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Letícia Morais | Bioquímica Aplicada às Análises Clínicas – Aula 7: Fisiopatologia e avaliação laboratorial da função hepática BURTIS, C.A.; BRUNTS, D. Tietz Fundamentos de Química Clinica e Diagnostico Molecular. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. Capítulo 37. Fígado tem papel central e bioquímico crítico em metabolismo, digestão, desintoxicação e eliminação das substancias do corpo. Também tem papel central na síntese de proteínas, carboidratos, metabolismo lipídico e síntese de ácidos biliares a partir do colesterol para emulsificação da gordura alimentar e absorção de vitaminas. Ainda, desempenha funções endócrinas, uma vez que cataboliza hormônio da tireoide, cortisol, vitamina D; além de sintetizar fator de crescimento I semelhante à insulina, angiotensinogênio, hepcidina, trombopoetina e pequenas quantidades de eritropoetina. ANATOMIA DO FÍGADO ► Peso: ~1,2-1,5 kg. ► Local: abaixo do diafragma, protegido pelas costelas. Fornecimento de sangue: A veia porta transporta sangue a partir do baço e sangue enriquecido em nutrientes a partir do TGI, fornece ~70% do fluxo de sangue para fígado. Quanto a artéria hepática, transporta sangue arterial enriquecido com oxigênio a partir da circulação central para fígado. Ainda, estas duas se fundem e fluem para sinusoides entre hepatócitos individuais. Fluxo biliar: Vesícula biliar armazena e concentra bile (sais biliares + produtos residuais). Anatomia microscópica ► Unidade anatômica funcional: ácino → ramo da veia porta + artéria hepática + canal biliar. ► Sinusoides: revestido por células endoteliais fenestradas que contem poros que permitem filtração livre de sangue e células de Kupffer fagocíticas. ► Principais células: hepatócitos (funções metabólicas e de síntese); células estreladas (armazenamento de vitamina A e síntese de óxido nítrico e colágeno – responsáveis pela fibrose e, por fim, cirrose); células ovais (regeneração). FUNÇÕES BIOQUÍMICAS DO FÍGADO Função hepática excretora ► Excreção: bile ou urina. ► Testes: medição das concentrações plasmáticas de compostos produzidos endogenamente (bilirrubina, ácidos biliares) e determinação da taxa de depuração de compostos exógenos (aminopirina, lidocaína, cafeína). ► Bilirrubina: pigmento derivado da Hb. Produzida e biotransformada no fígado, sendo excretada na bile e urina. É transportada para fígado, fracamente ligada à albumina, na sua forma não conjugada, sendo conjugada no fígado. Aumentos na bilirrubina conjugada é marcador altamente especifico de disfunção hepática. No TGI, é reduzida a urobilinogênio que é liberado nas fezes como pigmentos. Figura 1: Aumento de bilirrubina plasmática e causas Função de síntese hepática Síntese proteica: fígado possui capacidade de reserva, evitando concentrações de proteína que reduzem a menos que ocorram danos hepáticos. Padrões de alterações nas proteínas plasmáticas em doenças hepáticas dependem do tipo, gravidade e duração da lesão. I. Albumina: sintetizada exclusivamente pelo fígado. Hipoalbuminemia é observada na cirrose, hepatite autoimune e hepatite alcóolica; II. Ceruloplasmina: reduzida na doença de Wilson, cirrose e em muitas causas de hepatite crônica. Pode estar aumentada por inflamação, colestase, hemocromatose, gravidez e terapia com estrógeno. III. Imunoglobulinas: aumentadas na cirrose, hepatite autoimune e Cirrose Biliar Primária (CBP); IV. Transtirretina: indicador sensível da capacidade de síntese corrente. Incapacidade em aumentar indica insuficiência hepática fulminante na hepatite aguda e está associada a prognostico pobre; V. α1-antitripsina: reduzida em deficiência homozigotica e cirrose hemático. Observa-se aumento na inflamação aguda; VI. α-fetoproteina: aumentos ligeiros são vistos em pacientes com hepatite aguda crônica indicando regeneração hepatocelular. Elevados níveis em casos de insuficiência hepática agudam indicam bom prognostico. Também está elevada no Carcinoma Hepatocelular (CHC). Síntese de ureia: pacientes com estagio final da doença hepática possuem baixas concentrações de ureia no plasma, enquanto precursores da ureia estão aumentados na fase final da doença hepática. Função metabólica hepática Metabolismo da amônia: concentração da amônio na veia porta é 5-10x mais elevada do que na circulação sistêmica. Em condições normais, amônia é metabolizada em ureia em hepatócitos no ciclo Krebs-Henseleit da ureia. ► Hiperamonemia: efeitos tóxicos no SNC. As causas podem ser deficiências hereditárias de enzimas do ciclo da ureia, síndrome de Reye, doença hepática avançada e insuficiência renal. ► Encefalopatia hepática: no paciente cirrótico é precipitada por hemorragia gastrointestinal que aumenta produção de amônia. Outras causas precipitantes de encefalopatia incluem excesso de proteínas na dieta, constipação, infecções, fármacos ou desequilíbrio de eletrólitos e ácido-base. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE DOENÇA HEPÁTICA Icterícia: aparência amarela da pele, membranas mucosas e esclera causada por deposição de bilirrubina. Disfunção mais especifica de disfunção hepática, podendo ocorrer também por superprodução de bilirrubina (hemólise) ou distúrbios congênitos do metabolismo da bilirrubina. É aparente quando concentração plasmática atinge 2-3 mg/dL. ► Hepatite aguda e obstrução do duto biliar → depuração da bilirrubina do fígado para TGI é prejudicada = fezes acólicas (cor cinza). ► Aumento da bilirrubina conjugada solúvel em água = urina cor de chá. Hipertensão portal: ocorre quando há obstrução do fluxo portal em qualquer lugar ao longo do seu curso. As causas são classificada por local (pré-sinusoidal, sinusoidal e pós-sinusoidal). Tabela 1: Causas da hipertensão portal Causas Pré-sinusoidal Trombose da veia porta e esquistossomose Sinusoidal Cirrose Pós-sinusoidal Síndrome de Budd-Chain (oclusão da veia hepática) e insuficiência cardíaca congestiva A piora da hipertensão portal compromete funções metabólicas do fígado, como alteração do metabolismo do estrógeno, levando a alterações da pele, eritema palmar, ginecomastia em homens e sangramento vaginal anormal ou períodos menstruais irregulares. Pacientes com hipertensão portal são predispostos a sangramento excessivo e trombose venosa. Sangramento de varizes esofágicas: ocorrem ao longo do TGI, sendo uma das principais causas de morbimortalidade em pacientes com cirrose. Ascite: acumulo de liquido na cavidade abdominal, podendo comprometer respiração e predispõe individuo a peritonite bacteriana espontânea. Peritonite bacteriana espontânea: geralmente se apresenta em individuo com cirrose que desenvolve dor abdominal, febre ou leucocitose. Encefalopatia hepática (portossistêmica): doença metabólica caracterizada por amplo espectro de disfunção neuropsiquiátrica. Síndrome hepatorrenal: redução da função renal secundaria à doença hepática. Distúrbios da hemostasia nas doenças hepáticas ► Hemostase anormal é comum na doença hepática, particularmente na cirrose e insuficiência hepática aguda. ► Distúrbios do fibrinogênio → conduz prolongamento do tempo de tromboplastina parcial. ► Trombocitopenia: contribui para coagulação intravascular ineficaz. Enzimas liberadas a partir do fígado doente Especificidade de tecido: AST, ALT, Fosfatase Alcalina (ALP) e GGT são comumente utilizados para detectar lesão hepática, enquanto a Lactato Desidrogenase (LD) não é especifica, sendo utilizada ocasionalmente. ALT e GGT são considerados os marcadores mais específicos para lesões hepáticas. Distribuição subcelular: AST, ALT e LD são enzimas citosólicas, sendo liberadas na lesão celular e com rápido aparecimento plasmático. Atividade relativa no fígado e plasma: LD tem menor aumento na lesão hepática quando comparada a AST e ALT. Em cirrose, abuso de álcool e desnutrição, AST > ALT. Taxa de depuração de enzimas do plasma: maioria das lesões hepáticas, ALT > AST devido a ↑meia-vida. DOENÇAS DO FÍGADO Mecanismos e padrões de lesão ► Morte celular ocorre por apoptose, necrose ou ambos. ► Exames laboratoriais permitem distinguir padrão, cronicidade e gravidadeda lesão. Hepatite aguda Lesão aguda contra hepatócitos, podendo ser direta (medicamentos ou isquemia) ou indireta (vírus da hepatite e drogas). Em lesões diretas, existe rápido aumento da AST, ALT e LD; nas lesões indiretas, existe aumento gradual em enzimas citosólicas, fase de platô e elevação gradual da depuração enzimática. ► AST > 200 UI/L ou ALT > 300 UI/L → sensibilidade e especificidade clinica > 90% para hepatite aguda. ► Maioria dos casos: recuperação completa e regeneração hepática. Entretanto, alguns casos podem evoluir para hepatite crônica. Hepatite alcóolica aguda: doença febril aguda associada a leucocitose e ↑concentrações de proteínas de fase aguda. Provoca aumento ligeiro de enzimas citosólicas. ↑Bilirrubina, ↓albumina e PT prolongado → marcadores de pobre prognostico. Hepatite crônica Continuidade de danos inflamatórios a hepatócitos, muitas vezes acompanhada de regeneração de hepatócitos e cicatrizes. As cicatrizes graduais podem conduzir à cirrose. Doença hepática alcóolica Fatores de risco para desenvolvimento incluem duração e magnitude do abuso de álcool, seco, presença de coinfecção com HBV ou HCV e estado nutricional. AST > ALT. Cirrose Fibrose difusa com regeneração nodular, representando fase final de formação de cicatrizes e regeneração de lesão hepática crônica. Alterações laboratoriais aparecem antes dos achados clínicos se desenvolverem, incluindo ascite, ginecomastia, eritema palmar e hipertensão portal. As alterações laboratoriais são queda na contagem de plaquetas, aumento do PT, diminuição da proporção albumina/globulina < 1 e aumento da razão da atividade AST/ALT > 1. Com cirrose avançada, descompensação (perda de funcionalidade) ocorre com evidência clínica de hipertensão portal. Doenças hepáticas colestáticas Retenção de bile no sistema excretor, podendo ou não haver obstrução. ► Colestase intra-hepática: problema funcional ou mecânico. ► Colestase extra-hepática: obstrução física dos ductos biliares por cálculos nas vias biliares, estenose e tumores. Acumulo normal de conteúdo biliar leva a icterícia e desenvolvimento anormal de lipoproteína-X, contendo fosfolipídios, colesterol, fragmentos de membrana celular (juntamente com ALP) e albumina. Tumores hepáticos Fígado é ocal de uma grande variedade de tumores benignos e malignos primários. É também o segundo local mais comum de metástases. Tumor mais importante: HCC → 5º câncer mais comum no mundo e uma das principais causas de morte por câncer. ESTRATÉGIA DE DIAGNÓSTICO Testes de função e integridade hepática são úteis em detecção, diagnóstico, avaliação da gravidade, monitorização da terapia, prognóstico da doença e disfunção do fígado. Enzimas do plasma: AST, ALT e ALP: permitem diferenciação de doença hepatocelular de doença colestática. Albumina sérica: Úteis na avaliação da cronicidade e gravidade da doença hepática. Limitações: concentração de albumina no soro é diminuída em doença aguda grave do fígado, desordens inflamatórias, desnutrição e síndrome nefrótica. Tempo de protrombina: O PT é o marcador de prognóstico mais importante na doença hepática aguda e normalmente o primeiro teste de função anormal de hepatite crônica que evolui para cirrose. Bilirrubina plasmática: Útil para medir a gravidade da doença hepática aguda e crônica. Injúria aguda hepática Hepatite aguda/icterícia Ausencia de regeneração/falência hepática Regeneração/recuperação Hepatite crônica Regeneração/recuperação Morte Cirrose Carcinoma hepatocelular Cirrose descompensada Cirrose compen-sada Doença estável Enzimas associadas à função hepática anormal AST/ALT > ALP Doença hepato celular ALP > AST/ALT Colestase Hepatite aguda Hepatite crônica (se AST > ALT, avaliar cirrose) Se ductos dilatados: obstrução extra-hepática Se ductos normais: obstrução intra-hepática Aumento isolado de bilirrubina sérica Descarte de hemólise, fracionamento de bilirrubina Conjugado Não conjugado Síndrome de Dubin-Johnson Síndrome do Rotor Síndrome de Gilbert Síndrome de Crigler-Najjar Síndrome de Lucey-Driscoll Bilirrubina Não conjugada (indireta) Superprodução de bilirrubina Conjugada (direta) Hepatite aguda Hemólise Hipertensão portal ↓Metabolismo hepático Colestase Hepatite ou colestase crônica