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GASTRITE Enquanto o leigo e, mesmo alguns clínicos, a utilizam como sinônimo de sintomas mal caracterizados, hoje englobados sob a denominação de dispepsia funcional ou não ulcerosa, o endoscopista a emprega para descrever o que seriam apenas anormalidades macroscópicas como hiperemia ou enantema de mucosa, por exemplo, que pode ser secundária a outras causas que não inflamação da mucosa, como hemorragia subepitelial, dilatação capilar e depleção de mucina, sem configurar o real sentido do termo, ou seja, a presença de inflamação aguda ou crônica da mucosa gástrica. Por outro lado, o exame histológico de uma mucosa gástrica endoscopicamente considerada normal pode, muitas vezes, revelar inflamação extensa. CLASSIFICAÇÃO GASTRITES AGUDAS Embora raramente observadas em biopsias gástricas de rotina, as gastrites agudas são classificadas em três grupos: gastrite aguda por Helicobacter pylori (H. pylori), gastrite supu- rativa ou flegmonosa aguda e gastrite aguda hemorrágica ou gastrite erosiva aguda. Esta última, também denominada por alguns como lesão aguda da mucosa gastroduodenal (LAMGD), pode ser secundária ao uso de álcool, ácido acetilsalicílico, anti-inflamatórios, corticosteroides e em situações clínicas como choque, trauma, cirurgias extensas, queimaduras, septicemia, insuficiência respiratória, hepática ou renal, entre outras. Histologicamente, independentemente da causa (álcool, drogas ou eventos estressantes), o quadro acomete todo o estômago, para, a seguir, predominar no antro e duodeno. As alterações histológicas se localizam apenas em áreas imediatamente adjacentes às lesões e se caracterizam, na zona subepitelial, por edema difuso da lâmina própria, congestão capilar e diferentes graus de hemorragia intersticial. Erosões podem ou não estar presentes, já que são rapidamente reparadas. Como os achados inflamatórios são tipicamente ausentes ou discretos, muitos autores preferem o termo gastropatia, em vez de gastrite, nestas eventualidades. -Gastrite aguda por Helicobacter pylori (H. pylori) Adquirido por via oral, o microrganismo penetra na camada de muco e se multiplica em contato íntimo com as células epiteliais do estômago. O epitélio responde com depleção de mucina, esfoliação celular e alterações regenerativas sinciciais. As bactérias aí assestadas liberam diferentes agentes quimiotáticos que penetram através do epitélio lesado e induzem a migração de polimorfonucleares para a lâmina própria e epitélio. Os produtos bacterianos também ativam os mastócitos e, através de sua degranulação, há liberação de outros ativadores inflamatórios que aumentam a permeabilidade vascular, a expressão de mo- léculas de adesão de leucócitos nas células endoteliais e também contribuem para uma maior migração de leucócitos. O H. pylori estimula o epitélio gástrico a produzir uma potente citocina, a interleucina-8, cuja produção é potencializada pelo fator de necrose tumoral e pela interleucina-1 liberados pelos macrófagos em resposta à lipopolissacáride bacteriana. Nos poucos casos de infecção aguda estudados, parece haver igual envolvimento do antro e corpo gástricos . Nesta fase, ocorre pronunciada hipocloridria e ausência de secreção de ácido ascórbico para o suco gástrico . A secreção ácida retorna ao normal após várias semanas, e a secreção de ácido ascórbico para o suco gástrico persiste reduzida enquanto durar a gastrite crônica. Esta fase aguda é de curta duração . Com exceção de algumas crianças que eliminam espontaneamente a bactéria, a resposta imune é incapaz de eliminar a infecção e, após 3 a 4 semanas, ocorre um gradual aumento de células inflamatórias crônicas. Como consequência, a gastrite neutrofílica aguda dá lugar a uma gastrite ativa crônica. Embora a primoinfecção por H. pylori passe despercebida pela maioria dos pacientes, às vezes, após um período de incubação variável de 3 a 7 dias, alguns indivíduos desenvolvem um quadro clínico caracterizado por dor ou mal estar epigástrico, pirose, náuseas, vômitos, flatulência, sialorreia, halitose, cefaleia e astenia. Tais casos expressam a ocorrência de gastrite aguda à histologia, conforme comprovado em alguns estudos. Os sintomas tendem a permanecer por 1 a 2 semanas. As anormalidades macroscópicas são extremamente variáveis à endoscopia, desde pequeno enantema até erosões, úlceras ou, mesmo, lesões pseudotumorais. Na maioria dos pacientes, as alterações concentram-se fundamentalmente no antro, podendo, às vezes, comprometer também o corpo gástrico. Embora o quadro clínico seja autolimitado, evoluindo sem sintomas, ou com sintomas persistindo por até 2 semanas, na quase totalidade dos casos a infecção, se não tratada, permanece indefinidamente e se acompanha sempre de quadro histológico de gastrite crônica. O diagnóstico laboratorial da infecção aguda pode ser feito através de histologia, testes respiratórios com carbono 13 ou 14, cultura e teste da urease. A sorologia também pode ser usada, embora, em pacientes recentemente infectados, possam ocorrer resultados falso-negativos. A abordagem terapêutica , quando decidida, é feita da maneira usual. Embora se acredite que a hipossecreção ácida possa facilitar a resposta ao tratamento, há relato da necessidade de vários cursos de tratamento para obtenção da erradicação neste estágio do acometimento gástrico pelo H. pylori. -Gastrite flegmonosa aguda É uma entidade rara, às vezes também presente em pacientes pediátricos, que se caracteriza por infecção bacteriana da muscularis mucosa e submucosa do estômago, com infiltração de células plasmáticas, linfócitos e polimorfonucleares. Na maioria dos casos descritos, a inflamação não ultrapassa o cárdia e o piloro, sendo a mucosa gástrica relativamente pouco acometida. O quadro costuma se instalar como complicação de doença sistêmica ou septicemia, tendo sido descrita após empiema, meningite e endocardite pneumocócica, entre outras. Quando causada por agentes formadores de gás, é denominada gastrite enfisematosa. Muitas vezes, podem-se observar alguns fatores predisponentes, como cirurgia gástrica prévia, hipocloridria, câncer gástrico, úlcera gástrica e gastrite. Na maioria dos casos descritos até hoje, foram isolados germes gram-positivos, especialmente Streptococcus spp., embora Pneumococcus spp., Staphylococcus spp., Proteus vulgaris, Escherichia coli e Clostridium welchii também já tenham sido identificados. O diagnóstico clínico é muitas vezes difícil. A evolução clínica é rápida , com dor epigástrica, náuseas e vômitos purulentos, constituindo sintomas comumente observados. Outras vezes, podem-se encontrar sinais de irritação peritoneal. A visualização de gás na submucosa gástrica na radiografia simples de abdome sugere a possibilidade de germes formadores de gás, tipo Clostridium welchii. Com frequência, o diagnóstico é feito através de laparotomia exploradora ou, mesmo, na necropsia. Leucocitose com desvio para aesquerda é quase sempre descrita, sendo a amilase normal. O estudo radiológico do estômago revela espessamento das pregas gástricas com redução da distensibilidade antral. Sendo a mucosa gástrica habitualmente poupada, a biopsia convencional pode não definir o diagnóstico , sendo necessário o uso de procedimentos especiais para se obter material da submucosa gástrica. A terapêutica inclui o emprego de antibióticos de amplo espectro associado à drenagem cirúrgica ou endoscópica da parede gástrica . Outras vezes, se torna necessária a realização de cirurgias de ressecção . Na série de 25 pacientes compilada por Miller et al., a mortalidade geral foi de 67%, com os 14 pacientes tratados clinicamente evoluindo para o óbito, contra apenas dois dos 11 tratados cirurgicamente. -Gastrite aguda hemorrágica As lesões agudas da mucosa gastroduodenal ou úlceras de estresse se iniciam nas primeiras horas após grandes traumas ou doenças sistêmicas graves e acometem as regiões proximais do estômago. Ocasionalmente, podem também envolver o antro gástrico, duodeno ou esôfago distal. São caracterizadas por múltiplas lesões hemorrágicas, puntiformes, associadas a alterações da superfície epitelial e edema. Como complicação clínica, a gastrite aguda pode exteriorizar-se por hemorragia digestiva alta. A sua patogenia não é bem conhecida, sendo os mecanismos mais aceitos aqueles relacionados com alterações nos mecanismos defensivos da mucosa gastroduodenal. Endoscopias realizadas dentro de 72 h após trauma cranioencefálico ou queimaduras extensas mostram anormalidades agudas da mucosa gástrica em mais que 75% dos pacientes, e, na metade dos casos, existem evidências endoscópicas de sangramento recente ou em atividade. Apesar disso, um percentual mínimo de pacientes apresentará evidências hemodinâmicas consequentes à perda aguda de sangue. Estudos epidemiológicos estimam que 1,5 a 8,5% dos pacientes internados em unidades de terapia intensiva apresentam sangramento gastrintestinal visível, podendo, entretanto, acometer até 15% daqueles que não recebem tratamento profilático adequado. É hoje aceito que pacientes internados em unidades de terapia intensiva e que apresentem alto risco para o desenvolvimento de lesões agudas da mucosa gastroduodenal devam receber tratamento profilático. O Quadro 18.1 apresenta as principais indicações para tratamento profilático sugeridas pela The American Society of Health System Pharmacists. Estudos clínicos têm demonstrado que os inibidores de bomba de prótons, antagonistas dos receptores H2 e os antiácidos reduzem a frequência de sangramento digestivo visível em pacientes internados em CTI, quando comparados com grupos placebo ou sem nenhuma profilaxia. Embora existam estudos comparando as diferentes opções terapêuticas, deve-se salientar que eles são ainda considerados limitados, seja pelo tamanho amostral, seja por deficiências metodológicas. Embora o emprego de IBP (omeprazol e pantoprazol) IV promova efetiva redução da acidez gástrica, não existem evidências convincentes que confiram benefícios superiores àqueles obtidos por outras estratégias terapêuticas menos onerosas, como os antagonistas dos receptores H2 IV, na profilaxia das lesões agudas da mucosa gastroduodenal. GASTRITES CRÔNICAS Para o adequado estudo das gastrites, é recomendada a realização de, pelo menos, cinco biopsias, sendo uma da grande e outra da pequena curvatura gástrica, a 2 a 3 cm do piloro, uma da incisura angular, uma da pequena curvatura a 4 cm acima do angulus e outra na grande curvatura a 8 cm do cárdia. -Gastrite crônica associada ao Helicobacter pylori (H. pylori) O H. pylori é hoje considerado o principal agente etiológico em mais de 95% das gastrites crônicas. Essa bactéria coloniza a mucosa gástrica humana com mínima competição por parte de outros microrganismos e parece estar particularmente adaptada a esse ambiente. Embora a presença do H. pylori evoque resposta imune local e sistêmica , a infecção, uma vez adquirida, persiste para sempre, sendo raramente eliminada espontaneamente. Mais ainda, é sempre acompanhada por gastrite histológica, de intensidade variável. O antro é tipicamente a primeira região a ser acometida, podendo às vezes predominar o comprometimento do corpo ou, mesmo, de todo o órgão (pangastrite). A distribuição do H. pylori no estômago é importante, pois parece ser um indicador do padrão de evolução da gastrite. Assim, indivíduos com gastrite predominantemente antral terão secreção gástrica normal ou elevada graças à manutenção de mucosa oxíntica íntegra e poderão ter um risco aumentado para úlcera duodenal. Indivíduos com gastrite acometendo de forma predominante o corpo do estômago terão secreção ácida reduzida, em consequência da destruição progressiva da mucosa oxíntica. Histologicamente, exibem uma mistura de gastrite crônica superficial e alterações atróficas com tendências a progredir com o passar dos anos (ou décadas), podendo ocorrer também o desenvolvimento de metaplasia intestinal. Estima-se que a gastrite crônica do corpo gástrico, associada a atrofia acentuada, eleva de três a quatro vezes o risco de carcinoma gástrico, do tipo intestinal. A gastrite crônica do antro associada a H. pylori é habitualmente uma condição assintomática . Apesar de alguns estudos tentarem associá-la à dispepsia funcional, a maioria dos estudos não encontrou correlação entre sintomas gastrintestinais e a extensão ou intensidade da gastrite. Desta forma, o principal significado clínico da gastrite crônica associada ao H. pylori reside em sua estreita associação etiológica com a úlcera péptica duodenal e com o carcinoma e linfoma gástrico . A sequência infecção pelo H. pylori → gastrite crônica → atrofia glandular → metaplasia intestinal constitui um conjunto de alterações associativas muito frequentemente observado na espécie humana e desencadeado pela infecção pelo H. pylori ou tendo como passo inicial essa infecção. Embora a progressão da atrofia e da metaplasia, associadas ao H. pylori, possa trazer outras consequências fisiopatológicas como a úlcera péptica, o ponto de maior interesse está localizado, hoje, no desenvolvimento do câncer gástrico. Entre elas, a mais importante é o adenocarcinoma tipo intestinal que, de acordo com muitos, poderia ser colocado como a etapa final da sequência evolutiva anteriormente descrita, em um número significativo de pacientes. Portanto, atrofia glandular e metaplasia intestinal são consideradas, hoje, como corresponsáveis pelo câncer gástrico do tipo intestinal, havendo controvérsias na literatura acerca do grau de importância de cada uma. Metaplasia intestinal no estômago se refere à reposição progressiva do epitélio gástrico pelo epitélio tipo intestinal, ou seja, por um epitélio neoformado que apresenta características bioquímicas e morfológicas (tanto à microscopia óptica como à eletrônica) do epitélio intestinal, tanto do delgado como do cólon. Assim sendo, o epitéliometaplásico pode ser constituído por diferentes linhagens de células próprias da mucosa intestinal como células caliciformes, células absortivas, células de Paneth e células endócrinas. A atrofia da mucosa gástrica associada à gastrite crônica sinaliza para a possibilidade da existência de metaplasia intestinal ou torna sua ocorrência mais provável. A associação entre metaplasia intestinal e sinais histológicos conspícuos de atrofia glandular ocorre na maioria dos casos, não oferecendo dificuldade diagnóstica. Como já é conhecido, os pacientes que apresentam gastrite crônica que afeta, em graus semelhantes, tanto o antro quanto o corpo do estômago (pangastrite crônica) costumam evoluir com atrofia glandular do estômago e são exatamente os casos em que o câncer gástrico desenvolve-se com mais frequência . Em relação ao carcinoma gástrico tipo intestinal, o elo principal entre estas lesões precursoras é admitido como sendo a metaplasia intestinal. Tendo em vista a alta frequência de metaplasia intestinal e a relativa baixa frequência do câncer gástrico, alguns autores ressaltam que a atrofia da mucosa gástrica seria tão relevante quanto a metaplasia intestinal, ou mais, em relação à carcinogênese gástrica. Gastrite atrófica, atrofia gástrica e metaplasia intestinal constituem sequelas frequentes de gastrite crônica secundária à infecção por H. pylori. Como inúmeros indivíduos portadores de dispepsia funcional albergam o H. pylori e, portanto, são também portadores de gastrite crônica, muitos clínicos optam pelo tratamento anti-H. pylori nessa eventualidade. Entretanto, as evidências são controversas no tocante ao benefício da erradicação do microrganismo na resolução dos sintomas. É estimado que seja necessário realizar o tratamento em 15 pacientes para obtenção de alívio sintomático em um paciente. É hoje bem estabelecido que a erradicação do H. pylori promove remissão da gastrite ativa e reduz, enormemente, a incidência e/ou recorrência da doença ulcerosa. No homem, a gastrite crônica ativa reverte ao normal após a erradicação do microrganismo. Entretanto, há dúvidas sobre uma eventual regressão da atrofia gástrica e da metaplasia intestinal, lesões consideradas como condições pré-neoplásicas. Alguns estudos sugerem que a regressão possa ocorrer em pacientes acompanhados por longos períodos, enquanto outros sugerem que a erradicação da bactéria seja capaz de impedir a progressão das lesões atróficas e metaplásicas. Vale lembrar que, naqueles pacientes nos quais a bactéria não é erradicada, as lesões progridem ou não se alteram. Os resultados obtidos nestes estudos mostram que, em relação às condições pré-neoplásicas – atrofia e metaplasia intestinal –, a erradicação do microrganismo, embora não tenha promovido a sua regressão, parece ter sido capaz de impedir sua progressão. Em relação ao resultado do tratamento da bactéria na prevenção do câncer gástrico, o estudo mais longo e com maior número de pacientes mostrou que a erradicação do H. pylori é capaz de reduzir a incidência de câncer gástrico apenas nos indivíduos sem alterações histológicas (atrofia e/ou metaplasia) prévias. -Gastrite crônica autoimune Conhecida também como gastrite tipo A, acomete o corpo e fundo gástricos , raramente atingindo o antro. Caracteriza-se por uma atrofia seletiva, parcial ou completa, das glândulas gástricas no corpo e fundo do estômago, ocorrendo uma substituição, parcial ou completa, das células superficiais normais por mucosa tipo intestinal (metaplasia intestinal). A mucosa antral, por quase não ser acometida nesta entidade, mantém sua estrutura glandular normal e apresenta células endócrinas hiperplásticas. Funcionalmente, a atrofia das glândulas gástricas do corpo se associa com hipocloridria (atrofia parcial) ou, em casos avançados, acloridria, secundária à redução da massa de cé- lulas parietais; paralelamente, há um decréscimo também na secreção de fator intrínseco, podendo ocasionar a redução da absorção de vitamina B12 e o aparecimento de manifestações clínicas da anemia perniciosa. A preservação funcional da mucosa antral resulta em estimulação constante das células G com hipergastrinemia. Evidências imunológicas e experimentais sugerem um componente autoimune nesta entidade. Assim, a maioria dos pacientes apresenta testes imunológicos positivos, enquanto vários evoluem com outras doenças autoimunes, como, por exemplo, as tireoidites autoimunes. Estudos em famílias de portadores de gastrite atrófica demonstram uma incidência aumentada de gastrite em parentes de primeiro grau, sugerindo uma base genética , sendo a anemia perniciosa, a expressão final da gastrite crônica autoimune do corpo, hoje considerada como determinada por um gene autossômico único. A gastrite autoimune é assintomática do ponto de vista gastrintestinal, advindo sintomas hematológicos e/ou neurológicos na ocorrência de anemia perniciosa. Em decorrência da acloridria, com a consequente elevação do pH gástrico , tem sido descrita uma maior suscetibilidade desses pacientes a infecções entéricas por bactérias, vírus e parasitos . O diagnóstico da gastrite crônica autoimune do corpo é eminentemente histopatológico . À endoscopia, quando se insufla ar no estômago, o pregueado mucoso do corpo se desfaz to- tal ou parcialmente e observa-se uma mucosa de aspecto liso, brilhante e delgado, com os vasos da submucosa facilmente visualizados. Deve-se proceder à coleta simultânea de material para exame histopatológico do corpo e antro gástricos, para se ter certeza da localização do processo inflamatório. Os índices de concordância da histologia com a endoscopia são conflitantes, embora, nos casos mais avançados, a correlação seja razoavelmente boa. Anticorpos anticélula parietal e antifator intrínseco , embora presentes em até 90% dos portadores de anemia perniciosa, com frequência estão ausentes em portadores de gastrite atrófica apenas, sem alterações hematológicas. A gastrina sérica acha-se comumente elevada, embora possa estar normal ou reduzida em um pequeno número de casos, quando a atrofia atinge também o antro gástrico. A acloridria pode ser detectada através da secreção gástrica basal e estimulada. A medida isolada do pH gástrico em jejum pode mostrar também uma boa correlação com hipocloridria verdadeira ob- servada na gastrite do corpo e fundo. As determinações séricas de pepsinogênio , especialmente a relação entre pepsinogênio I e II, constituem testes não invasivos promissores para a detecção de gastrite atrófica do corpo e antro. A gastrite crônica autoimune do corpo é assintomática na maioria dos pacientes e, desta forma, não requer tratamento. A presença, entretanto, de anemia perniciosa exige a reposi- ção de vitamina B12, por via parenteral, na dose de 200 μg por mês, durante toda a vida. Tal terapêutica corrige as alterações hematológicas , embora não interfira na histologia da mucosa gástrica . A presença de deficiência de ferro obriga a investigaçãocuidadosa para neoplasias de estômago e cólon antes de mera terapêutica de reposição. Diarreias frequentes podem sugerir ocorrência de supercrescimento bacteriano. Não há ainda consenso sobre como devem ser acompanhados, ao longo do tempo, os portadores de gastrite crônica autoimune do corpo para se evitar sua complicação mais temida– o câncer gástrico. Pacientes com anemia perniciosa parecem ter um risco para carcinoma gástrico até três a cinco vezes superiores a indivíduos controles. A decisão por seguimento com exames endoscópicos irá depender dos achados iniciais e sintomas: caso a endoscopia inicial, com biopsias realizadas em diferentes áreas do estômago, não observe carcinoma, pólipos adenomatosos, tumores carcinoides ou displasia acentuada, provavelmente não há necessidade de acompanhamento endoscópico, principalmente na ausência de história familiar de câncer gástrico e naqueles procedentes de regiões onde o cân- cer gástrico não é epidêmico. A conduta na presença de displasia acentuada é também controvertida, com alguns autores sugerindo a repetição anual de endoscopias com biopsias. Por outro lado, um extenso estudo de acompanhamento a longo prazo realizado por investigadores da Clínica Mayo, nos EUA, não observou risco aumentado para carcinoma gástrico em portadores de anemia perniciosa. Os tumores carcinoides gástricos são encontrados em 2 a 9% dos pacientes com anemia perniciosa, sendo a maioria deles assintomáticos . Microscopicamente, são constituídos de células ECL e, à macroscopia, apresentam-se habitualmente como lesões polipoides, pequenas (< 1 cm), frequentemente múltiplas, localizadas no corpo gástrico. Tumores pequenos e assintomáticos podem ser removidos endoscopicamente; tumores sintomáticos, com frequência avançados, podem ser removidos cirurgicamente. Alguns autores sugerem que a antrectomia isoladamente, ao promover a retirada das células G e abolir a hipergastrinemia, propiciaria a regressão do tumor, estando assim indicada em portadores de carcinoides gástricos múltiplos. GASTRITES QUÍMICAS Terminologia adotada no lugar de designações encontradas em outras classificações, como gastrites reativas, gastrite de refluxo ou gastrite tipo C. Engloba os achados observados no refluxo biliar, em associação com certas drogas ou sem relação causal evidente, porém com aspectos histológicos comuns, constando de hiperplasia foveolar, edema, vasodilatação, fibrose ocasional e escassez de componente inflamatório. -Gastrite química associada ao refluxo biliar Refluxo enterogástrico é um fenômeno comum após procedimentos de ressecção gástrica , independentemente do tipo de reconstituição do trânsito empregada, seja Bilroth I ou II. Também tem sido observado após vagotomia troncular com piloroplastia e, quando presente, é de mínima monta depois de vagotomia superseletiva. Entre os achados histológicos, a hiperplasia foveolar com alongamento e/ou tortuosidade constitui o achado histológico mais sugestivo de gastrite reativa associada ao refluxo biliar. Na maioria dos casos sintomáticos, o quadro se desenvolve após cirurgia gástrica para úlcera péptica, com a sintomatologia se iniciando dentro de poucas semanas a vários anos depois do ato cirúrgico. A exata incidência é desconhecida, com alguns estudos sugerindo que possa ocorrer em até 9% dos pacientes operados. Os casos descritos em pacientes sem cirurgia gástrica anterior estão quase sempre associados à colecistectomia prévia . Clinicamente, o quadro se caracteriza por dor epigástrica, vômitos biliosos, perda de peso e anemia. A dor não é aliviada por antiácidos ou outros antiulcerosos, se agravando com os alimentos e, com frequência, se associando com eructações pós-prandiais, distensão abdominal e pirose; menos frequentemente, pode ocorrer anemia secundária à perda oculta de sangue pelas fezes. A correlação entre refluxo duodenogástrico, sintomas e a presença de gastrite é incerta. Embora alguns estudos demonstrem que a infusão de suco duodenal autólogo no remanescente gástrico possa reproduzir os sintomas em pacientes previamente sintomáticos, a maioria dos pacientes com gastrite e/ou refluxo é, na verdade, assintomática . Desta forma, o diagnóstico se baseia na presença de sintomas e na exclusão de outras afecções como úlcera pós-operatória, obstrução pilórica, síndrome de alça eferente, síndrome do intestino irritável, afecções biliopancreáticas, dentre outras. O estudo da secreção gástrica normalmente mostra hipo ou acloridria, com mínima resposta ao estímulo com pentagastrina. Em alguns pacientes, a determinação de gastrina sérica auxiliará na exclusão de estados hipergastrinêmicos como a síndrome do antro retido após ressecção a Billroth II, gastrinoma ou hiperplasia de células G. O Bilitec 2000, instrumental que inclui eletrodos posicionados no estômago e/ou no esôfago, é capaz de monitorar por 24 h, através de propriedades espectrofotoquímicas, a exposição das mucosas destes segmentos a material refluído contendo bilirrubina. Constitui hoje o melhor método diagnóstico para a presença de refluxo alcalino, duodenogástrico ou gastresofágico. Finalmente, estudos de esvaziamento do remanescente gástrico, empregando métodos isotópicos, podem ser necessários para avaliar distúrbios de motilidade, já que a cirurgia de derivações em Y de Roux pode não beneficiar, ou mesmo agravar, pacientes com estase apreciável do coto gástrico. Nenhum tratamento clínico tem se mostrado eficaz na abordagem desta síndrome. A base da terapêutica consiste em reduzir a exposição da mucosa gástrica aos agentes agressivos presentes no material refluído , seja por inativação ou impedimento de sua entrada no estômago. O emprego de resinas de trocas iônicas , como a colestiramina ou colestipol, que se liga aos sais biliares, pode ser tentado, embora os resultados sejam quase sempre insatisfatórios e elas possam provocar constipação intestinal e excesso de gases. Devem ser empregados também com cautela em pacientes submetidos à vagotomia e com estase gástrica, pelo risco de desenvolvimento de bezoares. Outros agentes capazes de se ligar aos sais biliares, como os antiácidos contendo alumínio e o sucralfato, não têm apresentado bons resultados. O ácido ursodesoxicólico tem sido utilizado com o objetivo de tornar a bile menos tóxica para a mucosa gástrica, ao reduzir a proporção de ácido cólico, desoxicólico e litocólico na bile, embora o número de estudos controlados ainda seja muito pequeno. Por fim, drogas procinéticas , como metoclopramida e domperidona, têm sido testadas com resultados variáveis, não ficando claro se, quando melhoram os sintomas, o fazem através da resolução da gastrite ou da redução da estase. Naqueles pacientes portadores de gastrite reativa associada ao refluxo biliar que não respondem ao tratamento clínico e que evoluem com sintomas debilitantes como desnutrição grave e perda de peso importante, diversos procedimentos cirúrgicos capazes de impedir o refluxoduodenogástrico devem ser cuidadosamente considerados. -Gastrite linfocítica Denominada como gastrite varioliforme ou gastrite erosiva crônica pelos endoscopistas em outras classificações, se caracteriza pela presença de múltiplas nodulações com erosões centrais e hiperemia circunjacente. As erosões têm, em média, 0,5 a 1 cm de diâmetro e se distribuem em filas no topo de pregas geralmente espessadas. A etiologia é desconhecida, e um mecanismo de hipersensibilidade parece estar envolvido. Alguns autores também postulam que ela possa representar uma forma particular de resposta imunológica a determinados casos de infecção pelo H. pylori, ou uma manifestação de doença intestinal, tipo celíaca ou espru, em que a infiltração linfocítica, observada nestas entidades, pudesse acometer o epitélio gástrico. Sua presença é raramente observada. A maior parte dos pacientes é assintomática, alguns podem apresentar sintomatologia sugestiva de úlcera péptica e/ou evidências de hemorragia digestiva alta, manifesta ou oculta. O diagnóstico é suspeitado pelo padrão macroscópico à endoscopia. O exame histológico revela a presença de mais de 30 linfócitos intraepiteliais/100 células epiteliais, enquanto, em estômagos normais, se observam, no máximo, sete linfócitos intraepiteliais/100 células epiteliais. A história natural é variável , com alguns pacientes se tornando assintomáticos em poucas semanas ou permanecendo com queixas dispépticas, contínuas ou intermitentes por anos. Bloqueadores dos receptores H2, cromoglicato de sódio e corticosteroides são, por vezes, prescritos em casos especiais. Um recente estudo inglês avaliou 11 pacientes com gastrite lin-ocítica e infecção por H. pylori, antes e depois da erradicação do microrganismo, sugerindo que a erradicação proporciona uma redução significativa dos linfócitos intraepiteliais e da inflamação da mucosa oxíntica, melhorando também a sintomatologia dispéptica. -Gastrites granulomatosas não infecciosas Constituem cerca de 0,3% de todas as gastrites e se caracterizam pela presença de infiltrado granulomatoso. Funcionalmente, o granuloma representa uma reação inflamatória localizada em resposta a inúmeros fatores desencadeantes, muitas vezes de etiologia não definida. Entre os fatores etiológicos conhecidos, encontram-se os granulomas do tipo corpo estranho em reação à presença de fio de sutura e talco, granulomas secundários a infecções como tuberculose, sífilis, histoplasmose, esquistossomose etc., além daqueles secundários a neoplasias como linfomas e carcinomas e a doenças idiopáticas como sarcoidose, doença de Crohn ou gastrite granulomatosa isolada, entre outras. -Doença de Crohn O acometimento gastroduodenal é raro e geralmente acompanha a doença intestinal. Raramente, se constitui na única manifestação da doença. Um estudo endoscópico e histológico de 62 pacientes com doença de Crohn ileocolônica encontrou gastrite crônica H. pylori negativa em 21 (32%) pacientes e granuloma em quatro deles. Os granulomas costumam ser pequenos, escassos e, muitas vezes, não são encontrados. O exame endoscópico pode mostrar úlceras aftosas ou serpiginosas, especialmente no antro, e uma mucosa com o aspecto clássico de calçamento de rua (cobblestone). Com o progredir da doença, o antro tende a se afunilar, sendo o duodeno contíguo também afetado, mas a ocorrência de fístulas é raramente observada. Essa entidade é, muitas vezes, assintomática, salvo naquelas situações de obstrução da via de saída do estômago ou da presença de ulceração gástrica ou duodenal. O tratamento do acometimento gastroduodenal é semelhante àquele empregado nas formas mais distais, com exceção das formulações pH-dependentes da mesalazina e da sulfassalazina. A presença de sintomas de obstrução da via de saída gástrica pode requerer dilatação com balão ou, mesmo, cirurgia. -Sarcoidose -Gastrite eosinofílica OUTRAS GASTRITES INFECCIOSAS -Tuberculose -Sífilis -Citomegalovírus (CMV) -Gastrite hipertrófica