3.1.3 Propensão a consumir 
 
Segundo Keynes (1982), a propensão a consumir pode ser resumida como a função 
entre C (consumo) e Y (renda); onde para um determinado nível de renda, existe um 
determinado nível de consumo que se mostra relativamente estável em curto prazo. Apesar de 
15 
 
tal análise poder ser aplicada tanto para indivíduos quanto para famílias, é no agregado para a 
comunidade que Keynes se dedica. Conforme dito por ele na página 84 da mesma obra: 
 
O montante que a comunidade gasta em consumo depende, evidentemente: i) em 
parte do montante da sua renda; (ii)em parte, de outras circunstâncias objetivas que 
o acompanham; e (iii), em parte, das necessidades subjetivas. (...) Uma análise 
histórica ou uma comparação entre dois sistemas sociais de tipos diferentes deverá 
necessariamente levar em conta a maneira pela qual as mudanças nos fatores 
subjetivos podem afetar a propensão a consumir. Na continuação desta obra, porém, 
consideraremos os fatores subjetivos como dados e admitiremos que a propensão a 
consumir apenas depende das alterações nos fatores objetivos. 
 
Como fica bastante claro, Keynes compreendia que a renda tinha somente uma parte 
de influência sobre o consumo da comunidade, entretanto, também, fica claro que Keynes 
opta por negligenciar os fatores subjetivos e se deter nos fatores objetivos, elencando seis 
como os principais fatores que influenciam a propensão a consumir: 1) Uma variação na 
unidade de salário; 2) uma variação na diferença entre renda e renda liquida; 3) variações 
imprevistas nos valores de capital não considerados no cálculo da renda liquida; 4) variações 
na taxa intertemporal de desconto, isto é, na relação de troca entre bens presentes e bens 
futuros; 5) variações na política fiscal; 6) Modificação nas expectativas acerca da relação 
entre os níveis presentes e futuros de renda. Conclui Keynes: 
 
Chegamos, pois, à conclusão de que, em determinada situação, a propensão a 
consumir pode ser considerada uma função relativamente estável desde que 
tenhamos eliminado as variações na unidade de salário em termos de moeda. As 
flutuações imprevistas nos valores de capital podem modificara propensão a 
consumir, bem como poderão afetá-la variações substanciais na taxa de juros e na 
política fiscal; porém, não é provável que os outros fatores objetivos capazes de 
atuar sobre ela, conquanto não devem ser desprezados, tenham importância em 
circunstancias comuns. 
 
Portanto Keynes acredita que se a renda não sofrer alterações a propensão a consumir 
tende a ser estável, apesar de também sofrer influência, em menor grau, mas não desprezível, 
dos demais fatores objetivos. Keynes credita, portanto, que a variação do consumo se deve, na 
maior parte, a variação da renda, entretanto tais agregadas não variam na mesma proporção, 
como explicado por Dillard (1993, p. 72-73): 
 
O princípio fundamental de Keynes de que o consumo cresce menos do que o 
rendimento, quando este cresce, significa que a relação entre o acréscimo de 
consumo e o acréscimo de rendimento é sempre menor que um (...) A única 
suposição vital para a teoria de Keynes é que a quantidade de absoluta de consumo 
aumenta menos que a quantidade absoluta de renda, sempre que esta aumente. 
 
2.3.1.4 O efeito multiplicador 
 
16 
 
Como já foi dito, para Keynes há uma relação bem definida entre consumo e renda, 
bem como entre renda e investimento. E com base nessa relação, pode-se, de forma 
matemática, determinar quanto uma variação de renda afetaria o consumo e o investimento. 
Existirá, segundo o autor, uma razão definida entre qualquer aumento de renda e qualquer 
aumento no investimento. Dillard (1993) ajuda a esclarecer: 
 
A relação entre a propensão marginal a consumir e o multiplicador do investimento 
pode ser ilustrada mediante um simples exemplo aritmético. Suponhamos que um 
aumento de 100 dólares na renda decorre de 90 dólares no consumo e de 10 dólares 
no investimento (Y=C+I ou 100=90+10).A propensão marginal a consumir, C/Y, é 
90/10. O multiplicador, Y/I, é 100/10 ou 10. Podemos generalizar e dizer que o 
multiplicador é igual ao inverso de (1 menos a propensão marginal a consumir); e a 
propensão marginal a consumir é igual a unidade menor o inverso do multiplicador. 
 
Continua a explicação expandindo o cenário para a economia de uma comunidade: 
 
O processo em virtude do qual uma nova inversão dá origem a um aumento 
multiplicado da renda devido ao aumento do consumo pode ser ilustrado por um 
exemplo aritmético. Suponhamos que a propensão marginal a consumir é 4/5. O 
multiplicador será então 5. Um milhão de dólares em novo investimento levará a um 
aumento total de renda de 5 milhão de dólares. O desembolso inicial de um milhão 
de dólares para o investimento aumenta a renda dos recebedores em um milhão de 
dólares. Como a propensão marginal a consumir é 4/5, comente 80% deste aumento 
inicial de renda será gasto em consumo. Os 800 mil dólares que se gastam em 
consumo adicionarão, na segunda rotação, dessa quantidadea renda da comunidade, 
já que o gasto de uma pessoa é renda para outra. (...) Este processo, pelo qual o 
consumo aumenta até 80% de cada incremento de renda, prosseguirá, através de 
etapas sucessivas, até um limite definido, até que o aumento global da renda da 
comunidade seja igual a 5 vezes o investimento original. 
 
Faz-se necessário esclarecer que a ausência de qualquer menção a poupança (S) se 
deve ao fato de Keynes considerar que todo investimento decorre de poupança, então I=S. 
Como ele mesmo explica na página 64 da Teoria Geral: 
 
Desde que se admita que a renda seja igual ao valor da produção corrente, que o 
investimento corrente seja igual a parte da dita produção corrente não consumida e 
que a poupança seja igual ao excedente de renda sobre o consumo – sendo que tudo 
isto está de conformidade com o senso-comum e com o costume tradicional da 
grande maioria dos economistas-, a igualdade entre a poupança e o investimento é 
uma consequência natural. 
 
 
2.3.1.5 Estado de preferência pela liquidez 
 
Para Keynes a procura por dinheiro é uma procura pela liquidez. Existindo três 
grandes fatores que motivam a preferência por essa. Vamos a eles: 
 
17 
 
a) O motivo-renda: ou motivo-transação, trata do montante de recursos 
usados para recebimento e o desembolso da renda. Os fatores cruciais 
que determinarão o tamanho desse montante serão o valor da renda e a 
periodicidade em que se recebe. Segundo Keynes “o conceito de 
velocidade-renda da moeda é estritamente apropriado apenas a este 
contexto”. 
b) O motivo-precaução: refere-se a necessidade de manter moeda para 
atender a contingências inesperadas ou aproveitar oportunidade de ganho 
como compras vantajosas e adquirir ativos. 
c) O motivo-especulação: Seguindo a linha de pensamento de Keynes, os 
motivos renda e precaução são relativamente constantes e derivam, 
basicamente, da renda. Entretanto há um motivo que faz com que uma 
parcela da renda não seja empregada nem no consumo nem nos 
investimentos: a expectativa de um aumento na taxa de juros no futuro. 
 
Como disse Dillard (1993): 
 
Por que haveria qualquer pessoa com um superávit de riqueza de preferir acumulá-la 
em forma de dinheiro e sacrificar assim o rendimento de juros que poderia auferir 
trocando o dinheiro por um crédito em forma de obrigação, hipoteca, etc.? Segundo 
Keynes a única condição essencial, sem a qual não poderia subsistir a preferência 
pela liquidez do dinheiro como reserva de valor é, a incerteza quanto ao futuro da 
taxa de juros, com o que se quer dizer a incerteza quanto ao futuro complexo de 
taxas de juros, sobre os créditos de diferentes extensões, que hão prevalecer no 
futuro. 
 
Então, pela lógica keynesiana, quanto mais crescer a renda de uma economia maior 
tende ser a possibilidade de formação de reservas baseadas no motivo-especulação estando os 
agentes econômicos com expectativas de que as taxas de juros subirão, pois os motivo-renda e 
motivo-precaução são constantes. Portanto, como os agentes econômicos esperam uma alta 
nos juros eles optam por, nesse momento de incerteza, entesourar moeda e adiar 
investimentos e consumo. 
 
2.3.1.6 Eficiência marginal do capital 
 
O termo “eficiência”, no contexto empregado, faz referência à rentabilidade de um 
bem de capital; portanto, a eficácia de um bem de capital é medida pela taxa de retorno sobre 
seu próprio custo. Complementa o conceito Keynes (1982): 
18 
 
 
A confusão mais importante quanto à importância e ao significado da eficiência 
marginal do capital advém do fato de não se ter compreendido que ela depende 
também da renda esperada do capital e não apenas da sua renda corrente. Isso pode 
ser melhor ilustrado indicando-se o efeito sobre a eficiência marginal do capital que 
tem a expectativa de modificações no custo prospectivo de produção, quer se 
esperem essas mudanças como resultado de alterações no custo do trabalho, isto é, 
na taxa de salário, quer de invenções e técnicas novas. 
 
Em suma, trata-se da clássica “taxa de desconto que, aplicada à série de anuidades 
constituída pelos rendimentos descontados do investimento, torna o valor atual dessas 
unidades igual ao preço de oferta do bem de capital” conforme Keynes menciona em seu 
livro. 
 
2.3.2 Os ciclos econômicos na visão de Keynes 
 
Para Keynes os três principais fatores de sua teoria (propensão a consumir, 
preferência pela liquidez e eficiência marginal do capital) tem papel relevante no 
entendimento dos ciclos econômicos. Entende-se então que, apesar de muito complexos os 
ciclos, a teoria é capaz de explicar tal fenômeno. Keynes não mostra dúvida em relação à 
causa básica dos ciclos econômicos: “Creio que a explicação mais normal, e por vezes a 
essencial, da crise não é primordialmente uma alta na taxa de juros, mas um repentino colapso 
da eficiência marginal do capital”. Entretanto ele julga necessário incluir uma nova 
característica para o ciclo econômico e chama essa de fenômeno da crise: 
 
...crise o fato de que a substituição de uma fase ascendente por outra descendente 
geralmente ocorre de modo repentino e violento, ao passo que, como regra, a 
transação de uma fase descendente para fase ascende não é tão repentina. 
 
 
Ainda sobre a crise e sua relação entre as taxas de juros e a eficiência marginal do 
capital ele explica que o fato das taxas de juros sofrerem uma alta é um fato que agrava, e às 
vezes, desencadeia a crise. Mas a causa da alta das taxas de juros é consequência da maior 
demanda por moeda, tanto para fins de transações como para fins especulativos. Cita, 
também, alguns fatores psicológicos que contribuem para o aumento das taxas de juros: 
“Além disso, o pessimismo e a incerteza a respeito do futuro que acompanham o colapso da 
eficiência marginal do capital suscitam, naturalmente, um forte aumento da preferência pela 
liquidez e, consequentemente, uma elevação nas taxas de juros”. 
 
19 
 
Falando sobre a fase de expansão do ciclo econômico e sua relação com a eficiência 
marginal do capital, Keynes diz que: 
 
enquanto a expansão continua, a maioria dos novos investimentos oferece um 
rendimento corrente que não é insatisfatório. A desilusão chega porque, de repente, 
surgem dúvidas quanto à confiança que se pode ter no rendimento esperado, talvez 
porque o rendimento atual de sinais de baixa à medida que os estoques de bens 
duráveis produzidos recentemente aumentam regularmente. 
 
E complementa dizendo que a queda na eficiência marginal do capital tende a afetar 
negativamente a propensão a consumir, e que, naturalmente, a ilusão da fase de expansão leva 
a produção de bens de capital que nada mais são do que desperdício de recursos. 
 
Ao tratar da fase posterior a crise, Keynes lembra novamente da taxa de juros e dos 
fatores psicológicos: 
 
Posteriormente, um declínio da taxa de juros será de grande auxílio para a 
recuperação e, provavelmente, uma condição necessária da mesma, mas, de 
momento, o colapso da eficiência marginal do capital pode ser tão completo que 
nenhuma redução possível da taxa de juros baste para o contrabalançar. 
 
(...) É a volta confiança, para empregar a linguagem comum, que se afigura tão 
difícil de controlar numa economia de capitalismo individualista. 
 
O autor acredita ainda que: 
 
em condições de laissez-faire, talvez, seja impossível evitar grandes flutuações no 
emprego sem uma profunda mudança na psicologia do mercado de investimentos, 
mudança essa que não há razão para esperar que ocorra. Em conclusão acho que não 
se pode, com segurança, abandonar a iniciativa privada o cuidado de regular o 
volume corrente de investimentos. 
 
Até esse ponto pode-se entender o que Keynes julgava ser a causa da crise: as 
oscilações da eficiência marginal do capital. Pode-se, também, entender que tais oscilações 
são inerentes a uma economia capitalista e que a altanas taxas de juros não pode ser 
considerada uma causa, mas sim um agravante da fase de declínio do ciclo. A dúvida que 
pode surgir nesse ponto é: o que pode ser feito? Na página 249 ele sugere: 
 
O remédio para o auge da expansão não é a alta, mas a baixa da taxa de juros! Pois 
aquela pode fazer perdurar o chamado auge da expansão. O verdadeiro remédio para 
o ciclo econômico não consiste em evitar o auge das expansões e em manter assim 
uma semidepressão permanente, mas em abolir as depressões e manter desde modo 
permanentemente um quasi-boom. 
 
O remédio não consistiria em fazer incidir uma elevada taxa de juros, que 
provavelmente desanimaria alguns investimentos úteis e enfraqueceria ainda mais a 
propensão a consumir, mas em tomar medidas energéticas, como, por exemplo, uma 
20 
 
nova distribuição dos rendimentos ou outra qualquer, a fim de estimular a propensão 
a consumir. 
 
Apesar de creditar a causa da crise à eficiência marginal do capital, Keynes insiste 
que além de estimular os investimentos reduzindo as taxas de juros, a melhor saída para a 
crise é estimular o consumo: 
 
Se é materialmente impraticável aumentar o investimento, torna-se evidente não 
haver outros meios de alcançar um nível maior de emprego além do de aumentar o 
consumo. 
 
O remédio consistiria em tomar várias medidas capazes de aumentar a propensão a 
consumir através de uma redistribuição de renda ou de um processo semelhante de 
modo eu dado volume de emprego pudesse ser mantido com um volume de 
investimentos menor 
 
Embora procurando conseguir um luxo de investimento controlado socialmente com 
vista a baixa progressiva a eficiência marginal do capital, estou disposto a apoiar, ao 
mesmo tempo, toda sorte de medidas para aumentar a propensão a consumir. 
 
 
2.4 A crítica austríaca à teoria keynesiana 
 
As principais divergências entre as teorias saltam aos olhos. Entretanto, graças ao 
fato da teoria keynesiana ter tido muito mais espaço no meio acadêmico e no meio político, a 
maioria das críticas cabidas à teoria de John M. Keynes ficaram por anos reclusas a um 
pequeno grupo de pensadores e estudantes. A grande mídia e a academia, por exemplo, até 
hoje parecem estar “imunes” as críticas feitas à Keynes. Alguns poucos veem Hayek como 
um crítico solitário e vencido. Após a crise de 2008 muito se tem discutido sobre os ciclos 
econômicos e tais discussões pendem, favoravelmente, para o lado de Keynes sem nem 
considerar seus críticos. Com base nesse cenário, se faz necessário e urgente que as possíveis 
falhas teóricas existentes na teoria keynesiana sejam mostradas e debatidas, assim como as 
críticas keynesianas a teoria austríaca sejam analisadas. 
 
2.4.1 O fetiche do pleno emprego 
 
Keynes, explicitamente, define que o resultado, ou o objetivo, de uma política 
econômica ideal deva ser o pleno emprego. Na realidade, defendem os austríacos, o objetivo 
de uma economia saudável deve ser a produtividade crescente; aumento do nível de emprego 
é uma consequência disso. Como Ron Paul e Lew Rockweel (2015) lembram: 
 
21 
 
Você pode dar a alguém um "emprego" de cavar um buraco num dia e tapá-lo no dia 
seguinte — ou talvez o equivalente a isso, porém executado em uma escrivaninha. 
Mas isso não trará benefício nenhum a ninguém. Da mesma maneira, seria possível 
reduzir o desemprego a zero por meio de uma regressão compulsória na tecnologia: 
poderíamos abolir completamente o uso de caminhões e trens, e obrigar toda a carga 
a ser transportada de carro. Isso criaria milhões de novos empregos. Ou poderíamos 
também abolir o uso do carro e criar ainda mais empregos, pois agora as pessoas só 
poderiam transportar carga nas costas. 
 
Em cada um desses casos, o número de empregos criados iria superar com ampla 
margem o número de empregos perdidos na indústria de caminhões e na 
automotiva. Mas fica a pergunta: essa criação de empregos por acaso nos deixou 
mais ricos? Por acaso aumentou o nosso bem-estar? A resposta é óbvia. Essa 
criação de empregos, na prática, gerou uma redução no padrão de vida de todas as 
pessoas. 
 
(...) A única maneira de criar e manter empregos que não produzem realmente 
aquilo que o consumidor quer é utilizando o governo. 
Seja por meio de subsídios diretos, seja por meio de regulações que criam um cartel 
e proíbem a concorrência, seja por meio de tarifas de importação que criam um 
reserva de mercado — apenas o governo pode manter operante empresas que 
produzem algo que não é genuinamente demandado pelo consumidor. E, ao fazer 
isso, empregos são gerados. E eles podem custar muito caro. 
 
Colocar como objetivo de uma economia saudável a criação de empregos traz 
consequências de médio e longo prazo que serão melhores analisadas no capítulo a respeito da 
chamada “nova matriz econômica”. 
 
2.4.2 A armadilha da liquidez e as taxas de juros 
 
Um dos maiores críticos de Keynes, com certeza, foi Murray Rothbard. Na obra “A 
grande depressão americana”, ele disseca a crise de 1929 e aponta os principais erros na 
análise keynesiana. 
 
Os keynesianos afirmam que a preferência por liquidez pode ser persistentemente 
alta que as taxas de juros não cairiam o suficiente para estimular novos investimentos. 
Rothbard ressalta que o erro nessa interpretação é de que a taxa de juros não é formada pela 
preferência pela liquidez, mas sim pela preferência temporal dos agentes econômicos. 
Lembra, também, o fato que de que não são as taxas de juros que determinam o nível de 
investimentos, mas que as taxas de juros, níveis de investimentos e poupança são 
determinados simultaneamente pela preferência temporal. Portanto, um aumento na demanda 
por moeda não necessariamente elevará a taxa de juros, pois a oferta para suprir essa demanda 
pode vir ou de fundos consumidos anteriormente ou de fundos investidos anteriormente, ou de 
uma mistura dos dois que deixa inalterada a proporção entre consumo e investimento. 
22 
 
Rothbard conclui que “se o aumento no entesouramento vier principalmente do consumo, um 
aumento na demanda monetária fará com que as taxas de juros caiam – porque as preferências 
temporais caíram”. 
 
2.4.3 A TACE só é válida na hipótese de pleno emprego 
 
 Tal afirmativa, critica frequente a TACE, se mostra equivocada porque parte do 
princípio que a TACE pressupões pleno emprego dos fatores de produção. Segundo a crítica, 
os ciclos provocados por expansões artificias do crédito não ocorreriam na hipótese de 
desemprego. Segundo Ioirio (2013): 
 
Como a TACE mostra claramente, expansões artificiais do crédito, isto é, não 
baseadas em poupança genuína, mas em moeda fantasiada de poupança, emitem 
sinais positivos ilusórios para o capital nos setores de ordens mais elevadas, o que 
atrairá investimentos de longo prazo para esses setores, mas isto só poderá acontecer 
durante algum tempo, porque o cabo de guerra subsequente entre consumo e 
investimento, dadas as preferências intertemporais, acabará por elevar a taxa de 
juros e mostrando a realidade dos fatos: aqueles investimentos 
foram malinvestments, e esse fato inescapável, ou seja, os erros cometidos 
anteriormente serão amplificados ao final do período de boom. 
 
Espero ter ficado bem claro que expansões artificiais de crédito geram ciclos 
econômicos e isso nem de longe depende da existência ou ausência de fatores de 
produção desempregados! 
 
 
2.4.4 A TACE pressupõe que o boom é um período de sobre investimentos 
 
Muitos críticos gostam de dizer que no entendimento austríaco a expansão de crédito 
gera um aumento nos investimentos, o que caracteriza um período de sobre investimento. Na 
realidade, a TACE observa que durante o boom o que ocorre é um aumento no consumo dos 
bens de capital devido ao fato de que esses não aumentaram. Então, conforme o volume de 
investimentos vai aumentando maior é o consumo dos bens de capital, até o ponto em que não 
existirãobens disponíveis para que a estrutura de produção se complete. Tais investimentos 
não caracterizam sobre investimentos, mas sim “malinvestiments”, ou seja, investimentos 
errados. Iorio (2013) completa: 
 
Como a oferta de bens de capital demanda mais tempo para se concretizar, empresas 
não podem entrar em operação porque ainda não houve tempo para a instalação de 
outras empresas que produzam insumos complementares para a produção das 
primeiras e, como escreveu Mises, "fábricas cujos produtos não podem ser vendidos 
porque os consumidores antes preferem comprar outros bens que, no entanto, não 
são produzidos em quantidades suficientes" (porque o crédito artificial estimulou 
23 
 
investimentos equivocados em outras etapas do processo produtivo). Em outras 
palavras, o término inescapável da expansão creditícia torna visíveis erros que antes 
pareciam acertos! 
 
É claro que todos veem somente os malinvestments visíveis, sem notar que isso foi 
provocado porque não surgiram empresas para produzirem bens complementares, 
bem como empresas necessárias para produzir aqueles bens de consumo que agora 
são mais demandados. 
 
Mises, em Ação Humana, é bastante claro: "A classe empresarial inteira fica como 
que na posição de um construtor que superestima a quantidade da oferta disponível 
de materiais... supervisiona a construção das fundações... e só depois descobre... que 
não tem o material necessário para completar a estrutura. É óbvio que o erro de 
nosso construtor não foi um sobre investimento, mas um investimento inapropriado. 
 
No mesmo artigo, Iorio conclui que somente um mercado livre de agressão 
governamental pode garantir que a estrutura de produção possa se desenvolver de forma 
natural ao longo do tempo. 
 
2.4.5 O efeito multiplicador keynesiano 
 
O efeito multiplicador de Keynes se baseia na premissa de que é o ato de gastar que 
torna uma sociedade rica. Derivando a equação Y=C+I, ele chega à conclusão de que quanto 
maior o consumo, maior a renda. Aqui logo se percebe um erro lógico na inversão de causa e 
consequência, que é o preço que se paga ao simplificar a ciência econômica a fórmulas 
matemáticas: não é um consumo maior que aumenta a renda, mas sim uma renda maior que 
aumenta o consumo. Vejamos o exemplo de uma única pessoa dentro da sociedade: alguém 
chamado José possui uma renda de R$ 1.000,00. Parte de sua renda, digamos 90%, José 
consome, o restante, 10%, ele poupa todos os meses. 
 
Certamente não é o valor consumido por José que lhe torna uma pessoa mais rica, 
mas sim sua capacidade em gerar mais renda. Depois de passado um ano, José terá consumido 
R$ 10.800,00 e poupado outros R$1.200,00. Gastar 100% da renda não torna José mais rico; 
da mesma forma, gastar mais do que sua renda permite, através de endividamento, não 
somente não torna José mais rico, como o torna mais pobre devido ao fato de que ele está 
gerando débitos futuros que vão lhe corroer o poder de compra. 
Com toda certeza, o valor consumido serviu de renda para seus fornecedores, 
entretanto, um aumento do consumo de José que não seja sustentado por um aumento de 
renda acaba por limitar sua capacidade de consumir no futuro, assim como, um aumento no 
consumo hoje via endividamento, não só limita como diminui a capacidade de consumir no 
24 
 
futuro; esse ciclo faz com que o ganho de renda atual dos fornecedores de José não se 
mantenha em um futuro próximo, graças a iminente queda no consumo que está por vir. Se tal 
exemplo for expandido a mais agentes econômicos, facilmente se percebe que um aumento no 
consumo dos fornecedores de José terá o mesmo efeito: uma redução no consumo futuro, e o 
mesmo acontecerá com os fornecedores dos fornecedores de José. 
 
Alguns keynesianos argumentam que com um aumento no consumo presente, os 
fornecedores se veem estimulados a realizarem novos investimentos, e desses novos 
investimentos surgem aumentos de renda que manterão o nível de consumo crescente. Tal 
raciocínio se faz correto se, e somente se, for admitia a hipótese de que o aumento de 
consumo é algo que se dá através do uso de recursos previamente acumulados (poupança) ou 
de crédito com base em poupança real existente. Infelizmente esse não é o caso do 
funcionamento atual do mercado. 
 
Através do sistema de reservas fracionadas e da emissão de moeda sem lastro pelos 
Bancos Centrais ao redor do mundo, a maior parte do crédito em circulação não possui lastro 
algum em poupança; se mesmo assim for iniciado um processo de incentivo ao consumo e ao 
crédito, o que se verá é o início de um ciclo econômico como bem descreveu a TACE, onde 
existiram sim novos investimentos focados em atender a maior demanda atual, entretanto, 
logo esses investimentos se mostrarão investimentos errados, e o aparente ciclo de 
prosperidade se encerrará. 
 
Alguns, ainda, argumentam que Keynes, na verdade, baseava sua teoria em um 
aumento de investimentos que geraria um ciclo próspero de mais investimentos e mais renda. 
Vejamos o que diz Bagus (2013): 
 
O famoso "multiplicador do investimento" é uma das vítimas. Segundo esta teoria, 
um aumento unitário no volume de investimento de uma economia provoca ondas 
sucessivas de aumento da renda, cuja dimensão depende da propensão marginal a 
consumir ou poupar. Esta teoria requer que todos os fatores de produção estejam 
apresentando alguma ociosidade. Mais especificamente, para Keynes estar correto, 
é necessário que haja desemprego voluntário de todos os fatores de produção e que 
também haja capacidade ociosa nas indústrias de bens de consumo. 
 
Vejamos. Se não houver desemprego voluntário de todos os fatores, o estímulo 
governamental a novos projetos de investimentos irá gerar apenas gargalos, uma vez 
que fatores de produção serão retirados de outros projetos mais lucrativos e 
direcionados para projetos artificiais. Os keynesianos concordam com isso. Se 
todos os tipos de fatores de produção estiverem apresentando alguma ociosidade, 
mas não houver mais capacidade produtiva nas indústrias de bens de consumo, então 
25 
 
estímulos governamentais irão apenas elevar os preços dos bens de consumo e 
encurtar a estrutura de produção, tornando-a mais voltada para o presente. Os 
keynesianos também concordam com isso. 
 
E, finalmente, se os dois fenômenos ocorrerem conjuntamente — isto é, se houver 
uma ociosidade geral dos fatores e houver folga na capacidade produtiva das 
indústrias de bens de consumo, que é o pressuposto da teoria de Keynes —, por que 
então não há um acordo voluntário entre os proprietários dos fatores de produção e 
os empreendedores? Keynes não respondeu a essa questão, e preferiu ir diretamente 
para a defesa do aumento dos gastos do governo e da inflação monetária para 
corrigir esta situação. 
 
Também de forma precisa, Iorio (2013) recorre a Rothbard para mostrar como, 
algebricamente, tal teoria se mostra errada: 
 
Rothbard utiliza uma paródia, obedecendo rigorosamente ao raciocínio keynesiano, 
para desmascarar a falácia, por reductio ad absurdum, que passo a reproduzir com 
pequenas alterações: 
 
Sejam: renda agregada = Y; Renda de Jorge = J; e Renda de todos os demais 
habitantes do país = X, sendo Jorge um habitante desse país. 
 
X é, então, uma função estável de Y, o que pode ser visto se plotarmos ambos em 
coordenadas e verificarmos que para cada Y haverá um X correspondente. Como 
Rothbard escreveu, esta é uma função tremendamente estável, bem mais estável do 
que a função consumo convencional, que não exclui o consumo de Jorge. 
 
Se, agora, plotarmos a renda de Jorge, J, contra Y, encontraremos, ao invés de uma 
correlação perfeita, apenas conexões remotas entre a renda flutuante desse indivíduo 
e a renda agregada. Portanto, a renda de Jorge é um elemento ativo e volátil de 
incerteza nessa economia, enquanto o consumo de todos os demais indivíduos é 
passivo, estável, determinadopela renda da coletividade. 
 
Suponhamos que a equação relevante seja: 
 
X = 0,99999 Y 
 
Temos, então, 
Y = 0,99999 Y + J 
 
E, logo, 
0,0001 Y = J 
 
Ou seja, 
Y = 100.000 J 
 
Este número fantástico é o "multiplicador" de Jorge, muito mais potente do que o 
multiplicador de investimentos original. 
 
Como admitido por Keynes, sua teoria é baseada no fato que os agregados 
econômicos são estáveis ao longo do tempo. A Escola Austríaca lembra que é muito perigoso 
analisar a economia pelo uso de agregados justamente porque esses não refletem exatamente 
as preferências temporais e pessoais dos diversos agentes econômicos. 
26 
 
 
3 ANÁLISE EMPÍRICA 
 
Com base em toda a bibliografia revisada, vamos confrontar teoria e prática. 
 
3.1 A crise de 2008 e a TACE 
 
A crise do subprime, que teve seu auge no ano de 2008 nos Estados Unidos e 
rapidamente se espalhou pelo mundo, é até hoje, sete anos depois, motivo de divergência 
entre economistas. Alguns alegam que ela serviu para provar como capitalismo sem regulação 
tende a autodestruição; outros dizem que ela mostrou que a ausência de políticas anticíclicas, 
pregadas por keynesianos, levou a crise. Os economistas que tem por base a escola austríaca 
nos dizem que esse foi, mais um, exemplo da TACE. Nas próximas linhas, será mostrada uma 
síntese imparcial a respeito da crise, assim como proposto por Roque (2013). 
 
3.1.1 A anatomia da tragédia – alguns detalhes importantes 
 
Na figura 1, podemos verificar o comportamento dos preços dos imóveis novos 
postos à venda. Roque (2013): 
Figura 1 - preço dos imóveis novos postos a venda 
 
 
27 
 
Observa-se que a partir do início dos anos 2000 os preços aumentaram de forma 
exponencial, fugindo da linha imaginária que direcionava os preços a um aumento constante 
até entrar em colapso no ano de 2008. 
 
Para real entendimento do motivo que fez com que os preços disparassem depois de 
2000, é necessário conhecer duas empresas americanas: Federal National Mortgage 
Association (popularmente conhecida como Fannie Mae) e a Federal Home Loan Mortgage 
Corporation (popularmente conhecida como Freddie Mac). Tais empresas foram criadas pelo 
governo com o objetivo de dar liquidez ao sistema hipotecário americano; funcionavam 
assim: um banco realizava um empréstimo imobiliário e vendia esse empréstimo a Fannie 
Mae ou a Freddie Mac, recebendo em troca um valor superior ao valor emprestado. 
 
Dessa forma, os bancos estavam livres do risco de inadimplência, uma vez que o risco 
era todo das empresas, e poderiam voltar ao mercado fazer novos empréstimos. Devido ao 
grande risco concentrado nessas duas organizações e a sua função social, o governo assumia o 
papel de garantidor das empresas, ou seja, caso as empresas (privadas) sofressem perdas, o 
governo era responsável por socorrê-las. 
 
 Como lembrado por Roque (2013) a participação das empresas era tão grande que em 
setembro de 2008, quando o governo nacionalizou ambas, elas detinham metade das hipotecas 
do país e quase 75% das hipotecas recentes. Roque (2013) exemplifica como se dava, na 
prática, o funcionamento dessas empresas: 
 
Um americano típico, John Smith, vai a um banco qualquer e consegue um 
empréstimo para comprar um imóvel. Ato contínuo, este banco irá revender este 
empréstimo (que é um ativo) para Fannie e Freddie. Ambas terão a opção de ou 
manter este ativo ou revender este ativo. Na maioria das vezes, como mostram os 
números do parágrafo acima, elas mantinham este ativo em suas carteiras. 
 
Porém, em vários casos, elas empacotavam estes ativos e revendiam para 
investidores de todo o mundo, em sua esmagadora maioria grandes conglomerados 
financeiros e grandes bancos de investimento. 
Bear Stearns, Lehman Brothers, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Merril Lynch, 
Morgan Stanley, Citibank, Bank of America eram os compradores americanos mais 
famosos, ao passo que Barclays, Royal Bank of Scotland e Northern Rock (Reino 
Unido), BNP Paribas e Société Générale (França), Credit Suisse e UBS (Suíça), e 
Deutsche Bank (Alemanha) eram os mais famosos compradores da Europa. 
 
Esta prática de empacotar ativos e revendê-los é chamada de securitização. O 
principal problema com esta securitização é que ela misturava ativos bons 
(mutuários com bom histórico de crédito) com ativos ruins (mutuários sem nenhum 
histórico de crédito) no mesmo pacote. Logo, quem comprava um pacote contendo 
28 
 
ativos bons também acabava por tabela adquirindo ativos ruins. Qualquer calote dos 
ativos ruins afetaria sobremaneira os balancetes destas instituições. 
 
Outra questão de suma importância para entendimento do processo de formação da 
bolha é a lei denominada CRA (Community Reinvestment Act.), como dito por Roque 
(2013): 
 
Trata-se de uma lei criada ainda no governo de Jimmy Carter, no final da década de 
1970, e que foi plenamente revigorada no governo Clinton. Esta lei deixou os 
bancos à mercê de processos por discriminação caso eles não emprestassem para 
minorias em um volume suficientemente alto, que satisfizesse as autoridades. 
 
De acordo com as regras do Community Reinvestment Act (CRA), se um banco 
quisesse fazer qualquer alteração em suas operações comerciais — fusão, abertura 
de uma filial, entrada em uma nova linha de negócios —, ele deveria primeiro 
provar aos reguladores que ele, o banco, já fez uma quantidade "suficiente" de 
empréstimos aos mutuários preferidos do governo — no caso, minorias e pessoas de 
baixa renda. 
 
E, a partir de 1995, o governo americano passou a pressionar os bancos para que 
fizessem empréstimos sem que pudessem verificar critérios minimamente prudentes, 
como histórico de crédito do tomador de empréstimo, seu histórico de poupança e a 
magnitude do pagamento da hipoteca em relação à sua renda. Os bancos não 
podiam nem sequer verificar a renda do mutuário. Adicionalmente, o Banco Central 
americano havia dito aos bancos que a simples participação deste mutuário em 
programas de aconselhamento de crédito, muitos dos quais são financiados com 
fundos federais, poderia ser usada como "prova" da capacidade desse mutuário de 
baixa renda honrar seus pagamentos hipotecários. 
 
Em outras palavras, os reguladores bancários federais exigiram que os bancos 
fizessem empréstimos ruins baseando-se em padrões de crédito inexistentes. 
 
Percebe-se, logo, que após as medidas de incentivo a concessão de empréstimos 
imobiliários pelo governo, seja pelo lado de garantir as empresas Fannie e Freddie, seja pelo 
lado de relaxar os critérios de seleção de crédito, formava-se um cenário bastante propício e 
incentivador a especulação. Roque (2013) completa: 
 
O aumento na demanda por imóveis — estimulado pelo acesso artificialmente 
facilitado aos financiamentos — gerou um inevitável e contínuo aumento nos preços 
dos imóveis. Este aumento contínuo, por sua vez, produziu o "inesperado" efeito de 
atrair especuladores para o mercado imobiliário. Tornou-se extremamente comum 
um indivíduo adquirir um empréstimo, comprar uma casa, fazer alguns 
aprimoramentos nesta casa e, apenas um ano depois, revendê-la a um preço muito 
maior, entregando a hipoteca para o novo comprador que, seis meses depois, faria a 
mesma coisa que seu antecessor. Ou seja, comprar um imóvel havia virado um 
investimento altamente rentável e de ganho certo. 
 
Aqueles que não compravam com a intenção de revender passaram a utilizar suas 
casas como um caixa eletrônico: sempre que o imóvel se valorizava, o indivíduo ia 
ao banco e, utilizando o novo valor da sua casa como colateral, negociava um novo 
empréstimo para gastar em bens de consumo, como carros e televisores de plasma. 
 
29 
 
Um arranjo como este perdura enquanto os preços dos imóveis estiverem em 
ascensão. Se os preços começarem a cair, duas coisas ocorrerão: a revenda do 
imóvel passará a dar prejuízo e o valor da hipotecaserá maior do que o valor do 
imóvel, o que impedirá qualquer tipo de renegociação com os bancos e deixará o 
mutuário com um patrimônio negativo. Em suma, todo o esquema especulativo virá 
abaixo. E não apenas isso: dar o calote e abandonar o imóvel passará a ser a opção 
mais racional. 
 
3.1.2 O boom e a formação da bolha 
 
Após o estouro da bolha das empresas de tecnologia, também chamada de crise das 
pontocom, e dos ataques terroristas do 11 de setembro de 2011, os Estados Unidos passava 
por uma situação econômica muito delicada; tinha a missão de se recuperar de uma crise 
financeira e um atentado bárbaro sofrido. Como estratégia de estímulo a atividade econômica, 
o FED (Federal Reserve), que funciona como o Banco Central, resolveu diminuir os juros e, 
para isso, aumentou a base monetária. A figura 2, disponibilizada por Roque (2013), mostra 
justamente o comportamento da taxa de juros (linha azul) e da base monetária (linha 
vermelha): 
Figura 2 - taxa básica de juros X base monetária 
 
 
Nota-se que a taxa básica de juros foi reduzida de 6,5% a.a para 1% a.a e 
permaneceu assim até parte de 2004. Também é visível o grande incremento na base 
monetária, tal incremento (que se dá através dos bancos comerciais) deixou os bancos cheios 
de dinheiro para emprestar e com um setor, imobiliário, se destacando como o como o 
preferido (devido aos fatores já mencionados). O que nos traz a figura 3, que mostra 
30 
 
justamente o comportamento do mercado de crédito americano. Na linha azul os valores totais 
de crédito concedidos no período e na linha vermelha os valores referentes ao crédito 
imobiliário: 
Figura 3 - Crédito total X crédito imobiliário 
 
 
Observamos que, entre 2000 e 2008, o volume total de crédito saltou de 3,5 trilhões 
de dólares para 7 trilhões de dólares, ou seja, em 8 anos o volume total de crédito aumentou 
em 100%. Da mesma forma, o volume destina ao crédito imobiliário passou de 1,5 trilhão de 
dólares para 3,5 trilhões de dólares, um aumento, proporcionalmente, maior ainda que o 
observado no crédito total. 
 
Roque (2013) resume bem a situação: 
Ou seja, dos US$3,5 trilhões jogados na economia, US$2 trilhões foram para o setor 
imobiliário. Acrescente a isso todas as medidas governamentais citadas ao longo 
deste artigo, e realmente não há absolutamente nenhum motivo para se estranhar a 
bolha imobiliária que foi formada. 
 
Isso explica toda aquela elevação de preços observada no gráfico 1. De 1993 a 
2006, os preços dos imóveis se apreciaram acentuadamente. Em alguns mercados 
específicos, até mesmo os preços das moradias mais simples se tornaram 
astronomicamente altos. 
 
Esta subida nos preços estimulava novos investimentos em mais construções de 
imóveis, o que gerava um aumento na oferta de imóveis. E este aumento na oferta 
de imóveis viria, mais à frente, a exercer uma pressão baixista nos preços dos 
imóveis. 
 
31 
 
Como a economia americana já demonstrava recuperação em relação ao período 
difícil do início da década e, também, preocupado com o nível de preços, em 2004 o FED 
optou por iniciar a redução dos estímulos. Como podemos observar na figura 4, onde temos a 
evolução da taxa básica de juros (linha azul) e da base monetária (linha vermelha): 
 
Figura 4 - Taxa básica de juros X base monetária 
 
Esse aumento na taxa básica de juros, de 1% a.a para 5,25% a.a, teve impacto nas 
taxas de empréstimos sobre as hipotecas, como é mostrado a seguir na figura 5: 
 
32 
 
Figura 5 - evolução da taxa de juros para empréstimos imobiliários 
 
 
Percebe-se que os juros das hipotecas com taxas ajustáveis (linha vermelha) 
passaram de uma mínima de 3,5% a.a em 2004 e foram para quase 6% em 2006. Enquanto a 
taxa das hipotecas convencionais de 30 anos (linha azul) passaram de 5,5% a.a. para quase 
7% a.a. 
 
3.1.3 O estouro da bolha 
 
Após um período convidativo a investimentos no setor imobiliário, diversos recursos, 
não só monetários, foram direcionados a oferta de imóveis. Esse aumento na oferta de 
imóveis quando somado ao aumento nas taxas de empréstimos sobre os imóveis fez com que 
os preços, no final de 2006, começassem a cair. A consequência inevitável desse processo é 
explicada por Roque (2013): 
 
A queda nos preços — na realidade, a percepção de que os preços não mais iriam 
aumentar — arrefeceu toda a atividade especulativa. Pessoas que haviam comprado 
imóveis para especular viram que a festa havia acabado. O que elas fizeram? 
Simplesmente pararam de pagar suas hipotecas. Deram o calote. Por quê? Porque 
elas haviam pegado empréstimos extremamente generosos, que não exigiam 
absolutamente nenhum pagamento de entrada. Elas simplesmente abandonaram 
seus imóveis. Não perderam nada. 
 
Já outras pessoas pararam de pagar suas hipotecas simplesmente porque o aumento 
dos juros havia tornado impossível continuar honrando suas prestações. 
33 
 
A combinação destes dois fatores fez com que os calotes totais nos empréstimos 
imobiliários disparassem. Começou timidamente em 2006. Disparou em 2007. Foi 
para a estratosfera em 2008. 
 
De 2005 até o final de 2008, os calotes pularam de US$20 bilhões para US$170 
bilhões. Um aumento de 750% em 4 anos.” 
 
A evolução dos calotes é mais facilmente identificada no gráfico da figura 6: 
 
Figura 6 - Inadimplência total dos empréstimos garantidos por imóveis 
 
 
O aumento no número de calotes fez com que aqueles ativos vendidos por Fannie e 
Feddie para grandes bancos perde-se valor, alguns passaram a ter valor zero. Isso afetou 
sobremaneira o balanço dos bancos, fazendo com que muitos não conseguissem mais 
emprestar dinheiro (nem mesmo entre bancos). Por consequência, vários bancos passaram a 
sofrer com problema de liquidez. Roque (2013) lembra: 
 
Essa crise começou a se tornar mundialmente visível em agosto de 2007. No dia 9 
daquele mês, o banco francês BNP Paribas anunciou que estava suspendendo saques 
em dois dos seus fundos que haviam investido volumosamente em títulos lastreados 
em hipotecas americanas. Isso afetou o banco britânico Northern Rock, que 
dependia exatamente destes fundos de investimento para conseguir liquidez. 
 
Incapaz de conseguir um empréstimo de curto prazo no mercado bancário, o 
Northern Rock recorreu ao Banco Central da Inglaterra para pedir um empréstimo 
de 3 bilhões de libras. Tudo parecia estar indo bem, exceto por um detalhe: um 
informante dentro do Banco da Inglaterra alertou a BBC sobre a operação no dia 13 
de setembro de 2007. 
 
34 
 
A notícia de que o banco estava insolvente se espalhou como fogo na pólvora e, na 
manhã seguinte, houve uma corrida bancária ao Northern Rock, com correntistas 
ávidos para sacar seu dinheiro. Foi a primeira corrida bancária em larga escala 
desde 1930. O governo britânico anunciou que iria garantir todos os depósitos do 
banco. 
 
No dia 17 de fevereiro de 2008, após o governo recusar várias ofertas de aquisição 
pelos outros bancos, o Northern Rock foi nacionalizado. Daí por diante, todo o 
castelo de cartas começou a desabar. 
 
O banco de investimentos Bear Stearns se tornou insolvente em março de 2008. O 
Tesouro americano orquestrou sua aquisição pelo JP Morgan. 
No dia 7 de setembro, Fannie Mae e Freddie Mac foram nacionalizadas 
completamente. Na semana seguinte, o Fed orquestrou a aquisição do Merril Lynch 
pelo Bank of America. No dia 15 de setembro, o Lehman Brothers anunciou sua 
falência. Não houve socorro. 
 
Mas não foram somente os bancos que sofreram com a crise. A seguradora AIG 
(uma das maiores do mundo) também teve enormes perdas. A seguradora, incentivada pela 
política do FED e pela avaliação de risco das agências de rating, emitia seguros contra calote 
da dívida hipotecária dos bancos, os famosos credit default swaps, com a disparada dos 
calotes os bancos começaram a resgatar suas apólices, o que fez com a AIG ficassecompletamente sem dinheiro para honrar os compromissos. O socorro foi dado pelo FED que 
emprestou 125 bilhões de dólares em troca de 80% da empresa. 
 
O gráfico 7 é explicado por Roque (2013): 
 
Após todas estas intervenções, o Fed assumiu uma postura totalmente inaudita em 
toda a sua história: ele simplesmente passou a comprar todos os títulos hipotecários 
em posse dos bancos. Ou seja, ele passou a imprimir dinheiro e dar aos bancos em 
troca dos títulos hipotecários em posse destes bancos. Isso limpou o balancete dos 
bancos e fez com que a base monetária explodisse. 
 
No entanto, e felizmente, todo este aumento da base monetária não se converteu em 
expansão do crédito. Ou seja, os bancos não jogaram este dinheiro na economia. A 
quase totalidade do aumento da base monetária transformou-se em "reservas em 
excesso". "Reservas em excesso" são as reservas que os bancos mantêm 
voluntariamente depositadas junto ao Fed, além do volume determinado pelo 
compulsório. 
 
O gráfico abaixo mostra a evolução da base monetária (linha azul) e das reservas em 
excesso (linha vermelha), que representa o dinheiro que os bancos não emprestaram 
ao público porque preferiam mantê-lo voluntariamente depositado junto ao Fed, que 
está pagando juros de 0,25% ao ano sobre este montante. 
 
35 
 
Figura 7 - evolução da base monetária (linha azul) e evolução das reservas em excesso (linha vermelha) 
 
 
Roque (2013) conclui seu artigo lançando algumas questões: 
 
A única intenção [do artigo] foi mostrar, sem ideologias ou partidarismos, como 
realmente se desenrolou todo o processo que levou à formação de uma bolha 
imobiliária, como se deu seu estouro e como isso afetou todo o sistema bancário. 
 
De posse de todas as informações aqui contidas, o leitor deve se fazer as três 
seguintes perguntas: 
 
1) Todo este arranjo apresentado configura um sistema totalmente 
desregulamentado, um genuíno laissez-faire, ou, ao contrário, representa um sistema 
fortemente intervencionista, no qual políticos, burocratas e reguladores 
determinavam regras e agitavam em prol de suas conveniências? 
 
2) Um sistema bancário que goza de uma garantia implícita dada pelo governo — de 
que haverá socorro caso as coisas deem erradas — tende a apresentar 
comportamentos mais temerários ou mais prudentes? 
 
3) Sem um Banco Central criando dinheiro e permitindo aos bancos manterem suas 
expansões creditícias de modo crescente, será que tudo isso teria sido possível? 
As respostas a estas perguntas têm de estar claras antes de se iniciar qualquer debate 
a respeito da crise. 
 
 
3.2 A Nova Matriz Econômica brasileira à luz da TACE 
 
Como é sabido, a crise de 2008 não foi exclusiva dos americanos. Foi uma crise de 
proporções globais. Afetou de forma intensa diversos países, entretanto o Brasil ficou 
conhecido por ser um dos que melhores reagiu a crise. Políticas econômicas que, por hora, se 
36 
 
mostravam certas hoje são discutidas com bastante desconfiança; uns dizem que o modelo se 
esgotou, outros dizem que é a crise externa que lhe atrapalha, mas o simples fato daquilo que 
um dia foi chamado de “Nova Matriz Econômica” (a partir de agora NME) hoje ser 
considerado um modelo já é indicação de que algo não funcionou. O questionamento que se 
faz é: seria a TACE útil para analisar a conjuntura brasileira pós NME? 
 
3.2.1 O Brasil do Plano Real – Primeira fase e tripé macroeconômico 
 
Antes de adentrar no tema propriamente dito é necessária uma breve revisão da 
história brasileira econômica, pelo menos em sua fase mais recente e mais bem sucedida, a 
saber, o período que compreende da implementação do Plano Real até a chegada da NME. 
 
Com a incerteza que cada novo plano econômico trazia investir era uma tarefa 
desproporcionalmente arriscada. A inflação impedia qualquer racionalidade econômica. 
Somente após a implementação do plano Real, o Brasil conseguiu algo que possa ser chamado 
de estabilidade econômica: confiança na moeda, controle inflacionário e manutenção nas 
chamadas “regra do jogo”. 
 
Roque (2012) nos traz um resumo de quão caótica era situação econômica do país 
pré-Plano Real: 
 
Quando Itamar Franco assumiu interinamente a Presidência da República no dia 29 
de dezembro de 1992, imediatamente após a renúncia de Fernando Collor, a inflação 
acumulada em 12 meses estava em 1.119%. Em 1991, ela havia sido de 472%. Em 
1990, de 1.621%. Com o país mergulhado em uma crise política e com a economia 
em frangalhos, não havia a menor perspectiva entre a população de que houvesse 
qualquer arrefecimento na inflação de preços. 
 
Também em decorrência da recessão, a arrecadação tributária não era suficiente para 
cobrir as despesas. Como consequência, o governo apenas ordenava ao Banco 
Central — que, na época, podia comprar títulos diretamente do Tesouro — que 
imprimisse o dinheiro necessário para fazer frente às despesas. O resultado era um 
moto-perpétuo inflacionário. 
 
(...) Tal prática de imprimir dinheiro para fazer frente às despesas governamentais 
não cobertas por impostos já era tradicional na economia brasileira; porém, no início 
da década de 1990, ela havia chegado ao ápice. Em abril de 1990, por exemplo, a 
inflação acumulada em 12 meses foi de 6.821%, recorde até hoje absoluto em nossa 
história. 
 
Após mais de uma década com inflação de preços anual acima dos 100% — a média 
de inflação de preços anual entre 1980 e 1992 foi de incríveis 694%, uma solução 
definitiva era urgente. 
37 
 
 
Dando continuidade a seu raciocínio Roque (2012), diz que, na prática, o Plano Real 
consistia em criar uma moeda muito atrelada ao dólar, e lembra que o sucesso do Plano Real 
dependia de cinco fatores: 
 
1) Zerar o déficit público, pois era sabido que era esse o causador da enorme impressão de 
dinheiro; 
2) Desindexar a economia, com o objetivo de acabar com a inflação inercial, os ajustes 
automáticos (que existiam por força de lei) de preços foram extintos; 
3) Reindexar a economia de acordo com a taxa de cambio, isso é, fazer com que os preços 
variassem de acordo com a cotação do dólar; 
4) Abrir a economia, para isso usou-se a diminuição de tarifas de importação; 
5) Aumentar as reservas nacionais, com o intuito de mostrar maior robustez do plano e menor 
vulnerabilidade a um ataque especulativo. 
 
Após cinco anos de relativo êxito no combate à inflação, o Plano real entra na sua 
segunda fase de vida: a do tripé macroeconômico. Tendo que enfrentar a crise cambial e fiscal 
do ano de 1999 (que causaram uma enorme diminuição nas reservas internacionais do país, e 
essas eram de suma importância para manter o real pareado ao dólar) e tendo que ser mais 
eficaz no controle dos gastos públicos, foi adotado como alicerce da política 
macroeconômica: 
 
a) Sistema de metas de inflação; 
b) Cambio flutuante; 
c) E a perseguição da austeridade fiscal. 
 
Grosso modo, pode-se dizer que o tripé econômico foi a base da política econômica 
do segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso e do primeiro mandato do 
governo de Lula, ou de 1999 a 2009. 
 
O tripé macroeconômico definia que, supostamente, a flutuação cambial se daria em 
função das forças de mercado, livres de interferência do governo, salvo casos onde o governo 
poderia atuar para “suavizar” a volatilidade do mercado; governo esse que estaria voltado, 
majoritariamente, para buscar superávits e para atuar na política monetária. 
38 
 
 
O sistema adotado como política monetária passaria a ser o de metas de inflação e 
meta de taxas de juros; estando os dois diretamente ligados: para atingir a meta de inflação 
proposta, o governo, através do Comitê de Política Monetária, define a taxa de juros (SELIC 
Meta) que, econometricamente analisada, melhor se adequa para controle da inflação; e para 
atingir a meta da taxa de juros o Banco Central se utiliza de três ferramentas (open market,

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