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O NU E O SENSUAL FEMININO REGISTRADO NAS FOTORREPORTAGENS DA 
REVISTA “O CRUZEIRO” (1966-1970) 
 
Eric Allen Bueno 
Universidade do Estado de Santa Catariana (UDESC) 
Bolsista CAPES 
erichistoria@gmail.com 
 
I – Introdução: sensualidade e nudez no mundo ocidental 
 
Hoje, ao virarmos as páginas de uma revista, não nos surpreendemos com fotos de 
mulheres em poses sensuais ou nuas. Pelo contrário, tornou-se algo tão comum que é difícil 
não encontrar um periódico que não lance mão deste recurso uma vez ou outra. Fato que não 
se restringe a banca de revistas, também está nas páginas das internet, na televisão, nos 
outdoors das ruas ou em qualquer lugar em que possam ter visualidade. É algo corriqueiro 
em uma sociedade visual em que o ideal de beleza do corpo é perseguido com veemência e 
incentivado por toda uma indústria de consumo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Essa exibição do corpo feminino não é um fenômeno recente na História ocidental. No 
renascimento, quando o mercantilismo impulsionava novos mercados, uma parte considerável 
da produção pictórica1 consistia em produzir imagens de mulheres nuas ou em poses sensuais, 
geralmente relacionadas a uma temática de inspiração mitológica greco-romana, como por 
exemplo o Nascimento de Vênus de Botticelli. 
 
 
 
MaximBrasil. Setembro/2009 Veja, 04/03/2007 
Nascimento de Vênus (1485), de 
Botticelli. 
Outdoor de propaganda 
do tênis da Rebok, 2010 
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Nos séculos seguintes, o nu feminino se configurou como um dos estilos artísticos mais 
populares nas galerias de arte, surgindo variações de telas similares: 
 
 
 
 
 
 
 
Em 1863, o quadro Olympia de Éduard Manet causou escândalo na alta sociedade 
parisiense, não por mostrar uma mulher nua já que isto era algo comum na pintura. Mas sim 
por mostrar uma mulher de verdade pintada na tela. Até então, todas as mulheres retratadas 
eram Vênus, Musas e Madonas criadas pela imaginação do pintor, sem, (pelo menos 
teoricamente) nenhuma relação com a realidade. Manet quebra esse paradigma. Ele retrata 
uma das mais famosas meretrizes do período e que acabou sendo reconhecida de imediato na 
primeira exposição da pintura. Sua pele de tom esverdeado era um indicio de doenças, seu 
olhar é de desafio e superioridade. É uma imagem que inquieta o observador e por isso, 
causou todo um furor naquele momento. 
 
 
 
 
 
Após a invenção da fotografia em 1825, não demorou muito para surgirem as primeiras 
fotografias de nu, contudo, sua representação ainda se inspirava nos padrões da pintura e sua 
circulação era restrita. 
 
 
 
 
 
Olympia (1863), de Éduard Manet
Foto de Auguste Belloc, França, 1855
Eva Prima Pandora (1550), 
de Jean Cousin the Elder 
Venus of Urbino
(1532), de Titian Sleeping Venus (1510), de Giorgione. 
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No século XX temos uma explosão de imagens. As novas mídias permitem uma rápida 
difusão e popularização delas. E é aí que buscamos problematizar as imagens do corpo 
feminino. Na primeira metade do século, a imprensa era o tipo de mídia que conseguia 
abranger a maior extensão territorial, além de criar um público leitor próprio. 
No Brasil, a maioria das “revistas ilustradas” eram editadas no Rio de Janeiro, sendo 
que a Careta, O Tico-tico, O Malho, Revista Ilustrada, D. Quixote e O Cruzeiro figuram entre 
as principais neste início de século. A caricatura é a forma de ilustração mais comum devida 
as limitação técnicas do período, mas adquire grande notoriedade, como por exemplo, as 
Melindrosas de J. Carlos (1884-1950). Assim como na arte, a sensualidade e o nu feminino 
aparecem de forma metafórica, como na ilustração de Klixto em que ele representa uma 
mulher nua, em sua cabeça está uma faixa com a escrita “verdade”, saindo de uma urna 
eleitora e ao mesmo tempo, uma senhora (a política) a interpela com uma grande folha (a 
fraude) para cobri-la: 
 
 
 
 
 
 
Na segunda guerra mundial, ficaram famosas as pin-up, ilustração e fotos de garotas de 
corpo rico em formas, que misturavam sensualidade e erotismo. Sendo que estas imagens 
eram reproduzidas em aviões, calendários e pôsteres que os soldados estadunidenses 
carregavam. Destacando-se Alberto Vargas como um dos maiores representantes do gênero. 
 
 
 
 
 
 
Aos poucos a fotografia em periódicos vai se popularizando, até se tornar padrão nos 
anos 1940/1950. Mas é nos anos 1960 que temos uma ruptura na forma de se expor o corpo 
feminino. A caricatura e as ilustrações ficam em outro plano, e a fotografia vira o meio central 
de representação. Nas páginas de O Cruzeiro vemos a popularização do biquíni e o gradual 
aumento da exposição do corpo. Movimento que acompanha aquele contexto em 
“A VERDADE ELEITORAL 
A moralidade política não 
permitirá que a Verdade saia nua 
das urnas.” 
 
Klixto. D. Quixote, 20/02/1918 
Pin-up,de Alberto Vargas. 
Playboy [EUA]. 01/03/1968 
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transformação. Em 1961 o caricato presidente Jânio Quadros proibiu o uso de biquíni nas 
praias. No ano seguinte, Ruy Guerra lança o filme Os cafajestes contendo o primeiro nu 
frontal feminino e causando muita polêmica. 
Este período também ficou conhecido pelas idéias contestatórias ao regime civil-militar 
brasileiro e pela difusão da contracultura, principalmente do movimento hippie e seu famoso 
lema “faça amor, não faça guerra”, colaborando para imprimir novos sentidos ao corpo, do 
qual a nudez toma a forma de protesto e libertação no contexto de Woodstock (1969), 
inspirando idéias e movimentos similares mundo a fora. Até no plano fonográfico há uma 
maior exposição do corpo. A sensualidade ganha tom contestatório, questionando valores 
moralistas de uma sociedade opressora. Além do movimento feminista, cuja atuação foi 
marcante. 
 
 
 
 
 
 
O que quero mostrar é que as imagens de sensualidade e do nu feminino fazem parte da 
cultura visual da sociedade ocidental, especialmente da brasileira, que é o nosso caso. E se 
fazem presente em nossas vidas contemporâneas. Tal fato precisa ser historicizardo e 
contextualizado. Por isso, me proponho a analisar como a revista O Cruzeiro representou o 
corpo feminino, sob o enfoque da sensualidade e da nudez, através de fotorreportagens2 
publicadas entre 1966 a 1970. Buscando problematizar e compreender quais discursos 
visuais-conceituais foram produzidos nesse período peculiar. 
 
II – A História Visual e a revista O Cruzeiro 
 
Mas por que a revista O Cruzeiro? Dentre as fontes visuais para a História do Brasil no 
século XX, essa foi a revista mais importante e com a maior duração (1928-1975, estou 
considerando só a sua fase mais longeva), além da tiragem média de meio milhão de 
exemplares por semana. Oferecendo ao historiador um amplo repertório de informações 
culturais, políticas, intelectuais e comportamentais. O Cruzeiro também se insere no contexto 
do discurso sobre a modernidade (ela mesma se dizia moderna) e ajudou a difundir novos 
Capa e contracapa do disco 
Índia (1973), de Gal Costa. 
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hábitos, misturando “modernidade” e interesses editoriais como revela Accioly Netto, o 
diretor da revista por quase quarenta anos: 
 
As praias estavam sempre repletas de moças bonitas, exibindo novos tipos de maiô, 
algumas inclusive já usando o chamado “duas peças”, com calça e bustiêssumários 
para a época – o que constantemente causava escândalo entre as beatas ou entre as 
leitoras do interior do Brasil. Mas os homens adoravam tais exibições... e isto fazia 
vender revistas (NETTO, 1998, p.49.) 
 
Nos últimos anos vem se desenvolvendo a História Visual, ou seja, a apropriação dos 
conhecimentos da Cultura Visual aplicados para a escrita da História. Segundo Ulpiano 
Bezerra de Meneses, para o estudo de fontes visuais deve-se atentar para três grandes 
questões: o visual, o visível e a visão (MENESES, 2005, p.35-39). 
O visual corresponde a iconosfera (sistema de comunicação visual, ambientes visuais da 
sociedade, instituições visuais, condições técnicas, sociais e culturais de produção, circulação, 
recepção e ação dos recursos e produtos visuais) onde se deve procurar identificar quais são 
os sistemas de comunicação visual estão em ação. 
O visível, assim como seu oposto, o invisível, se refere a aquilo que uma 
sociedade/grupos sociais dão visibilidade/invisibilidade, o que é legítimo e o que é condenado 
cultural e sociamente. Numa sociedade oculocentrista como a nossa, a visibilidade é regida 
por normas culturais que legitimam e condenam determinadas visualidades (a pornografia, 
por exemplo, só é permitida em mídias específicas, mas a sensualidade pode ser encontrada 
em qualquer coisa). 
Já a visão 
compreende os instrumentos e técnicas de observação, o observador e seus papéis, 
os modelos e modalidades do olhar (o olho de relance, o olhar patriarcal, o olhar 
retificador, o olhar masculino, o olhar turístico, o olhar erótico, o olhar casto, o olhar 
reprimido ou condicionado, etc.). A pressuposição é a dupla mão de direção entre o 
olhar e seu objeto (MENESES, 2005: 38-39) 
 
A visão é uma construção histórica onde os sujeitos inserem suas impressões 
objetivas/subjetivas sobre determinado tema. Transparecendo assim o seu posicionamento 
perante o mundo. A análise das fontes que usarei aqui segue estas indicações. 
 
 
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III – O Cruzeiro e suas mulheres 
 
Criada em 1928 pelo empresário e político Assis Chateaubriand, O Cruzeiro foi 
financiada com dinheiro público graças à ajuda de Getúlio Vargas que gostou de sua proposta 
editorial de dar um “rosto à nação”, indo de encontro com as idéias nacionalistas do político 
gaúcho. Desde o seu nascimento, O Cruzeiro estava permeada por interesses e articulações 
políticas e assim continuou até o seu término, ajudando a eleger e derrubar políticos e 
presidentes. Mas, abraçou a causa da criação de uma identidade nacional e por anos a fio, 
procurou registrar em textos e imagens o que entendia ser a nação. 
Devida a esta importância, desde os anos 1980 vem se desenvolvendo uma 
historiografia que usa este periódico como fonte3. Mas só foi a partir dos anos 2000 que os 
trabalhos acadêmicos ganharam peso e multiplicidade temática4. Sendo que as pesquisas 
sobre a(s) mulher(es) e as relações de gênero tem sido um dos temas mais instigante como 
veremos a seguir. 
Leoni Teresinha Vieira Serpa mostra que a representação de mulher que O Cruzeiro 
difundiu estava ligada a idéia de modernidade, exibindo 
 
uma imagem relacionada às mudanças de um país que despia suas mulheres de saias 
longas e as urbanizava com biquínis, blush e pó-de-arroz, ou seja, que buscava 
moldar o comportamento feminino como novas formas de vestir e de se mostrar para 
a sociedade (SERPA, 2003, p.20) 
 
Mas, embora fosse dirigida as camadas mais altas da sociedade, a revista acabava por 
atingir um público bem variado e estimulou a entrada da mulher no mercado da beleza e da 
saúde do corpo. Ao mesmo tempo em que difundia os preceitos da “boa dona de casa”, 
obediente ao seu marido, administradora o lar e boa mãe. A mulher “moderna”, não deixava 
de ser tradicional. 
Para Luciana Rosar Fornazari, essa nova mulher também trazia consigo uma nova 
forma de se expor e ser na sociedade. Nos anos 30 e 40 as modelos e atrizes do star-system 
Hollywoodiano passam a ter grande influência como referências de beleza e comportamento. 
E no Brasil se desenvolve a profissão de modelo, o que além da remuneração, legítima sua 
aparição pública (FORNAZARI, 2001, p.82-84). Também há a formação de novas profissões 
como secretária, assessora, aeromoças, o que aumenta gradativamente o seu poder econômico 
e 
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embora seus corpos tivessem oportunidade de uma maior liberdade de gestos, por 
conta do advento de novos tecidos e modelos diferenciados, que iam de saias ao uso 
de biquínis, a vigilância se acirrou profundamente de outras formas, seja através dos 
discursos normalizadores, seja nas imagens publicadas pelas revistas 
(FORNAZARI, 2001, p.127) 
 
Leandra Francischett analisou as representações das mulheres nas fotografias de O 
Cruzeiro, enfocando como a revista, no período de 1956 a 1960, construiu dois tipos de 
representações femininas: o tripé mãe-esposa-dona de casa, em geral santificada; e o grupo 
das mulheres independentes e modernas, tidas como musas, cujo referencial eram as estrelas 
de cinema e as misses, em um claro apelo ao consumo (FRANCISCHETT, 2007). 
Nucia Alexandra Silva de Oliveira, sob a perspectiva da História de Gênero, analisou 
em sua tese como diversas revistas, entre elas O Cruzeiro, construíram as identidades 
masculinas e femininas sob a ótica do embelezamento dos corpos e na forma da propaganda 
investir sobre estes públicos, evidenciando uma crescente erotização dos corpos. Os homens 
foram gradualmente inseridos no mercado dos cosméticos e da beleza enquanto as mulheres 
mantém uma posição central nele e, a partir dos anos 1980, a publicidade passa a pregar que a 
beleza está ao alcance de todos (que podem pagar, é claro) (OLIVEIRA, 2005) 
 
IV – Olhando garotas: fotorreportagens na revista O Cruzeiro 
 
Se por um lado, nos anos 1960 as feministas estavam queimando sutiãs e gritando pela 
igualdade de direitos e a pílula anticoncepcional causavam uma revolução na procriação e na 
forma de se interagir com o corpo. Por outro, as mídias passavam a “desnudar” as mulheres 
para o deleite dos olhos masculinos. E a revista O Cruzeiro registrou essa mudança visual. 
Sendo que a sensualidade é uma das suas principais características. Aqui, entendo a 
sensualidade com: 1º Uma convenção cultural de tom sexual que muda no decorrer do tempo, 
aparecendo na forma visual, gestual, verbal e, sobretudo na postura corporal de um indivíduo 
perante o olhar do outro; 2º É um jogo de imagens marcado pelo contraste de mostra e 
esconder o corpo ao mesmo tempo. 
O Rio de Janeiro tem um importante papel na criação de um modelo de beleza feminino 
por ser um pólo econômico e cultural central. Ao mesmo tempo, assim como hoje, as grandes 
mídias se encontram lá e usavam (usam) o seu ambiente como fonte de produção de matérias. 
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E um dos tipos de reportagens constantes em O Cruzeiro era sobre as garotas que 
freqüentavam as praias, principalmente as de Copa Cabana e Ipanema, não é a toa que a 
melodia “moça do corpo dourado / do sol de Ipanema / o teu balançado é mais que um poema 
/ é a coisa mais linda que eu já vi passar”5, se eternizou na História da Música brasileira. Há 
até uma comparação indireta na edição de 22 de maio de 1965 em que um fotógrafo registra 
um olhar erótico: 
 
 
 
 
 
 
 
Um homem sentado em pára-choque de um fusca se vira para olhar as garotas de 
biquíni que passam pela calçada. A revista publicaum texto que comenta o fato: 
 
A MULHER, ou de como resistir as chamadas belezas naturais. A garôta de 
Ipanema é páreo duro para a paisagem carioca, que perderia na competição. 
Ninguém até hoje viu um pára-choque de automóvel servir de arquibancada para 
olhar o Pão de Açúcar. Em compensação, para ver mulher, até montinho de areia é 
de grande utilidade6. 
 
Durante anos seguidos, foram publicados diversas matérias nas praias e piscinas, 
enfocando as “sereias”, “gatas/gatinhas”, “brotos”, “certinhas”, “pequenas” sendo que a 
“garota de Ipanema” virou mais um termo para denominar as lindas garotas que freqüentavam 
esses ambientes, ou eram levadas até lá pela produção de O Cruzeiro para serem fotografadas. 
Em 22 de abril de 1967 a revista promoveu um concurso para a escolha da “Rainha das 
praias”, selecionando 11 fotógrafos para árdua tarefa de fotografar a garota mais linda de cada 
praia selecionada do Rio de Janeiro. Esse “grupo dos onze” reunia os fotógrafos da geração 
do “Esquadrão de Ouro”7: Henri Ballot, Idalécio Wanderley e Walter Luíz e a nova geração: 
João Rodrigues, Hélio Passos, Geraldo Viola, Elias Nasser, Rubens Américo, Douglas 
Alexandre, Fernando Seixas e José Carlos Vieira. 
Embora cada um deles tenha se especializado em algum assunto, como Idalécio 
Wanderley que era conhecido como o “fotógrafo das misses”, todos cobriam eventos e 
O Cruzeiro, 22/05/1965 
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matérias em o corpo feminino estava em evidência (carnaval, concursos de miss, etc.) e por 
isso já tinham uma vasta experiência em fotografar mulheres. 
Outro aspecto desses fotógrafos é a interação com a pessoa fotografada e como toda 
imagem é polissêmica (tem várias interpretações possíveis) eles não se limitavam ao ato 
fotográfico, mas também costumavam escrever os seus próprios textos que acompanhavam as 
fotografias na reportagens. Na fotorreportagem citada podemos perceber isso. 
A grande maioria das fotos foi posada, algo característico de O Cruzeiro, o tamanho das 
fotos foi desproporcional, dando preferência à aquelas em que a composições onde a relação 
corpo e ambiente fossem mais complexas e belas. As garotas tinham de quinze a vinte e três 
anos, todas eram estudantes seja do colegial ou da universidade, até se publica um subtítulo 
de “A filosofia também usa biquíni” procurando mostrar que as garotas não são só bonitas, 
mas também inteligentes. Chega-se até a comentar que algumas lêem Kafka e Jean-Paul 
Sartre e Jorge Amado. E a Jovem Guarda é citada com o ritmo musical predominante da 
preferência das moças. 
No final desta fotorreportagem havia um cupom onde o leitor poderia indicar a sua 
candidata à rainha e mandar para a redação da revista. Isso mostra que revista procurava ter 
interação com o seu público, fazendo-o participar das reportagens. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O Cruzeiro, 22/04/1967. Concurso rainha das praias. Com 11 fotos de 11 fotógrafos de O 
Cruzeiro: Idalécio Wanderlei, João Rodrigues, Hélio Passos, Geraldo Viola, Elias Nasser,
Walter Luiz, Rubens Américo, Henri Ballot, Douglas Alexandre, Fernando Seixas e José
Carlos Vieira. Cada fotógrafo teve uma caricatura sua publicada, o desenhista foi Carlos
Estêvão. 
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A exaltação da beleza feminina fui uma constante na história da revista, mas com o 
tempo, também passou a procurar mostrar o lado sensual das garotas. Em 1966 a revista 
lançou uma série de matérias em forma de fotorreportagem em que mulheres faziam um strip-
tease. E essa idéia voltou a se repetir nos anos seguidos nas matérias sobre garotas na praia. 
Como em uma história em quadrinhos, cada foto mostrava a ação de tirar a roupa e tendo ao 
final, ocupando duas páginas inteiras, uma foto de corpo inteiro ou no plano americano, como 
se vê na figura abaixo, também era necessário girar 90º graus a revista para melhor visualizá-
la. O tamanho da revista era 25,5 cm X 33 cm, ou seja, muito maior do que as de hoje. E 
quando aberta ficava com 51 cm X 33 cm, então uma foto virava praticamente um pequeno 
pôster o quê causa um efeito visual considerável. E quando pensamos que a revista Playboy 
só surgiu no Brasil em 1975, fica claro que a revista O Cruzeiro era a mídia visual mais 
popular a dar ênfase à sensualidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Já a nudez não aparecia com tanta freqüência quanto à sensualidade, afinal, a década de 
1960 é um período de rupturas, mas continua atrelada aos valores moralistas da sociedade 
patriarcal brasileira, além da censura que passou a ficar cada vez mais rígida. Contudo, ela se 
fazia presente em ensaios fotográficos. Mas que nem sempre eram exclusivos dos fotógrafos 
de O Cruzeiro, exemplo disso é a matéria sobre Yoichi Aoyagi, um fotógrafo japonês que 
“captou para O Cruzeiro a beleza carioca”8, a reportagem consiste em um panorama geral da 
vinda do fotógrafo ao Brasil e reproduz quinze fotografias, todas de mulheres. Entre elas, se 
destacam a capa da manchete com uma mulata de costas vestida apenas com a parte debaixo 
do biquíni. Uma morena no meio e uma loira na direita, também de costas e com os seios 
O Cruzeiro, 13/11/1969 
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descobertos. Essa escolha de diagramação das fotos nas páginas pode sugerir uma versão 
feminina para o mito das três raças. Coisa que O Cruzeiro já tinha feito antes9. 
 
 
 
 
 
Além destas, haviam várias em que o corpo nu aparece como uma sobra em meio ao 
cenário ou se confundo com ele. E tem uma que ocupa um pouco mais de uma página, 
mostrando uma mulata deitada na praia enquanto olha diretamente para o observador. E outra 
em que o corpo nu de uma garota recebe um jato de água, o que causa um belo efeito visual. 
O cinema também foi uma fonte muito importante para a difusão da sensualidade e 
nudez. Sendo uma constante o contato entre a revista e o cinema. Em uma produção nacional, 
como “Amor e desamor” (1966), de Gerson Tavares, cuja direção de fotografia foi de Hélio 
Silva que também era fotógrafo de O Cruzeiro, a nudez feminina é o principal destaque das 
fotografias reproduzidas em O Cruzeiro, mas por outro lado é exibida de forma amena. 
Procurando mostrando as costas nuas (como na reportagem anterior), o que tinha a dupla 
vantagem de ser sensual e ao mesmo tempo tolerável para as pessoas mais conservadoras. E 
assim essas imagens transitam entre o ousado e o socialmente aceitável. 
 
 
 
 
 
 
 
 
A nudez e sensualidade dos filmes foi uma constante, mesmo que os textos não a 
citassem diretamente, as fotografias as contemplava. Na reportagem “As exóticas idéias de 
O Cruzeiro, 16/10/1966. 
O Cruzeiro, 30/06/1971
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Lolô” sobre o filme “Amor à italiana” (1965) do diretor Strange Bedfellows, o texto discorre 
sobre dificuldades de filmagens e idéias sobre o comunismo do roteiro, mas não faz qualquer 
comentário sobre nudez da atriz. E ela aparece nas três fotografias publicadas. O que indica 
que a nudez por si só já é um discurso visual que independe de um texto específico. Sendo 
que sua publicação é uma estratégia comercial por ser algo que atrai o leitor. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
V – Considerações finais 
 
O nu e o sensual se estruturaram como temas visuais comuns na sociedade ocidental. 
Mas não é qualquer nu ou sensual. É especificamente o feminino (o masculino é praticamenteinvisível) e que corresponde a alguns tipos de corpos considerados belos. 
Para se legitimar, essas visualidades estão diretamente ligadas a concepções da arte, a 
beleza enquanto produto cultural a ser apreciado. Embora as mulheres sejam um objeto a ser 
visto, não podem ser consideradas como submissas a esse processo. Primeiramente, é 
necessário a coragem para se despir e enfrentar as lentes do fotógrafo. Segundo, a 
profissionalização de atrizes e modelos da possibilidade de uma emergência econômica e 
social que possibilita sua independência e maior mobilidade para a mulher, o que é um avanço 
para sua História que é marcada por desigualdades. 
E por fim, esse tipo de visualidade é gerado pela negociação entre o fotógrafo que irá 
tentar influir na forma com que a modelo se expressa corporalmente e como ela busca se auto-
representar. 
 
 
 
 
O Cruzeiro, 04/09/1965 
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 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 
1132
WIENSKOSKI, Paula. Carlos Estêvão, cronista do traço: retratos críticos no cotidiano 
familiar. Rio de Janeiro, 2002. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Universidade 
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Belas Artes, 2002. 
 
 
NOTAS 
 
1 Ou no mínimo, é uma das principais referencias que chegaram até nós. 
2 Segundo Jorge Pedro Souza, o objetivo da fotorreportagem é “geralmente, situar, documentar, mostrar a 
evolução e caracterizar desenvolvidamente uma situação real e as pessoas que a vivem” quase sempre com uma 
legenda orientando a leitura ou, ainda, um pequeno texto localizando o lugar, as pessoas e a situação. SOUSA, 
Jorge Pedro. Fotojornalismo: introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa. 
Florianópolis, SC: Letras Contemporâneas, 2004. p. 104. 
3 Destacando-se os trabalhos de: SILVA, Marcos A. da. Prazer e poder do amigo da onça 1943-1962. Rio de 
Janeiro: Paz e Terra, 1989; SODRÉ, Nélson Werneck. História da imprensa no Brasil. 3. ed. São Paulo: Martins 
Fontes, 1983; ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. A embalagem do sistema: a publicidade no 
capitalismo brasileiro. Bauru, SP: EDUSC, 2004. (Coleção Ciências Sociais); FIGUEIREDO, Anna Cristina 
Camargo Moraes. "Liberdade é um calça velha, azul e desbotada" Publicidade, Cultura de Consumo e 
Comportamento Político no Brasil (1954-1964). São Paulo: Editora HUCITEC História social, USP, 1998; 
PEREGRINO, Nadja. O Cruzeiro: a revolução da fotorreportagem. Rio de Janeiro: Dazibao, 1991. 
4 Ver: AGNOLLETO, Taiane Caroline. Um mosaico do Brasil através das fotorreportagens de José Medeiros 
em O Cruzeiro (1946-1962). PUC-RS. Porto Alegre, 2009; CAMPO, Daniela Queiroz. Espectros dos anos 
dourados: imagem, arte gráfica e civilidade na coluna Garotas da revista O Cruzeiro (1950-1964). Dissertação 
(Mestrado em História). PUC-RS. Porto Alegre, 2010; GAVA, José Estevam. Momento bossa nova: Arte, 
cultura e representação sob os olhares da revista O Cruzeiro.Tese (Doutorado em História). UNESP. Assis,2003; ROMANELLO, Jorge Luiz. A natureza no discurso fotográfico da revista O Cruzeiro: Paisagens e 
imaginários no Brasil desenvolvimentista 1954-1961. Tese (Doutorado em História). UNESP. Assis, 2006. 
SILVA, Silvana Louzada da. Fotojornalismo em revista: O fotojornalismo em O Cruzeiro e Manchete durante 
os governos Juscelino Kobitschek e João Goulart. Dissertação (Mestrado em Comunicação). - Universidade 
Federal Fluminense - UFF, Niterói, 2004; WIENSKOSKI, Paula. Carlos Estêvão, cronista do traço: retratos 
críticos no cotidiano familiar. Rio de Janeiro, 2002. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Universidade 
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Belas Artes, 2002. 
5 Trecho da música “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, composta em 1962. 
6 O Cruzeiro, 22/05/1965. (Não há referências sobre a autoria do texto e da foto. E mantive a grafia original da 
época). 
7 Essa é denominação que a equipe jornalística de O Cruzeiro recebeu de David Nasser e que também é uma 
característica daquele contexto em que grupos e pessoas recebiam denominações informais que acabavam se 
tornando marcos de sua identidade.  
8 O Cruzeiro, 30/06/1971 
9 Na edição de 16/08/1947 O Cruzeiro publicou a foto intitulada “Três raças tristes” de José Medeiros, e que 
consistia na representação de um “índio”, um “branco” e um “negro” no primeiro plano, sob um fundo escuro. 
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