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Desnutrição energetico-proteica

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DESNUTRIÇÃO ENERGÉTICO PROTEICA
Quando as proteínas deixam de desempenhar seus papéis estruturais e enzimáticos passando a assumir a provisão de glicose e energia para o organismo, instala-se um estado de desequilíbrio metabólico, e quanto mais tempo durar esse desequilíbrio maiores os danos para o indivíduo que poderá apresentar quadros de anemias, hipovitaminoses e desnutrição energético-protéica, sendo este último um dos problemas de saúde pública brasileiros, especialmente em áreas mais pobres. A Desnutrição Energético-Protéica (DEP) ocorre quando existe deficiência no consumo de proteínas e energia com relação às necessidades do corpo. Esta é uma das mais comuns deficiências nutricionais, vitimando cerca de 150 milhões de crianças menores de 5 anos no mundo. 
A desnutrição energética proteica em seus diferentes estágios, desde as formas mais leves, capazes de expressar déficits discretos do crescimento ou pequenas perdas de peso, até as manifestações mais graves, como o Kwashiorkor (desnutrição edematosa) e o marasmo, constitui-se uma das mais difundidas doenças carenciais, e um dos maiores problemas de saúde coletiva em países em desenvolvimento.
Quanto à origem, a DEP caracteriza-se como primária (dieta deficiente) ou secundária (dieta condicionada). Enquanto na desnutrição primária o consumo inadequado de nutrientes é o fator determinante desta morbidade, a secundária é causada por outros fatores, diferentes da dieta, como, por exemplo, a absorção e utilização dos nutrientes. Portanto, o indivíduo desnutrido é aquele cujas células não recebem os nutrientes de que necessita para desempenhar suas funções de produção energética, formação ou reparação tecidual e regulação do seu próprio funcionamento.
A desnutrição desencadeia uma série de respostas adaptativas com alterações no metabolismo. A diminuição do peso é uma das respostas iniciais à carência protéico-energética. Seguem-se a desaceleração do crescimento, as alterações hormonais, enzimáticas e da resposta imunológica. As crianças desnutridas são mais susceptíveis às infecções, têm dificuldades para absorver certos nutrientes, são mais propensas à diarreia, aos distúrbios hidroeletrolíticos, à hipoglicemia e hipotermia. A anemia não somente é consequência das carências específicas, como também aparece em resposta à baixa demanda de oxigênio pelos tecidos, devida à inatividade física e economia de aminoácidos. A desnutrição em crianças mais jovens acomete o sistema nervoso central, interferindo na mielinização e na produção de neurotransmissores.
ERUPÇÃO DENTÁRIA 
A odontogênese (formação dental) na dentição humana começa no período intrauterino e a formação do esmalte (amelogênese) ocorre em três fases distintas: deposição da matriz do esmalte; calcificação (quando os minerais são depositados e as proteínas removidas) e maturação. As causas da má formação dental são várias, sendo a nutrição apenas uma delas. Tanto a dentição decídua como a dentição permanente podem ser afetadas, sendo que a época da agressão está determinada pela localização do defeito na coroa dental uma vez que o processo de esfoliação e/ou erupção segue uma cronologia bem definida. Existem evidências de que a desnutrição pode conduzir ao retardo da erupção dos dentes decíduos. A desnutrição retarda a cronologia de erupção dentária, o que implica dizer que crianças desnutridas têm seus dentes expostos ao meio bucal mais tardiamente. Segundo Alvarez, este atraso de erupção alteraria o padrão de desenvolvimento da cárie dentária, uma vez que a colonização da cavidade oral por Estreptococos do Grupo Mutans (EGM) ocorre após a erupção do primeiro dente. Isto porque se faz necessária a presença de uma superfície que permita a organização de um biofilme cariogênico.
Dessa forma, a dieta e a nutrição desempenham um papel significativo no desenvolvimento dentário e na integridade dos tecidos orais; a deficiência energético-protéica durante a fase de desenvolvimento dentário (odontogênese) gera atraso na cronologia de erupção e defeitos estruturais no esmalte (hipoplasia), com aumento do risco de ocorrência da doença cárie e ainda, a desnutrição pode afetar as glândulas salivares, por meio da redução de seu fluxo e da alteração da composição da saliva, aumentando assim a susceptibilidade dos dentes às lesões de cárie.
ANEMIA FERROPRIVA
A anemia decorrente da falta de ferro suficiente para a síntese de hemoglobina é a doença hematológica mais comum do período neonatal e da infância. 
A frequência da anemia ferropriva está relacionada a certos aspectos básicos do metabolismo do ferro e à nutrição; para manter um balanço positivo de ferro durante a infância, cerca de 1 mg de ferro precisa ser a absorvido por dia. O organismo de um neonato contém cerca de 0,5g de ferro, enquanto o conteúdo em um adulto é estimado em 5 g. Para ir de um ponto ao outro, uma média de 0,8 mg de ferro devem ser absorvidos por dia durante os primeiros 15 anos de vida. Além dessa necessidade de crescimento, uma pequena quantidade é necessária para equilibrar as perdas normais de ferro decorrentes da descamação celular. 
Admite-se que a absorção do ferro da dieta seja cerca de 10% é necessária uma dieta contendo 8-10 mg de ferro diário para uma nutrição ideal. Crianças amamentadas no peito podem, portanto, precisar de menos ferro de outras fontes alimentares. Durante os primeiros anos de vida, como quantidades relativamente pequenas de alimentos ricos em ferro são ingeridas, geralmente é difícil manter um consumo adequado de ferro. Por essa razão, a dieta deve incluir alimentos como cereais ou fórmulas infantis enriquecidas em ferro; ambas são bastante eficazes na prevenção de deficiência de ferro.
Neonatos amamentados exclusivamente com leite materno devem receber suplementação de ferro a partir dos 4 meses de idade. Um neonato está em uma situação vulnerável em relação ao ferro. Se a dieta se tornar inadequada ou ocorrer uma perda sanguínea externa, a anemia se desenvolve rapidamente.
ETIOLOGIA. O baixo peso ao nascimento e hemorragia perinatal habitual se associam a uma diminuição da massa de hemoglobina neonatal e dos estoques de ferro. À medida que a alta concentração de hemoglobina cai durante os 2-3 primeiros meses de vida, uma quantidade considerável de ferro é recuperada e armazenada. Esses estoques geralmente são suficientes para a formação do sangue nos primeiros 6-9 meses de vida em crianças a termo. 
Em crianças a termo, a anemia causada exclusivamente por ferro inadequado na dieta não é comum antes dos 6 meses e geralmente ocorre aos 9-24 meses de idade. Depois desse período, ela é relativamente incomum. O padrão dietético habitual observado em neonatos com anemia ferropriva é de um consumo prolongado de grandes quantidades de leite de vaca (>750 mg/dia) e alimentos sem suplementação de ferro. A perda sanguínea deve ser considerada uma causa possível em todos os casos de anemia ferropriva, especialmente em crianças mais velhas. A anemia ferropriva crônica por sangramento oculto pode ser causada por uma lesão do trato gastrointestinal.
Diarreia crônica no início da infância pode estar associada a uma perda sanguínea despercebida considerável.
Ocasionalmente, a colite induzida pelo leite de vaca se manifesta como edema e anemia; o edema se deve à enteropatia perdedora de proteínas. As crianças afetadas desenvolvem caracteristicamente uma anemia mais grave e mais precoce do que seria de se esperar simplesmente por uma ingesta inadequada de ferro. 
As alterações histológicas da mucosa do trato gastrointestinal, como o achatamento das vilosidades, estão presentes na anemia ferropriva avançada e podem causar sangramento e diminuição na absorção de ferro, agravando ainda mais o problema. 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS. A palidez é o sinal mais importante da deficiência de ferro; na verdade, a Organização Mundial de Saúde recomenda usar a palidez palmar como um método de triagem para anemia. Existem, entretanto, altas taxas de resultados falso-positivos e falso-negativos para a palidezpalmar, do leito ungueal e das conjuntivas, que variam de acordo com o grau de anemia.
A pagofagia, o desejo de ingerir substâncias pouco usuais como gelo ou barro, pode estar presente. Em algumas crianças, a ingestão de substâncias contendo chumbo pode levar ao desenvolvin1eoto concomitante de plumbismo. Quando o nível de hemoglobina cai para <5 g/dL, a irritabilidade e a anorexia se tornam proeminentes. Também ocorrem taquicardia e cardiomegalia, e sopros sistólicos geralmente estão presentes. Crianças com anemia ferropriva podem ser obesas ou podem estar abaixo do peso, com outras evidências de má nutrição.
A deficiência de ferro pode exercer um efeito sobre a função neurológica e intelectual. A anemia ferropriva, e mesmo a deficiência de ferro sem anemia significativa, afeta a capacidade de concentração, alerta e aprendizado tanto em crianças como em adolescentes.
ACHADOS LABORATORIAIS. Na deficiência de ferro progressiva, ocorre uma sequência de eventos bioquímicos e hematológicos. Primeiro, os estoques teciduais de ferro representados pela hemossiderina na medula óssea desaparecem.
Em seguida, o nível sérico de ferro diminui (também dependente da idade), a capacidade de ligação de ferro no soro (transferrina sérica) aumenta e o percentual de saturação da transferrina cai abaixo do normal. Quando a disponibilidade de ferro se torna um fator limitante da velocidade de síntese da hemoglobina, acumulam-se protoporfirinas eritrocitárias (PFE). À medida que a deficiência progride, os eritrócitos se tornam menores do que o normal e o seu conteúdo de hemoglobina diminui.
Com a piora da deficiência, os eritrócitos se tornam deformados e com alterações na forma, apresentando caracteristicamente microcitose, hipocromia, poiquilocitose e aumento da amplitude de distribuição do tamanho dos eritrócitos (RDW).
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL. A deficiência de ferro precisa ser diferenciada das outras anemias microcíticas hipocrômicas. O cenário mais comum é a necessidade de diferenciar a deficiência de ferro do traço alfa e beta talassêmico e das outras hemoglobinopatias, especialmente as relacionadas à hemoglobina E. Uma característica distintiva simples dessas últimas condições é a contagem de eritrócitos, que geralmente se encontra acima do normal apesar da presença de anemia leve e microcitose; isso ocorre em contraste marcante com a redução na hemoglobina e do VGM na anemia ferropriva. 
TRATAMENTO. A resposta regular da anemia ferropriva a quantidades adequadas de ferro é uma importante característica diagnóstica e terapêutica. A administração oral de sais ferrosos simples (p. ex., sulfato, gluconato, fumarato) é uma terapia barata e satisfatória.
Um problema encontrado na administração oral de ferro a crianças pequenas é que o FeSO4 líquido tem um sabor desagradável, mas às vezes este pode ser mascarado misturando o ferro a um xarope aromatizado. Outras preparações com melhor sabor estão disponíveis, mas estas são muito mais caras que o FeSO4 líquido simples. Além do sabor desagradável, a intolerância ao ferro oral não é comum em crianças pequenas, apesar de crianças maiores e adolescentes às vezes apresentarem queixas intestinais. Problemas de constipação podem ser minimizados, aumentando-se a ingestão de água e fibras.
Enquanto a medicação com ferro adequada é admnistrada, a família deve ser orientada sobre a dieta do paciente e o consumo de leite deve ser limitado a uma quantidade razoável, de preferência 500 ml/24 h ou menos. Essa redução tem um efeito duplo: a quantidade de alimentos ricos em ferro é aumentada e a perda sanguínea devido à intolerância à proteína do leite é minimizada.
A deficiência de ferro pode ser prevenida em populações de alto risco fornecendo fórmulas ou cereais enriquecidos com ferro durante a infância.
Como uma resposta hematológica rápida pode ser prevista com segurança na deficiência de ferro típica, indica-se transfusão de sangue apenas quando a anemia é muito grave. ou uma infecção concomitante pode interferir na resposta.
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E A DESNUTRIÇÃO
Partindo da premissa de que um incremento na situação financeira de uma família poderá promover uma melhora no estado nutricional das crianças que nela vivem, o governo brasileiro vem implantando, com êxito, programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família (PBF). O PBF é um programa de transferência direta de renda, criado em 2003, que visa reduzir a pobreza e as desigualdades e combater a fome entre as famílias pobres (com renda mensal per capita de R$ 60,01 a R$ 120,00) e as extremamente pobres (com renda mensal per capita de até R$ 60,00). Para isso, pauta-se em três dimensões: promoção do alívio imediato da pobreza por meio da transferência direta de renda; reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde e Educação; coordenação de programas complementares, para que as famílias consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. Deste modo, espera-se que o beneficiário possa cumprir o exercício da cidadania e comportar-se como agente econômico, amparando não só a si e à sua família, mas inserindo-se num contexto mais amplo de relações por meio das quais poderá suavizar os efeitos de sua condição de pobreza. 
Este programa tem como contrapartida, o cumprimento de algumas condições pelas famílias beneficiadas, como a atualização do calendário vacinal e o acompanhamento mensal do crescimento para as menores de 7 anos, assim como o cumprimento da frequência escolar para crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. A intenção é elevar o grau de concretização de direitos sociais por meio da indução da oferta e da demanda por serviços de saúde, educação e assistência social, e romper o ciclo da reprodução contínua da pobreza.
O benefício contribui para a redução da desigualdade social brasileira e para a ampliação da variedade de alimentos consumidos pelas famílias beneficiárias. É necessário destacar que, apesar das famílias possivelmente estarem utilizando o benefício para a aquisição de alimentos, outros fatores, além da melhoria na alimentação, podem contribuir para que tenha havido algum impacto no estado nutricional, tais como acesso aos serviços de saúde, saneamento básico e, principalmente, o tempo de recebimento do benefício.

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