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apostila água, pH sistema tampão

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BIOQUÍMICA CELULAR 
- ÁGUA, pH e SISTEMA TAMPÃO – 
 
1. ÁGUA 
 A água compõe a maior parte da massa corporal do ser humano. É o solvente 
biológico ideal. A capacidade solvente inclui íons (ex.: Na+, K+ e Cl-), açúcares e muitos 
aminoácidos. Sua incapacidade para dissolver algumas substâncias como lipídios e 
alguns aminoácidos, permite a formação de estruturas supramoleculares (ex.: 
membranas) e numerosos processos bioquímicos. Nela estão dissolvidos ou suspensos 
os compostos e partículas necessários para o bom funcionamento celular. Reagentes e 
produtos de reações metabólicas, nutrientes, assim como produtos de descarte, 
dependem da água para o transporte dentro e entre as células. 
 A seleção da água como o solvente das reações bioquímicas, está relacionada às 
propriedades físicas e químicas da mesma, que são bastante distintas em relação a 
outros solventes. Quando comparado ao etanol, a água apresenta as seguintes diferenças 
em algumas propriedades: 
a) Ponto de fusão: água, 0°C; etanol: -117°C. 
b) Ponto de ebulição: água, 100°C; etanol, 78°C. 
c) Calor de vaporização – quantidade de energia calórica necessária para alterar 
1 g de solvente do estado líquido para o estado gasoso. O valor para água é 2260 Jg-1 
comparado com 854 Jg-1 para o etanol. O calor de vaporização é uma medida direta da 
energia necessária para superar as forças de atração entre moléculas na fase líquida. 
d) Constante dielétrica – capacidade que um solvente tem de se colocar entre 
dois íons de carga e separá-los, ou seja, é a medida da polaridade do solvente. 
e) Capilaridade – é um fenômeno físico resultante entre as forças de coesão e de 
adesão da molécula da água. É graças a capilaridade que a água desliza através das 
paredes de tubos ou desliza por entre poros de alguns materiais como algodão, esponja, 
etc. 
f) Calor específico – quantidade de calor necessária para se elevar em 1°C, 1 g 
de água. A seleção da água como solvente nas reações químicas está relacionada às 
propriedades físicas e químicas dela. O valor do calor específico para a água é 
considerado alto, faz com que ela possa ceder ou absorver muita quantidade de calor 
sem que haja mudança de estado físico. 
 
1.1. Estrutura da água 
 A água é uma molécula dipolar formada por dois átomos de hidrogênio ligados a 
um átomo de oxigênio. Este último, mais eletronegativo, exerce forte atração sobre os 
elétrons dos átomos de hidrogênio. Assim, o compartilhamento dos elétrons entre H e O 
é desigual, o que acarreta o surgimento de dois dipolos elétricos na molécula da água: 
um para cada ligação H-O. Cada hidrogênio exibe carga positiva (δ+) enquanto o átomo 
de oxigênio apresenta carga negativa parcial (δ-). O ângulo de ligação entre os 
hidrogênios e o oxigênio é de 104, 5°, tornando a molécula eletricamente assimétrica e 
produzindo dipolos elétricos. Ao se aproximarem, as moléculas de água interagem, pois 
a carga elétrica positiva parcial do hidrogênio de uma molécula atrai a carga elétrica 
negativa parcial do oxigênio de outra molécula de água adjacente, resultando em uma 
atração eletrostática denominada PONTE DE HIDROGÊNIO. 
 
 
1.2. Interações não-covalentes 
 As interações não covalentes são geralmente eletrostáticas; elas ocorrem entre o 
núcleo positivo de um átomo e a nuvem eletrônica de outro átomo adjacente. De modo 
diferente das ligações covalentes, as interações não-covalentes são individualmente 
fracas e são facilmente rompidas. No entanto, coletivamente elas influenciam de modo 
significativo as propriedades químicas físicas da água e as estruturas, propriedades e 
funções das biomoléculas. O grande número de interações não-covalentes estabiliza 
macromoléculas e estruturas supramoleculares, de tal modo que essas ligações sejam 
rapidamente formadas ou rompidas permitindo a flexibilidade necessária para manter os 
processos dinâmicos da vida. Nos organismos vivos, as interações não-covalentes mais 
importantes são: pontes de hidrogênio, interações eletrostáticas (iônicas), interações 
hidrofóbicas e interações de van der Waals. 
 
1.3. Propriedades solventes da água 
 A natureza polar e a capacidade de formar pontes de hidrogênio, tornam a água 
uma molécula com grande poder de interação. A água solvata facilmente as moléculas 
polares ou iônicas pelo enfraquecimento das interações eletrostáticas e das pontes de 
hidrogênio entre as moléculas competindo com elas por suas atrações. A água dissolve 
sais como o NaCl por hidratação e estabiliza os íons Na+ e Cl-, enfraquecendo suas 
interações, e assim impedindo a associação para formar uma rede cristalina. 
 Moléculas orgânicas com grupos ionizáveis e muitas moléculas orgânicas com 
grupos funcionais polares também dissolvem em água, fundamentalmente pela 
capacidade solvente das pontes de hidrogênio. Essas associações são formadas entre a 
água e os grupos carbonila aldeídicos (COH) e cetônicos (CO) e os grupos hidroxila 
(OH) dos alcoóis. 
 As biomoléculas ou grupamentos não polares são insolúveis em água, pois as 
interações entre as moléculas de água são mais fortes que as interações da água com 
compostos não-polares. Os compostos não-polares tendem a se aglomerar em água 
(efeito hdirofóbico). As interações hidrofóbicas são as principais forças propulsoras no 
enovelamento de macromoléculas. 
 Um grande número de biomoléculas, denominadas anfipáticas, contém regiões 
polares (ou carregadas) e regiões não-polares. Essa propriedade afeta significativamente 
o meio aquoso. Quando misturados com a água. As moléculas anfipáticas se agregam 
formando estruturas estáveis chamadas micelas. Nas micelas, as regiões carregadas são 
denominadas cabeças polares, são orientados para a água com a qual interage. A parte 
não-polar tende a evitar o contato com a água e orienta-se para o interior hidrofóbico. A 
tendência das biomoléculas anfipáticas é espontaneamente se rearranjar em água e é 
uma característica importante de numerosos componentes celulares. Por exemplo, a 
formação de bicamadas por moléculas de fosfolipídeos é a estrutura básica das 
membranas biológicas. 
 
1.4. Ionização da água 
 Pequena proporção de moléculas de água dissociam-se para formar íons 
hidrogênio e hidroxila: 
H2O ↔ H+ + OH- 
 Para cada mol de H+, um mol de OH- é produzido. Devido a elevada reatividade 
do próton e o momento dipolar da molécula de água, o H+ não existe como tal em 
solução aquosa, mas reage com uma segunda molécula de água para formar o íon 
hidrônio (H3O+). O grau de ionização é descrito quantitativamente pela constante de 
dissociação (K). 
K = [H+][OH-] 
 H2O 
 
 Na água pura [H+] = [OH-] tem o valor 10-7 mol L-1. Alterações na concentração 
do H+ ou OH-, provocam uma concomitante modificação na concentração do outro íon. 
Conhecendo-se a concentração de um deles, facilmente é calculado o teor do outro. 
 
1.5. Escala de pH 
 Para evitar o uso de exponenciais para expressar as concentrações dos íons de 
hidrogênio em soluções emprega-se a escala de pH, um modo conveniente para 
expressar a concentração real de íons hidrogênio de uma solução. O pH de uma solução 
é definido como logaritmo negativo base 10 da concentração de íons hidrogênio: 
 pH = -log [H+] 
 Em uma solução aquosa neutra a 25°C, a concentração do íon hidrogênio (como 
também a [OH-]) é 10-7 mol L-1 ou pH = 7. 
 [H+] = 0,0000001 = 10-7 
 log [H+] = -7 
 pH = -log[H+] = 7 
 Soluções com pH menor do que 7 são ácidas, enquanto aquelas com pH>7 são 
básicas. 
 O pH varia na razão inversa da concentração de H+. Desse modo, o aumento da 
concentração de H+ reduz o pH enquanto a diminuição, o eleva. 
 O pOH é o potencial de hidroxila presente em uma solução e sua relação com o 
pH é: 
 pH + pOH = 14 
 
2. ÁCIDOS E BASES 
 A concentração do íon hidrogênio (H+) afeta a maioria dos processos nos 
sistemas biológicos.Dessa forma, é necessários estudar a definição de ácidos e bases 
para se compreender tais processos. 
 Certos ácidos quando dissolvidos na água, dissociam-se quase que 
completamente em íons, como mostra a reação abaixo: 
HNO3 ⇒ H+ + NO3- (1) 
Em uma verdadeira representação do que ocorre, diz-se que o ácido reage 
completamente com a água, produzindo íons. Esta afirmação é representada pela 
equação de equilíbrio: 
HNO3 + H2O ⇔ H3O+ + NO3- (aq) (2) 
Tanto a equação (1) como a equação (2) estão corretas. Geralmente a (1) é usada 
por ser mais fácil de escrever. A maioria dos ácidos, entretanto, dissocia-se na água 
somente de uma maneira parcial, como representada pela equação (3): 
CH3COOH + H2O ↔ H3O+ + CH3COO- (3) 
Um ácido de acordo com a teoria de Bronsted-Lowry, é um doador de prótons e uma 
base é um receptor de prótons. As duas reações abaixo, representam a transferência de 
um próton para a água, de um ácido forte (4) e a transferência para a água de um próton, 
de um ácido fraco (5). Neste caso, a água atua como uma base: 
HNO3 + H2O ⇔ H3O+ + NO3- (4) 
CH3COOH + H2O ⇔ H3O+ + CH3COO- (5) 
O íon NO3- é chamado de base conjugada do HNO3 e o íon CH3COO- é 
chamado de base conjugada do CH3COOH. Ácidos conjugados são convertidos para 
suas bases conjugadas pela perda de um próton. 
A reação (4) representa a ionização de um ácido forte no qual 100% das 
moléculas do ácido são convertidos nas espécies de bases conjugadas pela transferência 
de próton. A reação (5) representa a ionização parcial de um ácido fraco. Bases 
conjugadas de ácidos fracos têm afinidade mais forte por prótons do que bases 
conjugadas de ácidos fortes. 
 Após o estabelecimento do equilíbrio (o que ocorre quase instantaneamente no 
caso de ácidos reagindo com água), a razão das concentrações dos íons para a 
concentração das moléculas de ácido fraco, não dissociadas, a uma dada temperatura é 
constante. A reação matemática é dada por: 
HZ ⇔ H+ + Z- 
K = [H+].[Z-] 
[HZ] 
A constante K pode ser denominada de Ki, constante de ionização, Kd , 
constante de dissociação ou Ka, constante de acidez. Cada ácido tem um valor 
característico de K. 
 
3. Sistemas tampão 
As substâncias consideradas ácidos ou bases fortes são aquelas que tendem a se 
dissociar totalmente quando em solução, diminuindo ou aumentando o pH do meio, 
respectivamente. Assim, o pH de uma solução 0,1 M de HCl é praticamente 1,0 (pH = -
log [0,1]), enquanto o pH de uma solução 0,1 N de NaOH é praticamente 13,0 (pOH = -
log [0,1] e pH = 14 - 1). 
O pH dos fluidos biológicos mantém-se mais ou menos constantes em valores 
próximos de 7,0 devido à presença de um grande número de substâncias capazes de 
captar ou liberar prótons. Nas células e nos fluidos biológicos predominam ácidos e 
bases fracos, que não são completamente ionizáveis em solução (alguns dissociam-se 
menos que 1 %). Sendo assim, a relação entre pH e o grau de dissociação de um ácido 
fraco não é direta como nos ácidos fortes. No entanto, ela pode ser analisada através da 
equação de Henderson-Hasselbach. 
Considere a reação de dissociação de um ácido fraco em solução aquosa: 
HA « H+ + A- 
Aplicando a lei de ação de massas temos: 
Ka = [H+] [A-] 
[HA] 
Onde Ka é a constante de equilíbrio da reação. 
Rearranjando a equação temos: 
 1 = 1 x [A-] Logo: 
[H+] Ka [HA] 
log 1 = log 1 + log [A-] 
 [H+] Ka [HA] 
 
 Chegamos finalmente à equação de Henderson-Hasselbach: 
 pH = pKa + log [A-] 
 [HA] 
A equação mostra que o pH de qualquer solução aquosa que contenha uma 
quantidade significativa de um ácido fraco dependerá da proporção (E NÃO DA 
QUANTIDADE ABSOLUTA) das formas dissociadas e não dissociadas do ácido e do 
pKa deste mesmo ácido. Se H+ ou OH- forem adicionados a uma solução contendo uma 
proporção adequada destas formas, a razão [base]/[ácido] será alterada ao consumir 
esses [H+] ou [OH-], sem variar o pH do meio e, é claro, mantendo-se inalterada a 
constante de dissociação, Ka. Assim, o TAMPONAMENTO DE UMA SOLUÇÃO é a 
capacidade desta em resistir a variações de pH. Substâncias cuja presença na solução 
são responsáveis por este efeito são conhecidas como TAMPÕES. 
O fenômeno do tamponamento é um dos fatores que possibilitou o surgimento 
da vida. Em organismos vivos o pH dos diferentes ambientes é mantido estável, mesmo 
após a “adição” de ácidos ou bases. Em laboratórios pode-se preparar uma solução 
tampão utilizando-se uma base fraca ou um ácido fraco (ex.: ácido acético) e sua base 
conjugada na forma de um sal (ex.: acetato de sódio). Em pesquisa científica os tampões 
são essenciais para a manutenção do pH em uma grande variedade de procedimentos, 
por exemplo, cultura de células e tecidos, medida de atividade enzimática, purificação 
de proteínas, etc... Normalmente utiliza-se um tampão para manutenção de um valor de 
pH que se encontre uma unidade acima ou abaixo de seu valor de pK, pois dentro desta 
faixa o seu efeito tamponante é muito mais eficiente. 
Se um ácido for adicionado a um tampão, ocorrerá uma elevação da 
concentração dos íons H+ no meio (uma perturbação ao equilíbrio); essa perturbação 
será neutralizada pela base conjugada do tampão, restabelecendo o estado de equilíbrio, 
e o pH da solução irá variar pouco, conforme a reação abaixo: 
CH3COO- + H3O+ ↔ CH3COOH + H2O 
 
Se uma base for adicionada a um tampão, ocorrerá uma elevação da 
concentração dos íons OH– no meio (uma perturbação ao equilíbrio); essa perturbação 
será neutralizada pelo ácido acético do tampão, restabelecendo o estado de equilíbrio, e 
o pH da solução irá variar pouco, conforme a reação abaixo: 
CH3COOH + H2O ⇔ H3O+ + CH3COO- 
3.1. Capacidade tamponante 
É importante lembrar que existe um limite para as quantidades de ácido ou de 
base adicionadas a uma solução tampão antes que um dos componentes seja totalmente 
consumido. Esse limite é conhecido como a capacidade tamponante de uma solução 
tampão e é definido como a quantidade de matéria de um ácido ou base fortes 
necessária para que 1 litro da solução tampão sofra uma variação de uma unidade no 
pH. 
Esta habilidade em evitar uma mudança significativa no pH é diretamente 
relacionada à concentração total das espécies do tampão (ácidas e básicas), assim como 
à razão destas. A razão fundamental de uma solução tampão resistir a mudanças de pH 
resulta do fato de que íons hidroxônio ou hidroxila quando adicionados a este tipo de 
solução, reagem quantitativamente com as espécies básicas e ácidas presentes, 
originando o ácido fraco e a base fraca, respectivamente. Intuitivamente, é fácil 
constatar que quanto maior a concentração das espécies do tampão, maior será a 
quantidade de íons hidroxônio ou íons hidroxila necessários para a conversão completa 
dessas espécies a ácidos fracos e bases fracas. Ao final desta conversão, a razão entre a 
espécie predominante e a de menor quantidade do tampão torna-se elevada e a solução 
deixa de ser um tampão. 
É verificado que um tampão é mais efetivo a mudanças no pH quando seu pH é 
igual ao pKa, ou seja, quando as concentrações das espécies ácida e básica são iguais. A 
região de pH útil de um tampão é usualmente considerada como sendo de pH = pKa ± 1. 
Quando a razão entre as espécies básica e ácida é igual a 1, o pH da solução 
tampão é idêntico ao pKa, e quando a razão é menor ou maior que 1, o pH é, 
respectivamente, menor ou maior que o pKa. 
Dessa forma, a capacidade tamponante máxima de um ácido é quando o pH = 
pKa do ácido fraco, ou seja, quando as concentrações molares do ácido fraco e sua base 
conjugada são iguais. Na realidade, a capacidade tamponante é considerável mesmo 
dentro de uma faixa de ± 1 unidade de pH do valor de seu pKa. Fora destes limites, a 
açãotamponante é mínima. Esse fato está representado na curva de titulação do ácido 
acético na figura abaixo. Para o par ácido acético/acetato (pKa = 4,76) o tamponamento 
efetivo está entre pH 3,76 e 5,76.

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